2004

Cerimônias da destruição

por Olgária Chain Féres Matos

Resumo

Mito e rito eram noções centrais nas sociedades teológicas antigas. Eram elas a transformar caos em cosmos, registros factuais em mitos; estruturar o tempo histórico, afinal. Já Píndaro, distante do universo homérico, dizia haver “algo de sagrado em suas mentiras”. Em especial, o rito, automático e repetitivo, proporcionava o esquecimento do horror e do medo da morte violenta. Coletivamente, a purificação por meio dos sacrifícios. Tudo com o objetivo de preservar a cidade da barbárie.

Ritual sem iniciação ou magia não transcendente são fenômenos típicos do mundo contemporâneo. Nos termos de Adorno e Horkheimer, mais do que pelo “desencantamento”, este se caracteriza pela dissimulação do “phármakon” ou remédio contra o pânico ancestral. Daí, a razão contra o mito, entendido como “superstição”, inclusive em suas formas mais sagradas, isto é, o santo e o sinistro (ou mistério), que produz horror (phóbos). Daí o discurso iluminista, que toma o homem por conceito.

Como em grego não havia palavra única para designar “vida”, usavam-se, dependendo do contexto, “zoé” e “bios”. Aquela se refere a todo e qualquer ser vivo (dos vegetais aos deuses, passando pelo homem), enquanto esta pode ser traduzida por “modo de vida”, próprio a um indivíduo ou uma coletividade. O que faz Aristóteles é, pois, isolar “vida” segundo função ou fundamento. Daí, vida animal ou humana.

Já antes Homero tinha escrito que o corcel galopa até onde pode sustar corrida – em seu “ethos” ou lar, isto é, lugar que lhe conferisse identidade. Assim aconteceria também com o homem, entre o mundo mais imediato e o cosmos divino. Da casa ao templo ou santuário, vige o “lógos”, autossuficiente e contemplativo, como o que há de divino. De corpo e alma, ele modera o desejo de conhecer – e tudo o que se conhece, então, quer também viver. É a ciência a serviço da vida e não o contrário. O objetivo? A felicidade; em seu aspecto político, inclusive. Do contrário, por que a vida em sociedade?

Na Idade Média, não há mais (como tornará a haver) paralelismo entre corpo e alma, mas o “mysterium disjunctionis”. Já para Descartes o que há é a cisão entre corpo e alma, matéria e espírito. Enobrece-se, assim, o “cogito” emancipador, tanto na vida quanto no pensamento. O conhecimento científico passa a servir à moral, isto é, à vida justa e feliz.

Quando a ciência pulveriza, enfim, a moderação inerente ao “logos” e a fronteira imposta pelo sagrado, ela recalca a questão (grega) do possível e do desejável para a vida tanto em termos éticos quanto teológicos. Em suma: desaparecem o cidadão ou o santo – ao passo que a ciência moderna confunde liberdade e onipotência. Resta ao homem seu lugar entre o animal e Deus, cuja característica comum é o sentir, ao contrário da “coisa”.

Nessa linha, mesmo o imaginário da ficção científica – em que tudo se confunde – permanece nos campos naturalista e humanista, já que o híbrido, mesmo que especificamente superior ao homem – em inteligência, por exemplo –, continua inferior porque depende de seu criador, a exemplo do “replicante” em “Blade runner”, filme dirigido por Ridley Scott.

Já no início do século XX Walter Benjamin perguntava-se sobre o “sex-appeal” do inorgânico. Essa crença, primitiva e “rústica”, é em tudo oposta à religiosidade figurativa, que expressa indireta e alegoricamente ideias inteligíveis, abstratas e puras, a exemplo da Justiça. Trata-se, em suma, de um fetiche arbitrário voltado para uma pedra, um tom de voz, um perfume, uma palavra, uma cor…

É a sociedade massificada. Ela que roga para si a razão entronizada quando, na verdade, só procura alguma razão para o que lhe é impossível, isto é, reaver o amor.

 


A vida no capitalismo tardio é um contínuo rito de iniciação.
Horkheimer e Adorno, Dialética  do Iluminismo.

Operações culturais, o mito e o rito constituem o eixo das sociedades teológicas antigas que, tornando o caos em cosmos, constroem o mito — narrativa que vive da tradição —, transcendendo o registro factual de acontecimentos passados, bem como o tempo histórico. Traz consigo, a cada rememoração, um sentido exemplar, suas palavras têm efeito mágico. Já Píndaro, distante do universo homérico, dizia haver  “algo  de  sagrado em  suas mentiras”. Quanto ao rito, é repetição escrupulosa de atos ancestrais apoiados no arquétipo mítico. O automatismo ou a repetição do ritual é phármakon que faz esquecer” o horror e o medo da morte violenta na vida em comum dos homens. Termo afim a este é o phármakos, que designa, na Grécia, o bode expiatório sacrificado; morto ou expulso, a cidade purifica-se dos males que a afligem. A repetição ritual da violência purifica e protege a comunidade do mal e, por seu efeito benéfico, afasta e preserva  a  sociedade  da  barbárie.[1]  Assim, a tragédia grega seria a incorporação catártica do ritual primitivo.

O mundo contemporêneo realiza “rituais” sem iniciação, magia sem transcendência mitológica. Nos termos de Horkheimer e Adorno, isso não significa o “desencantamento do mundo”, mas sua dissimulação pelo novo phármakon — remédio contra o pânico ancestral a utilização da razão contra o mito, entendido como superstição, foi uma investida contra o sagrado em seu duplo sentido: o santo, o mais alto, o místico — que nem sequer pode ser visto — e o sinistro que deve ser rechaçado.[2] Por ser mistério que produz horror (phóbos) ou  fascinação,  ou  horror e fascinação,[3] o sagrado é “sonolência da razão”. Esta encarrega-se de combater as “trevas do obscurantismo” na ciência, na moral, na política, ordenando natureza, sociedade e história até conferir-lhes demarcações e determinações, combatendo a barbárie para criar um cosmos. Mais enfática a partir do século XVII europeu, a razão matemática anexa a natureza metamorfoseando-a em matéria abstrata e, mais adiante, o homem em conceito.[4]

Na Dialética do Iluminismo, Horkheimer e Adorno escrevem:

“A ferocidade muda do olhar do animal refletiria o mesmo horror sentido pelos homens diante da ideia de uma metamorfose” (“O homem e o animal”, Dialética do esclarecimento, p. 231, tradução modificada). A relação entre silêncio, terror e traumatismo da metamorfose reconduz à diferenciação entre o orgânico e o inorgânico, o animado e o inanimado, o vivo e o morto.

Os gregos, sabe-se, não possuíam uma palavra única para designar o que a vida é, valendo-se de dois termos, morfológica e semanticamente diferentes entre si: zoé e bíos. Zoé diz respeito a todo e qualquer ser vivo (deuses, homens, animais, vegetais), referindo-se, pois, ao “vivente”, enquanto bíos é “modo de vida”, próprio a um indivíduo ou coletividade. O conceito de vida, anterior à separação entre biologia e zoologia, nos vem de Aristóteles, que, no De anima, observa:

É por estar em vida que o animal se distingue do inanimado. Mas viver se compreende de diversas maneiras, e dizemos que algo vive onde se encontram pelo menos as seguintes manifestações: o pensamento, a sensação, o movimento e o repouso segundo o lugar, a transformação segundo a nutrição, o perecimento e o crescimento. Eis por que se considera que todas as espécies vegetais têm igualmente vida, pois visivelmente têm em si mesmas uma potência e um princípio que lhes permite crescer e perecer em direções contrárias […]. Este princípio pode ser separado dos outros, mas os outros não o podem dos outros mortais. E o vemos no caso dos vegetais, pois que nenhuma faculdade da alma lhes pertence, não têm lógos, não desenvolvem especulação ou conhecimento contemplativo. É em virtude desse princípio (potência, transformação)  que  a  vida  pertence  aos  viventes  […].  Denominaremos potência nutritiva [threptikón] esta parte da alma da qual mesmo os vegetais participam. [De anima, 413 a 20-413 b 8. Paris: Les Belles Lettres]

Aristóteles não define a vida, mas isola, por assim dizer, suas funções, articulando-as em uma série de potências ou faculdades distintas (nutrição, sensação, pensamento), com o que desloca a questão “o que é algo” para “através do que uma coisa pertence a uma outra?”. Perguntar de um certo ser se é vivo significa buscar o fundamento pelo qual a vida pertence a esse ser. Há, pois, a um só tempo, vida orgânica e vida animal, vida orgânica e vida humana, e a divisão que existe entre elas se passa no interior do homem vivo como um limiar móvel — o que revela que distância e proximidade puderam ser medidas entre o animal, o homem e os deuses para a construção de suas relações.

De início, o vivente tem seu éthos: assim, na Ilíada, Homero diz que o corcel, esforçando-se por libertar-se das correntes que o prendem, galopa, e, velozes, suas patas o levam até onde pode sustar a corrida: seu éthos, sua morada, o lugar onde se sente bem, que lhe confere identidade. Também o homem, permanecendo por certo tempo em uma habitação, cria valores que circulam entre o mundo humano e o cosmos divino. A modesta tenda do caçador nômade ou a casa do agricultor sedentário é localização em um espaço sagrado de onde se faz possível a comunicação com os deuses. Habitar é decisão religiosa que santifica o pequeno cosmos, tornando-o semelhante à morada dos deuses, desejo, mais tarde, representado em templos e santuários.[5] Também o cosmos filosófico imita a auto-suficiência do divino buscando na contemplação a finalidade última, a excelência do corpo e da alma, o Sumo-Bem.

A ciência grega é “regulada” por um lógos moderador para moderar o imoderado desejo de conhecer[6] — e tudo o que o grego conhece, quer também viver. É a ciência que está a serviço da vida e não a vida a serviço da ciência. Se há, entre os gregos, separação entre vida e forma de vida, entre “vida nua” e modo de vida, essa diferenciação se passa no interior do próprio homem — com o que Aristóteles concebe todos os atos e processos da vida não como simples fatos, mas antes como possibilidades de vida, potências, virtualidades: “Eis por quê”, escreve por sua vez Giorgio Agamben, “enquanto é um ser de potência, que pode ou não fazer algo, conseguir ou fracassar, perder-se ou reencontrar-se, o homem é o único ser na vida no qual há sempre a questão da felicidade, o único ser cuja vida se encontra  irremediável e dolorosamente ‘confiada’  à  felicidade” (Moyens sans fins. Paris: Payot/Rivages, 2002, p. 14). A felicidade é, pois, uma potência a desenvolver-se, um modo de vida, e, nesse sentido, ela é política, pois, uma potência a desenvolver-se, um modo de vida, e, nesse sentido, ela é política, pois, se houvesse um homem realizado em ato, plenamente, não necessitaria viver em comunidade. Só nos comunicamos com os outros através daquilo que em nós, como neles, permanece em potência.

Em nossa tradição, o homem sempre foi compreendido como articulação de um corpo e de uma alma, de um vivente e de um lógos, de um elemento natural (animal ou vegetal) e um sobrenatural (divino ou sócia): “Devemos aprender a conhecer o homem”, continua Agamben,

como algo que resulta da desconexão desses dois elementos [o vivente e o lógos] e examinar não o mistério metafísico de sua conjunção, mas o mistério prático (moral) e político de sua separação. Pois o que é o homem […] se é o resultado de divisões e cesuras incessantes? Trabalhar sobre essas cisões, perguntar-se de que maneira o homem foi separado do não-homem, o animal do humano, é mais urgente do que marcar posição acerca das grandes questões sobre os pretensos direitos e valores humanos. [L’ouvert: l’homme et l’animal. Paris: Payot, 2002, p. 30]

Nessa perspectiva, a esfera mais luminosa das relações com o divino, talvez ela mesma dependa, de alguma forma, “da esfera, mais obscura, que nos separa dos animais” (ibidem). Se experimentamos mais dor diante das penas causadas ao animal do que a um homem “é porque o animal está privado de testemunhá-lo segundo as regras humanas de estabelecimento do dano, e consequentemente todo dano é como uma injustiça que faz dele uma vítima ipso facto. Pois, se não há como testemunhar, não há sequer dano ou pelo menos ele não pode ser estabelecido […]. Eis por que o animal é o paradigma da vítima”  (Lyotard,  Le  différend.  Paris:  Minuit,  1984,  p.  38).[7] Platão não cessa de condenar os sacrifícios religiosos que se valem dos animais, uma vez que eles participam do vivente, da “vida nua” e, assim, do próprio divino.[8]

Na Idade Média ocidental, o debate acerca da natureza dos animais — obra perfeita da criação divina — continuou, mas segundo outros pressupostos e conclusões, em particular no que diz respeito ao animal homem, seu corpo mortal e sua alma imortal — pois a questão era refletir sobre o destino da parte animal e corpórea na ressurreição da carne. Os medievais não desenvolveram nenhuma ideia de paralelismo entre corpo e alma, como ocorrerá no pensamento de Descartes e, com nuances importantes, radicalizado por Malebranche mas o mysterium disjunctionis.[9] Na Idade Média trata-se da vida dos bem-aventurados, do estatuto do corpo ressuscitado, da identidade que lhe coube em vida e na morte — e, à primeira vista, esse corpo material que tivera em vida deveria acompanhá-lo no paraíso. Um ladrão cuja mão fora decepada poderia, na salvação final, tê-la reintegrada ao corpo, uma vez a alma arrependida? “O problema da identidade e da integridade do corpo ressuscitado”, observa Agamben, “transforma-se rapidamente em questão de fisiologia da vida de bem-aventurança” (ibidem). Como serão as funções vitais do corpo no paraíso? Discussão sujeita a comentário infinito. Escoto Erígena escreveu: “O que Deus plantou nas delícias da beatitude e da felicidade eternas é a própria natureza humana eterna criada à imagem de Deus” (De Divisione Naturae Libre Patrologia, Series Latina, CXXII,Paris, 1923, p. 822). A fisiologia do corpo humano apresenta-se como restauração do corpo edênico, arquétipo da natureza humana não corrompida pela queda. Mas, segundo outras doutrinas, importam ainda as funções fisiológicas do corpo no paraíso — nutrição, digestão, sexualidade. Santo Tomás enunciou sua resposta por uma antítese. Na Suma teológica a beatitude consistia sim na realização completa e perfeita da natureza humana para que, no paraíso, o homem fosse completamente feliz, segundo suas faculdades corporais e espirituais. Mas Sobre a ressurreição exclui do paraíso seu usus venereorum. A ressurreição não concerne à vida natural do homem, mas a sua última perfeição, a vida contemplativa: “Todas as operações naturais que dizem respeito à realização e conservação da primeira perfeição  da  natureza  humana  não  existirão  após a ressurreição […].

Dado que comer, beber, dormir e engendrar pertencem às primeiras, essas funções desaparecerão nos ressuscitados” (Sobre a ressureição, ed. Jean-Dominique Folghera. Paris; Roma: Desclée, 1955, p. 151-2). A vida animal foi proscrita do paraíso, as funções animais são “vazias e ociosas”.[10]

Na modernidade, costuma-se situar o pensamento de Descartes como momento crucial da separação entre corpo e alma, espírito e matéria; sensibilidade e consciência cindem-se, o automatismo do corpo-máquina dá seus primeiros resultados na ciência: “Pois”, escreve Descartes, “se observamos nos animais movimentos semelhantes aos que efetuamos em virtude de nossa imaginação ou de nossos sentimentos, não observamos senão movimentos e não sentimentos” (Oeuvres philosophiques. 3 vols. Paris: Garnier, 1976-83, textos anotados por Ferdinand Alquié, t. II, p. 910).[11] Separados consciência reflexiva e “movimentos animais”, estabelece-se a diferença entre o corpo e a alma, e o funcionamento do corpo-máquina é o do autômato movido como por engrenagens de um relógio.[12] Deixando de lado a questão de o homem tratar a natureza e o animal como os homens se tratam entre si, como instrumentos e objetos (de conhecimento, de domínio pragmático e científico, econômico e político), pense-se no enobrecimento do cogito emancipador cartesiano, que faz do homem um ser autônomo na vida e no pensamento — o tratado As paixões da alma busca, acima de tudo, o conhecimento científico como propedêutica à moral, isto é, à vida justa e feliz, ao contentamento e à beatitude.

Quando a ciência perde o métron do lógos moderador e os limites do sagrado, recalca a questão (grega) do possível e do desejável em nossas vidas e os valores religiosos, éticos e teológicos da Idade Média. Se a Grécia clássica preparava o homem para a cidade, a Idade Média o preparava para a santidade; “livre de valores” (Wertfrei), a ciência moderna confunde liberdade e onipotência. Acrescente-se às consequências do “desencantamento do mundo” a redução de todo vivente à condição de coisa, reconhecido segundo o estatuto  semelhante ao do inorgânico.[13] Nas palavras de Perniola:

Exaurido o grande compromisso histórico de confrontar-se o homem com Deus e com o animal — que procede no Ocidente dos antigos gregos —, hoje é a coisa que requer nossa atenção e levanta a urgente interrogação: […] o jogo de semelhança e diversidade (entre o homem e o animal), de afinidade e divergência […] que realizou o confronto entre Deus e o homem e entre o homem e o animal, conclui-se: o homem é um quase Deus e um quase animal; Deus e o animal são quase um homem. Mas quem tem a coragem ou o desespero de dizer que o homem é um quase coisa e a coisa um quase homem? [Il sex appeal dell’inorganico. Turim: Einaudi, 1994, p. 6]

Poder-se-ia objetar que tanto no divino como no animal e no homem vibra o vivente, vivente que em nada se assemelha a uma coisa: a coisa é o antivivente, o antianimal; o ser vivente sente, enquanto o ser inanimado (a coisa), não. O sentir assinalaria a fronteira entre a vida e a coisa. Mesmo o imaginário de ficção científica — no qual o orgânico e o inorgânico, o antropológico e o tecnológico, o natural e o artificial se confundem (como no replicante, androide ou outro simulacro) — permanece no campo do humanismo e do naturalismo. Se essas “formas intermediárias” são superiores ao homem nas funções para as quais foram construídas — como os robôs “inteligentes” —, continuam inferiores porque dependem de seu criador. Uma tal dependência do modelo humano caracteriza o replicante, cuja diferença com respeito ao original, embora não visível, é relevante, como no caso de Blade runner, de Ridley Scott: um replicante libera-se de sua condição e pretende ter uma vida emocional e amorosa livre do criador. A questão consiste, pois, em saber como será o sentir erótico de um ser artificial. Ou, na expressão cunhada por Walter Benjamin — na qual o filósofo acompanha o transformismo do conceito marxista de fetichismo no mundo contemporâneo —, como será o sex-appeal do inorgânico? Sabe-se que o fetichismo representa uma forma dita primitiva e “rústica” de crença, em tudo oposta ao figurativismo religioso que expressa indireta e alegoricamente ideias inteligíveis, abstratas e puras — como a Justiça divina ou a Vontade Santa. A consideração mais marcante com respeito ao fetichismo, porém, é sua arbitrariedade. Diferentemente do ídolo, que pode significar a imagem de um ser divino, o fetichismo não o refigura nem o reproduz: dá-se imediatamente como coisa e, em sua universalidade abstrata, prescinde de qualquer forma determinada. O fetichismo opõe-se à idolatria, solidária esta de um sensualismo ético-estético, que exalta “qualidades específicas, com a solenização desta ou daquela entidade sensível ou sobrenatural, espiritual ou natural” (Perniola, op. cit., p. 68). Quanto ao fetichismo, ele assinala o triunfo do artificial, e qualquer coisa pode se tornar um fetiche: uma pedra, um tom de voz, um perfume, uma palavra, uma cor.

Dá-se, na modernidade, a ultrapassagem dos pilares do conhecimento objetivo que até hoje estabeleciam a relação ou separação entre sujeito e objeto (consciência, razão, ética, liberdade). Pois, se nada depende de uma relação particular entre um sujeito e um objeto, ou é universalizável em sua união ou separação, tudo pode ser fetiche, como também todo fetiche pode deixar de sê-lo.[14] Em outras palavras, o fetichismo, a coisificação, o “sentir artificial” do corpo-próprio questionam da maneira mais cabal as noções tradicionais de consciência de si, união ou separação do corpo e da alma, isto é, a identidade subjetiva (legada pelo cogito cartesiano), o sujeito idêntico a seu pensamento. Esse sujeito encontrava-se na base da ideia moderna de democracia, uma vez que todo sujeito é pensante e racional — suporte do pacto social agregativo de indivíduos-cidadãos porque todos os homens são igualmente dotados de bom senso ou razão e todos são igualmente aptos a serem legisladores.

Tudo parece transformar-se com a sociedade de massa, do consumo, da técnica e da coisificação. Em seu romance Le bonheur des dames, Zola retrata uma grande loja de departamentos e chama a atenção para os manequins que “sustentavam os preços com números enormes no lugar das cabeças” — e um cartaz que anuncia o preço da roupa encontra-se acima do manequim acéfalo. Imagem surrealista, não só o cartaz anuncia o valor de troca da mercadoria em exposição, mas também, e sobretudo, essa colagem antropomórfica acopla o manequim decapitado ao cartaz com o preço em exibição. A mercadoria é um monstro, o cartaz mercadológico substitui a cabeça humana, cria uma personagem nova e inquietante. E, literalmente, os consumidores “perdem a cabeça” no delírio do consumo. No romance, o proprietário da loja sabe atrair as multidões pelos “reclames”, sabe “desnortear” os clientes, sabe fazê-los perder o “bom senso” racionalista.

A sociedade de consumo é, também, a sociedade tecnológica, e é a tecnologia, mais que a mercadoria, o que questiona radicalmente as concepções tradicionais, humanistas, acerca da subjetividade e do humano: a nova concepção leva-nos a repensar a “alma” humana. Dada a promiscuidade entre o homem e a máquina, onde termina o humano, onde começa a máquina? No limite, a presença dos ciborgues (e a dos “robôs” inteligentes), por exemplo, nos incita a perguntar menos sobre a natureza das máquinas e mais sobre a do humano.[15] Do lado do organismo, ele se torna cada vez mais artificial; quanto às máquinas, simulam características humanas. De um lado, a eletrificação e a maquinização do homem; do outro, a humanização e a subjetivação da máquina. O sex appeal do inorgânico representa uma epoché sexual, segundo um aspecto jamais conhecido antes. Embora a “suspensão do juízo” acerca da existência da verdade tenha pelo menos 25 séculos, ela foi pouco utilizada na história da filosofia no Ocidente: os céticos antigos, como Pirro e Sextus Empiricus, a epoché moral dos estoicos e do neo-estoicismo, a fenomenologia no século XX. Nunca houvera, no entanto, uma epoché sexual. Esta diz respeito menos à satisfação de um prazer ou à realização de um desejo e mais a uma satisfação sem relação com o gênero, a idade ou a beleza de um objeto de desejo. Em oposição à sexualidade vitalista, fundada na relação entre os sexos, permeada de erotismo hedonismo, a dos ciborgues testemunha uma sexualidade inorgânica, movida pelo sex-appeal do inorgânico. De onde a importância da noção de “neutro”, uma vez que a sexualidade inorgânica vai além dos trânsitos entre masculino e feminino. Não se trata aqui de nenhuma neutralidade entendida como harmonização do masculino e do feminino; ao contrário de uma possível “síntese dialética”, o neutro é irredutível a uma identidade e unidade; é, por assim dizer, uma sexualidade “abstrata”. Dito de outro modo, uma sexualidade neutra não pode ser sublimada nem realizada, pois nasce do desejo de superar o humano pela tecnologia eletrônica e cibernética: no ciborgue, os órgãos do corpo são substituídos por aparelhos artificiais (no lugar dos olhos, a telecâmera; no lugar das orelhas, antenas). Esse ser “pós-humano” desloca a sensibilidade do homem para o computador, com o que nasce a problemática do “sentir artificial”, “experimental” — faz-se do corpo a experiência de um corpo estranho, dessubjetivado de experiências recíprocas.

Mundo abstrato, corpo-máquina, neutralidade afetiva caracterizam, para Adorno, a contemporaneidade, cujo diagnóstico é o adoecimento do contato, o fim de experiências pessoais e, consequentemente, solidárias. Essa época é, também, a do desaparecimento do rosto. Nosso mundo, enamorado do mito da juventude e da novidade, é uma civilização do poder da morte, na ausência de qualquer ideal de vida, e portadora de elevados índices de autodestruição: “No curso das últimas gerações”, escreve Freud em O mal-estar na civilização,

a humanidade realizou extraordinários progressos nas ciências naturais e em sua aplicação técnica, assegurando de forma inconcebível outrora o domínio sobre a natureza […]. O homem orgulha-se com razão de tais conquistas mas começa a suspeitar que esse domínio recém-adquirido do espaço e do tempo, essa sujeição das forças naturais, cumprimento de uma ânsia milenar, não elevou a satisfação do prazer que exige da vida, não a fez mais feliz em seu sentir.

No mundo das coisas, a reprodução encontra-se separada da geração: esta é, melhor dizendo, uma réplica, engenharia genética, clonagem. Cai por terra o laço com a sexualidade. No sex-appeal do inorgânico não há sujeito, objeto, interioridade ou exterioridade, não existindo lacuna ou hiato entre o modo inorgânico e a vida, pois se eclipsa a interioridade. O corpo próprio e o do outro não participam mais de nenhuma experiência religiosa ou epistemológica nos termos legados pela tradição filosófica, e não apenas em sentido funcional, pois, se religiosidade há, o culto é uma nova forma de fervor, agora fetichista, mas de um fetichismo associado à imaginação tecnológica, que anima um “sujeito” que não é um vivente.

Trata-se de interrogar a natureza das sociedades lógicas e tecnocientíficas contemporâneas e a mutação do caráter antropomórfico da sociedade. Com efeito, o corpo ou os corpos — ponto central do questionamento da ideia de sujeito e subjetividade do homem — não representam mais, como para a metafísica, nenhuma “transmutação de valores”, uma vez que se encontram em processo de transformação com respeito ao corpo humano — o que leva a repensar a “alma humana”. Quando aquilo que é supostamente animado se vê frontalmente afetado, coloca-se o problema acerca do que anima o inanimado — clones, ciborgues e outros híbridos tecnonaturais. É a humanidade de nossa subjetividade a questão.[16]

Com efeito, o ciborgue constitui a eletrificação e a mecanização do humano. A heterogeneidade de que é feito é o emblema do moderno: criatura tecno-humana que ainda simula o humano e em tudo a ele se assemelha; comporta-se como humano, mas suas ações não retroagem a nenhuma interioridade ou racionalidade, é feito de fluxos e intensidades tal como sugeridos na ontologia de Deleuze. O ciborgue é o sujeito não apenas de um mundo pós-moderno e pós-orgânico, mas também pós-gênero, sem compromisso com a bissexualidade, com a simbiose pré-edípica, com o trabalho não alienado. O ciborgue salta o estágio de uma “unidade orgânica” de correspondências, semelhanças ou proximidade com a natureza, como se encontra na tradição filosófica da Renascença, do romantismo ou do classicismo.[17] Define uma pólis tecnológica, uma “pós-pólis”, baseada, em parte, no transtorno das relações sociais no oîkos — a unidade familiar da “esfera privada”. Os ciborgues dizem respeito a um indivíduo — não “irreverente”, mas de não-reverências —, não conservam nenhuma memória do cosmos, por isso não pensam em recompô-lo. São, de certa forma, descendentes diretos da aliança entre militarismo e capitalismo, guerra e técnica. Essa realidade diz respeito ao término de uma época — a do cogito cartesiano, e a presença de uma modernidade pós-humanista ou mesmo anti-humanista leva a refletir sobre a cidadania “pós-totalitária”, com o fim da civilização fundada nas noções de justiça e bem comum.[18] A teologia do inorgânico é animista: “O animismo animou a natureza, o industrialismo reificou a alma”, escreveram Adorno e Horkheimer.

As características que a violência tem assumido na contemporaneidade podem ser creditadas à transferência do poder humano ao mecânico, do controle individual ao remoto, o que acarretaria, por um lado, a dissolução da responsabilidade pessoal, por outro, a indiferença com respeito a um mundo comum. Eis por que Walter Benjamin se refere à Primeira Guerra Mundial como um acontecimento sem precedentes no passado: guerra de trincheira, assassinato em massa, aviões bombardeiros de populações civis, guerra da técnica: “A guerra imperialista”, anota Walter Benjamin, “é co-determinada, no que ela tem de mais duro e de mais fatídico, pela distância abyssal entre os gigantescos meios de que dispõe a técnica, por um lado, e sua débil capacidade de esclarecer questões morais, por outro” (Teorias do fascismo alemão, Obras escolhidas, vol. I. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 61). A incapacidade de utilização da técnica para fins humanos corresponde à imaturidade da sociedade em “fazer dela o seu órgão”, bem como a que a técnica não domina as forças regressivas da própria sociedade (fundamentalismos políticos, religiosos, nacionalismos racistas, ódios étnicos). A aceleração desenvolvimentista dos recursos técnicos não é acompanhada de desenvolvimento moral, tampouco propicia sociabilidade e solidariedade entre os homens. Benjamin contrasta o sentimento do terrífico que a guerra da técnica produziu nos combatentes e nas populações civis; o horrendo silenciou-os e produziu as afasias do pós-guerra —  sentimento próximo também ao deînos,[19] à desrealização e ao estranhamento do mundo — para uma geração cujo conhecimento técnico se restringia, no cotidiano, “a bondes puxados a cavalos” e que bruscamente se “viu abandonada, sem teto, em uma paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, em um campo de forças e explosões destruidoras, estava o minúsculo e frágil corpo humano” (“Experiência e pobreza”, op. cit., p. 115). A experiência traumática do desenraizamento designa uma paisagem deserta e desconhecida que não pode mais reconfortar. Aqueles que voltavam emudecidos dos campos de batalha, empobrecidos e não mais ricos em experiências  transmissíveis, não podiam lembrar o choque paralisador — trauma sem catarse, o que resulta em uma subjetividade sem identidade reconhecível, aquela que representava o suporte de experiências éticas e de pensamento: nas palavras de Simon Critchley,

sob o efeito […] do choque ou da violência do trauma, o eu ético torna-se um sujeito cindido e dividido em dois, um sujeito ao avesso, uma interioridade que  não  coincide consigo mesma, uma  ferida  aberta, fenda que não se cura nunca, um sujeito lacerado pelo contato com um traumatismo original que produz uma interioridade […] inacessível à consciência e à reflexão, um sujeito que quer repetir compulsivamente a origem do trauma, aquilo que Levinas nomeia “uma recorrência a si sem identificação”. [“Le traumatisme originel: Levinas avec la psychanalyse”. In: Rue Descartes/19, p. 173]

Levinas não se deixa convencer pelo hobbesianismo em um mundo no qual tudo parece confirmar a luta de todos contra todos — a barbárie — como um estado originário da civilização; lembre-se que, para Hobbes, as relações primeiras que os homens estabelecem entre si são as do enfrentamento de forças entre energias mecânicas e  animais:  o  Homo  homini  lupus  resulta  na  guerra generalizada.

Hobbes, segundo Levinas, “coloca as liberdades umas ao lado das outras como forças que se afirmam negando-se reciprocamente, [com o que] se culmina na guerra onde elas [as forças e a liberdade] se limitam entre si. Elas se contestam ou se ignoram inevitavelmente, isto é, só exercem violência ou tirania” (Liberté et commandement. Paris: Minuit, p. 172). Em certo sentido, Hobbes tem razão: o corpo do homem é infinitamente vulnerável, um quase nada pode levá-lo à ruína. Logo, porém, Levinas descarta a “abominável hipótese” em nome da ética. À presença do Outro, não opõe uma força a outra força — como um dado objetivo que poderia ser calculado e controlado —, mas a imprevisibilidade de sua reação, ou melhor, a transcendência de seu ser com respeito ao sistema de forças em ação. Tratase de uma resistência inédita e imprevisível do Outro, sua transcendência: “Transcendência é relação a algo inteiramente outro — é resistência ética”. É um “a mais” do rosto, em seu transbordamento em relação a mim, o que desestabiliza — não as relações dos homens entre si mas a própria luta, o que significa: anterior ao estado de guerra é a impossibilidade de matar que decorre do rosto. A liberdade hobbesiana conduz ao choque, à colisão violenta e ao assassinato porque é “liberdade sem rosto”. A morte lhe é abstrata porque a vida também o é. Assim também as populações deslocadas por regimes políticos só possuem a vida irrisória das estatísticas.

Levinas refere-se às enormes massas humanas que tinham sua maneira peculiar de apertar as mãos, extintas no mundo que se considera lógico, em um século que faz questão de apresentar-se como o império da razão quando, em verdade, só procura as razões de amar que este século perdeu. Não se conhece mais a cor dos olhos daquele a quem se injuria ou se mata. Deferenciando-se de Hannah Arendt— para quem Eichmann, que praticava o assassinato em massa por despachos de escritório, não era “nem demônio, nem louco”, mas um “homem comum” (um burocrata que dizia, em seu processo, respeitar o “imperativo categórico”, o “tu deves” kantiano, cumprir ordens e realizar bem suas funções) —, Levinas reconhece no fenômeno totalitário a dimensão metafísica do contemporâneo: a incapacidade do olhar. Para ele, a resistência ética pertence à “epifania do rosto”, pois dele decorre a impossibilidade de matar; olhar o rosto revela  uma abertura que duplica essa realidade, a do horror, e reenvia à condição originária da paz, e nisso ele se opõe tanto a Hobbes como a Freud. O “estado de guerra” — a insociável sociabilidade — não é um estado ontologicamente primeiro: “A guerra supõe a paz, a presença prévia do Outro. Ela não marca o primeiro acontecimento desse encontro […]. Se não afirmarmos isso, logo se estará no mundo da vingança, da guerra, da afirmação prioritária do eu. Não contesto estarmos num tal mundo, mas é um mundo no qual estamos alterados. A vulnerabilidade é a de despedir-se desse mundo” (Totalité et infini. M. Niejhoff, p. 74; cf. ainda “Dialogue”. In: Du Dieu qui vient à l’idée. Paris: Vrin, 1982). O sujeito ético é aquele que se relaciona com a transcendência do rosto do Outro. Não aquela de natureza objetivante, mas a do rosto que, na relação a Mim, é alteridade absoluta em sentido preciso: fora de qualquer contexto — e com respeito a quem minha responsabilidade é incondicional —, não depende de determinações sociais, políticas ou da história. O rosto não tem dimensão empírica, não coincide com os traços fisionômicos: é a pura contingência do Outro, sua fragilidade e sua condição mortal — sua exposição —, que de imediato, por sua simples presença, é portador de um pedido silencioso endereçado a mim.[20] Em suas análises da Teoria da intuição na fenomenologia de Husserl,[21] Levinas escreve que o objeto intencional ao qual a consciência tende está longe de ser puramente teórico ou “epistemológico”. Não, ele é antes de tudo “objeto de amor, temor e medo, desejo ou esperança”.

Nenhum “halo” de amor em torno do objeto, nenhum sentimento “puramente subjetivo” de amor: “o próprio do objeto”, observa Levinas, “consiste precisamente em ser dado em uma intenção de amor, intenção irredutível à representação puramente teórica”. Sem deixar a referência essencial a Husserl, Levinas enfatiza em Autrement qu’être um aquém ou um além da “consciência de”, referindo-se à consciência como polissêmica, à essência como polimorfa, à intencionalidade como acordo ao objeto intencionado. O intencional é já um “saber”, malgrado a própria consciência que se exerce como “saber não objetivante”.[22] O que significa: antes mesmo de existir uma “região” consciência “pré-intencional”, há uma camada “não intencional” que se revela na presença imperativa do Outro (ou de Outrem — Autrui) que não é uma abstração em meu campo visual e existencial, em face de quem uma tal relação se explicita como “temor” que me vem do rosto de Outrem. Não se pode confundir o rosto, com seus traços ou seu com retrato — é preciso “olhá-lo no fundo dos olhos”.[23] Nosso rosto e nossa alma, nós os vemos e conhecemos ao olhar os olhos e a alma do Outro — esta é a “identidade” que cada um se dá nesse “entrecruzamento de olhares”. O caráter fundamental do rosto é sua inteira nudez, sua exposição extrema e sem defesa, sua vulnerabilidade de ser mortal. De onde o temor por Outrem vem a ser temor pela morte do outro homem, “temor por tudo que o meu existir — apesar de sua inocência intencional — pode produzir de violência e de crime” (L’éthique comme philosophie première. Paris: Minuit). Esse temor faz apelo à responsabilidade que emana do rosto de Outro e a suscita em mim, e principalmente como interdição do assassinato. O rosto do Outro, assim compreendido, revela-o em sua pura humanidade, fora das considerações de saber e poder. Por ser transcendência, a relação com o outro é compaixão e perdão. Nesse sentido, é pela condição do traumatizado que pode haver um mundo ético. Mundo ético é também lembrança e esquecimento, pois sem isso permanecem tristeza, ressentimento e vingança, não se redime a acedia prisioneira de acontecimentos irreparáveis e, por isso, irredutíveis ao esquecimento.[24] Sua permanência  constitui-se  como  um trauma paralisador, como se os mortos não tivessem nascido nem morrido mas simplesmente desaparecido sem, antes, aparecer. O traumatismo é o que inviabiliza qualquer representação, diz respeito ao irrepresentável: as diversas figuras do extermínio no mundo contemporâneo é o que resiste a ser pensado. A tragédía Édipo em Colona, de Sófocles, oferece essa experiência quando o rei destronado, no momento de sua morte, pede a Teseu que jamais revele a Antígona e a ninguém o lugar de seu túmulo, como se quisesse partir sem deixar rastros que permitissem o luto. Antígona lastima-se dessa morte em terra estrangeira, e tanto mais estrangeira e desconhecida quanto detém um segredo inacessível, o segredo de um corpo desaparecido. Que o corpo esteja enterrado e, no entanto, sem sepultura, significa desaparecer, destituído de um lugar determinável, sem monumento, sem um espaço de luto circunscrito, localizável. Sem um “lugar”, os mortos se tornam espectros, espectros que assombram um recinto que existe sem eles. O espectro retorna ao espaço de onde foi excluído.

Esse luto, ou antes sua impossibilidade, é ausência de pensamento; os “abusos da memória” inflacionam o pensamento, inviabilizando transformar o horror, um choque, um perigo, em experiência. Ortega y Gasset foi um dos primeiros a reunir as noções de experiência e perigo: “O perigoso não é um resultado mau ou adverso — pode ser o contrário, benéfico e feliz. Mas, contrapostas, ambas as contingências são igualmente possíveis […]. De periculum procede perigo. Note-se de passagem que o radical per de periculum é o mesmo que anima as palavras experimentar, experiência, experto, perito. O sentido originário da palavra experiência é ter passado perigos” (Obras completas, vol. VII). Em seu correspondente germânico Erfahrung, per é fahr, “ação de espreitar, perigo”. Ortega rastreia o elo semântico de per e encontra seu significado em viagem — caminhar pelo mundo quando não havia caminhos, quando viajar era sinônimo de incursão em território perigoso e desconhecido. Nas viagens enfrentamos perigos para os quais procuramos saídas, portos. O latim portus[25] significa  “saída”, é opportunus, caminho que leva a um porto: “O órgão próprio da experiência é minha vida; seu tecido são minhas perplexidades vitais e sua estrutura só pode ser objeto de uma narração. Compreender qualquer experiência não é mais  nem  menos  que  contar  sua  história” (Gilberto  Kujawski, G. Viver é perigoso. São Paulo: GRD, 1986, pp. 30-40). Memória e esquecimento  dizem  respeito  à  faculdade de lembrar  e  à  de esquecer.[26] Quer se trate da existência individual ou coletiva, da memória e da tradição, Levinas as compreende nos termos dos valores herdados da Grécia, de Roma e de Jerusalém — a experiência da hospitalidade, que, entre os gregos, diz respeito à amizade, entre os romanos, às leis de civilidade, em Jerusalém, à mensagem bíblica que ensina o dever moral incondicional: não matáras e amarás ao próximo como a ti mesmo: “amar”, escreveu Levinas, “é temer pelo outro, é socorrer sua fraqueza e fragilidade” —, a fim de refletir sobre os laços da sociabilidade, da hospitalidade, da amizade. A hospitalidade diz respeito a uma “geografia da proximidade”, à relação com a alteridade. Que se retorne, ainda, a Édipo em Colona: quando o rei, abandonando Tebas, está a caminho, é um estrangeiro que chega a uma terra estrangeira. Ele é o visitante, o exilado, e a hospitalidade diz respeito a um chez soi em casa de um outro; nela, a relação eu-outro perde seu dualismo, ao mais próximo não se opõe o distante, e sim uma figura do próprio próximo. Pode-se dizer que a “hospitalidade” supõe uma questão da impossibilidade de delimitar um espaço estável, como se cortar-se as raízes estabelecesse uma experiência ambivalente com a noção de lugar, como se este não pertencesse propriamente nem ao convidado, nem ao anfitrião,[27] mas ao gesto pelo qual um acolhe o outro. Levinas vale-se de um neologismo para significar a necessidade e a urgência de retorno às questões primeiras, a responsabilidade a priori que o Si mesmo (Moi) tem em relação ao Outro: “excedência” é seu nome; essa sensibilidade originária ao próximo requer que eu me ponha em seu lugar. Ir além da guerra integra a categoria da “saída”, do opportunus, do porto. É esta a “saída do Ser” da ontologia da guerra ou mesmo da paz. Levinas considera uma outra figura da paz, diversa da paz política, a saber, a paz ética. Michel Abensour, em “A extravagante hipótese”, um brilhante e comovente ensaio sobre Levinas, reconhece nessas reflexões aquilo que ele denomina “a extravagante hipótese”, a da “socialidade utópica da paz ética” — que requer, agora, depois de lembrar os males do passado e os do presente, a hospitalidade. Tratar como um dos seus aquele que justamente não o é é afirmá-lo como partícipe de um mesmo corpo social, podendo permanecer estrangeiro, pois a mera assimilação negaria a hospitalidade. A condição de possibilidade do pacto agregador amoroso, é, pois, “a hospitalidade, a salvadora do mundo”

(Jean-Claude Milner. Constats. Paris: Gallimard, 2002, p. 90).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ernst Cassirer. Filosofia de las formas simbolicas. México: Fondo de Cultura, 1985.

Sigmund Freud. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

Giordano Bruno. Les liens. Paris: Allia, 2002.

Guy Debord. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

Marsilio Ficino, De amore, vol. VI. Dallas: Soring Publications, 1985.

Ortega y Gasset. Obras completas. 2a ed. Revista do Occidente, 1950.

Schelling. Filosofia da arte. São Paulo: EDUSP,  2001.

Notas

[1] É essa a perspectiva de René Girard, em La violence et le sacré. Paris: Grasset, 1972.

[2] No direito romano antigo, o Homo sacer — homem sagrado — era au podia ser morto, sendo impunível o assassinato. Cf. G. Agamben. Homo sacer. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.

[3] Rudolf Otto, em seu livro Das Heilige (O Sagrado), vale-se da expressão “o sagrado-e-o-santo” como experiência de uma radical Alteridade, que se encontra encerrada no “mistério” (mystes é o “fechado sobre si”). De onde o mysterium fascinans  (experiência  fascinante do sagrado) associar-se ao mysterium tremendum (aspecto ameaçador e terrível do sagrado).

[4] Cf. Adorno & Horkheimer. “O conceito de Esclarecimento”. In: Dialética do esclarecimento. São Paulo: Brasiliense, 1985. Cf. ainda Jean-François Mattei. A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. São Paulo: Editora da UNESP, 2001.

[5] Eugênio Trias, em “Pensar a religião”, considera o sagrado um acontecimento simbólico no sentido em que consiste um uma demarcação espacial (témenos, templum) e temporal (tempora, tempus: hora como determinação festiva). Delimitar um espaço sagrado significa, em uma floresta, por exemplo, “criar uma clareira, cortando árvores ou aproveitando outra abertura; deve-se marcar o limite do espaço  desejado por meio do corte das árvores que o circunscrevem, já que os limites desse lugar sagrado são tabu, ou só podem ser transitados de forma ritual. Templo é, portanto, o lugar do sagrado, que é limitado pelo ‘natural’ selvagem ou pela floresta). Introduz um ‘estreitamento’ da densidade do bosque em virtude do qual surge um lugar para o sagrado, ou este ocupa um lugar. O templo é, em síntese, o sagrado como lugar; enquanto a festa é o tempo do sagrado, o sagrado como tempo. Tempo, tempus, possui a mesma raiz que templo” (A religião, org. Jacques Derrida & Gianni Vattimo. São Paulo: Estação Liberdade, p. 120. Cf. ainda Cassirer, A filosofia das formas simbólicas).

[6] Lembre-se que Édipo rei, antes de ser a tragédia do parricídio, do incesto e da perda do poder, é a tragédia da húbris, da vontade de verdade: a investigação da verdade, o protagonista a leva adiante em completa desmesura (cf. Jean-Pierre Vernant, “Édipo sem complexo”. In: Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Duas Cidades, 1977; cf. também Nietzsche. “A partir de quantas mortes uma verdade se torna uma verdade?”. In: Genealogia da moral. São Paulo: Brasiliense, 1987).

[7] Lembre-se, aqui, que a palavra animal significa, em latim, “ser vivo” e procede de animalis — o que “respira” —, provindo de animans — “aquele que possui um sopro” —, termos que traduzem o grego psychôn e psyché. Lembre-se, aqui, o bestiário de Platão, no qual os animais, para além de suas características psíquicas, possuem um “vocabulário”, um certo número de logói. Assim, entre os seres materiais efêmeros e os deuses imortais há um intermediário que são os viventes animais, e isso na tradição pitagórica em que Platão se inscreve. Os animais, como seres vivos, movimentam-se, respiram, alimentam-se, crescem, geram, morrem, sentem, desejam, julgam. A alma é um “sopro de vida” e um “princípio de conhecimento”. Como ser vivo, a alma animal é dotada de éros, princípio de vida e pensamento, como os homens. Existe no animal a atividade intelectual, que não se encontra na razão nem no discurso ordenado: sua lucidez intelectual implica inteligência, julgamento, e sua voz é linguagem não articulada. Inteligência pré-lógica e pré-linguística, mas não menos inteligência. O animal  está dotado de phoné.  A voz e a linguagem  dos  animais,diferentemente daquelas do homem, exprimem o páthos e não a razão, se bem que a certos animais não seja estranha a prudência. Há, na voz animal, medo, amor, prazer, sofrimento e espera (cf. J. Laporte. Le bestiaire de Platon. Paris: Kimé, 1998).

[8] Platão, no Político, menciona uma Idade de Ouro da humanidade quando os homens conversavam de filosofia com os animais (Político, 272 bc. Paris: Les Belles Lettres).

[9] A igual título do que se passa entre os gregos, a vida, entre os medievais, tampouco é definida, e o que permanece assim indeterminado não é, por isso, menos objeto da filosofia, da teologia, da política e, mais tarde, da biologia e da medicina.

[10] Na diferença entre o homem e o animal configuram-se dificuldades e tensões não apenas para a teologia e a filosofia, como também para a política, a ética e a jurisprudência, suspensas na diferença entre o animal e o homem.

[11] Na pintura de contemporâneos de Descartes já se anuncia a dissolução do sujeito. Em desenhos de anatomia, o holandês Bidloo (como também Poussin) corta a navalha “belas túnicas de pele”, abrindo-as e desdobrando suas bordas, pondo à mostra a superfície dos músculos e dos órgãos internos, exaltando ao máximo seu encanto erótico. O “sujeito” está fora de si, externo a si, na morte (cf. Luigi Premuda. História da iconografia anatômica. Milão: Martello, 1957).

[12] Cf. Olgária Matos, “Descartes: o Eu e o Outro de Si”. In: Adauto Novaes (org.). A crise da razão. São Paulo: Companhia das letras, 1996; Maurice Duva & Émile Cuyer. História da anatomia plástica. Paris: Société Française d’Édition d’Art; J. Guilherme. “História da anatomia do descaramento”. Revue d’Esthétique, no 2, 1969. A anatomia não escapa à categoria do horrendo ao estabelecer o trânsito entre a vida e a morte. Sobre corpo e anatomia, ainda que visando fins diversos de nossas considerações, cf. Jorge Coli. “Frankenstein”. In: O corpo despedaçado. São Paulo: Discurso Editorial, 2003, e o projeto temático dirigido pelo professor Pablo Mariconda na Fapesp e desenvolvido pelo pesquisador Eduardo Henrique Pqiruque Kicköfel, “Os estudos de anatomia de Leonardo da Vinci: mecanicismo e ciência visual”. Cf. Marisa Russo. Fisiologia e filosofia em Albrecht von Haller. Tese de doutorado. São Paulo: Departamento de Filosofia da FFLCH-USP.

[13] Elisabeth de Fontenay reconstitui, na história da filosofia, o tratamento que coube aos animais, na medicina em particular, a partir do momento em que o cientista permanece indiferente aos espasmos de dor do “animal-máquina” que não passam de “contração e irritabilidade de músculos e nervos”, no qual não há sofrimento algum (Le silence des bêtes: la philosophie à l’épreuve de l’animalité. Paris: Fayard,1998). Recordem-se aqui os campos de extermínio nazistas: a cultura científica predominante na Alemanha desde o final do século XIX era, na medicina, a da engenharia genética e da eugenia. Cf. Z. Bauman. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999

[14] Não incluiremos, aqui, para evitar digressões, as análises do conceito tal como desenvolvidas por Marx e Freud. A título de ilustração, recorde-se que o fetichismo em sentido marxiano constitui um aspecto essencial da mercadoria e do dinheiro, essa “coisa sensivelmente supra-sensível” (O capital, I, cap. 4). A Marx não interessa tanto o enigma do fetichismo quanto o desvendamento de seu arcano, a liberação do encantamento, o reconhecimento de que é a forma-trabalho a verdadeira fonte do fetichismo da mercadoria e do capital. Algo de morto, de inorgânico se arroga o direito de ter uma existência sensível. Quanto a Freud, o fetichismo seria a substituição não de algo que é, mas de uma entidade inteiramente imaginária que se funda em uma duplicidade: a do objeto do desejo e a do fetiche que é arbitrário em relação a ele

[15] Há algum tempo, a Folha de S.Paulo noticiou que no Japão se discutia nas instâncias judiciárias do Estado se os direitos humanos deveriam ou não ser extensivos aos robôs inteligentes.

[16] Onde termina o corpo humano e onde começa a máquina? Ou, dada a ubiquidade das máquinas, onde termina a máquina e onde começa o corpo humano? Ou ainda: qual a natureza do humano? Retorno, pois, à questão: “quem somos?”. É preciso uma reflexão sobre a fusão entre natureza e artifício, tecnologia e sociedade, ciência e política.

[17] Essa unidade do homem e do cosmos pode ser lembrada nas noções de microcosmo e macrocosmo tal como elaboradas na Renascença (Marsilio Ficino, Giordano Bruno), na contemplação sentimental ou apaixonada e febril que o romantismo filosófico manteve com “o tormento da matéria” (cf. Schelling), o classicismo e a concepção de um equilíbrio entre o homem e a natureza, entre sentimento e razão (Goethe, Schiller).

[18] As sociedades contemporênesas fundam-se no consumo e no espetáculo. Cf. Guy Debord. A sociedade do espetáculo; Walter Benjamin. Passagen-Werk (O livro das passagens). Suhrkamp; “Paris, capital do século XIX” (In: Poésie et révolution.Paris: Denoël, 1971) e “Alguns temas em Baudelaire” (São Paulo: Abril Cultural, 1975. Coleção Os Pensadores).

[19] O deînos na tragédia grega, o sentimento do terrífico, encontra sua distensão nas paixões que são o medo (phóbos) e a piedade (éleos) e cátharsis. Para um discussão rigorosa dessa conceituação problemática, cf. a excelente coletânea Kátharsis: reflexões de um conceito estético, org. Rodrigo Duarte et al. Belo Horizonte: C/Arte Editora, 2002.

[20] Trata-se do tema principal da fenomenologia e da ética de Levinas, o ético como mundo irreflexivo, originário, e a intencionalidade como relação ao Outro é o fenômeno originário e, nesse sentido, “consciência de” e transcendência. Cf. Totalité et infini. Paris: Grasset.

[21] Suas questões centrais são retomadas no trabalho sobre Situations I, de1939.

[22] Em Totalité et infini, Levinas estabelece uma diferença entre “intencionalidade de jouissance” ou “intencionalidade de desvelamento” e “intencionalidade de representação” ou “intencionalidade de investigação”, uma ética, outra epistêmica.

[23] Aqui pode-se reconhecer o “platonismo” de Levinas, tal como no Alcibíades de Platão. Não olhando para si mesmo, o olhar platônico dirige seus raios para um “objeto” externo: “Quando olhamos para os olhos de alguém que está a nossa frente”, diz Sócrates, “nosso rosto se reflete no que chamamos de pupila como em um espelho; aquele que se olha vê sua imagem […]. E a alma, se quiser conhecer a si mesma, deve olhar para outra alma e, naquela alma, a parte em que reside sua faculdade própria, a inteligência ou algum outro objeto que lhe é semelhante” (13333-b. Paris: Les Belles Lettres).

[24] A acedia latina traduz o grego akedia — que em Homero, na Ilíada, significa “cadáver sem sepultura” e, por extensão, “passado que se recusa a se tornar passado”.

[25] Portus provém de póros (passagem, saída).

[26] No reverso da cultura do “ressentimento” e da vingança e à distância dela, Levinas traz de volta Homero. Na Ilíada, o poeta refere-se à cólera de Aquiles (mênis) — “raiva ou cólera duradoura”: “mênis é diferente de kotos: kotos significa uma raiva duradoura (orgê) que busca reparação da dor, enquanto mênis é simplismente mnêsikakia — lembrança da ofensa” (cf. David Konstan, in: Ressentimento: história de uma  emoção, org. Stella Bresciani & Márcia Naxara. Campinas: Editora da Unicamp, 2001). Para os gregos, cultivar a cólera e o “ressentimento” era prática malvista, e a lembrança da ofensa (mnêsikakia) era considerada um vício.

[27] Cf. J. Derrida. De l’hospitalité. Paris: Calmann-Lévy, 2001, e Politiques de l’amitié. Paris: Galilée, 1994.

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