2017

O que mantém o homem vivo: devaneios sobre as transfigurações do humano

por Renato Lessa

Resumo

Para Althusius, os seres humanos nascem como náufragos que, nus, sem qualquer proteção ou inscrição prévia no mundo, recorrem a ilhas. Por certo, em tal imagem, há algo de aristotélico, já que Althusius trata de seres cuja viabilidade existencial decorre do natural ímpeto à sociabilidade. Daí a fala, cuja identidade é dada pelos seus nexos, isto é, pelo que ela retira e acrescenta ao mundo. O laço social é o antídoto do naufrágio, cujo oposto é o acolhimento. Por isso, o conceito de homem dependerá da atração exercida por tais opostos sobre suas crenças.

A hipótese do acolhimento constitui o mito de origem social comum. E disso a filosofia política, constituída por diversas imagens de vida social, dá provas, pois remete a distintas formas de erradicar ou, ao menos, mitigar a condição náufraga. Mais do que qualquer outro filósofo, Hobbes demonstrou o parentesco entre vida náufraga e impossibilidade da própria vida, pela operação do espectro da morte violenta.

Já o século 20 exige que se pense a hipótese do naufrágio como uma definição terminal da condição humana, pois há nele sinais eloquentes que desafiam o conforto proposto pela metáfora do acolhimento, que, depois de guerras e do holocausto, tornou-se difícil. Trata-se de propor uma condição humana híbrida e liminar, que acabou por reivindicar alguma normalidade. Nela, tudo é confuso e avesso à inscrição.


UMA ABERTURA

A indagação de Bertold Brecht “o que mantém um homem vivo?”– pre- sente na letra de uma das canções de sua Ópera dos Três Vinténs – é a mãe de todas as perguntas[1]. Trata-se, a meu juízo, de uma questão matricial e compulsória a toda filosofia política e moral. Independentemente de suas variantes, o campo da filosofia política e moral configura-se a partir da proposição de mínimos humanos necessários para sustentar aquilo que se pretende definir como sendo uma existência consistente. É possível, mes- mo, imaginar algumas dessas variantes a exibir pessimismo, impotência ou descrença na busca de qualquer patamar mínimo e que, por assim fazer, desistem do humano. Uma desistência que será, ainda assim, sempre pesarosa, posto que a exibir em sua configuração e em desespero o avesso do que sustenta.

Por certo, é sempre possível operar fora do limite do pesar, tal como Bazarov – o primeiro niilista –, personagem de Ivan Turguêniev em Pais e filhos e notável por sua interessante teoria – intocada por qualquer deses- pero – a respeito da dignidade humana: os seres humanos individualmente não me interessam, os seres humanos são como plantas, eu vejo uma planta, eu sei como uma planta é e sei como as outras plantas são.

Mesmo nessa formalização brutal, que antecipa o revolucionário Stepan – personagem de Albert Camus na peça Os justos –, em sua ojeriza aos seres humanos individualizados, a supressão do individual aparece como condição da realização de um ideal para a espécie, ainda que por meios confusos e letais. Meios que, além de seus efeitos deletérios, parecem ser sustentáveis apenas pela sapiência e pelo amoralismo de tipos como Baza- rov e Stepan. Do mundo de ambos pode-se dizer que ainda seja humano, o que, como sabemos, não é condição suficiente para muito alento.

De minha parte, desconheço no domínio da filosofia política e moral o abandono triunfal do humano, pleno de consequências e inegociável, pois, em se tratando desse campo, toda negação acaba por inscrever-se, de modo necessário, em um grande debate a respeito do que é propriamente humano, e do que nele deve ser preservado. Trata-se de um debate que produz consequências importantes.

Ao pugnar por definições do que deve ser considerado propriamente humano, a tradição da filosofia política e moral põe em ação duas dinâmicas distintas e opostas: uma caracterizada pela contínua produção de imagens positivas a respeito da condição humana, do que lhe é peculiar e do que não lhe pode faltar; outra, quase que de forma corolária em sentido negativo, marcada pela contraimagem do desumano, do que não pode triunfar sob pena de erradicar as mais comezinhas características do que se está a afirmar como marca do humano. Há dialética na coisa: de tanto buscar a definição do que deve consistir o humano, a filosofia política e moral defronta-se com uma de suas possibilidades inelutáveis: o âmbito do desumano. Tal como no universo dos maniqueus, cada uma das metades dá sentido à outra: desumano, posto que humano. São os meandros da filosofia política que devem aqui, portanto, ser revisitados, posto que constituídos por esforços de definição do que é o humano.

O QUE SERIA DE NÓS SEM O SOCORRO DO QUE NÃO EXISTE?

Comecemos por este ponto: a tradição da filosofia política, mais do que exibir uma sucessão de sistemas constituídos pelos azares da história e por contextos particulares, como sustentam os historiadores das ideias, indica a presença de uma miríade de esforços continuados de configura- ção de mundos sociais possíveis. É como se a pergunta aforismo de Paul Valéry – o que seria de nós sem o socorro do que não existe? –, por algum efeito misterioso de retroação, estivesse presente desde a origem – e durante todos os trajetos – da tradição da filosofia política.

Em outros termos, se for possível falar de uma história da filosofia política, esta não será marcada por uma espécie de procissão cumulativa, na qual cada episódio acrescenta ao conjunto sua marca particular, na direção de patamares de esclarecimento e elucidação cada vez mais consistentes. Ao contrário, o que tenho sustentado é que se trata de uma história de dissensos e litígios, à qual um termo cunhado pelos antigos céticos gregos – diafonia – aplica-se à perfeição[2].

Sabemos pelo cético Agripa, glosado pelo filósofo Sexto Empírico, no século mmm da era cristã, que diafonia significa um desacordo filosófico indecidível. Um desacordo de tal natureza não abriga a possibilidade de arbitragem, pelo não reconhecimento por parte dos contendores da existência de um espaço exterior a suas formulações, capaz de elucidar litígios, estabelecer sínteses e praticar atos de justiça epistemológica. O esforço do árbitro, na verdade, acaba por não fundar a resolução do litígio, mas, por ocupar uma posição com idêntica pretensão à verdade, tem como efeito a extensão do dissenso.

O que tornou o campo da filosofia política vulnerável à maldição da diafonia foi o fato de que ele se inscreve além dos limites de um saber descritivo, cujos litígios podem ser arbitrados por protocolos consensuais ou por ilusões de referencialidade compartilhadas. Qualquer dúvida, por exemplo, a respeito do fato de estarmos numa mesma sala poderá ser sanada pelo reconhecimento imediato, fático e compartilhado de que estamos, com efeito, numa mesma sala. A prova, por certo, não é filosoficamente neutra, já que toma partido do filósofo G. E. Moore, em detrimento do replicante cético inventado por Descartes, nas Meditações. Mas, de qualquer forma e ainda que não inocente, a prova lança mão de uma experiência compartilhada que secularmente nos ensinou a assentir que estamos em uma sala desde que nela estejamos.

Filósofos políticos – qua filósofos – inventam desenhos de mundo. Nos termos de Nelson Goodman, são fazedores de mundos (world makers)[3]. Quando transitam pelo mundo ordinariamente compartilhado com não filósofos – a depender da filosofia que propugnam, por certo –, são capazes de reconhecer os objetos compartilhados, mas não se abstêm de sobre eles exercer seu juízo, cujo fundamento não está inscrito no mundo imediato, mas decorre de atos de ficção e de invenção. Seus dissensos, portanto, não são resolvíveis por meio de provas e demonstrações, posto que o que dizem decorre de imagens do que gostariam de ver inscrito no mundo. A força desta potência normativa não deve ser subestimada: em termos diretos, pode-se dizer que o objeto da filosofia política é o não existente.

Não é por razão outra que o futuro é, de forma não infrequente, apresentado como o tempo de vigência dos desenhos de mundo inventados pela tradição da filosofia política. Ora, só há um modo de falar do futuro: inventando-o, imaginando-o; orientando-se pelo que não existe, pelo que não está posto na experiência imediata. Com frequência, tal dimensão imaginativa – e, por que não o dizer, alucinada – aparece de modo recalcado pela retórica da ciência como fundamento necessário da presciência. Marx, por exemplo, recusaria o que para ele teria sido a duvidosa ho- menagem de designá-lo como inventor de uma forma social possível – a sociedade sem classes –, já que convicto de que seu mérito teria sido o de desvendar as leis da história que indicam a necessidade do trânsito naquela direção. Tal recusa não o retira do universo dos que se ocuparam do futuro, um domínio cuja consideração exige a operação de mecanismos alucinatórios e imaginativos. Tal como Marx, a espécie humana parece constituir-se como sujeito histórico com base no que põe no futuro: é esse um dos sentidos cruciais da pergunta de Valéry e, em chave menos inspirada, da ideia aqui proposta da filosofia política como exercício que se ocupa de coisas não existentes.

O atributo política aposto ao termo “filosofia” indica que os jogos imaginativos praticados têm como endereço possível a configuração da vida social. Em outros termos, a filosofia política é um exercício ficcional voltado para a constituição concreta de formas de vida. Mesmo quando se apresenta em pregnância absoluta com o presente, por sustentar a sua eternização ou sua fixação institucional, não escapa do imperativo da alucinação, presente em qualquer ser que desenha a forma do futuro. O politólogo realista, que se crê ajuizado e imune à sedução de desvarios normativos, alucina quando configura – por suas crenças causais e profis- sionais – um modo do presente que lhe servirá de critério supostamente seguro para fixar as formas do futuro.

DA FILOSOFIA POLÍTICA, DA CONDIÇÃO HUMANA E UM DE SEUS MODOS POSSÍVEIS

Quando falamos em mutações ou transfigurações do humano, é impossível evitar a sensação de que a tradição da filosofia política não é de todo inocente, para pôr as coisas de modo moderado. A grande diafonia dos filósofos políticos é, antes de tudo, constituída pelo conflito imemorial entre imagens da condição humana.

Tomemos um caso memorável. A imagem pictórica de Rafael Sanzio, ao representar no século xvm o que designou como Escola de Atenas, opõe em sua cena central Platão e Aristóteles em um embate no qual ambos apontam para direções distintas – o primeiro para os céus e o segundo para baixo –, a indicar o terreno sobre o qual a realidade se constitui. Em apoio a seus gestos, movimentos corporais fundadores de ontologias, cada qual dos contendores conta com um livro sob o braço oposto[4]. O Timeu, pelo lado platônico, e a Ética, por parte de Aristóteles.

É curioso que Rafael tenha escolhido a Ética como contraponto do Timeu. Se fosse o caso de uma controvérsia de ordem cosmológica, ou a respeito da origem ou fundamento de todas as coisas, Aristóteles estaria mais bem servido no embate se portasse a Física, o De Caelo, para não falar da Metafísica. Mas Rafael, ao adotar como contraponto a Ética, parece ter sido portador de um juízo filosófico fino – ou de uma forma de filosofar com pincéis –, a saber, o que sustenta a centralidade do tema da condição humana. Em outros termos, no núcleo da controvérsia entre os dois gi- gantes ali representados inscrevem-se concepções distintas e inegociáveis a respeito da condição humana, e não da natureza e do ser em geral.

Para o autor do Timeu, uma condição exilada, apartada do mundo das formas e imersa na materialidade e confusão dos sentidos, à espera de um ato clarividente de reparação que a devolva à plena integridade existencial. Para Aristóteles, um animal que fala e que constrói agregados políticos, para os quais a dimensão da ética, como liame e como atividade prática, se impõe. Duas expressões distintas do que poderia/deveria ser a condição humana. E mais: duas referências igualmente discrepantes a respeito do tipo de ordem política e moral que lhe deve corresponder.

O atributo política, presente na expressão filosofia política, não deve ser entendido de forma trivial, como a indicar tão somente que um ramo decaído da filosofia se ocupa de questões políticas. Não só não é o caso de que existam objetivamente questões políticas sem que a tradição da filosofia política as tenha inventado e as apresente como tal em uma linguagem própria, como é fundamental levar em conta que o que torna a filosofia política é a sua presença na constituição concreta do experimento humano. Explico-me: se for sustentável a hipótese de que a vida social é cons- tituída pela decantação de sistemas simbólicos, há que incluir a tradição da filosofia política nesse processo. O que hoje tomamos como instituições dotadas de irrecorrível materialidade pode ser percebido como um conjunto de artefatos humanos postos na ordem da história por atos de invenção, nos quais o desenho de futuros possíveis desempenhou papel decisivo. No que diz respeito ao tratamento da pergunta-mãe – em que consiste o humano –, a querela entre sistemas filosóficos teve papel por vezes decisivo. A solução dessas querelas acabou por indicar a adoção de princípios que seriam inteiramente distintos, caso a disputa indicasse direção distinta.

Exemplos abundam. Um dos mais notáveis pode ser encontrado no embate que opôs Santo Agostinho, já em sua velhice, ao jovem e brilhante bispo Juliano de Eclano, nas primeiras décadas do século V. Apesar das discutíveis vantagens da idade, Juliano de Eclano foi derrotado, e com ele uma concepção da condição humana na qual a ideia do pecado original não tinha lugar. De acordo com Peter Brown, importante biógrafo de Santo Agostinho, Juliano de Eclano teria sido o crítico mais devastador de Agostinho em sua velhice [5]. Pensadores separados por um abismo mais fundo do que o Mediterrâneo, em cada um deles encontramos respostas teológicas distintas, dotadas de implicações civilizatórias igualmente discrepantes.

Juliano de Eclano põe-nos diante de um Adão apresentado como um lavrador inofensivo de uma terra aprazível, sob a jurisdição de um senhorio benevolente. A imagem traz consigo a recusa da ideia de haver um pecado que faça originariamente parte da natureza humana. Diz-nos o bispo de Eclano: trata-se de “ideia improvável, inverídica, injusta e ímpia; faz parecer que o Diabo seria o criador dos homens. Ela viola e destrói a liberdade de arbítrio […] ao dizer que os homens são tão incapazes de virtude que, no próprio ventre de suas mães, estão cheios de pecados passados”.

Ouçamos o contra-argumento agostiniano: O Antigo Pecado: nada é mais obviamente parte de nossa pregação do cristianismo; no entanto, nada é mais impenetrável para o entendimento[6]. Como superar essa impenetrabilidade e aceder ao entendimento? Agostinho apresenta a base “histórica” para sustentar o imperativo do pecado original. São as circuns- tâncias “precisas” da Queda que nos são expostas. Quando Adão e Eva desobedecem a Deus e comem do fruto proibido, eles se envergonham um do outro: cobrem suas genitálias com folhas de figueira. Isso é o su- ficiente para que Agostinho conclua: “Ecce unde. Eis o lugar! É por esse lugar que o primeiro pecado é transmitido[7]”.

Para seu oponente, ao contrário, o instinto sexual é como um sexto sentido do corpo. O homem é imaginado como microcosmo delicada- mente equilibrado entre a razão e o sentimento animalesco. A possibilidade da perfeição nos é dada, e, nesse sentido, pode se constituir em um dever. Não há nada de natural ou pré-natal que nos impeça. Deus é uma potência dotada de racionalidade. A força universal de sua lei nos orienta. Constitui uma aberração a tese da culpabilidade original dos recém-nascidos.

Morto em meados do século v, na Sicília, Juliano de Eclano, esse “Caim de nossa época” – tal como o definia Agostinho –, terá em seu túmulo o dístico: Aqui jaz Juliano, o bispo católico. Harnack, em sua mo- numental História do Dogma, apresenta-nos Juliano de Eclano como uma possibilidade não realizada, como um homem dotado de uma visão otimis- ta da natureza humana, inadequado a seu século[8].

Que experimento humano poderia ter resultado da vitória de Juliano de Eclano, no embate com Santo Agostinho? Que quadro civilizatório resultaria se as suas teses, e não as de Agostinho, acabassem inscritas no passado de nosso imaginário? Impossível dizer com nitidez. Mas é razoável supor que os contornos seriam distintos, na ausência de uma cláusula tão decisiva para o desenho do Ocidente medieval como a do pecado original e das consequentes formas institucionais e simbólicas para sua remissão. Pelo exemplo desse embate pode-se ver a medida na qual derrotas significam a eliminação de futuros possíveis. Eis por que o campo da filosofia política e moral deve ser considerado, também, na perspectiva dos fracassos que contém.

Os exemplos da pintura da Rafael e do embate Agostinho de Tagaste-Juliano de Eclano, penso, solicitam nossa atenção aos jogos imaginativos e metafóricos praticados pela tradição da filosofia política e moral. Tais jogos, mais uma vez, contêm desenhos de sociedades imaginadas e, necessariamente, determinações do que caracteriza a natureza humana. Este ponto é crucial: são as configurações imaginárias a respeito do que significa a natureza humana que, no domínio da assim chamada história real, estabelecem os contornos éticos e normativos da condição humana.

A FÁBULA DE JOHANNES ALTHUSIUS

Proponho que nos deixemos levar pela mão de um dos autores desses jogos imaginativos aos quais acabo de me referir: Johannes Althusius, pensador do fim do século XVI e início do XVII, natural da Vestfália. Se a história da filosofia política – seguindo uma prescrição geral de Jorge Luis Borges – pode ser reduzida à história de algumas metáforas[9], é necessário que adotemos alguma para tratar das demais, já que apenas metáforas podem interagir com metáforas. A que proponho utilizar foi apresentada no início do século XVII por aquele pensador.

No primeiro capítulo de sua obra intitulada Política – publicada originalmente em 1603 –, Althusius, ao falar das “Acepções gerais da política”, apresenta uma instigante concepção da condição humana. Ouçamo-lo:

[…] o homem nasce privado de toda a assistência, desnudo e inerme, como se houvesse perdido todos os seus bens em um naufrágio, fosse lançado nas desgraças dessa vida e não se sentisse capaz de, por seus próprios meios, alcançar o seio da mãe, suportar a inclemência do tempo, nem mover-se do lugar aonde foi arremessado. Sozinho nesse começo de vida terrível, com tanto pranto e lágrimas, seu futuro se afigura uma ingente e miserável infelicidade. Carente de todo conselho e auxílio de que, não obstante, precisa, ele não tem como ajudar a si próprio senão com a intervenção e o socorro de ambos[10].

A cena althusiana instaura uma definição da condição humana marcada pelo sofrimento e pela incerteza. As dores do parto, que em outras chaves metafóricas encerram e encenam o lugar do sofrimento, não são redimidas pelo nascimento, como seu avesso feliz e como expulsão do que faz doer. São, na verdade, ultrapassadas pela imagem de um ingresso em uma forma de existência, revelada pela mais grave e desafiadora das metáforas, a do naufrágio.

Não há inocência no universo das metáforas. Esses duplos simbólicos da existência, por meio de inúmeros contrabandos de sentidos, instauram formas próprias de realidade, e, por assim fazê-lo, impõem suas marcas e orientações. A metáfora do naufrágio não constitui exceção às artes desse poderoso mecanismo de configuração do humano.

Hans Blumenberg, em um pequeno e magnífico livro, chama-nos a atenção, logo em sua abertura, para um paradoxo: “O homem conduz a sua vida e ergue as suas instituições sobre terra firme. Todavia, procura compreender o curso de sua existência na sua totalidade, de preferência com a metáfora da navegação temerária[11]”. O repertório dessa metáfora parece ser inesgotável: “há costas e ilhas, portos e alto-mar, recifes e tempestades, abismos e calmaria, vela e leme, timoneiros e ancoradouros, bússola e navegação pelos astros, faróis e pilotos[12]”.

O naufrágio – na verdade – é uma das possibilidades de uma metáfora maior, a da navegação como forma de denominar a própria existência. Um dos argumentos centrais de Blumenberg sugere que a metáfora da existência como navegação, presente originariamente em Lucrécio, teve um papel recorrente e estruturante em diversas reflexões, até a modernidade, sobre os significados da vida. Para ele, o naufrágio, neste campo de represen- tação, é algo como a consequência legítima da navegação. Dois pressupostos constituem a carga metafórica da navegação e do naufrágio:

[…] primeiramente o mar, enquanto limite natural do espaço de em- preendimentos humanos, e, por outro lado, a sua demonização en- quanto esfera do incalculável, da ausência de lei, da desorientação. Até na iconografia cristã e ainda nesta, o mar é local de manifestação do mal, sendo-lhe atribuído o traço gnóstico de sinalizar a matéria bruta que faz tudo retornar a ela própria e tudo devora. Faz parte das pro- messas o apocalipse de João, no estado metafísico não haver mais mar (η ταλασσα ουκ εστι ετι). Na sua forma pura, a Odisseia é expressão da arbitrariedade dos poderes, da recusa a Ulisses do retorno ao lar, do er- rar sem sentido e, finalmente, do naufrágio, em tudo o qual a segurança do cosmos é posta em questão e o seu antivalor gnóstico antecipado[13].

Embora precedido por uma milenar tradição metafórica, para a qual a imagem do naufrágio aparece como figura central, há algo na formulação althusiana que merece destaque e atenção. Há, por certo, um forte eco aristotélico em sua imagem da incompletude humana enquanto di- mensão puramente natural. Tal como Aristóteles, Althusius fala de seres cuja viabilidade existencial decorre do natural ímpeto à sociabilidade. O “animal que fala” é um ser cuja identidade plena é dada e construída pelos seus nexos, pelo que retira e acrescenta ao mundo. Nesse sentido, o laço social aparece como antídoto dos naufrágios.

Mas, suspeito, há mais utilidade em Althusius do que sermos ortodoxamente althusianos. Com efeito, as imagens contrapostas do naufrágio e do acolhimento podem ser tomadas como antípodas lógicos e como indicadoras de padrões específicos de sociabilidade. A definição do que é humano dependerá da gravitação exercida sobre nossas crenças por esses polos opostos. Por certo, na metáfora de Althusius, o acolhimento é complementar ao naufrágio: ali não se vislumbra a hipótese da termi- nalidade do naufrágio absoluto. A salvação, dessa forma, é um corolário do naufrágio. Há, pois, um certo otimismo teleológico na coisa.

A macro-hipótese do acolhimento – em oposição ao naufrágio – constitui o mito de origem comum de toda a filosofia política. A razão parece-me relativamente simples: por ser ela uma tradição intelectual constituída por diversas imagens de vida social, a hipótese do naufrágio incurável é incon- sistente em termos lógicos. A diversidade no campo da filosofia política e moral diz respeito a formas distintas de erradicar ou, ao menos, mitigar a condição náufraga. Esta é a sua forma peculiar de resposta à pergunta brechtiana: o que mantém um homem vivo é a forma do acolhimento que o incorpora.

TRÊS MODOS MODERNOS DO ACOLHIMENTO: MAQUIAVEL, HOBBES E MONTESQUIEU

As formas de fabricação de mundos praticadas pela tradição da filosofia política podem ser pensadas, portanto, como modos de fixação do acolhimento. À pergunta brechtiana original, a filosofia política moderna, a ecoar uma inspiração clássica e longínqua, tende a responder por meio do desenho de formas de vida sustentadas pela ideia de proteção e estabilidade. O pensamento político moderno, apesar de ter recepcionado em suas distintas variantes a ideia de indivíduo como base da sociabilidade e como deflagrador de dinâmicas de fragmentação e variedade, conserva da reflexão clássica a perspectiva de uma comunidade protegida, como condição de consistência do próprio experimento humano. Proteção, com frequência, terá por significado o estabelecimento de um halo que pretende estabelecer limites para os efeitos deletérios e inesperados, decorrentes das múltiplas interações e causalidades que a vida social contém. Tradição, soberania, razão, fabricação institucional, entre outros, serão percebidos como limites interpostos ao inaudito e à perspectiva do naufrágio. Três episódios intelectuais centrais do universo da filosofia política moderna, entre os séculos XVI e XVIII, podem ser aqui mencionados como representativos dessa preocupação: Maquiavel (XVI), Hobbes (XVII) e Montesquieu (XVIII).

Mesmo em um autor um tanto agonístico como Maquiavel, que toma o atributo instabilidade como fixado de modo indelével à condição humana, a perspectiva da proteção e da estabilidade não está inteiramente ausente. A antropologia maquiaveliana, com efeito, não é exatamente edificante. Ela apresenta os seres humanos como dotados de traços permanentes um tanto destrutivos, em qualquer tempo e lugar: egoísmo básico, agressividade e ambição. O catálogo clássico dos pecados capitais poderia ser tomado, em viés florentino, como uma espécie de carta constitucional da humanidade em movimento. Tal como os humanos imaginados por Thomas Hobbes, um século e meio à frente, os personagens desenhados por Maquiavel não são guiados por regras de moralidade exteriores e nem por nenhuma dinâmica interna de autocontenção. Mas, ao contrário de Hobbes, não há no florentino o recurso apaziguador à lei natural, que, para o primeiro, impõe pela razão a necessidade da cooperação pacífica e regulada. É como se o estado de natureza, tal como Hobbes o definiu, se aproximasse dos traços inscritos na etnografia que Maquiavel construiu a respeito da vida social e civil dos humanos.

Mas o núcleo da propensão humana à instabilidade não decorre apenas das características até aqui indicadas. O mais importante está contido na percepção maquiaveliana da natureza humana como espécie produ-tora de escassez. Trata-se de uma compulsão precisa: os homens querem melhorar sempre. A saciedade não está inscrita em horizonte finito. Por comparação e inveja, torna-se possível querer melhorar sempre e operar com a imagem de um horizonte móvel. No que diz respeito à vida polí- tica e civil, o corolário é claro: “[…] os homens mudam de boa vontade de senhor, supondo melhorar, e esta crença os faz tomar armas contra o senhor atual[14]”.

As propensões humanas destrutivas não podem ser contidas pelo ape- lo ao mundo da transcendência. Elas só podem ser limitadas pela força ou pela astúcia, recursos concretos que devem ser utilizados por um sujeito político que não se distingue dos demais, quer por seu programa moral, quer por sua posição social, quer por seus recursos cognitivos inatos. Os conselhos ao príncipe são prescrições oferecidas a um homem comum, que pela posse dos recursos políticos – força e astúcia – e pelo seu uso eficaz pode garantir a estabilidade de seus domínios.

As prescrições apresentadas por Maquiavel a respeito dos cuidados cognitivos que um príncipe deve ter revelam a preocupação com a obtenção de um marco de estabilidade, capaz de conter as dinâmicas de fragmentação da experiência humana:

[…] quanto ao exercício do pensamento, o príncipe deve ler histórias de países e considerar as ações dos grandes homens, observar como se conduziram nas guerras, examinar as razões de suas vitórias e derrotas, para fugir destas e imitar aquelas; sobretudo deve fazer como teriam feito em tempos idos certos grandes homens, que imitavam os que antes deles haviam sido glorificados por suas ações[15].

A corrosão das referências teológico-políticas medievais, supostamente seguras e infalíveis, introduziu de modo inapelável o falibilismo como limite para qualquer conhecimento histórico e político.

A solução de Maquiavel para os riscos da fragmentação e do naufrágio possui a marca desse limite e dessa precariedade. O príncipe, enquanto princípio do ordenamento social, é um fator de estabilidade que depende de sua capacidade de observação da experiência passada. Uma capacidade aberta ao erro e à má avaliação. Além disso, pelo fato de o lugar que ocupa ser o mais cobiçado de todos, o fator de estabilidade que contém estará fincado desde sempre em um horizonte possível de instabilidade. Em termos diretos, embora não haja antídoto infalível para a fragmentação e para o naufrágio, o ordenamento da comunidade humana, assentado na possibilidade – mas não na certeza – de um domínio político duradouro, poderá estabelecer formas precárias, porém mais do que desejáveis, de acolhimento e proteção.

Cerca de um século e meio após a genial perspectiva aberta por Maquiavel, coube a Thomas Hobbes a produção de uma das mais eloquentes imagens do naufrágio e do acolhimento. Com efeito, a metáfora do estado de natureza acabou por fixar-se de forma tão intensa em nosso vocabulário político que, com facilidade, a empregamos quase compul- soriamente diante das sensações de desordem, violência generalizada e fragmentação extrema do social. O que Hobbes pretendia era demonstrar – com rigor geométrico e lógico – a necessidade da soberania política como meio de erradicação – ou ao menos controle – da possibilidade da morte violenta como destino da espécie.

No âmbito da filosofia moderna, poucas metáforas apresentam tantas afinidades eletivas quanto as de naufrágio e de estado de natureza. Ainda que as perspectivas de Althusius e Hobbes sejam distintas, o estado de natureza hobbesiano, pela cláusula de imprevisibilidade que contém, é expressão dilatada do naufrágio humano. Com a imagem, Hobbes convida-nos a imaginar a interação entre humanos movidos pelo que designou como direito de natureza – isto é, o programa da autopreservação – em um contexto no qual inexistem limites externos (lei, ordem, coação sistemática) e internos (moralidade, crenças) – a ação. Cada um buscará a realização do programa da autopreservação, independentemente dos danos que isso possa provocar. O estado de natureza é um domínio caracterizado pela vigência da liberdade natural. O que a caracteriza é a soberania absoluta de cada um no que diz respeito a finalidades e meios de sua realização.

O cenário hobbesiano não tem por finalidade representar períodos pretéritos da história humana. Uma das razões é a de que Hobbes não tinha afinidades especiais pela história, enquanto lugar de ocorrência dos dramas humanos. O que buscava era um fundamento firme para a socia- bilidade, sustentado pela razão e não pela experiência. O desenho do es- tado de natureza é, nesse sentido, um passo necessário para a construção da demonstração. Nele encontramos uma definição precisa da natureza humana. Nem boa nem má, simplesmente movida por um programa de permanência na existência. Os atributos de bondade ou maldade só fazem sentido em universos configurados por obrigações morais, e este não é o caso do que Hobbes define como estado de natureza.

O cenário, não sendo histórico, visa produzir dois efeitos. Antes de tudo é um passo necessário para a demonstração do imperativo lógico da fundação da soberania política. Além disso, serve de advertência de que é possível a emergência de padrões de interação social fundados na dinâmi- ca do estado de natureza, no coração da própria associação civil e política constituída pelos homens. O que nos conduz à instituição do soberano e das formas regulares da vida social é a radicalização da incerteza inscrita no estado de natureza. Sua visibilidade se constitui por meio da ameaça cada vez mais crível da morte violenta como destino da espécie, se movida pelo direito de natureza, sem a interposição de regras artificiais de contenção. O Leviatã hobbesiano, erroneamente lido na chave simplória da justificativa do absolutismo, resulta mais do que do medo do próprio fato da probabilidade da morte violenta. Não se trata de uma natureza humana medrosa, mas de uma associação entre o uso máximo da razão e o imperativo da autopreservação. O soberano é o senhor do acolhimento e compromete-se a mitigar os riscos da navegação temerária e a preservar a vida dos súditos. Com Hobbes, o tema da morte violenta e a definição do soberano como operador da proteção inscreveram-se definitivamente no vocabulário e no horizonte da filosofia política.

Montesquieu foi, no século xvmmm, o autor de um dos mais copiosos e complexos livros, no âmbito da filosofia política moderna. Sem nenhuma autolimitação quanto a suas ambições intelectuais, pretendia, em seu Do espírito das leis, tratar de todas as instituições de todos os povos da Terra e de todas as épocas. O empreendimento grandioso, por contraste, contém o que talvez seja o menor capítulo já escrito na história do pensamento político. O assunto sobre o qual versa pode ser tomado como um dos pontos centrais da reflexão de seu autor: o despotismo. De tão curto, o capítulo mencionado pode aqui ser reproduzido na íntegra: “Quando os selvagens da Luisiana querem colher o fruto, cortam a árvore pela raiz e colhem o fruto. Eis aí o governo despótico[16]”.

Montesquieu e seu livro foram marcados pela apresentação de duas doutrinas que se tornaram célebres: a da distinção entre os diferentes tipos de governo e a que estabelece o princípio da separação – funcional e institucional – dos poderes. O que sustento nesta breve menção a Montesquieu, e na recuperação da passagem citada, é a presença de um motivo nuclear em sua reflexão, marcado pela aversão ao despotismo. Na chave metafórica adotada neste ensaio, o despotismo exige o naufrágio como condição permanente. Trata-se de um estado que supõe obediência extrema[17], sem que a contrapartida tenha qualquer compensação de or- dem hobbesiana: o tirano que extrai pelo medo a obediência extrema nada obedece: “o déspota não segue nenhuma regra, e seus caprichos destroem todos os demais[18]”. O déspota, ademais, é “um homem a quem os seus cinco sentidos dizem sem cessar que ele é tudo, que os outros nada são[19]”.

Na verdade, o despotismo em Montesquieu transita entre a denominação de uma forma de governo e a sugestão da presença de um padrão de comportamento que pode emergir fora do âmbito dos governos despóticos. Sua preferência pelo que designa como um governo moderado, condição necessária para que reine a brandura, diz respeito à presença em seu mecanismo de formas de controle do exercício do poder. O governo moderado exige engenho:

Para formar um governo moderado, é preciso confinar os poderes, regulá-los, moderá-los, fazê-los agir; dar, por assim dizer, lastro a um deles, para colocá-lo em estado de resistir a um outro; e isto representa uma obra-prima de legislação, que o acaso faz raramente, e que rara- mente deixa-se fazer à prudência[20].

A sugestão de Montesquieu é a de que o domínio despótico tem parte com a natureza e a simplicidade. Para estabelecê-lo, não é necessário empregar senão paixões[21], ao contrário do tirocínio necessário para a obra-prima do governo moderado. O despotismo, por estar próximo do que é natural, necessita de poucas leis. Montesquieu, para justificar a ideia, faz uma analogia naturalista: para amestrar um animal devemos evitar mudar de mestre, de lições e de maneiras; bastam dois ou três movimentos para impressionar seu cérebro[22].

O despotismo é pré-político. Encontramos tal percepção na analogia com os selvagens da Luisiana e na menção à expressão animalesca das pai-xões do déspota. Além disso, a mecânica do despotismo inscreve-se antes no campo da física do que no da política: a vontade do déspota produz infalivelmente seu efeito, assim como uma bola atirada contra uma outra deve produzir o seu[23]. Fica claro, portanto, que, sem o artifício do governo moderado, a política aproxima-se do campo da física e de suas leis invencíveis: nada impedirá que se converta em um contínuo mecanismo de produção de déspotas e náufragos.

Outros autores centrais na tradição da filosofia política moderna poderiam ser aqui mobilizados. A invenção de John Locke, no século XVII, dos direitos naturais como um núcleo moral e político anterior à existência do soberano, possui implicações diretas para a antinomia naufrágio-acolhimento. O naufrágio, em chave lockiana, corresponde à desobediência à lei natural. Seria possível, ainda, mobilizar a definição dada por David Hume ao hábito e à crença como lastros da inscrição humana no mundo. A proposição humiana, expressa no primeiro livro do Tratado da natureza humana, de que não nos é dado deixar de crer e respirar, indica a impossibilidade psicológica e existencial da condição náufraga. É a própria existência dos humanos, como animais encerrados na experiência da história, que indica, na variedade das culturas, a convergência quanto ao imperativo do antinaufrágio.

No âmbito das referências não feitas neste ensaio, caberia, ainda, menção a Rousseau e a seu argumento singular – apresentado e desenvolvido no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens – que pode ser percebido como o avesso do argumento do acolhimento, sem nenhuma aposta no naufrágio. O acolhimento segue, para Rousseau, como necessário à espécie, posto que inscrito em sua condição natural. A experiência do social é que é um imenso oceano a produzir náufragos.

Com base nessa brevíssima referência a movimentos centrais da filosofia política moderna, creio poder afirmar que seu mito de origem – e sua obsessão – possui a fisionomia composta por desenhos de mundo nos quais o naufrágio como condição da espécie deve ser vencido – ou, ao menos, mitigado – pelo esforço cultural de invenção de formas de acolhimento. Se esse é o consenso estabelecido até o século xvmmm, algo de distinto se passa com a filosofia pública que constitui o experimento social dos séculos XIX e XX. Ao contrário dos séculos precedentes, uma nova concepção das ontologias do social e da política – assim como da própria natureza humana – dá lugar ao acolhimento do naufrágio como condição imanente – e inerradicável – do social. A experiência do risco social e da fragmentação e privatização da política constitui as cláusulas pétreas do experimento. Suas bases serão vistas a seguir, a partir da análise de dois argumentos produzidos por dois pensadores austríacos, nos anos 1940.

NAVEGAÇÃO TEMERÁRIA E NAUFRÁGIO COMO CONDIÇÃO IMANENTE E INSTITUCIONALMENTE RECONHECIDA

( A PROPÓSITO DE KARL POLANYI E JOSEPH SCHUMPETER)

A ontologia do social segundo Karl Polanyi

Karl Polanyi escreveu e publicou em 1944 A grande transformação: as origens de nossa época, um dos livros mais inspirados a respeito do advento da sociedade industrial, fundada no princípio do mercado autorregulável[24]. Um livro, ainda hoje, de leitura incontornável para o entendimento de algumas das razões que fizeram com que as imagens do naufrágio e da navegação temerária se inscrevessem nos modos básicos de funciona- mento da vida social.

Os termos iniciais da análise indicam, à partida, a natureza do empreendimento intelectual e os termos iniciais que configuram uma versão particular da metáfora do naufrágio: “No coração da Revolução Industrial do século XVIII ocorreu um progresso miraculoso nos instrumentos de produção, o qual se fez acompanhar de uma catastrófica desarticulação nas vidas das pessoas comuns[25]”.

Que fatores teriam determinado tal desarticulação? Para começar, Polanyi deixa entrever que se trata de um processo que nem sequer possui nome próprio. Para designá-lo, socorre-se de uma imagem de William Blake – a dos moinhos satânicos (satanic mills[26]) –, apropriada para nomear a devastação que “triturou os homens, transformando-os em massa”, por meio de um mecanismo pelo qual “foi destruído o antigo tecido social e tentada, sem sucesso, uma nova integração homem-natureza[27]”.

Karl Polanyi, na verdade, foi modesto em sua importação de metáforas. Seu próprio esforço de interpretação das condições de implantação da sociedade de mercado, e de seus efeitos deletérios, poderia ser pensado à luz da metáfora mental fight – presente no poema mencionado. É como se Polanyi tivesse aceitado os termos do repto de William Blake e, por meio de seu livro, firmasse as condições de uma luta mental e imaginária, capaz de reconstruir analiticamente o processo que culminou no expe- rimento social do mercado autorregulável. Uma luta mental, posto que, por razões óbvias, a história não é alterável a montante. Tampouco o empreendimento polanyiano pode ser pensado na chave de uma inútil e nostálgica reconstituição do passado, posto que se estabelece, ainda hoje, como um dos mais valiosos recursos de interpelação daquilo que seu autor denominou a religião de mercado e seus efeitos sobre o tecido social. Se os moinhos satânicos estavam inscritos na ordem dos fenômenos históricos brutos – em um processo que conecta o cercamento dos cam- pos à fisionomia soturna dos bairros industriais ingleses –, é na ordem da imaginação que encontramos poderosos elementos de propulsão de seus efeitos mais deletérios. De fato, Polanyi sustenta haver no que define como filosofia liberal uma grave falha na compreensão do problema da mudança social:

[…] animada por uma fé emocional na espontaneidade, a atitude de senso comum em relação à mudança foi substituída por uma pronta aceitação mística das consequências sociais do progresso econômico, quaisquer que elas fossem[28].

O erro fundamental do liberalismo econômico repousa, segundo Polanyi, sobre uma má interpretação da história da Revolução Industrial, por insistir “em julgar os acontecimentos sociais a partir de um ponto de vista econômico”. Ao fazê-lo, algumas “verdades elementares da ciência política e da arte de governar foram desacreditadas, e depois esquecidas”. Entre elas, a necessidade de contenção de processos não dirigidos de mu- danças, impostos por meio de ritmos considerados muito acelerados, para “salvaguardar o bem-estar da comunidade”. Para Polanyi, tal perspectiva de salvaguarda pública constitui uma das “verdades elementares da arte de governar tradicional, a refletir uma filosofia social herdada dos ante- passados”. Tal tradição foi trocada por um “utilitarismo cru que aliado a uma confiança não crítica nas alegadas propriedades autocurativas de um crescimento inconsciente desenvolveu uma ação corrosiva sobre o antigo tecido social[29]”.

No lugar da perspectiva tradicional, o liberalismo econômico afirma-se como uma nova modalidade de crença:

[…] uma fé verdadeira na salvação secular do homem através de um mer- cado autorregulável. Um tal fanatismo resultou do súbito agravamento da tarefa pela qual ele se responsabilizara: a magnitude dos sofrimentos a serem infringidos a pessoas inocentes, assim como o amplo alcance das mudanças entrelaçadas que a organização da nova ordem envolvia[30].

Três dogmas clássicos sustentam essa fé:

  • o trabalho deveria encontrar seu preço no mercado;
  • a criação do dinheiro deveria sujeitar-se a um mecanismo automático;
  • os bens deveriam ser livres para fluir de país para país, sem empecilhos ou privilégios.

A filosofia do utilitarismo cru, ao assim proceder, toma a dimensão econômica como aspecto central da interação social. Por meio dessa redução, os demais aspectos que constituem a vida social são percebidos como obstáculos variáveis e removíveis. Um dos propósitos de Polanyi foi o de demonstrar a originalidade ímpar do experimento social que procede da Revolução Industrial: a perspectiva de uma sociedade configurada a partir das interações que ocorrem no mercado. É esse o sentido de uma de suas ideias fortes: os mercados na história da humanidade sempre estiveram inseridos (embedded) no conjunto das relações sociais; jamais foram dotados da capacidade de envolver a totalidade dos fenômenos e impor-lhes sua racionalidade e gramática próprias.

Por meio de magistral utilização do conhecimento antropológico disponível a seu tempo, Polanyi sustenta que as instituições econômicas fundamentais das sociedades pré-mercado repousavam sobre padrões de complementaridade e reciprocidade constituídos por fatores culturais (religião, tradição, política etc.). O que decorre da aplicação do credo de mercado sobre a experiência social é a crença no progresso espontâneo, completamente emancipado dos demais fatores que constituem a expe- riência do social. Em particular, o liberalismo é cego quanto ao papel do governo na vida econômica. Um papel que, diante da perspectiva de alterações de grande vulto na dinâmica da sociedade, age no sentido da definição de ritmos aceitáveis e digeríveis pelas capacidades ordinárias e habituais de compreensão e ação dos seres humanos afetados.

A passagem na qual Polanyi apresenta o argumento é brilhante:

O ritmo da mudança muitas vezes não é menos importante do que a di- reção da própria mudança; mas enquanto essa última frequentemente não depende da nossa vontade, é justamente o ritmo no qual permiti- mos que a mudança ocorra que pode depender de nós[31].

Polanyi refuta, ainda, a ideia de que a modernização tecnológica sustentada no credo de mercado pode ser justificada por suas vantagens de longo prazo: “se o efeito de uma mudança é deletério, então, até prova em contrário, o efeito final também é deletério[32]”.

Polanyi põe-nos diante de uma nova instituição da condição humana. Em tal desenho opera uma perspectiva análoga à que extraiu e isolou a dimensão econômica como decisiva para a configuração do social. Se nesse domínio o mercado foi desconectado do conjunto das relações sociais, no que diz respeito à condição humana, o homo economicus ofusca e coloniza as demais dimensões e promete ao animal a perspectiva da felicidade na unidimensionalidade. O desenho tradicional do social, sustentado na crença na desejabilidade do acolhimento e no esforço de viabilizá-lo, cede lugar à plena aceitação de que os termos da felicidade humana podem se constituir fora dos domínios da moralidade, da ética e da política. São as delícias da navegação temerária que agora operam como promessa de um desfrute que nenhuma perspectiva real de acolhimento parece ser capaz de garantir.

A ontologia da política segundo Joseph Schumpeter

O igualmente austríaco Joseph Schumpeter devotou dois dos capítulos mais brilhantes de seu livro clássico Capitalismo, Socialismo e Democracia, publicado em 1942, ao tema da democracia[33]. O primeiro deles, uma espé- cie de pars destruens, desconstrói – antes que a moda desconstrucionista se abatesse sobre nós – o que definiu como a doutrina clássica da demo- cracia. O seguinte, a pars construens (pero um tanto destruens de nossas esperanças), apresenta o que a seu juízo caracteriza a concepção contem- porânea de democracia e de vida pública. Se o primeiro capítulo foi destrutivo, o segundo foi tristemente profético. Qualquer reflexão a respeito da fragmentação e da dissolução contemporâneas da experiência política deve tomar ambos como marcadores compulsórios. Schumpeter estava convencido de que as crenças e as expectativas tradicionais das tradições liberal e democrática colapsam diante da experiência política do século XX.

Schumpeter começa por mencionar o que para ele constitui os fundamentos da doutrina clássica da democracia. Duas premissas estariam presentes no estabelecimento de tais fundamentos: a da existência de algo como o bem comum e a da possibilidade da argumentação racional como forma de detectá-lo. A comunidade política, nessa chave, seria conduzida por uma vontade comum, expressão da vontade de todos os indivíduos razoáveis.

O dissenso nesse mundo reduzir-se-ia à presença de versões distintas a respeito da melhor maneira de realizar o bem comum, ou o interesse público. Sua forma aproxima-se daquilo que o filósofo Rudolf Carnap definiu como uma querela a respeito de questões internas, que não chegam para abalar o esquema geral que as contém. Desavenças sobre questões externas são mais graves, posto que põem em causa a própria justificativa e sustentabilidade do esquema geral. Pois bem, na descrição de Schumpeter, o que define como teoria democrática clássica seria marcado apenas por dilemas de natureza interna. A intocabilidade dos parâmetros externos garante a fixidez dos termos do interesse público. O dissenso das ordens democráticas assentadas nas premissas da teoria clássica diria respeito, pois, a questões de meio, por não incidir sobre as finalidades da vida pública. A visão geral do agregado social revelaria, portanto, a presença de uma comunidade que controla consciente e ativamente seus negócios públicos.

Pode-se dizer que Joseph Schumpeter apresenta uma caricatura do que, de uma forma um tanto arbitrária, define como teoria clássica da democracia. Mas, de certa forma, pelo menos um autor central para aquela perspectiva – refiro-me a John Stuart Mill – poderia ser reconhecido em alguns dos traços antes apresentados. Com efeito, em seu clássico Sobre a liberdade, publicado em 1863, Mill sustenta a importância da argumentação racional para a condução da política e vê no sistema representativo – mais do que na democracia propriamente dita – a possibilidade de incorporação ao debate público de todas as versões relevantes a respeito do que é e deve ser a vida social. Tal incorporação dar-se-ia pela extensão do eleitorado e pelo reconhecimento constitucional da diversidade de opiniões e projetos, cuja principal implicação é a da proteção às minorias. A crença básica de Mill apoia-se nas virtudes de uma conversação aberta aos jogos honestos e autênticos da argumentação e da persuasão. Pressupõe, portanto, uma natureza humana fundada na diversidade e vocacionada para a busca ativa de um padrão de liberdade pública, condição necessária para o aperfeiçoamento cívico e pessoal.

Schumpeter submete o que para ele parece constituir a crença básica da teoria clássica – a ideia de Bem Comum – a intensa corrosão. Para ele, não haveria algo tal como um único Bem Comum, sustentado por todos, por força da argumentação racional. Antes, ao contrário, as sociedades complexas e de massa indicam a presença de um dissenso entre pessoas e grupos a respeito do que ele pode significar. Tratar-se-ia de um dissenso a respeito de questões de princípio, que não podem ser reconciliadas por meio da argumentação racional: os valores últimos situam-se além da lógica. Mesmo diante do consenso a respeito do que é o bem comum, haverá dissenso a respeito do que ele poderá significar para cada indivíduo. Como consequência, temos a implosão do conceito rousseauniano de vontade geral, já que, para Schumpeter, supõe a existência de um Bem Comum único e definido, discernível por todos.

O processo democrático, portanto, não converge na reafirmação constante do Bem Comum. Ele é antes um complexo de relações e com- portamentos. Sua natureza é caótica e carece de significado próprio. Em outros termos, ele não realiza nada per se. O processo democrático constitui-se como um efeito de agregação de partes infinitesimais – a vontade dos indivíduos que o compõem. O processo democrático é marcado pela indeterminação de seus resultados.

O que leva Schumpeter a tal corrosão da ideia clássica é a sua de- finição da natureza humana na política. Os cidadãos democráticos são constituídos pelo processo democrático, para ele materializado na escolha de representantes e governantes. Nesse sentido, dispensa a carga clássica, baseada em dois postulados centrais: (i) a anterioridade do indivíduo com relação à interação social e (ii) a sua capacidade permanente de discernimento e autonomia.

Com efeito, a assim chamada teoria clássica da democracia sustenta- va-se, no nosso autor, em premissas não realísticas a respeito do compor- tamento dos indivíduos no processo democrático.

Tais premissas podem ser resumidas na seguinte série:

  • integridade e independência da vontade do eleitor;
  • capacidade de construção de inferências racionais;
  • homogeneidade da personalidade humana;
  • vontade precisa como móvel da ação.

A crença básica que sustenta o conjunto das premissas apresentadas diz respeito ao postulado da racionalidade e da integridade da consciência humana. Tal crença, central para o legado racionalista e liberal, esteve nas décadas iniciais do século xx sob intenso ataque por um conjunto de autores, entre os quais Vilfredo Pareto e Sigmund Freud não tiveram papel diminuto. Por caminhos distintos, os componentes não racionais da ação humana e o caráter não homogêneo e necessariamente opaco do ego apresentam-se como traços básicos da espécie.

A percepção schumpeteriana acrescenta a esse legado que acabou por desconstruir a integridade racional do cidadão liberal a seguinte con- sideração, inscrita no âmbito da antropologia política: quanto maior a distância dos termos de uma discussão política com relação a assuntos que dizem respeito à família e ao trabalho – assuntos nacionais ou internacionais, por exemplo –, mais abaladas as premissas da doutrina clássica. Em outros termos, tem-se aqui algo designado como a perda do senso de realidade: as grandes questões políticas encontram seu lugar em uma economia psíquica do cidadão típico, ao lado de interesses das horas de lazer e mesclados aos assuntos de uma conversa irresponsável. E mais, o cidadão típico é membro de um unworkable committee, o comitê de toda a nação. Seu senso de responsabilidade com relação a questões públicas é extremamente reduzido.

É o efeito de distância que explica a ignorância do cidadão ordinário e sua falta de julgamento com relação a questões maiores. Isso se daria mesmo em contextos de informação plena, pois o processamento de informações é governado pela lógica das diferentes escalas de envolvimento com o mundo. Um mundo no qual os indivíduos se fixam na idiotia de suas experiências privadas constitui-se como um redutor da capacidade de processar informações a respeito de questões de natureza pública. Quan- do o cidadão típico considera questões políticas, ele se torna primitivo; ele pensa por associações particulares e movido por considerações fincadas na afetividade. Não há, pois, razão clássica à vista.

Da antropologia schumpeteriana decorrem importantes consequências políticas. Há aqui, com efeito, um somatório pesado de fatores: fra- gilidade do elemento lógico na consciência pública, ausência de crítica racional e ausência de experiência pessoal com questões públicas. O efeito político fundamental é o da oportunidade aberta para a ação de grupos – empreendedores políticos – cuja função é fabricar a vontade popular.

Encontramo-nos diante de um postulado central na reflexão política de Schumpeter. Ao observar o “estado da arte” do mundo democrático, sustenta que a vontade popular é manufaturada: ela é o produto e não a razão principal do processo político. Em outros termos, o evento central do processo democrático é constituído pela competição por liderança. O peso do eleitorado é secundário, diante do processo pelo qual as alterna- tivas de liderança política se constroem. O papel do elemento popular é o de produzir governo, diante de alternativas oferecidas por grupos que se ocupam da manufatura da vontade popular. A definição minimalista de democracia que daí decorre é a seguinte: trata-se de um arranjo institucional para chegar a decisões políticas, pelo qual indivíduos adquirem poder decisório através da competição por voto popular.

O cenário resultante da superposição dos argumentos de Polanyi e Schumpeter sugere a possibilidade de um experimento de dissolução da ideia tradicional de comunidade política. Com efeito, em ambas as chaves, os motivos da interação social inscrevem-se em uma natureza eminentemente não política. São os ditames naturais de um animal propenso à troca e os seus hábitos sociais idióticos que se constituem à partida como marcadores decisivos da experiência humana. A perspectiva do naufrágio e da navegação temerária fixa-se em um plano imanente do social. Por meios tortuosos, as piores expectativas de Rousseau acabaram por fixar a natureza do empreendimento social dos humanos: o social é o oceano mais apropriado para os

A RESPOSTA BRECHTIANA É TÃO INEVITÁVEL QUANTO A PERGUNTA?

Por ter iniciado com a pergunta brechtiana – o que mantém um homem vivo –, não me é dado, ao final, omitir a resposta. Aí está: “Ele vive dos outros. Ele gosta de bater neles, enganá-los, comê-los inteiros se puder[34]”.

Não há como não reconhecer, para dizer o mínimo, a imensa e assustadora plausibilidade da resposta como forma de fixação da condição humana no mundo. Se os termos da resposta de Brecht não puderem ser refutados, a investigação a respeito do que consiste o humano tornar-se-á uma conversa de náufragos.

Rio de Janeiro/Colos (Alentejo)/Lisboa, junho de 2008.

  1. Os termos da pergunta – o que mantém um homem vivo – são também os do título de excelente e inesquecível montagem teatral de textos de Brecht, nos idos de 1973, no Teatro Aliança Francesa de São Paulo e dirigida por José Antonio de Souza e Renato Borghi, tendo tido este último e Ester Góes como atores. O título em inglês da canção é What keeps mankind alive, e a versão, nessa mesma língua, é a seguinte: “You gentlemen who think you have a mission/ To purge us of the seven deadly sins/ Should first sort out the basic food position/ Then start your preaching, that’s where it begins/ You lot who preach restraint and watch your waist as well/ Should learn, for once, the way the world is run/ However much you twist or whatever lies that you tell/ Food is the first thing, morals follow on/ So first make sure that those who are now starving/ Get proper helpings when we all start carving/ What keeps mankind alive?/ What keeps mankind alive?/ The fact that millions are daily tortured/ Stifled, punished, silenced and oppressed/ Mankind can keep alive thanks to its brilliance/In keeping its humanity repressed/ And for once you must try not to shriek the facts/ Mankind is kept alive by bestial acts”. Para uma gravação recente cf. de Tom Waits o cd Orphans: Bastards, lançado em 2006.
  2. Ver a esse respeito os ensaios reunidos em meu livro Agonia, Aposta e Ceticismo: ensaios de filosofia políti- ca, Belo Horizonte: Editora da ufmg, 2003.
  3. Cf. Nelson Goodman, Modos de fazer mundos, Porto: Edições asa, 1995, esp. cap. 1, “Palavras, obras, mundos”, pp. 37-61.
  4. Trata-se, na verdade, de uma vigorosa antecipação da filosofia da ação de Wittgenstein que sustenta que uma ação é um movimento corporal mais x ou, em outros termos, uma ação é um movimento corporal que segue uma regra. Arthur C. Danto discute essas proposições e sua aplicabilidade à filosofia da arte em A transfiguração do lugar-comum, São Paulo: Cosac Naify, 2005, cap. m, “Obras de arte e meras coisas reais”, pp. 33-72.
  5. Cf. Peter Brown, Santo Agostinho: uma biografia, Rio de Janeiro: Record, 2005, esp. cap. 32: “Juliano de Eclano”, pp. 475-495.
  6. Cf. Santo Agostinho, apud Peter Brown, op. cit., p. 490.
  7. Cf. Santo Agostinho, Sermão 151,5. apud Peter Brown, op. cit., pp. 481-482.
  8. Cf. A. Harnack, History of Dogma, 3a ed., Nova York: Dover Books, 1961, vol. v, p. 170.
  9. Cf. Jorge Luis Borges, “La Creación y P. H. Goose”. Em: Jorge Luis Borges, Otras inquisiciones, Buenos Aires: Emecé, 1970, pp. 3i-36.
  10. Cf. Johannes Althusius, Política, Rio de Janeiro: Liberty Fund/Topbooks, 2003, pp. 103-104.
  11. Cf. Hans Blumenberg, Naufrágio com espectador, Lisboa: Vega, 1990, p. 21.
  12. Ibidem, p. 21.
  13. Ibidem, p. 22.
  14. Ibidem, p. 15.
  15. Ibidem, p. 66.
  16. Trata-se do Capítulo XIII, “Ideia do despotismo”, do Livro v, “As leis que o legislador apresenta devem ser relativas ao princípio do governo”. Em: Montesquieu, Do espírito das leis, Rio de Janeiro: Ediouro, s.d., p. 75.
  17. Ibidem, v, x, p. 76.
  18. Ibidem, III, VIII, p. 56.
  19. Ibidem, II, v, p. 53.
  20. Ibidem, v, XIV, p. 75.
  21. Ibidem, v, XVII, p. 80.
  22. Ibidem, v, XVI, p. 78.
  23. Ibidem, III, x, p. 58.
  24. Cf. Karl Polanyi, A grande transformação: as origens de nossa época, Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980. Para uma boa exposição da teoria social de Polanyi, assim como de suas afinidades políticas e ideológi- cas, ver o ensaio de Luis Carlos Fridman, “A Teoria Social de Karl Polanyi em A grande transformação”, Dados (Revista de Ciências Sociais), vol. 32, n. 2, pp. 163-186.
  25. Cf. Karl Polanyi, op. cit., p. 51.
  26. A imagem de William Blake aparece no poema Jerusalem, na verdade um fragmento do prefácio a seu livro Milton. Há alguma controvérsia a respeito do significado da expressão satanic mills, mas parece ter se consagrado a hipótese de que, com ela, Blake, na virada do século xvmmm para o xmx, contempla a perspectiva dos efeitos destrutivos da modernização, da guerra e da expansão imperial. Essa é, por exemplo, a interpretação do estudo clássico de David Erdman (Blake: Prophet against Empire, Princeton: Princeton University Press, i954). O texto integral do poema Jerusalem é: “And did those feet in ancient time,/ Walk upon England’s mountains green:/ And was the holy Lamb of God,/ On England’s pleasant pas- tures seen!/ And did the Countenance Divine,/ Shine forth upon our clouded hills?/ And was Jerusalem builded here,/ Among these dark Satanic Mills?/ Bring me my Bow of burning gold;/ Bring me my Arrows of desire:/ Bring me my Spear: O clouds unfold:/ Bring me my Chariot of fire!/ I will not cease from Mental Fight,/ Nor shall my sword sleep in my hand,/ Till we have built Jerusalem,/ In England’s green & pleasant Land.
  27. Cf. Karl Polanyi, op. cit., p. 51.
  28. Ibidem, p. 51.
  29. Ibidem, p. 51.
  30. Ibidem, p. 141.
  31. Ibidem, p. 54.
  32. Ibidem, p. 55.
  33. Cf. Joseph Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, Nova York: Harper Torchbooks, 1976.
  34. Os termos estão na tradução brasileira, utilizada na apresentação da peça, na ocasião já mencionada.

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