Crise da ideia de crise
por Gerd Bornheim
Resumo
A razão – de início, instrumental – adquire na Grécia caráter teológico, ou seja, mais do que racional. Os gregos fizeram da razão um Deus. Apolo é o deus do sol, da inteligência. E Tales dirá: “tudo está cheio de deuses”. Isso se prolonga no pensamento cristão. É só com Descartes que a experiência se deixa averiguar em termos simplesmente humanos (com a dúvida e a certeza do “Cogito”). Todo o pensamento ocidental parece derivar de dois caminhos da razão: o do ser (Parmênides) e o da contradição (cf. este fragmento de Heráclito: “Não houvesse a injustiça, ignorariam o próprio nome da justiça”). Para combater os sofistas, Platão atreve-se a pensar o não-ser (o ser se torna um jogo de relações). Mas o outro permanece sempre um perigo a ser evitado (em Aristóteles, ele é reduzido à marginalidade dos acidentes que não prejudicam a prioridade do mesmo, da substância). Somente depois de Hegel (e sobretudo de Marx, quando a dialética se transfere para o mundo em suas contradições) é que a multiplicidade e a alteridade começam a ser pensadas. Desde então se impõe uma concepção equívoca do ser: o elemento racional já não se contrapõe ao corpo, a natureza é absorvida pela técnica. Mas a reação de Heidegger ao que ele chamou de “esquecimento do ser” ainda conserva um traço platônico de esvaziamento do ente (e do outro). Pois a questão agora é a realidade desse ente que se expandiu com a descoberta do outro, e que nos mostra, como diz um verso de Drummond, que “a vida começa e recomeça, e a todo instante é outra”).
A novidade talvez esteja toda neste ponto: o conceito de crise alcançou hodiernamente uma abrangência que o faz perpassar por praticamente todas as esferas do real. Em princípio, nada mais consegue furtar-se à iminência ameaçadora da crise, desde o mais inocente dos teoremas matemáticos até as alturas do esplendor divino, desde as comoções da adolescência até a instabilidade que tudo avassala — nada mais consegue sobrepor-se aos embates desconcertantes das crises. Tanto que uma verdadeira enxurrada de análises passou a ocupar os espaços de novas bibliotecas, nas quais a extensão dos discursos anda até mesmo a par com a sua violência. Disse bem: violência, já que, nesses discursos, muitas vezes, aquela extensão desvai-se em negatividade. Assim, para lembrar o exemplo já clássico, os dois espessos volumes de A decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, que se deixa resumir num desconfortável elogio da morte.
Salta aos olhos: o grande palco das crises chega a adensar-se de modo até espetacular no evolver da história, a ponto de se poder avançar que as palavras história e crise quase acabaram por fazer-se sinônimas. As análises sobre o tema tornam-se amiúde belamente descritivas e suscitam o impacto que sem dúvida buscam desencadear. Dentre essas análises, cito duas por me parecerem bem elucidativas. A primeira constituiu-se em um dos grandes sucessos livrescos da primeira metade de nosso século, um suculento livro de quase quinhentas páginas, escrito com a elegante retórica de Paul Hazard. A análise reporta-se à Europa, mas dentro dela principalmente a França, e a um tempo breve e bem determinado, de 1680 a 1715. No curso desses 35 anos, a precipitação dos acontecimentos históricos quebra-se em uma esquina decisiva, e por aí molda-se, segundo o nosso autor, o abalo que reconfiguraria o próprio sentido da história. A indisfarçável nostalgia que umedece os olhos de Hazard em nada consegue empanar a contundência das descrições que põem de manifesto o caráter por assim dizer definitivo da grande virada. Baste citar este passo, que inaugura e resume a tese do autor:
Tratava-se de saber se se continuaria crendo ou se não se creria mais, se se continuaria a obedecer a tradição ou se o homem se revoltaria contra ela; se a humanidade prosseguiria os seus caminhos confiante nos mesmos guias, ou se novos chefes a fariam mudar de rumo para conduzi-la em direção a outras terras prometidas. […] Os assaltantes pouco a pouco tomavam a dianteira. A heresia já não era mais solitária e escondida; ela conquistava discípulos, tornava-se insolente e gloriosa. A negação já não se mascarava; ela se expandia. A razão já não era uma sabedoria equilibrada, mas uma audácia crítica. As noções mais comumente recebidas, a do consentimento universal que provava Deus, a dos milagres, eram postas em dúvida. Relegava-se o divino para céus desconhecidos e impenetráveis; o homem, e somente o homem, tornava-se a medida de todas as coisas; ele era para si próprio sua razão de ser e o seu fim.[1]
Exibindo esses e muitos outros exemplos, as análises acumulam pouco a pouco a sua própria fatalidade. “Então uma crise acometeu a consciência europeia” — a crise grava os seus traços justamente nessa passagem.
Hazard não se atreve a emitir verdades universais, leis históricas ou ilações assemelhadas. Hazard quer prender-se apenas à evidência dos fatos, e os fatos são datados, únicos, irrepetíveis. Tudo se passa como se, por não existir — ou já não poder mais existir — uma ordem do necessário, os acontecimentos se abismassem então na desordem do acidental, e faz-se penoso reconhecer que os retrocessos terminam impossíveis. O meramente singular apresenta, assim, uma força de dominação que invade a inteireza dos campos históricos, facetados em seus múltiplos níveis.
O outro exemplo a que me quero referir aqui pretende um pequeno avanço epistêmico no entendimento do tema: deve-se à pena sempre agradável de Ortega y Gasset e foi objeto de uma conferência pronunciada em 1933, dois anos, portanto, antes da publicação do livro de Hazard. O breve ensaio de Gasset, editado mais adiante, intitula-se “En torno a Galileo, esquema de las crisis”.[2] Logo se vê: ele generaliza e persegue algum tipo de norma. Afinal, não haveria algo de perene nas crises, não seriam elas previsíveis? Claro que tudo pretende fundamentar-se, digamos, em certa “pesquisa de campo”, e o campo estende-se de 1350 a 1550, ou seja, a todo o vasto período da decadência medieval. A tese de Ortega consiste em detectar nas crises determinadas constantes que se repetem — precisamente à maneira de um esquema. Eis os tópicos: a cultura entra num processo de dissolução de sua própria identidade; noções e normas já não se adaptam às aptidões intelectuais e morais do indivíduo; dessoramento da autenticidade humana; ceticismo — e coisas assim. Obviamente, o esquema mereceria uma discussão, para saber-se, por exemplo, de sua suficiência, ou de sua abrangência já no nível categorial. E mereceria também um reparo: tal tipo de esquema só é bom na medida em que for esquecido, quero dizer que, quando o objeto a ser interpretado se esgota por assim dizer na singularidade do singular, cada crise revela-se única, ímpar, original, e os esquemas categoriais tropeçam com facilidade, e permanecem aquém, necessariamente, dos objetivos que tentam elucidar.
De fato, como pensar o tema da crise? Para isso, o que menos falta é o respaldo experiencial; toda a história disso dá testemunho pela fartura dos embates que oferece, na busca do poder e da glória e de todos os seus corolários. Entretanto, no que concerne o nosso tempo, as crises parecem mudar substancialmente a sua fisionomia, seja pelo ineditismo de sua extensão como também pela radicalidade das metamorfoses que por tudo se vê. As posições de Hazard e Ortega y Gasset são interessantes porque configuram as abordagens por assim dizer já clássicas: a descritiva, com o seu arrojo sempre imanente aos processos, e a que quer construir esquemas, conceitos genéricos a nortear a descrição. Contudo, nosso problema assume dimensões inusitadas, e a visão se torna mais desarmada.
Convém desde logo chamar a atenção para um aspecto do tema que vai permanecer esquecido pela generalidade dos manipuladores da palavra crise: é que ela passa a ostentar uma dimensão essencialmente negativa — toda crise seria em si mesma negativa. Além das obras acima referidas, a primeira metade de nosso século produziu, com autores como Berdiaef, Maritain e alguns mais, um tipo de análise que se deixava alimentar por uma forte nostalgia, de origem sem dúvida romântica, pela Idade Média; pois, segundo esses autores, os tempos modernos teriam provocado um grave desvio daquilo que deve ser uma civilização, um humanismo integral, e, pensam eles, urge superar essa crise, toda banhada no sangue da negatividade.
É ao menos curioso observar que a origem grega da palavra crise e de seus derivados — como crítica, crítico, critério — nada tem de negativo. O verbo de origem é krino, e apresenta os seguintes significados: 1) “escolher”, “separar”, “distinguir”, “discernir o verdadeiro do falso”; 2) “julgar”, “pronunciar um julgamento”; 3) “julgar”, “decidir”, “pronunciar”; 4) “julgar”, “pôr em julgamento”. Na voz média, significa: 1) “escolher para si”; 2) “decidir”, “julgar”, “explicar”; 3) “estar em luta”, “disputar”, “combater”. A palavra krisis quer dizer: “escolha”, “julgamento”, “sentença”, e também “debate”, “disputa”.[3] Nisso tudo não parece haver rastro de negatividade — ao contrário: há a força de escolher, julgar, discernir, debater; são palavras ligadas à força do pensamento e, portanto, à criação da filosofia, da ciência. Na língua latina, criticus designa o censor de obras literárias. Mas de onde vem, então, volto a perguntar, aquela negatividade que se fez inerente ao conceito de crise? Insisto um pouco mais no tema através de outra pergunta: quais ciências pensam a crise? A resposta aqui parece dissolver-se no vácuo. Entre as possíveis exceções, destaca-se de modo altamente significativo a das ciências econômicas; nelas, realmente, discute-se o conceito de crise. E, no caso, Marx impõe-se como referência obrigatória; há, mesmo, uma clara delimitação desse conceito em sua obra. Para ele, a crise se entende como rompimento (Ausbruch), que costuma até ser violento, de uma contradição.[4] Em outro lugar, explica o filósofo que “as crises são apenas violentas soluções (Loesun gen) momentâneas das contradições existentes, violentas erupções que restabelecem momentaneamente o equilíbrio destruído”.[5] Ainda em outro passo, Marx emprega a palavra interrupção (Unterbre chung): as crises “são violentas interrupções do processo do trabalho”.[6] As contradições são, portanto, meios através dos quais se expressa o jogo das crises. Isso significa, antes de tudo, que as crises e suas violências inserem-se na intimidade de determinado processo dialético. Ora, esclarece-se por aí o tipo de negatividade que habita a crise, o seu tipo de inteligibilidade. Ela nada apresenta de comum com aquela romântica nostalgia da Idade Média acima aventada, como nada tem a ver com o radicalismo spengleriano, que em tudo quer vislumbrar a morte. Deve-se, por consequência, distinguir entre dois tipos de negatividade. Há aquela nostalgia que emperra o elemento negativo em si próprio: tal contradição não passa, no caso, do erro que deve simplesmente ser evitado, à maneira do que se vê preconizado pela lógica aristotélica; essa negatividade em nada se assemelha ao processo da verdade. Já em Marx, a negatividade da crise, justamente por estar incluída no processo da verdade, oferece em sua própria essência uma dimensão por assim dizer afirmativa, abrigada pela superação do negativo. Nesse sentido, estamos com Marx muito mais próximos da krisis grega do que do nefando negativismo que assola a palavra crise em nosso tempo. A contradição dialética deve ser dissolvida, e isso pertence, como se sabe, ao próprio entendimento objetivo do processo histórico.
Vista desse modo, cabe dizer que a palavra grega krisis esconde ou pressupõe um certo exercício da negatividade: escolher, separar, julgar, decidir, debater — tudo isso implica o negar. E por que não avançar que toda filosofia não passa, de certa maneira, de crise, que filosofia e crise são palavras convergentes? Não admira, por isso mesmo, que Tales seja considerado o primeiro filósofo precisamente por ter posto em crise a explicação tradicional, de ordem mitológica, da gênese de todas as coisas; não basta afirmar, como o fazem todas as grandes e pequenas religiões, ou como pretende Homero com o deus Oceano, que tudo vem da água, que a água é o elemento primordial. Faz-se necessário, além disso, que se mostre racionalmente a veracidade de tal asserção: foi o que fez Tales com o seu evolucionismo e, em definitivo, com a invenção da ciência. Também não deve causar espanto que a primeira grande crise cultural da história do homem, numa certa perspectiva, deva-se a um grego, ao filósofo Xenófanes: com o raciocínio filosófico e com esta outra expressão da crise que é a ironia ra cional, Xenófanes inaugurou efetivamente a primeira crise dos valores tradicionais gregos, a começar pelos religiosos e seu antropomorfismo. Claro que, mesmo destacando-se a importância que aqueles gregos atribuíam à filosofia e às coisas do pensamento, as circunstâncias que motivaram a crise acabaram revelando-se bem mais complexas do que poderia explicar o simples recurso à filosofia. Mas é indubitável que o advento da filosofia, pelo relevo que aos poucos atribui ao estatuto de uma razão simplesmente humana, representa um considerável rompimento com o próprio sentido da tradição.
Chamo a atenção para quatro tópicos constituintes do conceito de crise, que me parecem válidos para as muitas maneiras como no Ocidente se vivem as crises. Em primeiro lugar, o Ocidente manisfesta, mais do que qualquer outra cultura, uma afinidade surpreendente com as experiências de crise; entre nós, há uma sempre decisória história das crises, e uma história que se torna, progressivamente, mais pujante e diversificada. Em segundo lugar, sublinhe-se o fato de que as crises tendem a ser globalizantes, tudo busca integrar-se ao contexto de uma determinada crise. Concomitantemente, e em terceiro lugar, verifica-se o acréscimo de certa transparência dos processos históricos; digamos que a exterioridade dos conflitos assume aos poucos, com propriedade, as feições de crise, ela passa a saber-se como crise. Esse acréscimo de transparência corre paralelo aos graduais avanços da consciência histórica. Em último lugar, esse processo, que liga a transparência e a globalização, assume em nosso século proporções de um flagrante ineditismo, por não encontrar paralelo em nenhum outro momento da história. Por essas razões, o negativismo de Hazard, esgotadas as nostalgias do passado, acaba levando à estupefação histórica. E, pelas mesmas razões, o esquema das crises delineado por Ortega y Gasset, bem como os de todos os que lhe são semelhantes, baseados em uma concepção mais ou menos cíclica da história, já não conseguem saber a que vieram. Novas análises deverão esclarecer o tema.
Recuemos por alguns momentos no tempo. Sabe-se da importância decisiva da revolução neolítica para a história do homem. No que nos interessa aqui, trata-se sem dúvida da primeira grande revolução da história. A segunda grande revolução só iria entrar em marcha bem recentemente, nos tempos modernos, e teria por missão essencial justamente a superação das próprias bases em que se assentava o neolítico. Essas bases, convém lembrar, concentravam-se naquilo que os antropólogos chamam de doutrina dos dois mundos. Descartado o período paleolítico, todo apoiado num homem nômade e predador, de escassos recursos técnicos e quase nenhuma arte, o neolítico consegue, ao contrário, estabelecer o homem na terra, organizá-lo em comunidades políticas, além de dividir pela primeira vez o trabalho entre o homem e a mulher; com a agricultura e a pecuária, o homem inventa para si a própria possibilidade de dominação da natureza. E é nesse momento preciso que a experiência de ser mestre da terra, mesmo em sua insipiência, suscita no homem uma outra experiência; é que ele descobre que há forças na natureza literalmente indomáveis, e pior: elas tudo põem a perder — como o fogo provocado pelo relâmpago, os dilúvios e toda sorte de cataclismo. A partir daí, da descoberta de sua própria vulnerabilidade, o homem cai de joelhos e inventa os deuses. Estabelece-se, então, a existência de dois mundos: um superior e absoluto, o dos deuses, e outro inferior e submisso, o dos homens. Dois mundos hierarquicamente separados.
É fácil perceber que todas as culturas humanas, qualquer que seja a sua estatura, desenvolvem-se a partir dessa experiência de uma separação por assim dizer originária; todas elas são interpretações, modos de adestrar-se naquela dicotomia: se há fundamentalmente uma história do homem, essa história se diversifica das maneiras como se vê. Mas o significativo para o nosso tema está no seguinte. É que as culturas, de um modo por assim di zer genético, se deixam explicar a partir de uma visão bem determinada do próprio sentido daquela separação — isso vai garantir a cada cultura, em larga medida ao menos, o seu caráter profundamente unitário, e também a dificuldade que passa a ter em assimilar tudo o que lhe é estranho: a história das conquistas mescla-se à história das intolerâncias.
Acontece que dentro desse panorama, aqui pobremente esboçado, não dá para bem encaixar a cultura ocidental — não por carecimento, mas sim por excesso. Tanto é verdade que nosso mundo é composto por duas culturas originariamente distintas, a hebraico-cristã e a greco-romana, que não se querem combinar senão nas aparências. Mas é precisamente a partir dessa combinação de vertentes — ou de sua impossibilidade — que se entende a disposição tão afeita ao conflito de nossa civilização. De um lado, não dá para negar que o Ocidente, em que pesem as viscerais contradições que o habitam, soube constituir-se em uma poderosa síntese. E, de outro lado, há de se reconhecer que seu caráter distintivo deriva todo inteiro de sua diversidade de origem. Digamos que, basilarmente — e nisso já há alguma simplificação —, nós somos quatro: somos todos judeus, cristãos, e somos gregos e romanos, e aquela síntese deve haver-se precisamente com essa raiz quádrupla. Na base, são dois modos originários de explicitar aquela experiência da separação, entre o Antigo Testamento e os cantos homéricos. E observe-se que tais vicissitudes souberam ser levadas, nos dois ramos — pode-se avançar —, aos seus limites mais extremos.
Os campeões da experiência da separação, no sentido de exacerbá-la até os seus últimos possíveis, foram indubitavelmente os judeus. Lance-se um rápido olhar pelas Escrituras: tudo começa com a expulsão dos amantes do paraíso; logo adiante esse outro desconcerto, o dilúvio, como que a alhear o homem definitivamente da natureza; cedo, os hebreus aprenderam a ser subjugados por forças estrangeiras, e isso assumia a fatalidade de um destino eterno. O jovem Hegel parece ter sido o primeiro a chamar a atenção para o significado essencial, no judaísmo, da ideia de lei, enquanto o lugar em que a separação, hegelianamente, se torna conceito. Moisés estabelece a lei, e inventa assim a jurisprudência da separação — separação entre o homem e o homem, entre aquele que julga e aquele que é julgado, e separação também, como experiência da raiz, entre o homem e Deus; de Moisés ao Cristo e mesmo muito mais, acrescenta Hegel, a lei passa a ser o referencial de base do comportamento humano: ser homem é ser julgado. O jovem Hegel já percebeu toda a vastidão desse tema e sua importância essencial não só para a filosofia, mas o próprio evolver da humanidade: Abraão pode ser interpretado como o pai da contradição em bases existenciais; e Kierkegaard, sem conhecer os escritos do jovem Hegel, numa obra que constitui um dos pilares de seu pensamento, Temor e tremor, mostrou toda a densidade humana da contradição abraâmica. Realmente, Abraão é o grande inventor do Deus ocidental. E este homem, que recusa a pátria, a família, que não hesita em matar o próprio filho para provar a Deus que ele, Abraão, tem fé, é ele que finca essa idié de que Deus é um ser absolutamente distante, que vive todo inteiro de seu ser-separado — nem sequer seu nome pode ser dito. O templo hebraico, conclui Hegel, é um templo vazio. O nada como que sai do próprio Deus.
Que tipo de relacionamento poderia haver entre essa experiência judaica da separação e a do mundo grego? A resposta veio rápida, breve, e está já no Eclesiastes, nunca precisou ser repetida: a filosofia grega seria a pior das coisas, “torpe tarefa”.[7] Correto. Como poderiam gregos e judeus entender-se? Onde estariam os paralelos comuns, as bases do possível diálogo? E antes disso: não há em textos gregos a menor referência que pudesse representar um compromisso com a postura judaica. Mais tarde sim, por vias travessas, qualquer entendimento entre as duas culturas, tomadas em suas raízes, viria a constituir uma das grandes tarefas do todo da cultura do Ocidente. Porque a experiência da separação do grego é em tudo o oposto das coisas que se passavam na Judéia. Também para o grego, claro está, a separação não poderia simplesmente desaparecer, há sempre uma distância entre o homem e o deus, entre o poder dos deuses e o desamparo humano. Acontece, porém, que essa distância se quer agora reduzida a um mínimo. Por exemplo: homens e deuses têm o mesmo genos, a mesma gênese, eles se contrapõem apenas a partir de um segundo momento, quando alguns se tornam imortais, enquanto o destino dos demais permanece marcado pela morte. Mas de muitas maneiras, em muitos níveis há uma proximidade muito grande entre homens e deuses. Até mesmo o processo de divinização dos mortais não permanece descartado; há um autor antigo que afirma que, se Platão tivesse vivido mais cedo, certamente teria se tornado um imortal. E é importante observar que esse processo de imitação dos deuses começa já pelo corpo humano, pelo corpo do atleta: quando o jovem enfrenta a maratona incorre num movimento que o diviniza, ele se aproxima do deus por imitar a sua velocidade, já que certos deuses ostentavam esse atributo sagrado: corriam de modo tão veloz que quase podiam estar em dois lugares ao mesmo tempo; essa excelência potencial estava profundamente arraigada também no corpo humano. Outro exemplo: o conceito de physis, de natureza, mormente no pensamento dos jônios pré-socráticos. O que o define é precisamente sua unidade: a physis abarca tudo o que existe, da pedra ao deus, passando pela alma e pela ação humana, e alcançando até mesmo a palavra do filósofo; tudo é manifestação da natureza, e é por aí que se entende também o conceito de verdade; além disso, a natureza manifesta-se como realidade dinâmica, o que, ainda na decadência, vai permitir aos estóicos compará-la a um grande animal vivo. E pertence a ela também uma espécie de inteligência que norteia todos os seus desdobramentos. Entende-se, a partir daí, que a velha separação neolítica encontrasse dificuldades em imiscuir-se nessa unidade fundamental da physis. Mas os modos de a separação se fazer presente acabam sendo muitos: eles se expressam já na antiga poesia homérica, na de Hesíodo, e estendem-se até as diversas doutrinas dos pré-socráticos. Sempre, entretanto, arrefecendo as distâncias, mesmo os conflitos trágicos buscam evidenciar uma pedagogia conciliatória.
É um velho e belo tema: até que ponto a antiga cultura grega edificou-se como exceção no panorama geral das culturas que lhe eram contemporâneas? Parece que tudo na Grécia é tão original que soa até simpático falar, como se falava lá pela virada do século, em milagre grego. Seja como for, mesmo na Grécia, já cedo, ou tarde, a antiga separação viria cobrar o troco. Tarde: porque isso só veio a acontecer no princípio da decadência grega, com a doutrina de Platão. Neste particular, o platonismo foi de uma violência extrema, obtendo um sucesso que só fez crescer ao longo dos séculos, exatamente pelo modo como interpreta a separação; em alguns pontos, ele consegue ser até mais extremado do que os judeus. Chega-se a ter a impressão de que Platão tentava reparar uma injustiça que se perpetra ra relativamente aos direitos de cidadania da separação em solo grego. De fato, subitamente, ela se quer total e absoluta. Nosso filósofo estabelece um verdadeiro abismo entre os homens e as coisas divinas; pela primeira vez na história um homem avançou a idié de que o nosso mundo está entregue aos assanhos do tempo, em oposição frontal à perenidade imóvel e imutá vel de Deus; pela primeira vez, tempo e eternidade se excluem em nome de uma dicotomia radical. Daria para pensar aqui na possibilidade de uma aproximação entre a serôdia separação platônica e a orgulhosa separação abraâmica. O contexto das duas, contudo, preserva o abismo. Houve, no entanto, ensaios de certo acordo entre as duas posturas, como o de são Paulo: a condenação a que submete a carne deixa-se respaldar com facilidade no platonismo, e, por essa via, instaura-se toda a tradição cristã que condena a carne e o prazer.
São duas, por conseguinte, as formas básicas da separação em terras ocidentais. As duas subsequentes, a cristã e a romana, já começam a ser interpretações daquelas outras experiências originárias. E elas são originárias no sentido mais exigente da palavra: estão na origem e passam a nortear em diversas medidas o todo do desenvolvimento do Ocidente. Sempre simplificando as coisas, mas nem tanto, deve-se dizer: da tradição hebraica veio-nos a religião e a moral. Tais dimensões não poderiam, entretanto, ser interpretadas como possíveis que estariam em face do homem à disposição de sua escolha; claro que isso também existe, e a possibilidade de escolha revela-se até mesmo sempre maior. Que um cristão se converta hoje ao budismo já se tornou uma banalidade; mas tal cometimento nem poderia pertencer ao campo das reais possibilidades, por exemplo, do homem medieval, quero dizer que não poderia naquele tempo nem mesmo ser objeto de escolha. A asserção de que somos todos judeus deve ser tomada em sentido mais radical, nada tem a ver com escolha ou possibilidades e situa-se em um nível mais profundo. Nós somos judeus simplesmente porque pertencemos a uma tradição na qual tem vigência o próprio sentido do mundo judaico, anteriormente a qualquer possibilidade de escolha. Trata-se de uma inserção que tudo tem a ver com o enraizamento que somos, tanto que mesmo um ateu continua, em certo nível, a ser judeu e cristão. A conversão ao budismo, por exemplo, só pode ser feita através de qualquer coisa como a elaboração de um aparelho conceitual, necessariamente destituído de raízes efetivas; estas continuam sendo preservadas em seu arcaísmo, de acesso extremamente penoso aos alienígenas — e o que dizer daquela conversão toda cunhada pela conceitualidade do aparelho? Por aí se percebe, para dar mais um exemplo, o grave problema que constitui o antissemitismo: fosse apenas uma questão de escolha, e escolha bem pensada, ele nem sequer existiria, nem sequer poderia existir.
*** A outra fonte que vem da Grécia. Dela herdamos a diversidade das artes e das letras, com essa experiência notável de síntese que é a tragédia; recebemos a filosofia e as ciências, isto é, um modo racional, novo e revolucionário de o homem se comportar em face das coisas e dos acontecimentos; recebemos daí ainda o mundo jurídico, reforçado mais tarde pelo engenho romano; e dessa Antiguidade veio-nos também o conceito de império e de toda a parafernália militar que lhe é inerente. Nesses setores, fundamentalmente, somos todos gregos. A casa em que moramos encontra os seus rudimentos nas antigas concepções arquitetônicas: até o ato de sentar, no teatro ou no anfiteatro escolar, é invenção grega: no caso, sentar é ver de modo concentrado, e assim faz-se teatro e faz-se teoria — o pensamento racional acaba sendo uma revolução que vale por si. Por tudo a Grécia é cânone, é modelo: em tudo ela é norma — menos na ética e na religião. Assim, se examinarmos uma tragédia como o Édipo rei numa perspectiva estritamente cristã, a trama de Sófocles — que é a do mito — revela-se totalmente absurda, Édipo nem pode ter culpa. Talvez exista até algum drama em que a comunicação se faça possível: penso em forças atávicas, muito primitivas, como na reivindicação de Antígona do direito de dar sepultura aos cadáveres. Mas, a rigor, um homem de nosso tempo, ainda que munido de uma notável carga de consciência histórica, ou de esmerada aparelhagem crítica, não consegue ter um acesso originário ao sentido do mito grego: transforma-se e dilui-se, desse modo, o próprio sentido do mito; os mitos passam a ser histórias interessantes, fascinantes até, que nos roubam mesmo a respiração por serem o relato de belíssimas lendas — mas apenas lendas, amiúde de pouco estofo, de matrizes desvanecidas.
Mas voltemos ao nosso tema inicial: o mais curioso talvez esteja no fato de os modernos — principalmente os modernos — sentirem uma grande nostalgia das formas primevas da separação. É por esse caminho que se devem creditar tanto a reinvenção neoclássica de gregos e romanos como também as interpretações — a despeito da decadência do elemento religioso — de Hegel e Kierkegaard relativas a Abraão. Mas, no que concerne essa nostalgia, quero deter-me por um momento na manifestação hodierna da repercussão grega. Claro que o tema existe já desde os romanos, e sempre com um caráter acentuadamente nostálgico — baste lembrar Ovídio e o seu Et in arcadio ego: eu também estive na Arcádia. Mas o assunto se complica mesmo é nos tempos modernos. Foi nos meados do século XVIII, com Winckelmann, que se acendeu um novo fervor, de cunho nostálgico, pela antiga Grécia. E o curioso para o nosso tema está em que Winckelmann elabora uma interpretação da Grécia toda calcada — sem que ele mencione o assunto, e nem seria de esperar que o fizesse — num mundo concebido sem o menor laivo de separação. Lembro o seu mote, segundo o qual ter-se-ia moldado o melhor da arte grega: calma grandeza e nobre simplicidade; tudo se daria à maneira da plácida superfície das águas de um lago, a perfeição de um espelho aberto ao sol, sem trair o possível revoluteio de suas águas profundas: tal o milagre abstrato do templo sobre a rocha, ou a serenidade imperturbável da estátua. Não que o grego desconhecesse a dor, a tristeza, asseverava ainda o jovem Hegel, mas o sentimento básico que o animava era o da alegria, o sim à vida. E foi essa concepção que abasteceu nas bases todo o classicismo alemão, e também a estética de Hegel, e mesmo a de Marx: os gregos eram crianças normais, sustentava este último no prefácio dos Grundrisse. A situação se modifica apenas a partir das análises do historiador suíço Jacob Burckhardt. Burckhardt, primeiro a discordar daquela interpretação “alegre”, vislumbrou qualquer coisa no fundo inerme do lago classicizante, e pôs-se a falar da melancolia enquanto sentimento básico do homem antigo. Teria Burckhardt conhecido o ensaio de Aristóteles sobre a melancolia? Pois nele se lê que a boa melancolia, a de bílis amarela, produz o poder que habita os políticos, os poetas e os filósofos. O autêntico político, por exemplo, não se revela simplesmente no pequeno prefeito nervosamente perdido pelas ruelas da cidade, empenhado em tapar todos os buracos e concertar as mazelas de toda ordem, mas é o homem que está como que separado da cidade, e que por isso a vê como um todo, ele pensa a globalidade da polis, ele a inventa, ele cria a cidade. Foi o caso de Platão, ainda que fracassado. Pois a melancolia perturba a visão winckelmanniana precisamente por introduzir a nervura da separação no seio mesmo da Grécia clássica.
Um passo mais, e topamos com Nietzsche e um novo levantamento da questão. A tragédia não se entende a partir da harmonia, ensina o mestre das origens, ou da volta ao equilíbrio através da catarse, bobagem inventada por Aristóteles. A tragédia deve ser interpretada, para além até da irracional orgia dionisíaca, como produto do próprio caos: tudo decorre do sem-sentido absoluto da existência humana e mesmo de toda a realidade, melhor para o homem seria nem ter nascido, afirma Hesíodo e repete Sófocles. A matriz estaria, assim, no absurdo — no absurdo ou na separação absoluta; e pela mediação dionisíaca transmuda-se a tragédia em clara e pura pedagogia a fim de que se alcance o equilíbrio apolíneo. A diferença de base entre a tragédia grega e o drama que acometeu o teatro mais tarde está em que a tragédia não tem essencialmente nada a ver com a morte, tem tudo, sim, a ver com a pedagogia da medida, da necessidade de reeducação do homem. E por aí, curiosamente, Nietzsche, de certo modo, ainda que por caminhos tortuosos, acaba se reconciliando com o já envelhecido Winckelmann, desvestido agora de sua ingenuidade. Curioso também é que os itinerários de judeus e gregos se fazem de modo oposto. O judeu parte de um Deus que é garantia da ordem, da harmonia, do sentido, e só mais tarde advém a dolorosa separação. Já o grego arma-se a partir do caos, a ordem se torna objeto de uma penosa conquista. Trata-se sempre, entretanto, da história geral da consciência. Ou seja: quando a consciência atinge formas tão aguçadas e beligerantes, tais como a judia e a grega, começa o processo de afastamento das dores e conquistas dos primeiros tempos; o que entra então em jogo concentra-se cada vez mais no próprio destino da cultura ocidental vista como tentativa integradora. As observações feitas nos devolvem ao problema da crise.
O ponto de partida de toda crise encontra-se exatamente neste ponto: se há diversas origens, e se todas têm a ver com o desenvolvimento crítico das bases da cultura subsequente, então seguem-se com necessária fatalidade as mais diversificadas formas de conflito entre aqueles tipos de origem. Tais processos se tornam patentes de modo especialmente intenso nos tempos modernos. Mas tomo aqui, para iniciar a análise e exemplificar o conflito, o que se passou entre as duas principais instituições culturais da alta Idade Média. De um lado, continua a proliferação dos conventos; neles vivem os monges, voltados com exclusividade para as coisas divinas; ora et labora: o trabalho, sequela do pecado original, é um modo de penitência mas também de reza, e a reza identifica-se com o ato da fé; assim, tudo se concentra no universo da fé. É nessa linha que se situa ainda o último grande teólogo ocidental, Lutero. Acontece que a certa altura passa a estruturar-se esta outra grande criação medieval que foi a universidade; nela, a figura dominante é o teólogo, e a teologia pretende, e cada vez mais, fazer-se ciência. Para isso, o único caminho disponível estava em lançar mão das categorias do pensamento filosófico grego. É por esse caminho que o cristianismo assimila, primeiro, já com Agostinho, o platonismo, e mais tarde, com Alberto Magno e Tomás de Aquino, através dos árabes, Aristóteles. A intenção era até evangelizadora: chegava-se a inventar que certo pensador antigo teria a alma naturalmente cristã; e Chesterton gostava de dizer que Agostinho batizara Platão, e Tomás teria feito o mesmo com Aristóteles. Evidentemente, tal maneira anedótica de falar não passa de um repente des provido de sentido. O que de fato se verificou, fato de gravíssimas consequências, foi precisamente o contrário: Platão e Aristóteles “paganizaram” o cristianismo — tal foi o preço de sua “cientificização”. Ora, os nossos monges conventuais, empolgados pela fé e amparados pelo que se poderia chamar de defesa da ignorância, mostraram uma reação como que instintiva contra toda a teologia. Realmente, o que há de mais comovente na tradição mística ocidental está nessa concentração na fé, no acesso a uma verdade cuja única garantia está no cultivo da própria fé — e nisso havia sempre um repúdio, em que pesem as tentativas de conciliação formuladas pelos teólogos, à ciência teológica. Baste um exemplo: num sermão, o místico mestre Eckhart bradava: “Aqueles que querem estudar Deus e dizer o que ele é, saibam que é proibido”, ou seja, a ciência e a definição sobre a existência e a natureza de Deus nada teriam a ver com o Absoluto, e o discurso contra tal atrevimento, o de meter Deus em quadradinhos definitórios, só poderia suscitar uma peremptória e autoritária proibição. Dentro dessa linha, ainda Lutero chamará a razão de prostituta, e a consequência desse desprezo, em face do enorme sucesso que alcançavam as suas pregações, foi o alijamento durante dois séculos da presença alemã no panorama da grande cultura da época, coisa que só seria superada por Leibniz — que nunca escreveu em língua alemã: inesperadamente, há dele um breve e desimportante ensaio de elogio justamente à língua alemã — e sobretudo por Kant e seu empenho consciente de reabilitação de sua língua materna.
Vejam-se as coordenadas do conflito. Quando os cristãos assimilavam o pensamento antigo, estavam preocupados precipuamente no manejo de categorias com as quais melhor pudessem explicitar os mistérios cristãos, como o da transubstancialização eucarística, o mistério da Trindade, e assim afora. Mas é claro que tal assimilação, mesmo descontando-se o inevitável deslocamento deturpador, não poderia restringir-se a uma inocente neutralidade em relação às doutrinas gregas. O que acabou sendo absorvido foram, até mesmo precipuamente, aquelas doutrinas. Vislumbrem-se os perigos: como entender o homem? Seria ele filho de Deus e do amor divino? Aristóteles, no princípio de sua Política, delimita o homem como animal político, como animal que fala, e sua análise acabou resumida na expressão, forjada apenas posteriormente e consagrada por todo o passado ocidental, que define o homem como animal racional. A raiz da própria possibilidade dessa definição, em que pese nela a especificidade grega, é sem dúvida neolítica, como reflexo que é da doutrina dos dois mundos. Mas, justamente, considere-se a especificidade grega, a visão grega da separação: o deus grego não é o deus do amor, como para os cristãos; um são Francisco de Assis seria uma figura radicalmente deslocada em qualquer galeria antiga de homens ilustres. Os deuses da mitologia e o dos filósofos só poderiam ser entidades da Razão, do Logos, do pensamento; a excelência da condição humana deriva, pois, por inteiro de uma racionalidade que a aparenta ao deus. O pobre Eros, meio deus e meio homem, sujo e feio, mendigo e sem lugar próprio, vive da ausência do belo. Mas no universo cristão, se se respeitar o contexto do animal racional, onde situar o mundo da fé? Na racionalidade ela não cabe, como bem viu o furor místico — em verdade, a fé não tem mais lugar, e exige a revolução. A questão permanece aberta através dos séculos, perdendo em altura só recentemente: mas, como conciliar razão e fé?
Parece-me que o exemplo dado ilustra suficientemente bem o quanto o conflito pertence à própria gênese da cultura ocidental; trata-se de uma cultura matrizada pela crise, a crise é como que o seu endereço normal; ela não deve ser entendida meramente como o resultado de um processo, que faria o todo desse processo incorrer em perigo; ela também não vem depois, ao modo de uma excrescência, ou de um acréscimo advindo de uma infecção oportunista estabelecida desde fora, como que a perturbar e mesmo ameaçar a integridade de uma grande cultura. Antes, tudo é habitado pela crise enquanto chão último, e pipocam então aqui e ali as suas mais diversas manifestações.
Digamos, então, talvez como algumas margens de impertinência, que as outras culturas, grandes e pequenas, expressam-se sub speciea eternitatis. Claro está que no Ocidente também tudo começa pela religião; mas agora, aqui, é apenas a origem que é religiosa. Depois, inicia-se o processo de desmantelamento desse elemento religioso, primeiro de modo lento e compassado — e a silenciosa razão é subversiva, já nos cálculos que brotam da ponta de um lápis —, e mais tarde com uma velocidade galopante. Tudo se passa, então, como se se devesse escolher entre a eternidade e a história, entre a perenidade epistêmica e o próprio da condição humana, ou entre verdade e verdade. E de fato assim é. Foi necessário execrar a história, as sombras que passam, desde o fundo da eternidade platônica, para que das cinzas do absoluto pudesse surgir, ainda que com certo gosto amargo de fim de capítulo, a consciência histórica. Para melhor explicar o tema, cabe aqui uma dupla referência.
Primeira. É correta a visão da história ocidental, encontradiça entre os historiadores, que a interpreta como uma sequência de crises. Isso, de resto, começa já muito cedo, na própria intimidade da cultura grega, e logo em seguida, com a passagem desta para a cultura romana. Depois, da romana para a românica, e eis-nos no cristianismo. Nova crise leva-nos à Idade Média, que seria, por sua vez, superada pelas renascenças. Assim, cada período protesta contra a fase que lhe foi imediatamente anterior. Vista por aí, a história se faz interpretável como um processo através do qual os períodos vão se superando. Normalmente, a superação parece ser muito radical: tudo se faz pela força de um protesto que quer inventar uma nova visão das coisas — já por uma questão de cansaço, ou de saturação. Pense-se em Brunelleschi e seus amigos, na alegria com que escavavam os terrenos de Roma, em qualquer ponto minimamente suspeito, e iam descobrindo as belezas esquecidas da antiga cidade imperial. O exemplo é bom: há ruptura, sim, mas ao mesmo tempo se estabelecia, ainda que de modo esfacelado, uma certa forma de continuidade, que acabava mantendo, em certo nível, a unidade interna do mundo ocidental. Desse jeito, o processo supera, mas conservando, como já via, et pour cause, Hegel, o fundador da dialética moderna. Isso nos leva de imediato a uma segunda observação.
E é que as crises trazem consigo um corolário constante: cada uma delas volta a seu modo à origem. Quer dizer: ao contrário do que postula o ascensionalismo à maneira hegeliana, verifica-se aqui um retorno à cultura das origens — e o que se torna tema de discussão está, antes, na tese inaugural do processo dialético. No exemplo dado, o de Brunelleschi e suas escavações, a descoberta entusiasmada da origem está em Roma, e tudo passa a ser feito fundamentado na jurisdição dessa origem. Não se poderia tratar, evidentemente, de proceder a uma cópia meramente repetitiva, a origem funciona muito mais como um critério inspirador; a Renascença italiana daria prosseguimento a uma exitosa experiência anterior. Portanto, é aquela criatividade antiga que deveria ser retomada, e tudo passa a concentrar-se numa vigorosa reassunção do próprio sentido da tese do processo dialético — a origem como fundamento deve levar à reinvenção dessa mesma origem: Brunelleschi só existe enquanto volta criativa à origem. Ora, como vimos, a questão da origem deve ser vista no Ocidente enquanto essencialmente plural, constituída que está por diversas visões interpretativas das separações originárias; tais visões ostentam, pois, caráter múltiplo, eivado até mesmo de profundas contradições, para não falar de distâncias até abissais entre uma e outra. E são tais primórdios, retomados, que estabelecem a incrível diversidade das crises de nosso mundo. Lembro, a propósito, alguns exemplos, ainda que todos bem conhecidos. Já no caso do barroco italiano, Piranesi ainda teimava em fazer o elogio dos velhos romanos, que ele envelhecia ainda mais e ampliava em belas gravuras em metal a favor do sentimento de grandeza. E sabe-se da polêmica ardorosa que aconteceu entre ele e Winckelmann. Este último fez-se em paladino de uma nova interpretação da origem: ela estaria na Grécia clássica. Ainda mal conhecida na época, normalmente deformada através da visão romana e de traduções latinas, abria-se agora um panorama do mundo grego a fim de justificar um ideário inédito. Lutero introduzira o estudo da língua grega para viabilizar a boa leitura dos Evangelhos, mas o ex-futuro pastor protestante Winckelmann aproveitou a novidade para trocar os livros e abeberar-se na pureza dos textos do que passa a ser a origem por excelência, Homero. O classicismo moderno ganha, assim, uma nova versão. Mas as coisas continuam: os românticos, cansados da nobre simplicidade e calma grandeza winckelmannianas, tornam-se turbulentos e acabam fazendo renascer a Idade Média. A origem agora pretende-se cristã, ou melhor, ela estaria numa determinada leitura, a medieval, do cristianismo; redescobrem-se, por aí, a idealidade do Sacro Império, o mundo das lendas medievais, o culto à Virgem Maria, e outras coisas mais. A Idade Média começava a deixar de ser o reino das trevas, ou as trevas foram transportadas para o período imediatamente anterior.
Como já foi dito, a crise mostra-se sempre essencialmente crítica: ela procede a uma crítica do período imediatamente anterior, e, de algum modo, defronta-se com a interpretação da origem. A decorrência inelutável de tais procedimentos, que foram se tornando gradativamente mais intensos, está no desenvolvimento do espírito de comparação: a crítica se faz comparativa — ela nasce da comparação. E isso se acentua especialmente nos tempos modernos. Um ótimo exemplo para entender o que se passa está na longa Querela dos Antigos e dos Modernos, que se estendeu por dois bons séculos. Sabe-se que já no século XVII surge na Itália o intuito de retomar e dar prosseguimento à grandiosa ainda que breve tradição da tragédia ática, interrompida que foi desde o estertor da Antiguidade clássica. No século XVII, o classicismo francês entusiasma-se com a ideia, e no século seguinte são os alemães que dela participam. Produzem-se então as diversas Ifigênias, a de Racine, a de Goethe. E logo começaram a impor-se os questionamentos: os antigos seriam melhores do que nós, modernos, e conseguiríamos nós atingir maiores alturas, dando assim real sentido ao prosseguimento das antigas realizações? Sucede que os aconteceres não são tão calculáveis e previsíveis quanto supõem tais inquietações; a respeitada autoridade das leis literárias preconizadas pelas muitas Poéticas da época acabaram revelando-se mais claudicantes do que prometiam as renascenças. Realmente, verifica-se na criação artística qualquer coisa como a imprevisibilidade do sentido. Como que sorrateiramente, a Ifigênia de Racine termina revelando um certo parentesco com o jansenismo que nada tem de antigo. E a mesma trama, manipulada por Goethe, acaba um tanto aparentada à ética kantiana. É essa ambiguidade entre a clareza do cálculo e esse sentido, profundamente enraizada nos desígnios do tempo, que vai suscitar a própria razão de ser da Querela, a ponto de, já nos albores do século passado, ensejar o surgimento de uma nova ciência, exatamente a ciência do sentido, a hermenêutica.
No fundo, o que se verificou foi que a famosa Querela acabou por invalidar-se em suas intenções mais primevas. Há uma distância em tudo notável entre a maneira como Racine abordava um texto antigo e a utilização que se faz dos velhos mitos em nosso tempo, a examinar-se, como exemplo, As moscas, de Sartre. É que agora as coisas passam a entender-se a partir de coordenadas outras, a começar pela consciência histórica. A Querela dos clássicos modernos é sem dúvida uma das alavancas que permitem explicar, entre outros fatores, o advento da consciência histórica. Com outras palavras: tudo passa a ser mais radicalmente crítico, já por razão do desaparecimento dos parâmetros estáveis das poéticas clássicas. Agora, portanto, as abordagens dos anacrônicos mitos se transmutam em descobrir critérios novos, não antigos, que alvitrem comparações. E, com isso, o conceito de crise passa a sofrer modificações em tudo pertinentes.
Cato aqui e ali alguns exemplos em busca da melhor clarificação do tema. Humboldt introduziu, como é sabido, o estudo comparado das línguas, buscou-lhes as semelhanças e estabeleceu a unidade daquilo que ele batizou de línguas anglo-germânicas. Através desse tipo de análise diacrônica Humboldt chegou à conclusão de que o berço das línguas ocidentais, ou da maioria delas, encontrar-se-ia além do Ocidente — mais precisamente na Índia, às margens do Ganges: tudo teria começado numa primitiva língua hindu, berço do sânscrito. O asserto pode parecer até mesmo inocente. Mas não o é: pela primeira vez, tanto quanto vejo, afirma-se que a origem das línguas ocidentais, e portanto da própria cultura, situa-se fora dos limites do Ocidente. Acontece que, logo em seguida, outros cometimentos igualmente “inocentes” virão justar-se à tese do alemão. De fato, começa a verificar-se uma abertura do nosso mundo para as culturas não ocidentais, que deixam aos poucos de ser marginalizadas por suspeitas de paganismo ou impiedade, de barbárie ou mais modestamente de simples insignificância. Baste lembrar a simpatia de um Schopenhauer pelo seu edulcorado budismo; ou o projeto de Wagner para a sua última ópera, que felizmente não chegou a ser concretizada: seria sobre a vida de Buda. Parece que tais lances nem se deixam ligar facilmente, mas o levedo da alteridade faz o bolo crescer. Van Gogh amplia a sua visão com motivos da pintura japonesa, e compõe inclusive alguns quadros em que a tela invade a moldura, como que a destruir essa inovação renascentista. Já seu colega Paul Gauguin vai mais longe; rebela-se contra a principal raiz da arte ocidental, e fala a seu amigo sobre a necessidade de assassinar os gregos; toma os seus pincéis e parte em rumo às ilhas dos mares do Sul; descobre aí um tipo de cultura afeita apenas à grande mãe Natureza, e pinta notáveis quadros nos quais, sobre o fundo de uma prodigiosa vegetação, aparecem mulheres, e só mulheres, em posições estáticas, digamos egípcias. Gauguin tem em mente a concretização de uma estética não ocidental, e por acinte desrespeita a academia, introduz o preto, combina cores não permitidas, desobedece. Claro que ser antiocidental continua sendo um modo de ser ocidental. Mas os horizontes conturbam-se de maneira inóspita. É possível que Gauguin tenha amparado a sua vivência do matriarcado nas teses do sociólogo suíço Bachofen, muito festejado na época. E a defesa do matriarcado é outra maneira de pular a cerca do Ocidente, comprometido de modo tão visceral com as barbas do patriarcado em todas as suas vertentes.
O digno de nota está justamente neste ponto: na rejeição das origens intrínsecas ao próprio Ocidente. A origem passa a ser como que dissolvida em um todo maior. Desse modo, a crise se acomoda na própria origem, são as bases do Ocidente que se põem a periclitar. Não é por acaso que, já no século passado, fala-se em geometrias não euclidianas, mais tarde em lógicas não aristotélicas, derrubando-se por esses caminhos a hegemonia milenar de modalidades de pensamento que sempre reinaram de modo soberano. Também Brecht entra nesse coro, e fala em dramaturgia não aristotélica, e o curioso é que o mentor do Berliner Ensemble passa a entender a atividade teatral a partir da crítica, da necessária instauração do espírito crítico, ou seja, a gênese do teatro residiria numa certa crise que deveria incitar o público à transformação crítica das estruturas sociais: a crise destina-se a reinventar a realidade, para além das origens míticas em quaisquer modalidades.
Como seria de esperar, a nostalgia não tarda em se manifestar. Veja-se o exemplo do último grande livro do pai da fenomenologia, Husserl: intitula-se A crise da ciência europeia. Nele, toma-se a palavra crise simplesmente em sentido negativo, e a grande preocupação do autor está em mostrar que a ciência europeia não pode ser confundida com o acúmulo meramente empírico do saber, tal como se verifica na tradição da Índia ou da China. No Ocidente, há uma superioridade incontestável, ainda que em crise, da ciência; e a situação poderia ser superada a partir de uma nova fundamentação rigorosa dessa ciência: eis a razão de ser da fenomenologia. Mas mesmo na esteira da fenomenologia o diagnóstico tende a perder sua pretensa superioridade. Assim é que Lévi-Strauss, para citar um caso, fala em uma lógica, um tipo de pensamento talvez comum a toda Humanidade, por nós ainda des conhecido. E parece que estão precisamente nesse alargamento transocidental os critérios que passam a nortear a pesquisa, principalmente no campo da antropologia científica. Nesse setor, deve-se falar em duas grandes posturas. Lévi-Strauss é um generalista, isto é, haveria uma humanidade una, e a grande diversidade de culturas, o seu imenso leque das diferenças, pertenceria a um mesmo gênero humano, a dispersão apenas acobertaria a unidade de base — o que em nada diminui a paixão de nosso autor pelos bororo de Goiás. Entretanto, a esmagadora maioria dos antropólogos, ao que parece, deve ser considerada diferencialista; já a partir de Malinovski e Franz Boas, passando depois por Margaret Mead, Ruth Benedict e tantos ou tros, quer-se alcançar cada cultura em sua diferença originária, incorrendo-se desse modo em um processo de fragmentação que vê o mundo sempre como essencialmente plural. E por essa via as comparações tudo ensinam. Mas seja como for, qualquer que seja a orientação, trata-se insistentemente de um processo de alargamento do mundo ocidental, já nada se quer excluir, e sim assimilar tudo, rejeitando-se tão-somente o reducionismo evangelizante. Inventa-se então um novo olhar: o diálogo passa a medrar entre as culturas — entre todas elas, de modo alheio ao que seja superior ou inferior.
As últimas observações já permitem entender o quanto a tese de Spengler revela-se curta. Até mesmo por sua desatenção ao tema da origem. Mas Spengler tem sem dúvida razão no sentido de que ele põe a crise na própria existência de toda cultura: elas nascem para morrer. A novidade hoje, entretanto, deixa-se vislumbrar através do mesmo Spengler. Pelo seguinte. No passado, as culturas não se sabiam mortais. Mas hoje, com o advento da consciência histórica, tornou-se insuficiente reconhecer a mortalidade das culturas. Agora, de fato, tudo muda de figura, a ponto de parecer ao menos rígido demais falar em decadência, ou seja, o limite de Spengler está em que ele limita a crise ao seu caráter supostamente negativo. E é óbvio que o elemento negativo também existe, embora esteja inserido agora em um processo de transformação que torna ao menos anacrônica a divisão spengleriana em grandes culturas entendidas como palavras finais e definitivas. Se deixarmos de lado as culturas mais remotas, como a egípcia e a babilônica, todas as outras, as que conseguiram “sobreviver”, passaram a embrenhar-se por mares antes nunca navegados. Não é por acaso que o homem burguês, responsável por toda a revolução moderna, em todos os níveis da sociedade e da cultura, pretenda ser, conscientemente, o primeiro homem universal — ao que tudo indica com progressivo sucesso; pela primeira vez, surge um homem que interpreta a si próprio enquanto telos a ser realizado por todos, ainda que transido de instabilidade. Não é por acaso também que a partir do século XVIII tem início o desdobramento do conceito de humanidade; tal conceito, radicalmente inédito em toda a história do homem, busca agora a sua própria realização efetiva. Esse conceito é tão importante que mereceria uma análise à parte; baste salientar aqui que ele começa a ser, ao menos a partir de Leibniz, objeto de meditação filosófica. E muito mais: os caminhos históricos vão pondo na prática a consecução do ideal da humanidade. É preciso ressaltar a importância dessa prática transformadora, e lembrar que ela não exclui a catástrofe.
Para concluir, chamo a atenção aqui para dois pontos que me parecem essenciais. O primeiro está no caráter essencialmente exportador, digamos, da cultura ocidental. A cabeça ocidental tornou-se planetária. Exportam-se a ciência, a filosofia, exportam-se a Revolução Industrial, a tecnologia, para não falar dos modelos econômicos. O que vem acontecendo com a China é em tudo ilustrativo e deve ser acompanhado com cuidado. De fato, o marxismo é fausticamente ocidental; mas não teria cabimento pretender que, na medida em que fosse assimilado pela China, o marxismo erradicaria a tradição chinesa: o que se constata, longe disso, é um forçoso diálogo entre essa filosofia e aquela tradição. Outro exemplo: se o Japão insiste em importar a tecnologia ocidental, e se aceita um tipo de organização econômica, o capitalismo, que é igualmente ocidental, isso não pode significar apenas que alguns aspectos do Ocidente passem a ser assimilados, como se pudessem conviver com outras dimensões que permaneceriam intocáveis; pois, obviamente, se se assimila um sistema econômico alienígeno, através dele modifica-se a relação do homem com a natureza e também a do homem com o homem. Quero dizer que toda a realidade começa a passar por um processo de transformação, sem que se possa com isso excluir o diálogo.
Em segundo lugar, insisto mais uma vez em lembrar que não se trata aqui de defender o reducionismo, não obstante certos percalços fatais nas relações internacionais. Não se trata de impor as concepções do Ocidente ao resto do mundo, no sentido de consolidar a hegemonia dos valores ocidentais. Até porque essa hegemonia tornou-se instável, deixou de oferecer os aparatos referenciais de um porto seguro. Mas, por outro lado, sublinhe-se que a crise do Ocidente, que terminou por alcançar, como vimos, as suas raízes últimas, trouxe consigo, em contrapartida, o início de um processo de abertura através do qual se busca aceder ao outro em sua diferença. A partir da chamada crise da metafísica é que passou a verificar-se essa descoberta do outro. O que é o outro? Simplifico: o outro é tudo aquilo que nunca foi pensado pelos rígidos padrões ontoteológicos da tradição ocidental, e isso se estende a dimensões internas do Ocidente, e também aos modos como o Ocidente passa a aventurar-se pelo outro que não ele mesmo. Em outros termos: o que está acontecendo, a despeito de transgressões e violências inerentes ao processo histórico, é o gradativo assentamento de uma nova modalidade de diálogo, de um diálogo que se deixa pautar justamente pelo reconhecimento das diferenças. A opção agora nem poderia ser mais extremada: ou um mundo sem retorno, ou então um novo ponto de partida; é esse diálogo com as diferenças que deve conquistar os seus espaços a fim de que se reinventem a história e a geografia. Haja política.
Notas
[1] Paul Hazard, La crise de la conscience européenne, Paris, Boivin & Cie., 1935, pp. VI-VII.
[2] Madri, Ed. Revista do Ocidente, 1956.
[3] Cf. Émile Pessonneaux, Dictionnaire grec-français, Paris, Librairie Classique Eugène Belin, 1953.
[4] Karl Marx, Das Kapital, Berlim, Dietz Verlag, 1975, p. 457, vol. III.
[5] Idem, ibidem, p. 259, vol. III.
[6] Idem, ibidem, p. 221, vol. I.
[7] Veja-se o comentário à transcriação do Eclesiastes por Haroldo de Campos, in Qohélet: O-que-sabe — Eclesiastes — Poema sapiencial, São Paulo, Perspectiva, 1990, p. 114.