2003

Biontes, bióides e borgues

por Luiz Alberto Oliveira

Resumo

Por volta de 1930, o esforço de alguns notáveis pesquisadores elaborou uma nova doutrina para a descrição dos fenômenos físicos em escala atômica, centrada na revolucionária noção de quantum de ação. A nova teoria permitiu uma compreensão aprofundada da estrutura da matéria. Em 1948, foi inventado o transistor. Desde então, a eletrônica nos proporcionou o rádio nos anos sessenta; nos setenta, a televisão; os computadores e os satélites nos oitenta; nos noventa, a rede global.

Em 1955, esse mesmo quadro conceitual serviu de fundamento para uma das mais decisivas descobertas da história da Ciência: a identificação dos tipos (quatro bases químicas) com as quais a evolução escreveu, ao longo das eras, as séries de instruções que presidem a constituição dos seres vivos. Cadeias destas bases formam a molécula de DNA, o texto bioquímico em que estão codificadas as especificações para a gênese de cada indivíduo. Todo ser vivo portaria assim, no interior de suas células, um “manual de instruções”. Este manual, distinto para cada espécie, chama-se genoma.

Esta descoberta marca o fim da tradição vitalista. A essência da vida desloca-se de uma força vital para o conteúdo de informação do suporte bioquímico. Assim, a vida pode ser descrita como matéria organizada que modifica sua organização. A matéria física é capaz de produzir formas estruturadas, mas a matéria viva é capaz de variar sua estrutura segundo um processo regulado por dois princípios: repetição e diferenciação. A prevalência de um ou de outro princípio pode resultar, de acordo com a seleção natural , na fixação de uma alteração do material genético e logo numa mudança da forma da própria espécie; eis o que chamamos evolução. A vida opera  pondo em contato os ritmos infinitesimais das moléculas biológicas com os ciclos vastíssimos das transformações ambientais: o bilionésimo de segundo engrenado ao milhão de anos.

Assim, a tessitura fundamental da própria vida tornou-se suscetível a intervenções técnicas. Em conjunto com a informática e a microeletrônica, a biotecnologia – a manipulação dos organismos vivos em todos os seus níveis de constituição, até mesmo no genético – é uma das áreas em que estão ocorrendo os avanços mais espetaculares da tecnociência contemporânea. Ainda não é possível discernir com clareza, tanto o horizonte das aplicações biotécnicas quanto a extensão de suas consequências sobre o modo de vida atual. Prevê-se para breve o desenvolvimento de tratamentos com base genética para a eliminação de doenças congênitas, a supressão de tumores e mesmo a recriação e substituição de órgãos.

Porém, a intervenção no texto básico que define os organismos, ademais dos benefícios que pode trazer, implica a diluição das fronteiras que distinguiam não apenas o natural do artificial, mas também o humano do inumano. Hoje, já se pode realçar esta ou aquela propriedade de um dado espécime a partir da introdução de genes específicos e, principalmente, isto pode ser feito com genes oriundos de uma espécie completamente distinta. Não se trata mais de aperfeiçoar o material genético que a evolução natural legou a uma espécie, mas de produzir artificialmente seres com um design antrópico, puramente utilitário. Os ritmos cada vez mais acelerados da cultura superpondo-se ao lento andamento da natureza – uma precisa definição de crise.

Considere-se, em comparação com os avanços da eletrônica, a seguinte sequência: nos anos cinquenta, a identificação do suporte do código que define os biontes (seres vivos desenhados pela evolução natural); nos anos sessenta, as primeiras associações entre genes particulares e características morfológicas (ou comportamentais); nos setenta, começo da capacidade de intervenção programada em processos genéticos; nos oitenta, tornam-se corriqueiros a inclusão, exclusão e substituição de genes precisos, bem como a mescla interespécies; nos noventa, é produzido o primeiro bióide (ser vivo com desenho artificial) mamífero: Dolly. Espera-se, em decorrência dos acontecimentos obtidos com os diversos projetos Genoma, que nas primeiras décadas do novo século seja possível começar a elaborar borgues (seres vivos com componentes orgânicos e inorgânicos; híbridos de carbono e silício). É previsível que essa capacidade seja aplicada a toda matéria prima biológica – inclusive, a nós mesmos. Se as próteses de movimento, percepção e pensamento que nos fizeram a espécie dominante no planeta migrarem para o interior de nossos próprios corpos, fundindo-se com nossas próprias células, o que significará ser humano?


Para Jane,

Luz

Todos sabemos bem que 1789 é uma data marcante na história do Ocidente. Foi o ano da Revolução Francesa, o momento da constituição de um novo universal — o homem. Na Roma Antiga o patrício era romano, todos os estrangeiros eram bárbaros; para um barão medieval somente os nobres eram iguais, todos os outros eram Outros, ou nada. Apenas a partir da Revolução Francesa é que se impôs a figura do Homo universalis, em toda parte dispondo, não importa a região de origem, a classe ou a casta, do mesmo estatuto de ser e dos mesmos direitos. Desnecessário enfatizar aqui as imensas consequências da aparição do grande universal iluminista. Contudo, se consultamos os cronistas da época, verificamos um fato intrigante: às vésperas da declaração fatal de Maria Antonieta acerca do alto valor nutritivo dos brioches, o que chama a atenção da nobreza nos luxuosos salões de seus palácios? Registram os cronistas: um espetáculo. Um sucesso estrondoso, performances sucessivas, comentários gerais. Que espetáculo seria esse? Uma comédia de Molière, uma tragédia de Racine? Não, o protagonista desse espetáculo era uma criança desenhista, aparentando dois ou três anos de idade, que após molhar a pena num tinteiro elaborava um esboço e em seguida o aperfeiçoava em sucessivas etapas, parando para verificar o andamento do trabalho e eventualmente soprando o papel para secar a tinta, até finalizar o retrato de seu cachorro ou um perfil de Luís XV.[1] A singularidade é que esse protagonista era um autômato, um dispositivo mecânico — o Desenhista de Pierre e Henri-Louis Jacquet-Droz, herdeiros do célebre Vaucanson, criador de um pato que bicava o alimento, ingeria-o, realizava a digestão (e expelia o resíduo!), artífice comparado por Voltaire a um novo Prometeu.[2] Eis o que causava o maravilhamento da assistência: o fato de um artefato mecânico simular com tanta verossimilhança um ser natural.

Encontramos aí, já em plena funcionalidade, uma característica fundamental do Ocidente moderno: o estabelecimento e a disseminação de uma extraordinária imagem do mundo natural, baseada na metáfora nuclear da analogia entre seres da natureza e mecanismos.[3] Ou seja, o mundo natural seria o análogo de um vasto mecanismo; os corpos materiais se relacionariam uns com os outros da mesma maneira que as engrenagens de um relógio, precisamente ajustadas e concatenadas, de tal modo que o comportamento global do sistema é determinado pelo comportamento individual das suas partes. A originalidade dessa metáfora é espantosa: pela primeira vez uma cultura ousou propor que um artefato, um produto do nosso engenho e arte, pudesse assumir a condição de símbolo para a totalidade da natureza. E que artefato, um dispositivo para o controle de movimentos, um conjunto de engrenagens associadas entre si de tal forma que o movimento da última peça é inteiramente determinado pelo movimento impresso à primeira, cujo protótipo, sem dúvida, são as entranhas de um relógio — a mãe das máquinas.[4] Essa metáfora maquínica será assim o cerne da cosmovisão clássica ou newtoniana, pois, embora as ideias iniciais dessa imagem de mundo tenham sido propostas por Galileu e Descartes, foi Newton o grande sistematizador da concepção mecanicista, ao formular suas três leis da mecânica.[5]

A imagem mecânica possui uma série de propriedades e consequências muito bem definidas. Por exemplo, o pressuposto essencial de que em seu nível elementar a natureza seria simples. Um relógio, ou um dispositivo mecânico qualquer, pode ser uma geringonça complicadíssima, envolvendo incontáveis partes e realizando diferentes funções, mas seus componentes elementares, os eixos, as molas e as rodas dentadas que compõem as engrenagens, são fundamentalmente simples, isto é, têm poucos atributos — uma roda dentada de um relógio tem certo tamanho, certo número de dentes, e gira para cá ou para lá. Embora o mecanismo como um todo possa ser incrivelmente complicado, como o Desenhista, suas partes serão simples; da mesma maneira, um sistema natural qualquer, quando apreendido num nível suficientemente elementar de sua composição, seria fundamentalmente simples. Qual é então o procedimento de conhecimento que se deve adotar para a investigação do mundo natural? Evidentemente, prescreve Descartes, o de análise, ou seja, de separação de um todo em frações até que se atinja uma parte suficientemente elementar, e portanto simples; identificam-se os (escassos) atributos desses elementos e, a partir desses dados básicos, reconstituem-se as características do sistema como um todo.[6] Ora, se a abordagem analítica é o procedimento de conhecimento por excelência, o próprio conhecer se identificará a uma postura reducionista: será sempre possível reduzir as propriedades de um todo às propriedades de suas partes simples. Vê-se ainda com clareza o alcance que terá a pressuposição de que o mundo é rigorosamente o análogo de um enorme mecanismo: a própria natureza adquire um caráter essencialmente determinista. Assim como em uma cadeia de engrenagens os movimentos da última peça estão precisamente definidos pelos da primeira (uma vez que, por exemplo, a transmissão do movimento impresso a uma roda dentada a outra é regulada tão-somente pela razão entre os raios das rodas), não podendo aquela realizar nenhuma ação que não seja a exata consequência da concatenação dos movimentos das peças intermediárias, também na natureza como um todo vigoraria um determinismo estrito: processo algum haveria que escapasse das imperiosas leis mecânicas que governariam, de instante a instante, os estados de coisas no universo; na verdade, nenhuma arbitrariedade (ou liberdade), nenhuma escolha (ou invenção) seriam de fato possíveis.[7]

A instalação e a crescente pregnância da imagem mecânica, desde o século XVIII, engendraram uma coleção de distinções que se tornaram capitais durante o período que chamamos de Modernidade. Em particular, as distinções de natureza entre matéria e vida e entre corpo e pensamento. No âmbito do mecanicismo, com efeito, a vida parece um tanto anômala. Se a matéria física é regida por um determinismo inflexível, como explicar a variedade, a multiplicidade e a imprevisibilidade da organização e do comportamento dos seres vivos, sempre sujeitos a circunstâncias fortuitas, sempre submetidos ao acaso dos encontros? Diversos pensadores recusaram a redução dos organismos vivos a meros sistemas mecânicos, por complicados que pudessem ser, e surgiu assim uma versão renovada da antiga doutrina do vitalismo, ou seja, seria necessário acrescentar à matéria física, bruta, uma substância (ou sopro, ou força) vital que vivificaria essa entidade, tornando-a um organismo vivo. A natureza se dividiria portanto em corpos inanimados, privados do fator vital, e corpos animados, aos quais esse fator foi acrescentado; quando a substância ou força vitalizadora é retirada de um dado ser sobrevém sua morte. Eis então a primeira distinção: a matéria e a vida seriam substancialmente diferentes.[8] A segunda distinção, entre corpo e alma ou entre matéria e pensamento, deriva diretamente da obra do parteiro do Ocidente moderno, Descartes. Opondo-se às tradições vitalistas, seu materialismo mecanicista é radical: mesmo os seres vivos não são senão autômatos, submetidos às leis mecânicas como qualquer corpo físico, não importando as peculiaridades de seus comportamentos ou formas de organização. Tudo o que é corporal ou, equivalentemente, ocupa espaço compõe-se de uma mesma substância (res extensa); o pensamento, todavia, é inextenso, tem portanto uma outra natureza, trata-se de outra substância (res cogitans). Funda-se então a célebre dicotomia cartesiana entre corpo-extensão e alma-pensamento, de tal maneira que o pensamento vai se instalar no seio do mundo qual um fantasma numa máquina.[9] O vitalismo e o automatismo que acabamos de esquematizar correspondem, evidentemente, a concepções divergentes e até contraditórias entre si; para a presente discussão, porém, o dado crucial é que as distinções fundamentais para nossa modernidade, entre matéria, vida e pensamento, foram decorrentes da constituição da imagem maquínica do mundo natural.

Pois desde a revolução científica iniciada no começo do século XX estamos experimentando uma transformação fundamental que consiste precisamente na substituição da imagem maquínica clássica por uma figuração inteiramente diferente do mundo natural, que podemos chamar de imagem da complexidade.[10]  O destronamento da imagem clássica será decorrente da profunda renovação de nosso entendimento sobre a composição e a estruturação do mundo físico que sucedeu quando os físicos enfim se tornaram capazes de sondar escalas de comprimentos e durações até então inacessíveis aos instrumentos (e às ideias) das épocas anteriores. Tanto as frações de segundos e de milímetros da escala atômica e subatômica como as distâncias e durações colossais da escala astronômica são inapreensíveis para nossos sentidos desarmados, são invisíveis por excesso de pequenez ou de grandeza. Os horizontes do mundo clássico coincidem com os de nosso olhar, abrangendo desde o movimento de um grão de poeira até as órbitas dos planetas em torno do Sol; para que dimensões alheias a nossa percepção costumeira pudessem começar a ser exploradas, foi necessário o desenvolvimento de próteses de sensibilidade muito poderosas, ou seja, sofisticados aparatos de medida e detecção que suplementassem o limitado alcance de nossas vistas (e preconceitos). As teorizações audaciosas de um Einstein, um Bohr, um Dirac puderam então ser comprovadas por experimentos decisivos e observações demolidoras, acabando por explodir os próprios fundamentos do paradigma clássico. As profundas consequências desse cataclismo epistêmico podem talvez ser condensadas num enunciado de enganadora concisão: quando o invisível foi avistado, a natureza deixou de ser monótona.

Na perspectiva clássica, com efeito, a natureza exibe invariavelmente o mesmo caráter, não importa a escala que o observador decida investigar. No que consiste um mecanismo? Em partes que também são mecânicas, e essas partes serão compostas de subpartes que igualmente serão mecânicas, e assim por diante; as leis da mecânica se aplicariam do mesmo modo e com a mesma eficiência quer se trate de um minúsculo grãozinho de pólen ou da mais gigantesca das galáxias. Sob o mecanicismo, portanto, a natureza é monótona, tem apenas um único modo de aparição, correspondente a um único modo de constituição. Todavia, com a revolução científica contemporânea, vai se revelar um quadro totalmente diferente: de acordo com a escala que se enfoca, descobrem-se classes distintas de fenômenos, que remetem a formas variadas de estruturação e de funcionamento dos objetos examinados. Em microescala, a natureza vai agora exibir uma certa face, a dos processos ambíguos e elusivos da física quântica; em megaescala, vai exibir uma outra face, a da totalidade dinâmica, histórica e inacabada da cosmologia relativista; e, mesmo em nossa própria escala mamífera, uma terceira face, a dos sistemas não lineares deterministas mas imprevisíveis das teorias do caos (das quais a mecânica tradicional é apenas um caso particular).[11] A natureza não é mais unânime e uniforme, e sim tríplice, ou triplicada, três naturezas diferenciadas conforme o foco do olhar que se está lançando, isto é, a dimensão que se quer investigar.

Como veremos, a instalação, na alvorada deste novo milênio, da nova cosmovisão fundada nos paradigmas da complexidade implicará a concomitante diluição das antigas distinções que demarcavam as fronteiras entre natureza e cultura (ou criatura e artefato), entre sujeito e objeto (ou corpo e pensamento), entre interioridade e exterioridade (ou indivíduo e meio). Estamos apenas começando a vislumbrar, nos dias de hoje, as amplas repercussões que a dissolução dessas fronteiras que são a nossa herança imediata, o legado com o qual o Ocidente se identificou nos últimos três séculos, haverá de ter. Transformações civilizacionais desse calibre não costumam ser experiências pacificas e serenas. Como reza a tradicional maldição chinesa, viveremos tempos interessantes.

Para principiar a descrição das características mais importantes e inovadoras da imagem da complexidade, vamos recorrer a uma parábola de etologia, narrada por Douglas Hofstadter numa página notável.[12] Trata-se do encontro do formigueiro chamado Mary com um tamanduá:

Vem bamboleando o tamanduá numa bela manhã, quando se encontra com o formigueiro chamado Mary. E o formigueiro chamado Mary diz assim para o tamanduá: “Bom dia, tamanduá, você não gostaria de tomar um café da manhã feito de algumas das minhas formigas mais gordas e suculentas?”.

O tamanduá, encantado com o convite tão gentil do formigueiro chamado Mary, apressa-se em saborear aquelas formigas deliciosas e, quando enfim está satisfeito e se afasta, o formigueiro chamado Mary se despede dele dizendo: “Obrigado, tamanduá, volte sempre”.

Se toda parábola encena uma lição, o que podemos aprender com o encontro. do formigueiro chamado Mary com o tamanduá? Obviamente, essa estranha parábola contém, pelo menos, três aspectos intrigantes: primeiramente, o formigueiro tem nome, chama-se Mary, é lícito presumir que devam existir também formigueiros chamados John ou Joan; em segundo lugar, o formigueiro chamado Mary fala, trata-se de um formigueiro falante; e, finalmente, o formigueiro chamado Mary parece ser masoquista — não apenas convida o tamanduá para devorar suas formigas, como ainda por cima agradece a ele pelo — como dizer? — formicídio. Mas o mais grave é, sem dúvida, o contexto do qual a parábola foi extraída, a etologia, a ciência do comportamento animal; embora expressa de forma alegórica e num tom coloquial, sem o emprego de termos técnicos, a narrativa aparentemente pretende ser factual (e Hofstadter não hesita em sublinhar seu realismo).

Bem, para investigar o que essa parábola pretende significar, um ponto de partida adequado pode ser a pergunta: o que é um formigueiro? Ora, direis, um formigueiro consiste em formigas, não é senão um conjunto de formigas. Contudo, essa definição é tão incontestável quanto insuficiente. Equivaleria a afirmar que somos um organismo feito de células, ou que a catedral de Chartres é feita de pedra e vidro — enunciados absolutamente corretos, mas lamentavelmente incompletos. Não, assim, algo essencial está nos escapando. Reformulemos a questão: o que é uma formiga? Não é necessário, para os objetivos da presente discussão, abordar os caracteres taxonômicos das mais de 9 mil espécies conhecidas (ou das mais de 20 mil estimadas!) deste ilustre membro da ordem dos himenópteros; para nossos propósitos, basta admitir que uma formiga pode ser comparada a um agente aleatório, ou seja, um ser que realiza ações erráticas, perfazendo percursos intrincados sem nenhuma finalidade aparente, em suma, um caminhante embriagado que vive ao sabor dos encontros e não manifesta nenhum objetivo definido e previamente traçado. De fato, se observamos os movimentos de uma formiga isolada, não nos é possível discernir nenhuma determinação em seus trajetos sempre ziguezagueantes. As formigas, quando solitárias, parecem invariavelmente estar bêbadas…

Mas algo curioso acontece quando, em meio às névoas da embriaguez, essa formiga dá de encontro com uma fonte de alimento. Subitamente alerta, ela toma uma amostra do alimento e refaz o percurso patentemente errático que realizou até ali (graças a uma trilha química de feromônios que deixou no solo), de volta ao formigueiro. Eis que uma segunda formiga que perambulava por perto se aproxima, percebe que a primeira porta uma amostra do alimento e procura avaliar seu valor com as antenas. Convencida, a segunda formiga realiza então uma operação notável: divide o mundo em dois hemisférios — a região de onde ela mesma estava vindo e a região de onde a primeira formiga provinha — e põe-se a explorar a metade do mundo à qual a primeira formiga parecia pertencer. Uma terceira formiga testemunha o encontro das duas primeiras e repete o processo de divisão do mundo em dois — a parte de onde ela, terceira formiga, procedia e a parte onde as duas primeiras se encontravam. A cada nova formiga, o processo se reitera e se acumula, de tal maneira que, por volta da ducentésima ou tricentésima formiga, verificamos estar traçado um caminho único que liga o formigueiro à fonte de alimento — e esse caminho é matematicamente o mais curto e, portanto, energeticamente o mais econômico.[13] O que constatamos desse experimento de campo é que uma formiga isolada se comporta como um bêbado sonso — mas duzentas (ou mais) formigas são capazes de resolver um complexo problema de otimização de recursos, o de determinar a menor distância entre dois pontos de maneira a minimizar o dispêndio de energia, levando em conta as circunstâncias (tridimensionais!) do território. A razão da crescente coordenação do comportamento da fila de formigas é que elas tendem, probabilisticamente, a preferir as trilhas mais ricas em feromônio; logo, quanto mais formigas participam do processo, mais a região atravessada se estreita.[14] A partir da reiteração das ações estupidamente simples de cada formiga — seguir sinais químicos e aderir às concentrações maiores desses sinais — surge um efeito de conjunto cuja eficácia e funcionalidade são claramente reconhecíveis. Há portanto capacidades na ação coordenada de duzentas formigas que não estão presentes nas formigas individuais; um predicado novo foi acrescentado, uma nova qualidade emergiu.

Bem, então o que é afinal um formigueiro? Antes de mais nada, o formigueiro é as formigas. O que fazem as formigas no formigueiro? Se observamos uma região bem pequena do interior do formigueiro, vemos um grupo de três ou quatro formigas reunidas durante um curto período (quatro a cinco segundos, em média) para realizar uma parte de certa tarefa. Esses “times” têm duração tão breve porque logo uma das participantes parece se “esquecer” do que estava fazendo, deixa esse time e ingressa em outro próximo. Outra formiga que passava por ali a substitui, de modo que a tarefa é cumprida, ao final, por um número muito grande de formigas, todas entrando nos diversos times e deles saindo o tempo todo. Se agora alargamos um tanto o olhar, abrangendo uma região um pouco mais ampla, vemos que há vários times cooperando para realizar diferentes tarefas. As formigas flutuam de um time para outro, mas o conjunto de times nesse dado local tem uma persistência maior, durando em média de trinta a quarenta segundos; esses conjuntos coordenados de times são chamados de “equipes”. Ampliemos novamente o olhar, e encontramos nessa porção aumentada do formigueiro várias equipes distintas trabalhando, simultaneamente, em variadas funções. Impondo uma analogia com a estrutura de uma empresa, chamemos tais conjuntos de equipes de “serviços” ou “agências”; esses novos sistemas têm uma durabilidade bem maior, da ordem de vários minutos, e estão encarregados de realizar, em cada setor, as operações vitais do formigueiro: cuidar dos ovos e das pupas, prover as necessidades do órgão reprodutor (a rainha), fazer a limpeza de resíduos, manter a integridade da estrutura, velar pela aeração dos corredores para que a temperatura e a umidade ideais sejam conservadas, e assim por diante. Se olhamos mais amplamente ainda, vemos que essas agências — compostas de conjuntos de equipes, compostas de conjuntos de times, compostos de conjuntos de formigas — se encaixam por sua vez em “seções”, e estas em “departamentos”, e estes em “divisões”, segundo níveis de integração cada vez mais abrangentes. Os níveis supremos de integração desses sistemas feitos de subsistemas, feitos de subsubsistemas etc., feitos enfim de formigas, os entomólogos batizaram de símbolos.[15] Ora, que nome curioso esses cientistas escolheram! Quer dizer então que um formigueiro consiste em símbolos, pois assim os entomólogos resolveram denominar as grandes funções do formigueiro (a defesa, a nutrição, a manutenção estrutural, a reprodução etc.), e só secundariamente — ou terciária, ou quaternariamente — é que é feito de formigas. Para compreender as razões dessa escolha, retomemos a análise de nossa parábola. Vem bamboleando o tamanduá e aproxima-se do formigueiro chamado Mary. Assim que sua presença é percebida, imediatamente o símbolo de defesa do formigueiro é acionado, ou seja, as formigas mais parrudas (e apetitosas) saem em massa para enfrentar o perigo. Com seu corpo (o símbolo de defesa), o formigueiro chamado Mary faz um gesto, estabelece uma comunicação através dos movimentos do corpo; exprimindo-se por uma dança, o formigueiro chamado Mary diz: “Bom dia, tamanduá, você não quer como café da manhã algumas das minhas formigas mais gordas e suculentas?”. Mary fala gestualmente, movimentando seu corpo, e esses sinais o tamanduá entende como um convite para o café da manhã e se banqueteia com todas aquelas formigas deliciosas. Quando se saciou e está indo embora, as formigas sobreviventes começam a retornar para o interior do formigueiro, e isso é o formigueiro chamado Mary acenando para o tamanduá: “Obrigado, tamanduá, volte sempre”.

Já sabemos como o formigueiro fala (e intuímos por que os estudiosos escolheram o termo símbolo para descrever suas grandes funções), mas por que o formigueiro chamado Mary se agradaria do apetite voraz do tamanduá?! É que para Mary é muito mais significativa a dinamização de seu metabolismo ocasionada pelo diálogo com o exterior, no caso, com o tamanduá, do que a perda de algumas das suas células — as formigas. Cada vez que fazemos uma carícia no ser amado arrancamos da superfície de sua pele algumas centenas de células epiteliais — mas qual amante dá a menor importância para isso? Da mesma maneira, é muito mais valioso para o formigueiro aprender sobre o mundo do qual faz parte, variando o seu próprio ser, do que umas poucas dezenas ou centenas de suas abundantes células. É por isso que o formigueiro chamado Mary agradece ao tamanduá pelo encontro, pois devido ao diálogo travado entre eles o corpo do formigueiro muda: formigas trocam de times, times trocam de equipes, equipes trocam de agências, numa experiência vital muito mais indispensável para Mary que a manutenção de umas tantas formigas.

Compreendemos então que o conteúdo da parábola — a “moral da história” — diz respeito às interações internas entre os distintos modos de organização de que o sistema complexo “formigueiro chamado Mary” se compõe. Os atributos da entidade “formigueiro” exprimem os caracteres dinâmicos dessa hierarquia de níveis de estruturação que encarna sua constituição. É em virtude das particularidades de comportamento sustentadas pela hierarquia organizacional de cada formigueiro que eles passam a exibir diferentes “personalidades” — e então os entomólogos podem distingui-los e nomeá-los. Manifestam, por exemplo, “temperamentos” variados — há formigueiros curiosos, ou irritadiços, ou sombriamente mal-humorados, ou pacificamente bonachões. As formigas de cada espécie são inomeáveis, já que são sempre idênticas, mas os formigueiros podem ser batizados, porque cada um desses conjuntos complexos tem predicados próprios, que o singularizam e que fazem este ser o formigueiro chamado Mary e aquele o formigueiro chamado John.[16]

Talvez a característica mais marcante do conjunto complexo “formigueiro”, como podemos depreender da parábola que acabamos de examinar, seja o fato de que esse sistema de sistemas nos propõe uma nova figura para os conceitos de todo e de parte. A estrutura hierárquica que engloba das formigas aos símbolos afasta-se radicalmente da metáfora mecânica: o todo (o formigueiro) não se compõe apenas de suas partes (as formigas), tal como um relógio é feito de suas engrenagens. A razão é que o todo, o conjunto das formigas, pode afetar a parte, mudando o comportamento de cada uma delas. Exemplificando: como uma formiga “sabe” para onde deve se dirigir para que sua colaboração no esforço deste ou daquele time seja a mais efetiva possível? Dito de outro modo, qual é o dispositivo que regula a distribuição de formigas no corpo do formigueiro? Resposta: a densidade global de feromônios ao longo de todo o formigueiro, que serão mais intensos em um local onde já estejam muitas formigas, e mais rarefeitos em outro, pouco ocupado. Esse índice depende do conjunto total de formigas, e assim o todo serve como meio de orientação para as partes, dirigindo formigas, times e equipes para onde sua ação seja mais requisitada. O todo-formigueiro, portanto, não apenas contém suas partes, mas age sobre elas. Esse todo é mais do que a simples soma das partes, porque serve como meio para as partes agirem sobre si próprias. A heterogeneidade estrutural dos sistemas complexos instaura um campo de mediações entre os níveis global e elementar que tem como resultado a aparição de novas propriedades no sistema. Consideremos o análogo muito próximo do formigueiro que é o nosso próprio organismo: somos feitos de células, que se ligam formando tecidos, estes se associam formando órgãos, que se integram formando os grandes sistemas orgânicos, respiratório, digestivo, nervoso etc., e cada um dos indivíduos humanos somos membros de uma coletividade social e participantes de uma comunidade ambiental — somos estruturalmente quase gêmeos dos formigueiros. A diferença é que as células do formigueiro (as formigas) podem mover-se autonomamente, mas as nossas só se movem em conjunto. Tal como o temperamento dos formigueiros, nosso andar é um efeito global que não está presente nas unidades elementares.

Podemos então definir um sistema complexo como um conjunto que possui um grande número de componentes (os agentes) interligados por um grande número de conexões e que se distribuem em agregados (os metaagentes) hierarquizados. O que importa pensar aqui é que a partir de sínteses de elementos presentes num dado nível de organização de um sistema complexo se estabelece um novo patamar estrutural, cujos componentes são agora forjados pelas operações de integração realizadas sobre os componentes do nível anterior. Forma-se assim uma hierarquia estrutural de modos de organização cujos “estratos” podem vir a exibir novas propriedades e qualidades, que não são diretamente redutíveis às propriedades dos elementos dos estratos mais básicos. Cada nível, evidentemente, permite e suporta o nível seguinte, mas não o esgota. A emergência de propriedades inéditas num estrato produzido pela integração operada sobre um estrato prévio aponta para uma dupla novidade: à diferença dos sistemas mecânicos simplistas, os sistemas complexos podem ser irredutíveis (não-reducionismo) e indeterminados (não-determinismo). Eis o crivo decisivo que assinalará a originalidade do campo da complexidade: ao postular-se uma nova relação todo-meio-parte — em que a parte pode servir como meio, como instrumento, para o todo afetar-se e, reciprocamente, em que o todo pode servir de meio para a parte afetar a si própria —, admite-se de imediato a possibilidade de ocorrerem processos de auto-afecção, ou seja, a possibilidade de um dado sistema vir a mudar sua própria estrutura, transformar sua própria constituição, para responder a variações que aconteçam quer em seu âmbito interno, quer em suas relações com o meio exterior.

Um dispositivo mecânico pode perfeitamente se adequar a mudanças que sucedam no ambiente. Um exemplo trivial do dia-a-dia é o ar-condicionado: quando a temperatura sobe acima de certo valor, um sensor é acionado, liga-se o compressor, o ar é resfriado; quando a temperatura baixa até um outro valor, o compressor é desligado. É correto dizer que o ar-condicionado reage a variações de certa grandeza, a temperatura. Mas ele responde apenas a essa variação específica dessa única grandeza, é incapaz de aprender a responder a gradações de outras grandezas que porventura estejam presentes. Os sistemas mecânicos simples são incapazes de transformar suas estruturas internas, suas composições, suas naturezas, em suma, para responder a novas demandas que surjam no meio, enquanto sistemas complexos como os seres vivos podem adaptar-se, mudar sua natureza, para assimilar pressões do ambiente; a evolução do sistema modifica o próprio sistema. No campo da complexidade, portanto, a indeterminação intrínseca dos sistemas auto-afectivos — no sentido de que cada nível de organização suporta o nível de organização seguinte, mas não o determina, algo novo surge — implica sucessivos modos de organização, marcados por novas qualidades, como se correspondessem a sucessivas invenções. Em vez do caráter perpetuamente repetitivo inerente à imagem-máquina, encontramos agora uma natureza inventiva, criadora, artista.

Devemos então formular com maior precisão os detalhes de uma nova constelação de metáforas, uma nova imagem, conforme aos traços característicos dessa natureza complexa. O que se passa quando em um dos níveis de organização de um sistema complexo sucede uma síntese e emerge um novo nível de organização, portando um novo predicado? Como se poderia descrever a constituição dessa propriedade emergente a partir da indeterminação anterior que a engendra? Para explorar essas questões, procuraremos nos servir de noções esclarecedoras: primeiramente, a dobra, extraída da filosofia medieval cristã, e ilustrada por um exemplo da história da arte; em seguida, o par biblioteca e labirinto, que tomaremos de empréstimo às obsessões de um grande artista, Jorge Luis Borges. Assinalaremos, por fim, a diferença entre os conceitos de enigma e de problema; em conjunto, essas noções nos permitirão elaborar um esboço, talvez não inteiramente inadequado, da nova imagem ambicionada.

O que é uma dobra? Dobra, ou prega, vem do latim plica, que é também a raiz de plexo. Implicar é dobrar ou conectar, explicar é desdobrar ou dissociar. Complexo ou complicado é o que está dobrado junto, o que está redobrado. O que uma dobra faz? Tomemos uma superfície; ao se dobrar essa superfície, regiões antes separadas são postas em contato, e surge aí uma nova dimensão.[17] Recordemos as madonas medievais: as figuras são bidimensionais, plasmadas na tela, suas proporções são estruturadas simbolicamente e definidas apenas pelos contornos. Não há nenhuma intenção de representar “realisticamente” as figuras: a Madona e o Menino são imensos (dada sua importância religiosa), comparados aos minúsculos pastores e animais presentes na base do quadro, a paisagem de fundo é tão-somente ornamental. Tampouco se pretende apresentar acontecimentos: o objetivo é transmitir o símbolo da Sagrada Maternidade de Deus, e não descrever as tensões musculares dos braços da Dama ao sustentar o corpo do Infante. O tempo, portanto, está ausente: mesmo na via-sacra, em que a história do martírio de Cristo é narrada em sucessivas etapas, cada quadro retrata uma cena exemplar — e essencialmente estática. Quando Simão, o Cireneu, se compadece do Cristo vergado sob a cruz e lhe empresta o braço para aliviar sua carga, trata-se da imagem paradigmática da caridade solidária, e não do movimento corporal requerido para a ação física de rebalancear o peso do madeiro.

Na passagem da arte medieval para a renascentista, a introdução da dobra — especificamente, as pregas das vestimentas, importadas da arte bizantina — faz os corpos representados ganharem espessura, enchendo-se em volumes, e assim o plano pictórico adquire uma dimensão suplementar, a profundidade. Qual é o efeito de uma dobra? Induzir a existência de uma outra superfície, não vista mas intuída, “por detrás” da superfície aparente. Mas então o olhar se detém na camada “externa”, depois segue para a segunda camada e ainda para uma terceira… Ou seja: a dobra vai permitir que os corpos se avolumem e que portanto o quadro adquira uma terceira dimensão espacial, uma profundidade. Esse novo espaço representativo tridimensional logo depois será ordenado more geometrico pela adoção da perspectiva, “naturalizando-se”[18]. Ora, se os corpos se encheram e passaram a ser posicionados segundo as regras da perspectiva, as proporções das figuras simulando as distâncias entre elas, então o olhar se demora ao penetrar nesse espaço e, assim, ainda uma outra dimensão suplementar é acrescentada — o tempo. A introdução da terceira dimensão espacial é simultaneamente a aparição de uma sensação de duração — o que vai permitir que a arte renascentista passe a reproduzir movimentos, retratando acontecimentos e não somente conteúdos puramente simbólicos. Um bom exemplo são as gloriosas flâmulas dos cavaleiros de Paolo Ucello. Guerreiros de armadura, montados em corcéis magnificamente ajaezados, portando imensas lanças em cujas extremidades se desfraldam pendões — e esses pendões drapejam, ondulam, se contorcem. Quase se podem sentir o vento, e o galope dos cavalos, e o ímpeto da marcha, graças ao tremular dos estandartes.[19] Representar acontecimentos concretos, voltar-se para os estados de coisas: esta foi a inovação maior da revolução artística da Renascença. Como as mudanças na arte, muitas vezes, antecipam os avanços da ciência, a revolução científica da Renascença nutriu-se largamente da artística. Giotto é um indispensável predecessor de Galileu.[20]

Qual o efeito, em suma, de uma dobra? Ao pôr em contato elementos que estavam separados, são criadas novas dimensões, novas possibilidades de expressão — ou ação.[21] Num sistema complexo, no qual diferentes níveis de organização estão presentes, quando em um desses níveis ocorre uma síntese de elementos até então disparatados, desligados, essa integração de díspares produzirá uma nova via de atuação que ocorrerá no nível recém-formado, e o sistema não mais será o mesmo, nem estrutural nem funcionalmente. A dobra, portanto, cria uma nova relação dentro-fora; uma nova topologia: quando o contato se realiza, isso equivale ao estabelecimento de ligações até então não concretizadas, apenas potenciais, entre os componentes dispersos originais; assim se daria a formação (ou reforma) de uma estrutura, o germe da aparição (ou modificação) de um indivíduo.[22]

Essa natureza que aprendeu a dobrar-se sobre si age como um artista; procuremos então nos socorrer da obra de um verdadeiro artista-pensador, como Borges, para tentativamente sugerir metáforas frescas que descrevam a natureza complexa, tal como o relógio serviu de núcleo para a imagem mecânica. Dentre as figuras tipicamente borgianas, deixemos de lado os tigres, os espelhos e os crepúsculos de Buenos Aires, para focar a atenção no próprio centro da vida do autor, a literatura. Em “A biblioteca de Babel”, Borges nos propõe a espantosa analogia entre a literatura e o universo.[23] Tomemos o alfabeto e os símbolos de pontuação: letras compõem fonemas, que formam palavras, que se encadeiam em frases, que se encaixam em parágrafos, que integram textos, que são parte de volumes, que se distribuem enfim pela infinita biblioteca que contém tudo o que é dizível. A interrogação que subjaz ao conto é demasiadamente árdua: a arte recobre o real? Tudo-o-que-pode-ser-dito excede ou é excedido por tudo-o-que-pode-existir? Ambas as possibilidades são temíveis, então silenciemos e contentemo-nos em analisar o “modelo cosmológico” inerente à Biblioteca-Universo. O aspecto significativo aqui é que cada etapa de integração possui sua própria lei: as regras de articulação de palavras são fundadas pelas regras de composição de fonemas, mas não se reduzem a elas, senão haveria uma única língua! A proximidade com os sistemas complexos que abordamos antes (como o formigueiro) é imediata: cada nível de estruturação permite o nível seguinte, mas não o esgota. Borges poderia parafrasear Lacan: o mundo natural se estruturaria como uma literatura.[24]

Então o mundo natural é o análogo de uma vasta biblioteca.[25] Ora, outra persistente figura borgiana é a do labirinto. Em que consiste um labirinto? Segundo Borges, um labirinto é feito de labirintos, ou seja, de futuros indeterminados. Irremediáveis descendentes de Dédalo, costumamos conceber um labirinto como uma armadilha espacial: uma estrada que não leva a lugar algum. Mas em “O jardim dos caminhos que se bifurcam” Borges nos demonstra que a unidade elementar de um labirinto é a encruzilhada, a bifurcação, e esses “átomos de labirinto” são operadores temporais.[26] O que sucede em uma encruzilhada? Temos a estrada, estabelecida, necessária; surge a bifurcação: qual dos dois caminhos o viajante vai seguir? Quais ramificações de bifurcações posteriores poderão vir a ser percorridas, quais futuros serão atualizados? A encruzilhada está ali, está dada, mas a escolha é imprevisível, imponderável, dela só podemos dizer sua chance. Cada vez que em uma encruzilhada um caminho é seguido, o dado do acaso rola sobre a mesa da necessidade. O labirinto seria assim o dispositivo por excelência pelo qual uma necessidade férrea suporta um acaso inventivo, um acaso inovador. Uma matriz de futuros: não será preciso realçar a similitude entre esta figura e a hierarquia estrutural dos sistemas complexos. Obtivemos então duas imagens possíveis para delinear a natureza complexa, a biblioteca e o labirinto. Como diria Borges, quem as houvesse comparado teria visto que eram essencialmente iguais.[27]

Carecemos todavia de um derradeiro elemento para ultimar nossa composição. Assim como usualmente entendemos um labirinto como um diagrama espacial, estamos também habituados a encará-lo como a encarnação de um enigma; melhor seria, contudo, que o tomássemos por um problema. De fato, herdamos dos gregos uma concepção bem precisa de um enigma como uma falta que precisa ser preenchida. O enigma provém de uma unidade que foi partida e que agora está imperfeita, incompleta; a solução do enigma é como a peça faltante que arremata o quebra-cabeça. O modelo, é claro, é o Édipo da tragédia: uma moléstia, a Esfinge, assola as cercanias de Tebas, exigindo que os viajantes solucionem os enigmas que lhes propõe. Se eles não conhecem a palavra-que-falta, a resposta que completa a pergunta, são devorados. Mas, quando Édipo resolve o desafio que lhe foi lançado, o mal é extirpado — a Esfinge se atira no abismo — e a harmonia é recuperada. Sanando a falta da qual a Esfinge era porta-voz ou sintoma, a palavra-que-preenche de Édipo manifesta o saber-poder (e a predestinação à catástrofe) de que os deuses o haviam dotado.[28] Nossa tradição é portanto a de identificar — ou reduzir — a noção de problema ao paradigma do enigma: trata-se sempre de uma unidade primordial que foi fraturada, e a solução é o fragmento perdido que vem restaurar essa unidade; resolver um problema é pois refazer uma unidade primitiva. Mas no campo da complexidade o que interessa é não a solução, e sim a constituição de um problema, não a restauração de uma unidade perdida, e sim a aparição de uma nova unidade ali onde só havia dispersão e disparidade. Nesse sentido, o problema é constituído não para ser resolvido, mas para ser problema.[29] Ao variar sua estrutura, um sistema complexo propõe-se um problema essencial: como instaurar uma nova unidade para si mesmo? As “respostas” são sempre parciais, uma vez que o patamar de unificação recém-alcançado converte-se imediatamente em base para outras problematizações futuras. Encaixar a última peça do quebra-cabeça é simultaneamente recortar um novo conjunto de peças; percorrer um labirinto não é senão, interminavelmente, ampliá-lo. O campo da complexidade seria o território de labirintos em que operam séries de dobras e desdobras, inesgotavelmente propondo problemas. Complicada, labiríntica, problemática: eis a natureza em toda a sua renovada glória.

Tendo estabelecido as linhas gerais da imagem complexa, cabe-nos agora explorar algumas de suas características mais significativas. Duas linhas de discussão se revelarão essenciais para os propósitos do presente artigo, a primeira dirigindo-se aos planos ideativos compreendidos numa apreciação filosófica das inovações acarretadas pela assunção do campo da complexidade, a segunda abordando as extraordinárias capacidades das novas tecnologias derivadas da instalação, ao longo do século XX, desse campo.

De um ponto de vista próximo à antiga filosofia natural, poder-se-ia considerar que a transformação de paradigmas correspondente à passagem da imagem mecânica para a complexa envolve uma deriva de fundamentos, um deslocamento ocorrido nas próprias bases da construção de nosso entendimento sobre os seres do mundo. Essa movimentação titânica pode ser apresentada como o destronamento do par conceitual substância-indivíduo em favor do par processo-informação. Herdamos dos gregos, mais uma vez, a concepção de que o mundo é feito de “coisas”, ou seja, consiste em uma coleção de substâncias individuadas. Trata-se da doutrina do hilemorfismo (hylé = matéria, morphé = forma), que recebemos de Aristóteles: uma matéria-suporte é recortada por formas que lhe são impressas (as substâncias); ao portar diferentes formas, essas substâncias dividem-se em porções distinguíveis e classificáveis (os indivíduos). No âmbito da concepção hilemórfica, o modelo para a individuação, isto é, para a gênese dos indivíduos, é o da cunhagem de moedas: temos uma folha de metal, uma superfície receptiva e homogênea, sem distinções ou marcas, e temos um molde previamente desenhado; aplicando o molde sobre a superfície, o desenho é cravado sobre ela, e agora um diagrama de marcas passa a ser suportado pela consistência do metal. Observemos que nenhuma matéria é transferida do molde para o metal, apenas um diagrama, um desenho: uma limitação do que até então era ilimitado. As moedas assim produzidas serão os indivíduos, cada qual pertencente à sua classe ou espécie. Assinalemos ainda que a individuação, a moldagem, vem de fora: à matéria cabe apenas ser formatada, encarnando o molde que lhe foi impresso; incapaz de engendrar marcas sobre si mesma, de produzir ou variar formas, não exibe nenhuma potência criativa ou regeneradora.[30]

O foco dessa concepção está na suposição da ocorrência de um princípio de individuação prévio à individuação propriamente dita (ou seja, o repertório de moldes) e também na busca, inseparável da suposição anterior, de se compreender a individuação a partir do indivíduo constituído, finalizado, já formatado (a moeda). Ou seja, implicitamente toma-se o indivíduo constituído como dado inicial e não como o termo da individuação, postura que, numa obra verdadeiramente capital, Gilbert Simondon vai chamar de “ontogênese invertida”.[31]  Simondon aponta o estabelecimento de uma sucessão lógico-temporal: primeiro existe o princípio de individuação, depois esse princípio se realiza numa operação de individuação e em seguida o indivíduo constituído aparece. Mas, observa ele, “se supuséssemos que a individuação não produz somente o indivíduo, não seríamos tentados a passar tão rápido pela etapa da individuação para chegar a essa realidade última que é o indivíduo”. Simondon propõe então uma reversão na pesquisa do princípio de individuação, em que se passaria a considerar primordial a operação de individuação, instância autenticamente genética a partir “da qual o indivíduo chega a existir e da qual ele manifesta, em seus caracteres, o desenvolvimento, o regime e as modalidades”. O indivíduo constituído deixa assim de ser o foco da pesquisa (e seu paradigma), e passaria a ser visto como “uma realidade relativa, uma certa fase do ser, que supõe antes dele uma outra realidade, pré-individual; e que mesmo após a individuação não existe isoladamente, por si só”; pois, primeiramente, “a individuação não esgota de uma só vez os potenciais da realidade pré-individual”, e, por outro lado, “porque a individuação faz aparecer não somente o indivíduo, mas sim a polaridade indivíduo-meio”. E Simondon afirma: “O indivíduo é assim relativo em dois sentidos: porque não é todo o ser e porque resulta de um estado de ser no qual ele não existia, nem como indivíduo, nem como princípio de individuação”.[32] De fato, na óptica substancialista tradicional, com sua ênfase no indivíduo constituído, o que resta encoberto — nossa forclusão, em termos lacanianos — é precisamente a questão central: a da gênese concreta dos indivíduos, ou seja, as operações materiais que sucederam, as forças que estiveram em jogo, para que o indivíduo pudesse surgir a partir do estágio pré-individual, autenticamente radical, de dispersão dos elementos que doravante, após a atividade de individuação, nele irão se conjugar.

A teoria dos sistemas complexos vai pois invocar não as relações entre indivíduos já constituídos, finalizados — relações definidas a partir das propriedades desses indivíduos “prontos” —, e sim o que se pode chamar de potencialidades conectivas, fundamento de uma capacidade imanente de engendrar estruturas, de produzir formas.[33] Com efeito, estaríamos hoje reconhecendo, na matéria, na vida e no pensamento, uma inerência inventiva, um poder endógeno de produzir novas relações, novas conjunções e disjunções, novas combinações .e constelações, num fluxo de formatações a rigor interminável: não sabemos situar o “começo” ou o “fim” desse fluxo de conectibilidades. Assim, para descrever tal campo de potencialidades conectivas sugere-se a figura de que o real adquiriu profundidade. O que estamos acostumados a chamar “realidade” — o domínio dos indivíduos existentes — teria ganhado espessura, a espessura de um real virtual, um substrato de potencialidades.[34] O real “atual”, personificado pelos corpos substanciais “estáveis”, sucedendo-se instantaneamente ao longo de uma infindável linha cronológica e representado por um espectador plenamente cognoscente, repousaria sobre esse outro real tectônico, esse oceano inferior que suportaria e daria as condições de possibilidade da própria existência: dito de outro modo, o existir se apoiaria sobre um preexistir.

Para compreendermos a amplitude explosiva dessa renovação de fundamentos, basta recordarmos o elemento-chave da doutrina mecanicista, que anteriormente denominamos elementarismo reducionista — a ideia de que os componentes microscópicos (e portanto elementares) do mundo seriam invariavelmente simples, dotados de poucos atributos, a complexidade surgindo por mera adição de tais unidades “simples” mas permanecendo sempre, ao fim e ao cabo, redutível a elas. Ora, tal postura reducionista terá de ser posta de lado, porque hoje sabemos que, exatamente na escala microscópica, não encontramos objetos simples, dotados de formas fixas e básicas, autênticos microindiví-duos primários. Ao contrário, ao enfocar o comportamento de partículas, átomos e moléculas, torna-se forçoso que abandonemos o conceito tradicional de indivíduo, porque, como veremos em seguida, este não tem validade alguma no domínio da física quântica![35] Uma vez infundado o próprio cerne da concepção mecanicista-reducionista, convém que lancemos mão de operadores conceituais próprios aos novos paradigmas — que passemos a pensar em termos de operações de estruturação, pois do que se trata é sempre de transições e transduções estruturais, produções contextuais de formas, porque as operações de individuação, como afirma Simondon, jamais têm apenas o indivíduo como resultado, uma vez que nelas se mantém a relação disto que virá a ser o indivíduo com o meio primitivo, com a matriz da qual a forma produzida provém. Essa matriz é originária, no sentido de que é genética, gerativa; é primordial, no sentido de que é primeira, arcaica; mas essa origem não é deixada para trás, esses primórdios nunca são passado. A matriz pré-individual é sempre contemporânea ao próprio indivíduo, permanece sempre ativa, ou sempre pré-ativa, junto aos indivíduos que produz, assegurando que novas individuações, novos processos de formação, possam perenemente suceder. Segundo Simondon, se procurarmos apreender a constituição desse real subjacente, desse campo de potencialidades conectivas, dessa virtualidade real, não encontraríamos princípios ou formas já constituídas, prontas para ser instaladas, para moldar as coisas do mundo.[36] Ou seja, bem longe de um céu platônico de modelos ou arquétipos, nesses estratos profundos do existir depararíamos com singularidades, feixes de futuros possíveis, nós de caminhos por vir, plexos de estruturas realizáveis. A meta do pensamento seria encontrar-se com essas singularidades, e delas extrair novas formas, e delas criar.[37]

Embora a figura de um espessamento do real tenha sido abordada, segundo diferentes pontos de vista, por diversos pensadores ao longo da história da filosofia, hoje foi posta em cena a partir de problemas e ideias produzidos pela ciência.[38] Assim, dispomos doravante de uma visão integrada e empiricamente fundada do que seria a vigência de um tal encadeamento de níveis de complexidade no âmbito das formações materiais, desde escalas moleculares até dimensões astronômicas.[39] Como demonstra a história da evolução, uma série de derivas puramente contingenciais, mas que dão lugar a transformações decisivas, poderá então suceder.[40] De fato, uma das principais novidades ou inovações que o campo da complexidade nos trouxe é uma possibilidade de converter diferenças quantitativas em diferenças qualitativas, ou seja, a emergência de uma nova qualidade a partir de sínteses de quantidades.[41] Através de transduções, transições estruturantes que impulsionam a organização progressiva de um domínio, dá-se a emergência no domínio recém-estruturado de atributos que não estavam presentes nos elementos prévios, torna-se possível que minúsculas diferenças quantitativas sejam sintetizadas e amplificadas em diferenças qualitativas.[42] Simondon nos convida a considerar o fenômeno do crescimento de um cristal: as ligações das moléculas dissolvidas na solução originária arranjam-se de modo a constituir um grão cristalino que exibe novas propriedades mecânicas, ópticas e elétricas — que não estavam presentes no nível molecular.[43] Evidentemente, o nível molecular vai se refletir no nível macroscópico. O exemplo mais imediato é o dos flocos de neve, nos quais o fato de a molécula de água — H2O — exibir certo ângulo característico entre os dois átomos de hidrogênio, combinado com o número assombroso de posições relativas possíveis entre as moléculas de cada gotícula de vapor numa nuvem, vai se refletir na verificação de que todo e qualquer cristal de neve (1) terá uma simetria hexagonal, com cada um dos seis lados ricamente ornamentado, e (2) essa ornamentação será absolutamente única, fazendo cada floco de neve diferente de qualquer outro. O impressionante é haver um traço que é comum, ou mesmo universal, a simetria hexagonal, e haver um traço absolutamente único, na verdade singular, que são os adornos dispostos sobre o formato básico. Uma mistura de padrão e distinção, de repetição e diferença.[44]

Paralelamente, o legado cartesiano de que há um domínio do pensamento cabalmente distinto e separado do domínio da existência material entra igualmente em crise. Com efeito, uma das características essenciais dessa célebre dicotomia é a da univocidade, ou seja, da integridade e unidade, desse eu, desse sujeito dotado da capacidade reflexiva de representar o mundo, de fazê-lo apresentar-se uma segunda vez, agora nas imagens que o sujeito forma na sua interioridade, no teatro de sua consciência, e que forneceriam a matéria-prima para o ato de conhecimento.[45]  Ora, a própria identificação cartesiana de pensar com representar decorre do privilégio conferido, na produção do conhecimento, ao indivíduo constituído. Dois atributos essenciais da noção de indivíduo são decisivos aqui: sua unidade (em dois sentidos: o indivíduo é uno, é unido, suas partes são coesas; e é um, é unitário, conta como uma unidade), que nos permite apontar “isto” ou “aquilo”; e sua identidade, que nos permite apontar “este” ou “aquele”. A identidade garantiria, no espetáculo da representação, na re-presentificação dos acontecimentos no interior da subjetividade, a adequação do pensado ao que é existente, do representado ao apresentado. Recordemos de passagem que a noção de identidade é venerável, está presente na gênese da própria filosofia, do próprio Ocidente: desde Parmênides, um dos problemas-mãe da filosofia foi precisamente o do estatuto do ser, daquilo que é idêntico a si próprio e assim perdura, e seu “filho teórico” Platão elaborou as bases de seu pensamento seminal a partir de um engajamento com a identidade.[46] O princípio de identidade, com efeito, serviu como definição ontológica, determinação de como os seres são, e também como regra lógica para o pensamento operar.[47]

Mas no domínio da complexidade a identidade é entendida como um efeito de superfície, uma coagulação temporária, provisória, que não remeteria à essência profunda do objeto ou do próprio ser. De fato, a conjugação de diferentes fluxos materiais para que se viabilize a aparição deste objeto aponta imediatamente para as condições de sua produção, para a pré-história dessa conjugação, e assim as fases anteriores desses fluxos são efetivamente inseparáveis da realização atual disso, são pré-requisitos para sua apreensão e compreensão.[48] Assim, apesar da herança vetusta da abordagem identitária, no âmbito dos sistemas complexos — quer se trate da matéria, da vida ou do psiquismo — os objetos identitários não reinariam sobre as bases da existência e do conhecimento. Ao contrário, para poder conhecer (e inventar), o pensamento tem de investir em diferenciações. No real geológico, profundo, no domínio das singularidades, encontraríamos pré-formas diferenciais, disparatadas; sínteses dessas parcelas diferenciais eventualmente estruturariam todos parciais, objetos circunstancial, precária e superficialmente identitários.[49]

Para aclarar o sentido do leque de conceitos que acabamos de alinhar (e talvez nos persuadir de que não são tão estranhos quanto parecem), conviria considerar brevemente uma obra fundamental de um escritor notável, Elias Canetti. Prêmio Nobel de literatura, um dos raros autores capazes de escrever com apuro em quatro línguas, Canetti teve na juventude uma experiência tantalizante, que marcaria de forma indelével toda a sua produção futura. Caminhando pelas ruas de Viena, foi atraído pela movimentação de pessoas que se dirigiam a um protesto de operários. Acabou levado de arrasto pela multidão em marcha, e quando menos percebeu estava ele também participando plenamente daquele momento efervescente; esquecido de si mesmo, integrou-se por completo àquele todo compacto formado por pessoas que jamais tinha visto. Canetti agora pertencia a uma massa. Testemunhou quando a polícia se lançou com selvageria sobre os manifestantes, e ainda assim, diante de cavalos, cassetetes e fuzis, a massa não cedeu e atirou-se, onda após onda, sobre as balas dos gendarmes. Quando voltou a si, quando se reencontrou consigo mesmo, viu-se em meio a uma centena de mortos.[50] Jamais esqueceu esse acontecimento e dedicou 36 anos da sua vida — ao longo dos quais as duas Grandes Guerras e em particular a ascensão do fascismo e do nazismo o convenceram de que sistemas de poder sofisticados estavam sendo desenvolvidos precisamente para tentar administrar as massas — a estudar as relações entre massa e poder.[51]

Uma das obras máximas do século XX, Massa e poder principia pela constatação de que nossa definição como individualidades, entidades distintas e autônomas, é dada antes de tudo por uma fronteira, certo limite espacial, um envoltório que se sobrepõe à superfície de nossos corpos. Qual é nosso maior temor? É estarmos adormecidos, inscientes e indefesos, e uma mão desconhecida se aproximar e nos tocar. Rompe-se aí a inviolabilidade de nosso ser: um outro corpo entrou em contato com o nosso, o limite foi transposto, outrem nos invadiu. Quando o desejamos, esse toque, esse transpasse, é a primeira das maravilhas; quando não o desejamos, é o último dos terrores. Portanto, o que nos define como pessoas, o que assegura nossa integridade de indivíduos, é o toque, o contato de nosso corpo com outro corpo. Para nos convencermos disso, basta lembrar o comportamento dos usuários de um elevador que vai enchendo… Mas o que acontece na massa? Dá-se na massa um fenômeno no qual esse temor do toque é perdido, e os corpos entram indistintamente em contato, conectam-se, agregam-se, tocam-se de todas as maneiras possíveis. Perdidos os limites das individualidades, o que os participantes da massa querem é concentrar-se; a massa exulta em sua concentração, entra-se na massa e o que se quer é mergulhar no ponto mais negro, atirar-se ali onde a densidade de corpos é suprema. O que motiva a massa, o motor de sua dinâmica, é crescer. Quanto mais cresce a massa, mais ela requer novos aderentes; o momento de efetiva constituição da massa — que Canetti denomina de descarga — ocorre quando o contingente de participantes aumentou o suficiente para que a soma das individualidades colapse sob a gravitação de seu próprio número. Rompem-se as barreiras da proximidade e do temor do contato, a densidade crescente induz uma integração quase instantânea, e então esses corpos humanos que até ali agiam como indivíduos isolados passam a se comportar como componentes de uma unidade mais ampla, uma unidade multicorporal, que é a massa.

A tese de Canetti é audaciosa: a massa não é humana, pelo menos no mesmo sentido em que os indivíduos são humanos. A massa é uma entidade feita de corpos humanos, mas a interioridade da massa não é a interioridade individual, um outro inconsciente — com propósitos, desejos e pulsões que não são os dos indivíduos — se instala. Cada vez que vamos a um estádio, ou nos alinhamos na fila de um teatro, ou sentamos em silêncio numa sala de concertos, estamos em via de participar de uma entidade mais ampla, de um cristal de massa, que tem sua própria “individualidade”. Para cada um de nós, a qualquer momento, a massa é um estado virtual, somos todos, todo o tempo, potencialmente membros da massa, e na massa agiremos como massa. O pânico, por exemplo: quando o símbolo por excelência da massa — o fogo, que tudo consome, que tudo transforma, que quer sempre crescer — irrompe em um local fechado, num átimo arrebentam-se todas as regras de convivência e convenções de bom comportamento, abandonam-se por inteiro as características “normais” de nossas individualidades. Não podemos aqui acompanhar a exploração fascinante de Canetti, desde a “pré-história” da massa (a matilha) até o simbolismo das paradas e desfiles monumentais, a classificação das massas segundo seus ritmos e a congruência entre o paranoico e o sobrevivente, os exemplos inumeráveis colhidos da antropologia, da literatura e da história.[52]

Frisemos tão-somente a conclusão espantosa: todos somos um Outro em potencial, basta que múltiplos corpos se toquem; a massa é nossa virtualidade. É preciso ressalvar que o termo virtual costuma hoje em dia estar associado à chamada “realidade virtual”, ou seja, à produção de puras imagens, impalpáveis, incorporais e portanto incapazes de realizar ação alguma no mundo.[53] Todavia, como Canetti não se cansa de demonstrar, trata-se aqui de uma potência absolutamente concreta de estabelecer ligações, de formar novas unidades, de integrar o disperso. Virtualidade tem nesse contexto o sentido que lhe atribuiu Maquiavel: o príncipe é o homem da virtú não por ter “virtudes”, ser generoso ou bravo ou justo, mas por dispor da potência de gerar acontecimentos e assim mudar o mundo.[54]  A massa é nossa virtualidade porque tem potência de ser; ainda que nossos corpos permaneçam os mesmos, de humanos individualizados podemos nos tornar humanos coletivos ou coletivizados. Na massa, nada muda em nossos corpos — mas que diferença estar dentro ou fora da massa!

A partir do destronamento da noção fundamental de indivíduo-coisa, se efetivamente passamos a conferir real importância às operações de individuação, teremos em conseqüência que renovar igualmente nosso entendimento acerca dos conteúdos do mundo. Os conceitos basilares não mais seriam o venerando par substância-indivíduo, e sim informação e processo. O mundo consistiria não em uma coleção de seres formatados a priori, mas de uma conjunção de seres em contínua e interminável formatação. Fluxos materiais relacionam-se, combinam-se, coagulam-se, às vezes cristalizam-se, adquirindo um certo desenho, sustentando uma certa forma por um certo período, mas o fluir insiste, persiste, em pouco o nódulo se desfaz e as matérias que o compunham participarão de outros seres. Não uma única ocasião produtiva, quando um molde é aplicado sobre uma matéria-prima e se dá a aparição já terminal do produto finalizado, mas o próprio processo contínuo e interminável de fabricação, de individuação. Um exemplo claro: em nosso próprio corpo, a cada catorze meses, todos os átomos são trocados (exceto os dos dentes e ossos, que demoram um pouco mais), e embora em catorze meses certamente soframos mudanças, continuamos a ser reconhecidos e a nos reconhecer como essencialmente os mesmos. Como tudo mais, somos feitos de fluxos de átomos que torvelinham, se enovelam e se coordenam, e esse emaranhado exibe uma duração própria em outra escala, mas esse concerto de fluxos não cessa de ser atravessado, adquirindo e perdendo átomos todo o tempo. Não fomos formados de uma vez só, continuamente nos reproduzimos para continuarmos sendo o que somos, e isso com tal precisão que as partículas de alimento que digerimos serão conduzidas exatamente para os locais onde sejam necessárias para substituir um componente desgastado, de modo que a totalidade se mantenha — razoavelmente — inalterada. Sucede aqui uma transformação radical do entendimento do que é uma forma. Da perspectiva substancialista, a forma é essencialmente uma noção de caráter espacial, corresponde a limites e contornos, como em um desenho ou esquema inscritos sobre um suporte receptivo, ao passo que a forma-processo é antes de tudo tempo. Nesse caso, o mundo deixa de se assemelhar a uma arquitetura de mármores e se aproxima de uma sinfonia de ritmos; como na música, acordes se concatenam e compõem blocos de compassos que se desenrolam segundo um novo andamento, correspondendo a um novo patamar de harmonização, que irá suportar um outro andamento ainda, e depois outro, e da capo.

Uma vez destituída a figura do indivíduo finalizado como entidade primeira do existir, em favor dos processos de individuação, precisamos introduzir um outro substrato básico, no lugar da noção de substância, a partir do qual se possa dar conta das formações do mundo natural. Esse novo conceito basilar será o átomo de informação, que batizaremos de bit. Será conveniente defini-lo a partir de um prólogo. Propuseram a Richard Feynman, prêmio Nobel de física (e escolhido como “o homem mais sabido do mundo”[55]) a seguinte pergunta: se uma catástrofe (como uma guerra atômica em larga escala) destruísse a atual civilização, e se uma única ideia pudesse ser transmitida às gerações futuras para permitir a reconstrução de nossa cultura, qual deveria ser essa ideia? Feynman respondeu incontinênti: a de que o mundo é composto de unidades elementares de matéria, os átomos. Essa concepção remonta a 2500 anos atrás, a Demócrito e Leucipo, embora só tenha readquirido ímpeto, no Ocidente, a partir dos trabalhos em química de Lavoisier e Dalton, no século XVIII, e tenha sido definitivamente aceita somente por volta de 1910, depois dos estudos de Einstein sobre o movimento browniano que os experimentos de Perrin comprovaram.[56]

Por outro lado, motivado por uma inconsistência entre as teorias clássicas sobre a estrutura da matéria e a natureza da luz, Planck realiza em 1900 uma descoberta sob todos os títulos extraordinária: a de que o mundo microfísico manifesta uma segunda atomização, isto é, matéria e energia são ambos atomizados, seus elementos são unidades inteiras, quer de corporeidade (partículas materiais), quer de atividade (os quanta de ação). Ora, não é difícil conceber pacotes unitários de matéria, mas a ideia de pacotes unitários de movimento simplesmente não tem precedentes. Ao trocarem “grãos” de atividade de tamanho fixo, as interações dos átomos se tornam brutais, disruptivas, como se eles saltassem diretamente de um estado de movimento para o outro, sem realizar os valores intermediários. Essa é uma noção que a experiência sensível jamais nos proporcionou; o mundo microscópico resulta ser completamente diferente do que percebemos de nosso mundo clássico. “Ninguém compreende a física quântica!”, exclama Feynman (um de seus grandes desenvolvedores);[57]  embora seja a mais bem verificada teoria já elaborada sobre o mundo físico, seus preceitos parecem saídos das páginas de Alice.[58] A introdução da surpreendente noção de quantum implicou uma transformação profunda do estatuto da observação empírica (as operações de mensuração): uma vez que a perturbação mínima que se pode exercer sobre um dado sistema é fazer incidir sobre ele um quantum de ação, o próprio processo de conhecimento (a medição de propriedades desse sistema) envolverá uma intervenção inevitável e indeterminável, que altera justo o que se quer conhecer. O surgimento dessa indeterminação na instância fundamental dos microobjetos, equivalente a uma aleatoriedade básica, inerente a todos os eventos em escala microscópica, bem como a consequente previsibilidade limitada de nossa apreensão do micromundo, deve doravante ser encarado como “fatos da natureza”, na medida em que constitui característica essencial e incontomável de nosso conhecimento da natureza, consubstanciado no Princípio da Incerteza de Heisenberg.[59]  A consequência é devastadora: os microobjetos não são indivíduos, suas formas são inerentemente mutáveis e ambíguas; as “coisas” não são feitas de “coisas”.[60] Mas esta não foi ainda a derradeira figura de átomo que o século XX nos legou. Os desenvolvimentos da matemática não-linear e suas aplicações físicas (em particular à dinâmica de sistemas fora do equilíbrio)[61] conduziram a visões inovadoras no estudo das variações do teor de organização de um dado sistema.[62] Como primeiro passo nessa discussão, encontramos a identificação entre estrutura e diferença. Consideremos um exemplo específico: um shopping center. Imaginemos que todos os sinais que identificam o campo de atividade de cada loja fossem removidos; restaria apenas a infra-estrutura física, os compartimentos (idênticos, ou muito similares) em que as lojas estão instaladas. Como distinguir a lavanderia da padaria? Não saberíamos como buscar os bens de que necessitamos! É necessária a presença de uma rede de sinalização, cuja função é precisamente a de romper a simetria (a indistinguibilidade) de módulos essencialmente idênticos, introduzindo distinções que não alteram a natureza desses módulos, mas suportam capacidades suplementares, como filtragem, especialização, e competição. Sinalizar é apor um signo que orienta um fluxo; é distribuir bandeiras que assinalam os marcos em um território e permitem a inter-conexão entre eles. A sinalização, contudo, não opera somente criando pertencimentos e identificações, mas principalmente constituindo diferenciações: ali onde reina a homogeneidade, a indistinção, a sinalização instaura um diagrama de diferenças que pode suportar uma nova estrutura, uma nova heterogeneidade. A sinalização é um dos dispositivos que caracterizam os sistemas complexos e sua hierarquia de agentes e metaagentes. Como vimos, é a distribuição de sinais-bandeira (como os teores de odor num formigueiro) que permite agregar agentes em metaagentes que irão servir de elemento para um outro patamar de agregação, e assim por diante, até o nível integrador máximo — o sistema como um todo, em sua relação com um meio ou contexto externos. Em suma, a sinalização é que capacita os agentes, em cada nível estrutural, a participar da constelação de metaagentes que os abrange e ultrapassa, ao estabelecer sobredistinções em que se assenta um novo diagrama de relações. Estruturar é assim, antes de mais nada, diferençar.

Por outro lado, podemos assimilar o conceito de diferença (e, portanto, também o de estrutura) ao de informação. Sinais são portadores de uma diferença, uma figura que se destaca de um fundo; a informação é uma medida da incerteza desse grau de diferenciação entre o sinal e seu substrato, pois sem tal heterogeneidade o sinal não poderia encerrar um conteúdo, um significado. A noção de informação é interessante porque ela prescinde de qualquer suporte particular quer se trate da geometria de um cristal, ou da seqüência de bases numa molécula de DNA ou dos circuitos de um microchip, temos sempre fluxos de informação operando uns sobre os outros, sintetizando-se, fragmentando-se, recombinando-se sem cessar. É possível assim conceber um terceiro tipo de átomo, o átomo de informação, uma unidade elementar de diferença ou distinção que podemos denominar de bit; na linguagem binária empregada na programação digital de computadores, por exemplo, o bit se encarna na distinção primária entre O e 1. Ora, estudar as propriedades de um sistema não é outra coisa que analisar seus modos de organização; logo, fluxos materiais são equivalentes a fluxos de informação. O campo da complexidade, em suas diferentes nuanças, pode então ser condensado em uma imagem unificadora: o real processual é como uma infoesfera, na qual estão compreendidas a hiloesfera ou esfera da matéria, a bioesfera ou esfera da vida e a nooesfera ou esfera do pensamento.[63]

Vale recordar neste ponto a crítica que Simondon empreende ao modelo clássico da comunicação, a teoria de Shannon, em que são dados um emissor de sinais, um meio no qual um sinal emitido se propaga, lutando contra eventuais “ruídos”, e um receptor que recebe esse sinal; assim seria transmitida a informação entre os dois agentes.[64] Mas a transmissão de informação é o cerne, o veículo, da própria comunicação. Qual é a questão que nos interessa aqui? É inerente a esse modelo o fato de que tanto emissor como receptor são definidos a priori, ou seja, ambos dispõem previamente de uma tabela de código segundo a qual os sinais enviados e recebidos podem ser convertidos em significados. Se ambos não estivessem de posse dessa tabela de codificação — por exemplo, o código Morse da telegrafia —, os sinais significativos não seriam distinguíveis dos sinais espúrios, dos ruídos: o emissor enviaria o que para ele é uma mensagem com conteúdo e o receptor receberia uma algaravia sem sentido; da mesma maneira, se o emissor não souber de antemão como codificar o que quer dizer, a comunicação não se realiza. A relação dá-se entre dois termos — emissor e receptor — já constituídos, as propriedades de ambos definem a comunicação, e o meio age apenas como uma via imperfeita de passagem: se os sinais codificados, portadores de significação, não tiverem intensidade suficiente para se destacar do inevitável fundo de sinais-ruído, podem ser sufocados e desaparecer, impedindo a transmissão. Em suma, o modelo clássico da comunicação requer que os termos do processo de transmissão sejam dados a priori, e o meio em que a informação transita se caracteriza por oferecer, em maior ou menor grau, um obstáculo à passagem dos sinais.

Já o campo da complexidade apresenta uma concepção muito diferente, em que a comunicação pode começar literalmente pelo meio, ou seja, um sinal, o portador de uma diferença, se propaga entre duas regiões do meio e, a posteriori, uma delas se constitui como emissor e a outra como receptor. A mediação é que funda os interlocutores, que assim não são prévios à mediação. Desse modo, o ruído pode ser fonte de informação, dado que engendra e suporta uma mediação, uma autêntica comunicação. Termos, polos que não estavam em contato, são postos em conexão e aí se constituem como interlocutores, são definidos como tal a partir do processo. A relação de comunicação é agora anterior a esses pólos, é ela própria constitutiva dos interlocutores. Nada impede que esses até mesmo coincidam, que se desenvolva uma autocomunicação — uma ideia próxima da autopoiese de Maturana e Varela.[65] Ou seja, passamos de um modelo de comunicação linear para um modelo de comunicação não-linear, que permite a auto-afecção. Se o ruído é capaz de servir como fonte de sínteses de diferenças, de constituição de estruturas, os seres vivos podem desenvolver truques, habilidades, dispositivos, de modo que a constância das casualidades, a invariabilidade do imprevisível, a onipresença do ruído fomente a vida, permita à vida compor novas formações.[66] Simondon assinala que, com uma tal relação de automediação, um dado sistema sempre se transforma: a relação comunicativa é sempre uma relação de transformação. Não como no modelo clássico, em que a única transformação que ocorre é que alguém emitiu um sinal e alguém o recebeu; aqui, o papel do meio e dos termos pode se mesclar de maneira a possibilitar uma auto-comunicação que é ela própria uma recodificação do ser que está engajado no problema.[67]

Em resumo, à interrogação seminal pela qual, segundo Nietzsche, Tales de Mileto inaugura o Ocidente[68]  — Do que somos feitos? —, o pensar da complexidade responde: somos feitos de disparidade (diferença, informação) e assimetria (tempo, processo), ou seja, as noções de substância e indivíduo não são mais eficazes se queremos integrar nosso entendimento do mundo natural, desde a escala microfísica, passando pela macroscópica, até alcançar a cosmológica.[69] Somente as noções de processo e informação têm caráter verdadeiramente genético, permitindo-nos apreender esse encaixamento sucessivo de patamares de organização que caracteriza os sistemas complexos, sem que novas substâncias “vitais” ou “espirituais” precisem ser introduzidas para dar conta da emergência da vida e do pensamento, nem que os indivíduos finalizados tenham de ser tomados como modelos exclusivos da existência.[70]  De fato, se insistimos em tomar o mundo como uma coleção de indivíduos finalizados, perdemos de vista o aspecto mais inovador dos sistemas complexos: seu caráter eminentemente processual.[71] Essas considerações induzem-nos a apresentar a tese de que em nossa época está se constituindo um novo materialismo, um materialismo liberto tanto dos procedimentos de analogia e da imagem organicista do mundo medieval como da redução a uma cadeia de engrenagens elementares típica do mecanicismo clássico. Ou seja, no materialismo antigo, a matéria estava confinada à posição de simplesmente encorpar uma forma, isto é, a única positividade que se concedia à matéria seria poder receber e manter uma forma. No novo materialismo, ao contrário, quando concebemos o mundo natural como um conjunto de sistemas que processam informação, uma rede de diferenças, um labirinto de temporalidades, reconhecemos no íntimo dos seres, na imanência da própria matéria, uma potência criativa, uma potência de engendrar formas.[72]

A instauração do campo da complexidade suscita questões difíceis, autênticos problemas, para nossa contemporaneidade. A observação decisiva é que progressivamente, e cada vez mais, diluem-se as distinções clássicas entre matéria, vida e pensamento. Anteriormente se poderia dizer que a tecnologia é uma ferramenta para o espírito, residente na dimensão interna da subjetividade, agir sobre a natureza que lhe é exterior. Hoje, contudo, ocorre uma internalização da ação técnica, como se a tecnologia se rebatesse sobre seu agente, como se o espírito se dobrasse sobre si mesmo e se auto-afetasse. Na medida em que uma ação externa se rebate e engolfa seu próprio executor, resta abolida a suposta separação clara entre o interno e o externo, e entre sujeito e objeto, e entre ente e artefato. A razão é a capacidade recentemente adquirida de intervir nas escalas infinitesimais de comprimentos e durações que são próprias ao domínio da microfísica.[73] Esse fato é verdadeiramente crucial, porque ao nos tornarmos capazes de atuar nessas microescalas elementares, fundamentais para a constituição de todos os seres, estamos realizando uma sobreposição de ritmos: os lentos andamentos da natureza se vêem recobertos pelos rapidíssimos movimentos da cultura.

Do ponto de vista da Teoria dos Sistemas Complexos, a vida é uma matéria organizada que, aprendendo a modificar sua própria estrutura para responder a alterações do meio, passou a conectar as durações bilionesimais das reações moleculares aos milhares de anos das transformações ambientais, aos milhões de anos das transformações geológicas, às centenas de milhões das transformações astrofísicas. A aceleração técnica vigente na contemporaneidade superpôs a essa conexão entre os ritmos materiais e biológicos o prestissimo das produções culturais. O aspecto crítico aqui é que tal condensação dos ritmos naturais em ritmos tecnológicos corresponde à instalação de fato de um novo patamar de ordenação do sistema complexo Terra, que justamente por esse motivo instaura uma imprevisibilidade radical: doravante o passado não nos servirá como guia, uma vez que a história — quer da natureza, quer da cultura — não pode mais ser rebatida sobre o futuro. Pois o que se engendra em nossa pós-modernidade impelida pela aceleração tecnológica é a hibridação: estamos devindo, estamos passando a ser centauros, começamos a nos converter em híbridos de humano e inumano.[74] As três grandes promessas de inovação tecnológica para o século XXI, a saber, a robótica (a produção de sistemas capazes de comportamento autônomo), a biotecnologia (a manipulação dos componentes dos seres vivos, incluindo seu código genético) e a nanotecnologia (a fabricação de dispositivos moleculares), têm como fundamento comum a crescente capacidade de manipular objetos infinitesimais; contudo, seus campos de aplicação incluem, decididamente, desde a partida, nossos próprios colpos e espíritos. Estamos a caminho de poder redesenhar a forma humana. Essa virtualidade, não é preciso frisar, é inteiramente singular na história da cultura e nos impõe a consideração de questões éticas tão árduas quanto urgentes.[75]

O melhor exemplo disso é considerarmos o que Daniel Dennett chama de “a perigosa ideia de Darwin”: em períodos de duração suficientemente longa, minúsculas diferenças entre indivíduos de mesma espécie, selecionadas pelas pressões aleatórias do meio, podem conduzir à especiação, à ramificação em novas espécies. Portanto, uma minúscula diferença no comprimento da asa de um inseto, em dado momento, num dado contexto, pode desembocar, um milhão de anos à frente, na aparição de duas espécies distintas.[76] Esse lento processo de acumulação foi o procedimento pelo qual a evolução escreveu e reescreveu, ao longo das eras, as séries de instruções que presidem a constituição dos biontes, os seres vivos desenhados pela seleção natural. Na década de 1950, a partir da nova compreensão sobre as interações microscópicas obtida pela revolução da física quântica nos decênios anteriores, determinou-se o suporte bioquímico do “manual de operações” — o genoma — que todo ser vivo portaria no interior de suas células e que contém os organogramas e fluxogramas que gerenciam o desenvolvimento dos organismos de cada espécie.[77] Sendo o genoma o “código-base” em que se assenta o “programa” de desenvolvimento de cada bionte, sua descrição precisa permitiria determinar todos os elementos — os “blocos de bits” — e por consequência todas as etapas que comparecem na elaboração de um sistema vivo. A biologia teria assim, como substrato, a ciência do material genético dos organismos ou genômica.

Entretanto, como é característico da tecnociência atual, esses avanços no conhecimento sobre as fundações da genôrnica foram de imediato acompanhados pela geração de aplicações práticas — as biotécnicas. Assim, rapidamente, a tessitura fundamental da própria vida tornou-se suscetível a intervenções técnicas. Na década de 1950, Crick e Watson realizaram a identificação dos tipos (quatro bases químicas) com que as especificações genômicas de cada espécie se acham codificadas; concluiu-se, logo a seguir, que essas especificações estavam divididas em unidades chamadas genes, análogos aos capítulos de uma obra, que se acham reunidos em tomos denominados cromossomos.[78] Na década de 1960, surgiram as primeiras associações entre genes particulares e características morfológicas (ou comportamentais); na de 1970, deu-se o começo da capacidade de intervenção programada em processos genéticos; na de 1980, tornaram-se corriqueiras a inclusão, a exclusão e a substituição de genes precisos, bem como a mescla interespécies; na de 1990, é produzido o primeiro bióide (ser vivo com desenho artificial) mamífero: Dolly. A perspectiva que se abre é a da hibridação radical: em cinqüenta anos, estima Freeman Dyson, teremos quer a plena fusão interespécies, quer a gênese de espécies inteiramente novas.[79]

Ora, de um ponto de vista estritamente microfísico, não há diferença entre moléculas biológicas e inorgânicas, naturais ou artificiais., À medida que aumenta o poder de manipular objetos em escala molecular, a tendência seria ocorrer uma integração crescente entre componentes orgânicos, gerados biologicamente, e componentes eletrônicos, fabricados artificialmente.[80] Os dispositivos orgânicos — motores, sensórios e cognitivos — de que somos biologicamente dotados se combinariam com as próteses de sensibilidade e de inteligência que nos permitem, por exemplo, navegar no info-oceano estabelecido pela rede mundial integrada de computadores e telecomunicações.[81]  Sínteses de carbono e de silício: essa fusão se daria por uma real mescla de formas, pela interpenetração entre terminais nervosos orgânicos e semicondutores; a perspectiva então é a de que nosso devir, nosso futuro, seja nos tornarmos borgues, híbridos de células e chips. Recordemos um feito espantoso: o cérebro de uma lampreia foi conectado a sensores sensíveis à luz e também aos controles de movimento de um pequeno robô. Com o cérebro da lampreia funcionando como central de processamento, o robô passou a agir como a lampreia agiria, evitando as zonas iluminadas e buscando as escuras.[82] Essa conexão é ainda muito rudimentar, pois se trata de neurônios inteiros postos em contato com condutores metálicos, mas brevemente será possível penetrar em um nível subneuronal, associando subestruturas dos neurônios a componentes eletrônicos. Nesse momento, que não está longe, veremos o nascimento de autênticos híbridos biotrônicos, veremos o nascimento de centauros cognitivos, e logo esses centauros seremos nós.

Hoje destruímos algumas centenas de espécies por dia, somos os realizadores de uma extinção em massa; ao mesmo tempo, também nos tornamos capazes de fazer aparecerem novos tipos de vida, novas espécies. Esse poder de gerar formas artificiais é aplicável a toda matéria-prima biológica — incluindo nós mesmos. Tornamo-nos mármore bruto para nosso próprio engenho e arte, nossos corpos e espíritos são doravante insumos que podem ser manipulados para o engendramento de novas corporalidades e novos seres. Nesta era das mesclas, hibridações de natureza e artifício, de carne e mente, de intimidade e globalidade, em que os limites que definiam os indivíduos se tornam cada vez mais ambíguos e imprecisos, mais estendidos em um sentido, mais contraídos em outro, talvez a pergunta-chave seja: estaremos em via de realizar a instalação de um novo patamar de complexidade no sistema de sistemas que chamamos Terra? Estará em ação uma nova síntese integradora, uma nova etapa de individuação? Seremos os elementos para a constituição de um tipo original de massa pós-biológica? Se as tecnologias de movimento, de percepção e de cognição que nos fizeram a espécie dominante do planeta migrarem para o interior dos nossos corpos, se elas se fundirem com as nossas células, o que significará ser humano? De animais técnicos que usam ferramentas, passamos para o operário mecanizado de Chaplin, para trabalhador automatizado de Metropolis, mas agora o que temos é um homem fundido às máquinas, um homem-máquina no sentido literal.

Nietzsche nos ensinou que o homem não é princípio nem fim, mas ponte — uma frágil e magnífica estrutura que conecta o passado com algum futuro do qual somos elaboradores; nossa glória, nossa potência, é sermos o útero desse futuro — quer para levar a vida às estrelas, quer para nos tragarmos no abismo dos esquecidos. O que esse centauro, esse homem-máquina fará com a vida? O que a vida fará com o homem-máquina?

 

[1] Ver <http://www.ancient-automatons.com/cadres/cadres.htm>.

[2]Ver<http://www.swarthmore.edu/Humanities/pschmid1/essays/pynchon/vaucanson.html

[3] Os mitólogos costumam chamar de “imagens de mundo” certas constelações de ideias fundadoras, estruturas simbólicas pelas quais as diferentes sociedades humanas organizaram, em todas as épocas, tanto coletiva como individualmente, a experiência do existir. Ver Joseph Campbell, A extensão interior do espaço interior. Rio de Janeiro: Campus, 1994.

[4] Daniel Boorstin, Os descobridores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.

[5] Alexandre Koyré, Do mundo fechado ao universo infinito. São Paulo: Forense Universitária/Edusp, 1979.

[6] Luiz Alberto Oliveira, “A matéria do céu (A cosmologia de Descartes)”, in Guilherme Castello Branco (org.), Descartes, a ordem das razões, a ordem das paixões. Rio de Janeiro: Nau Editora, 1999.

[7] Daí a profunda inumanidade da imagem de mundo mecanicista. Borges recorda-nos a perplexidade angustiada de Pascal ao se dar conta da suprema indiferença dessa concepção: “Se o Espaço é infinito, a rigor não há um ‘onde’; se o Tempo é infinito, a rigor não há um ‘quando’. Quem somos então?” (ver Jorge Luis Borges, Otras Inquisiciones. Buenos Aires: Emecé, 1960).

[8] François Jacob, The logic of life. Nova York: Pantheon, 1982.

[9] Arthur Koestler, The ghost in the machine. Nova York: Random House, 1982).

[10] Luiz Alberto Oliveira, “Caos, acaso, tempo”, in Adauto Novaes (org.), A crise da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

[11] Ibid.

[12] Douglas Hofstadter, Gödel, Escher & Bach. Nova York: Vintage Books, 1980.

[13] Assim como a analogia com a “bebedeira” da formiga isolada, o “poder de cálculo” da fila de formigas é um recurso conveniente de exposição: o que Hofstadter sugere é que tudo se passa como se a massa de formigas realizasse um algoritmo, ou seja, uma seqüência de repetições “cegas” de um procedimento local (um comando do tipo “se p, então q”), cuja reiteração e acumulação acabam por produzir um efeito global qualitativamente diferente, aparentando “intencionalidade” ou “finalidade”.

[14] Ver http://iridia.ulb.ac.be/~mdorigo/ACO/RealAnts.html>.

[15] Hofstadter, op. cit.

[16] O mais aclamado tratado recente sobre as formigas e sua fascinante sociedade é o de Bert Hölldobler e Edward O. Wilson, The ants. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1990. Também é muitíssimo interessante a abordagem de Steven Johnson em Emergence: the connected lives of ants, brains, cities, and software. Nova York: Scribner, 2001.

[17] Gilles Deleuze, A dobra; Leibniz e o barroco. São Paulo: Papirus, 1991.

[18] Géza Szamosi, Tempo e espaço; as dimensões gêmeas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

[19] As idéias toscamente alinhavadas aqui foram recolhidas em inesquecíveis conversações com a saudosa artista plástica, escritora e humanista Fayga Ostrower. Ver A sensibilidade do intelecto. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

[20] Alexandre Koyré, Estudos de história do pensamento científico. Rio de Janeiro; Brasilia: Forense Universitária; Editora da UnB, 1982.

[21] Gilles Deleuze, op. cit.

[22] Henri Atlan, Entre o cristal e a fumaça. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.

[23] Jorge Luis Borges, Ficções. São Paulo: Globo, 1997.

[24] Jacques Lacan, Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1978.

[25] Hubert Reeves emprega a bela imagem da pirâmide da complexidade: das partículas elementares passamos aos núcleons, aos núcleos, aos átomos, às moléculas, às substâncias, às estrelas, as galáxias, aos aglomerados, ao cosmo… Ver A hora do deslumbramento. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

[26] Jorge Luis Borges, op. cit.

[27] Jorge Luis Borges, “0 sonho de Coleridge”, in Nova antologia pessoal. São Paulo: Difel, 1982.

[28] Michel Foucault, A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, Departamento de Letras, 1974.

[29] Essa observação penetrante é devida ao mestre Claudio Ulpiano. Ver O pensamento de Deleuze ou A grande aventura do espírito. Tese de doutorado. Campinas: Unicamp, 1998, não publicada.

[30] Gregory Vlastos, O universo de Platão. Brasília: Editora da UnB, 1987.

[31] Gilbert Simondon, L’individu et sa gènese physico-biologique. Grenoble: Millon, 1995.

[32] Ibid.

[33] Luiz Alberto Oliveira, “Filosofia natural do objeto complexo”, in E. A. Carvalho & T. Mendonça (orgs.). O pensamento complexo (no prelo).

[34] Maquiavel, um dos máximos pensadores sobre a natureza do poder, chama a potência de mudar o mundo de virtú. Daí nossa época intensa ser rica, como nenhuma outra, de virtualidades.

[35] Werner Heisenberg, Física e filosofia. Brasília: Editora da UnB, 1981.

[36] Gilbert Simondon, op. cit.

[37] Gilles Deleuze & Félix Guattari, O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.

[38] Werner Heisenberg, A imagem da natureza na física moderna. Lisboa: Livros do Brasil, s/d.

[39] Hubert Reeves, op. cit.

[40] Stephen Jay Gould, Vida maravilhosa. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

[41] Werner Heisenberg, A imagem da natureza na física moderna, op. cit.

[42] Tradicionalmente, o termo transdução descreve a transformação de um tipo de energia em outro; assim, um microfone é um dispositivo que transduz energia sonora (a energia transportada pelas ondas de pressão que constituem os sons) em energia elétrica, ao passo que um alto-falante operaria a transdução inversa. Para Simondon, contudo, a transdução configura não apenas uma conversão entre tipos de energia, mas seria ademais inseparável de uma variação na organização do sistema em foco. Não seria inapropriado dizer, então, que Simondon acrescenta ao conceito usual de transdução uma dimensão nova, qualitativa.

[43] Gilbert Simondon, op. cit.

[44] James Gleick, Caos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990.

[45] Geneviève Rodis-Lewis, Descartes. Rio de Janeiro: Record, 1996.

[46] F. M. Cornford, Plato and Parmenides. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1980.

[47] Barbara Cassin (ed.), Nuestros griegos y sus modernos. Madri: Manantial, 1995.

[48] Fase tem usualmente o sentido de “era”, “estágio”, “etapa”. Mas, na física, denomina-se de “fases da matéria” o que costumamos chamar de “estados”, ou seja, falamos de fases sólida, líquida ou gasosa. É essencial observar aqui que cada um desses modos de aparição da matéria corresponde a um tipo distinto de organização interna, do qual as propriedades que resumimos por “sólido, líquido ou gasoso” são manifestações macroscópicas. Assim, fase não é apenas período, mas também — e simultaneamente — estrutura.

[49] Luiz Alberto Oliveira, “Filosofia natural do objeto complexo”, op. cit.

[50] Elias Canetti, Uma luz em meu ouvido. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

[51] Elias Canetti, Massa e poder. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

[52] Elias Canetti, op. cit.

[53] Ver Jaron Lanier, em <www.wholeearth.com/ArticleBin/268.html>.

[54] Marguerite Yourcenar oferece um retrato magnífico de um homem de virtú em Memórias de Adriano. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

[55] Numa votação realizada pela revista Omni em 1985.

[56] Jean Rosmorduc, Uma história da física e da química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

[57] Tony Hey & Patrick Walters, The quantum universe. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.

[58] Robert Gilmore, Alice no país dos quanta. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

[59] Niels Bohr, Física atômica e conhecimento humano. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995.

[60] Luiz Alberto Oliveira, “Caos, acaso, tempo”, op. cit.

[61] Holland, op. cit. No contexto da Teoria da Relatividade, uma discussão fascinante sobre efeitos não-lineares é encontrada em Mário Novello, O círculo do tempo. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

[62] Simplificadamente, uma equação é dita linear quando a soma de duas de suas soluções é também uma solução. Em todos os demais casos, temos equações não-lineares. Tal terminologia é de fato bem pouco feliz: seria como dizer que, fora os elefantes, todos os animais são não-paquidermes… Ver Ian Stewart, Será que Deus joga dados? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

[63] Não abordaremos aqui uma quarta noção de átomo, presente no atomismo lógico sugerido por Bertrand Russell e desenvolvido pelo jovem Wittgenstein na primeira década do século XX.

[64] Ver, por exemplo, o site do Núcleo de Pesquisas sobre Ciberculturas da Escola de Comunicação da UFRJ, em <http://gw.eco.ufrj.br/ciberidea/index.html>.

[65] Humberto Maturana & Francisco Varela, De máquinas e seres vivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

[66] Henri Atlan, op. cit.

[67] Gilbert Simondon, L’individuation psychiche et collective. Paris: Aubier, 1989.

[68] Ver o excerto de “A filosofia na época trágica dos gregos”, contido no volume Os pré-socráticos da Coleção Os Pensadores (São Paulo: Abril, 1985).

[69] Luiz Alberto Oliveira, Imagens do tempo, op. cit.

[70] Luiz Alberto Oliveira, “A travessia da membrana”, in Mauro Sá Rego Costa (org.), Pontos de fuga. Rio de Janeiro: Universidade Livre do Rio de Janeiro; Taurus, 1996.

[71] Ilya Prigogine & Isabelle Stengers, A nova aliança. Lisboa: Gradiva, 1986.

[72] Luiz Alberto Oliveira, “Por um novo materialismo?”, in Márcio Tavares d’Amaral (org.), Contemporaneidade e novas tecnologias. Rio de Janeiro: ECO-UFRJ; Sette Letras, 1996.

[73] Luiz Alberto Oliveira, As tecnologias do bilionesimal, in Marcio Doctors (org.), Pensando o século XXI. Rio de Janeiro: Fundação Eva Klabin Rapaport (no prelo).

[74] Luiz Alberto Oliveira, “Ética para centauros”, in Marcos Baptista (org.), Desafios da pós-modernidade: diversidades e perspectivas, anais do 3. Seminário Internacional sobre as Toxicomanias (no prelo).

[75] Luiz Alberto Oliveira, “Valores deslizantes “, in Adauto Novaes (org.), A invenção da liberdade. São Paulo: Companhia das Letras (no prelo).

[76] Daniel Dennett, A perigosa ideia de Darwin. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

[77] Paul Davies, O quinto milagre. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

[78] Richard Fortey, Vida; uma biografia não autorizada. Rio de Janeiro: Record, 2000.

[79] Freeman Dyson, Mundos imaginados. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

[80] Donald Norman, “Próteses cognitivas”, in Sian Griffiths (org.), Previsões. Rio de Janeiro: Record, 2001.

[81] Kevin Warrick, “Máquinas mentais”, in Sian Griffiths (org.), op. cit.

[82] New Scientist, abr. 2001.

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