1998

Na barca da conquista. O Portugal que fez caravela e nau

por Maria Helena da Cruz Coelho

Resumo

No final do século XIII, Portugal parecia anunciar a abertura marítima. Com D. Dinis, animam-se a circulação de cabotagem e o comércio exterior, Lisboa projeta-se como sede do Estado e porto internacional. Mas o reino assim formado terá de enfrentar a seguir a Peste Negra, maus anos agrícolas, lutas entre a burguesia em ascensão e os detentores, nobres e clérigos, da fortuna imobiliária, além das disputas com Castela. É só no século XV, à medida que os conhecimentos da navegação vão chegando, que se abre a exploração das ilhas atlânticas e da costa africana. Escravos, ouro e marfim aumentam as riquezas. Em breve, é português todo o comércio e navegação ao sul do Equador. A descoberta da América por Colombo divide os mares entre Portugal e Castela (tratado de Tordesilhas, 1494), pouco antes da chegada de Vasco da Gama à Índia (1498) e de Cabral ao Brasil. É a época de D. Manuel, o venturoso. A máquina estatal reforça seu poder com o domínio das leis, da cultura e do saber. Mas a nova riqueza não melhora a vida do povo. Em vez de ser investida na manufatura e na melhoria das técnicas agrícolas, ela sai de Portugal e é redistribuída pela Europa. A descapitalização se agrava com a fuga de cristãos-novos perseguidos pela Inquisição. Camões apontará nos Lusíadas(1572) essa vã ambição do império, na voz do Velho do Restelo: “Deixas criar às portas o inimigo”. E Fernando Pessoa dirá nos versos de sua Mensagem (1934): “Cumpriu-se o mar e o Império se desfez. / Senhor, falta cumprir-se Portugal.”


Na noite escreve um seu Cantar de Amigo

O plantador de naus a haver.

E ouve um silêncio múrmuro consigo:

É o rumor dos pinhais que, como um trigo

De Império, ondulam sem que se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro, Busca o oceano por achar;

E a fala dos pinhais, marulho obscuro,

É o som presente desse mar futuro,

É a voz da terra ansiando pelo mar.

Este é o retrato de D. Dinis e da sua época na poesia esotérica da Mensagem pessoana.[1]

E da sexta figura dos castelos avancemos para o timbre, figurado numa das asas do grifo, D. João o Segundo:[2]

Braços cruzados, fita além do mar.

Parece um promontório uma alta serra

O limite da terra a dominar

O mar que possa haver além da terra.

Seu formidável vulto solitário

Enche de estar preserve o mar e o céu.

E parece temer o mundo vário

Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.

Dois tempos, personificados em dois homens, esboçados com argúcia fina e profunda, na aguarela poemática de Pessoa. Um código poético, ancorado num real histórico.

Com D. Dinis o fim e um princípio de um velho e novo tempo. Primeiro erguera-se a espada. Contra o muçulmano. E o reino de Portugal fizera-se. A espada estava agora embainhada e o rectângulo delimitava-se na finisterra peninsular.

O sexto rei dos castelos fecha o ciclo da expansão terrestre e prepara o ciclo da abertura marítima. Herda de seu pai um reino reconquistado que se estende até o Algarve. Com fina percepção política, que teve ensejo de se manifestar em pleno, num governo longo de mais de quatro décadas, e de se impor peninsularmente numa conjuntura de hegemonia portuguesa face ao momento difícil de menoridades de príncipes e pretendentes aos tronos peninsulares, D. Dinis prepara o reino para novos rumos. Delimita-o, identifica-o, “nacionaliza-o”.

Recebe um reino definido espacialmente em três lados do quadrilátero. Consegue D. Dinis precisar-lhe os contornos na última fronteira, a oriental. Envolvendo-se nas questões de Castela veio-se a apoderar de Riba Côa e, em 1297, pelo tratado de Alcañices, acordado com Filipe IV de Castela – tratado de que este ano se comemoram, justamente, setecentos anos -, toda esta região fica pertença de Portugal, bem como se delimita, com rigor, a fronteira alentejana em torno do Guadiana. Territorialmente fixam-se, aqui, as delimitações de um dos Estados mais antigos da Europa.

Todo o esforço régio se concentra, pois, na sua plena identificação.

Intensifica as medidas povoadoras do seu antecessor. Coloca a fronteira transmontana, alentejana e algarvia à guarda de homens livres, organizados em concelhos. Dinamiza a formação de novos núcleos urbanos. Reforça-lhes os seus centros defensivos, construindo ou reconstruindo castelos, torres e muralhas. Cria na fronteira alentejana vilas de planta regular, à semelhança das bastides francesas, fruto da sua vontade planificadora.

Procura identificar os homens com o espaço em que vivem. Em consentâneo, dinamiza o aproveitamento de todas as potencialidades desse mesmo espaço. A exploração dos reguengos é fomentada com inúmeros contratos agrários individuais ou mesmo colectivos. Na terra crescem os cereais, a vinha e a oliveira, ou apascenta-se o gado e aproveita-se a floresta, de acordo com as aptidões agropecuárias dos lugares. Na costa incrementa-se a pesca e a salinicultura. A produção excede as necessidades de consumo. Do Minho ao Algarve os portos marítimos animam-se na circulação de cabotagem ou no comércio externo.

Os barcos portugueses navegam pelo Atlântico e chegam à Inglaterra, Normandia e Flandres. Os mercadores portugueses recebem dos reis ingleses Eduardo I e Eduardo II cartas de segurança e privilégios (1294, 1303, 1308) e a protecção de Filipe, o Belo de França (1290, 1309-10). Em contrapartida Portugal é procurado por genoveses, venezianos, flamengos, biscainhos, ingleses, aragoneses e bretões. Lisboa, já capital política, projecta-se como porto de escala internacional. O monarca reforça, então, as suas muralhas e melhora as condições e capacidades da Ribeira e dos demais portos satélites.

As capacidades produtivas internas e a projecção externa garantem-se pela manutenção da paz e da ordem. A guarda da defesa, em terra e por mar. D. Dinis procura reorganizar o exército e exige que os concelhos lhes forneçam certo número de besteiros, homens que passam a constituir um corpo especializado de profissionais da guerra. Mais denodadamente reforça a segurança dos mares, com uma armada mais numerosa em navios e confiada ã direcção competente de Manuel Pessanha, um genovês conhecedor da ciência e técnicas náuticas.

Um Portugal assim identificado no plano interno, quer-se plenamente outro face a estranhos. D. Dinis consegue fazer reverter a seu favor a extinção da Ordem dos Templários. Obtém do papa o assentimento para cornos bens daqueles em Portugal criara Ordem de Cristo, em 1319. Nasce uma nova ordem portuguesa, financiadora dos futuros empreendimentos expansionistas, da qual D. Henrique será, mais tarde, Administrador Geral. Paralelamente liberta a Ordem de Santiago da sujeição a Castela, pela escolha de um mestre provincial, oriundo de Portugal, para a dirigir. E até mesmo ao celebrar a concordata com o clero, se lhe confirma os privilégios e imunidades, também exige que os problemas eclesiásticos se resolvam, doravante, no país e não fora dele.

É ainda no país que quer dar formação aos letrados que cada vez mais sustentam o aparelho burocrático do Estado. Apoia, assim, a criação de um Estudo Geral em Lisboa, sancionado pelo papa em 1290. Impõe o português como língua oficial da chancelaria régia. Apoia e cultiva ele próprio a poesia trovadoresca e dinamiza uma cultura de corte. Quando “na noite escura escreve um Cantar de Amigo”, escreve-o em Portugal e em português. É poeta e rei-lavrador, governando um reino uno e único no contexto peninsular. Um reino outro que ganhou a sua alteridade geoestratégica na configuração última das suas fronteiras, a sua alteridade social na plena identificação dos homens com o seu território, a sua alteridade cultural no reconhecimento de uma língua, um Estudo e uma cultura próprios.

D. Dinis, e Portugal com ele, é chamado a intervir na política dos reinos peninsulares. Apoia com homens e dinheiro o reino de Castela; recebe embaixadas e ratifica acordos do reino de Aragão. Escolhe uma infanta de Aragão, que faz rainha. Rainha que em Portugal se fez santa.[3]

O reino está cumprido. O sonho será “de um trigo de Império”. Alguns ouviriam já “a voz da terra ansiando pelo mar”. Ouvi-la-iam os pescadores da costa portuguesa, os mercadores que cada vez mais avultavam no Atlântico, os homens que se dedicavam à pirataria e ao corso, visando a perseguição dos navios muçulmanos, enfim, alguns chefes e marinheiros da própria armada régia que, num empreendimento luso-genovês teriam alcançado as Canárias, no reinado de Afonso IV.

Não era, porém, ainda tempo de ir mais além. Não antes de sedimentar, internamente, uma sociedade e uma economia que se vão ressentir da conjuntura adversa de meados de Trezentos. Abrira a centúria com maus anos agrícolas em 1314-19, agudizados em 1331 e 1333. A sequência de deficientes colheitas arrastava consigo a fome e a morte. Tudo se poderia ter recomposto se a Peste Negra não houvesse visitado Portugal em 1348, deixando atrás de si um rasto de dor e mortandade, na ceifa de um terço do milhão ou 1,5 milhão de almas que teria o reino. A debilidade populacional instala-se, porque as epidemias repetem-se, com maior ou menor amplitude, ao longo do século XIV e no seguinte, acompanhadas ainda de maus anos agrícolas que negavam o pão às bocas. Nas décadas finais de Trezentos nem a guerra faltou para adensar os efeitos nefastos desta fatídica Idade de Ferro.

Muita terra fica improdutiva, sem braços para a cultivar. Escasseia o cereal, que a difícil custo se importa de uma Europa também ela a braços com a crise. Investe-se, mais oportuna e rentavelmente em culturas de mercado, como a vinha e a oliveira, ou em culturas especializadas, como o cânhamo. Ainda mais pragmaticamente reserva-se a terra sem frutos para a pastagem dos animais, desenvolvendo-se a criação de gado, em detrimento da agricultura. A vida no campo torna-se pouco rentável e atractiva. Os homens buscam então a sua sorte nas cidades. Mas estas não estavam preparadas para uma inesperada concentração populacional. Dentro delas, os recém-chegados, sem dinheiro ou haveres, têm dificuldade em integrar-se no mundo do trabalho. Não dispõem da capacidade econômica para abrir uma tenda ou uma oficina. Não conhecem os segredos dos mesteres. Resta-lhes, para a grande maioria, apenas a possibilidade de retornarem ao trabalho da terra, agora nos arredores da cidade, ou desempenharem os serviços mais pesados e desqualificados das oficinas ou da própria cidade. Oferecem-se, pois, como assalariados para os mais variados trabalhos ou carências dos citadinos. Uns quantos não lograrão mesmo integrar-se socialmente e engrossam o número dos marginais e vagabundos.

Certo é que alguns vizinhos das cidades, com o afluxo de gente, tiveram ensejo de progredir economicamente. Assim, os pequenos comerciantes fixos ou ambulantes dispunham de mais bocas para alimentar. Assim os mesteirais, que conseguiam ter mais saída para os seus produtos que vestiam, calçavam ou serviam os homens.

E nos centros urbanos ia-se gradualmente criando uma élite que não cessava de se projectar. Eram eles os mercadores-proprietários que transaccionavam mercadorias de vulto, dedicando-se uns quantos, nas maiores cidades do Porto, Lisboa ou costa algarvia, à própria mercancia de importação e exportação e ao fretamento de navios. Exportavam azeite, vinho, figos, passas, esparto, mel, cera, unto, cortiça, grã, sal, pescado, peles e couros com destino a Castela, Aragão, França, Flandres, Ilhas Britânicas, Alemanha, Liga Hanseática, Escandinávia e confins do Báltico ou Mediterrâneo. Conviviam alguns com mercadores estrangeiros frequentadores de Portugal, por entre prazentis, florentinos, ingleses, flamengos e alemães, conhecendo uns quantos os privilégios da nossa feitoria da Flandres. Com liquidez de capital arrendavam a cobrança de direitos régios e eclesiásticos, emprestavam dinheiro a bons juros, dominavam e especulavam com os produtos a lançar no mercado e sempre investiam parte do seu numerário em terras.

Esta burguesia urbana, detentora de poder econômico, guindava-se também ao poder político e social dentro das cidades. Como juízes e vereadores assumiam as rédeas do poder municipal. E sempre na órbita da governança, controlavam a sociedade. Ditavam as posturas econômicas, impunham os códigos de valores e conduta, governavam as instituições assistenciais, imiscuíam-se na esfera do religioso, como beneméritos fregueses ou beneficentes confrades. Entregavam à Igreja alguns dos seus filhos – fosse um prior ou cónego para uma catedral ou colegiada, fosse uma filha, com o respectivo dote, para o mosteiro de maior nomeada na região – estreitando alianças com a clerezia. Em consentâneo ofereciam a outros herdeiros a ascensão pelo saber. Faziam-nos cursar o Estudo Geral de onde saíam bacharéis e doutores, alcandorando-se então a homens letrados e legistas que sustentavam a burocracia e administração régias, penhores de uma outra influência para a família. Pelo saber e pela religião os herdeiros da burguesia entrelaçavam-se com os herdeiros da nobreza. Pela riqueza e pelo poder a burguesia cruzava-se com a nobreza e as alianças matrimoniais sucediam-se.

Por entre os privilegiados a crise deixou, porém, marcas profundas.

A Igreja viu até aumentar o seu património fundiário, graças a muitos legados pios. Sob a ameaça da morte, sobretudo a Morte Negra, os homens investiam os bens terrenos em benesses espirituais de orações, missas, exéquias e sufrágios. Para a Igreja e clérigos, intermediários entre o terreno e o divino, convergia a fortuna imobiliária de proprietários moribundos. Fortuna que já não lhes servindo para o prazer do corpo, poder-lhes ia, então, alimentar o bem-estar da alma. A Igreja cobrava vastas propriedades. Faltava-lhe, porém, os braços para as cultivar. E terra improdutiva não era rentável, salvo para pastagens, como se disse. Há quebra na produção cerealífera e os preços baixam. Na inversa sobem os salários. Os rendimentos senhoriais diminuem e desvalorizam-se, agravados, ainda, por uma imensa e contínua quebra da moeda. A exigir, então, readaptações no aproveitamento e gestão dos senhorios – novas culturas, outras atividades agropecuárias, maior opressão sobre o campesinato em foros e serviços, renovada atenção aos réditos do exercício do poder jurisdicional ou fiscal.

A nobreza, por dádivas à Igreja, fracionamento dos bens por heranças, entrega de dotes de casamento ou de entrada em religião viu, pelo contrário, o seu património a diminuir. E não diminuía só a terra, mas também as rendas, com menos gente para a amanhar convenientemente. Sem guerras expansionistas que lhe garantissem o acréscimo legítimo dos seus domínios, pela recompensa régia da sua intervenção armada, a nobreza tende a recompor, ilegalmente, as suas carências. Entra por maninhos e baldios dos concelhos, enreda-se em conflitos internos. Os pequenos enveredam pela pilhagem e banditismo e os grandes pelas disputas de senhorios e poder jurisdicional. As sucessivas leis régias que visavam cercear as jurisdições senhoriais são, em grande parte, iludidas ou transgredidas. Os nobres mais desfavorecidos oferecem os seus serviços aos de maior riqueza e poder. A alta nobreza aumenta a sua dependência para com a corte e favores régios. Reforçam-se os laços de clientelismo e vassalidade que entretecem as clivagens sociais mais profundas. Criam-se ou reforçam-se partidos e bandos de fortes casas senhoriais.

O recrudescimento do senhoralismo é um fato na segunda metade do século XIV. Reforçando-se no seguinte. D. Pedro I iniciou as doações com a mais alta jurisdição de “mero e misto império”, a condes e infantes. Mas será a política fernandina que servirá, prevalentemente, aos interesses da nobreza. A guerra que D. Fernando moveu a Castela, numa aliança com a Inglaterra, não foi, todavia, um capricho, mas uma imperiosa necessidade. Buscava através dela travar a hegemonia castelhana e aliviar a sua pressão sobre a fronteira terrestre, almejando um domínio da fronteira marítima que lhe desse a imprescindível segurança e capacidade de navegação no Atlântico, em tempos da Guerra dos Cem Anos. Esta acção militar exigia o concurso da nobreza. Em 1369-71 e 1372-73 os exércitos e marinhas portuguesas e castelhanas afrontam-se, como ainda em 1381-82 os anglo-lusos se cruzam, por terra e por mar, com os castelhanos.

D. Fernando teve de atrair partidários e de recompensar fidelidades e serviços. Multiplicam-se as doações à nobreza, algumas delas agraciando os condes de Barcelos, Ourém, Viana e Neiva com a máxima jurisdição. Crescem as terras tantas vezes retiradas aos termos concelhios – e os poderes senhoriais. Crescem as exorbitâncias dos nobres. Ouvem-se os protestos dos povos em cortes – contra as tomadias de géneros e bens aos camponeses e a exigência de serviços gratuitos; contra a entrada dos seus gados por terras alheias, contra a sua apropriação de terras de outrem; contra a extensão do seu poder jurisdicional a espaços que não alcançavam, como os concelhios; contra a cobrança de novas portagens, passagens e outros direitos de circulação e comércio em terras suas e alheias.

Mais. Não se confina a fidalguia aos réditos da terra, mas quer também auferir dos da mercancia. Tanto pela cobrança de direitos fiscais, como pela decisiva opção pelo comércio. Como que pré-anunciando tempos futuros, surge-nos, em Guimarães, em 1373, uma referência a um cavaleiro-mercador.[4] Numa vila sem cavaleiros vilões, mas recheada de mercadores e mesteirais, esta alusão parece reportar-se a um nobre que abraçou a mercancia. Como tantos outros o farão, dando os primeiros passos nestes finais de Trezentos, para se afirmarem, inequivocamente, na centúria seguinte. De nada servindo as vozes dos povos que, de pronto, se ergueram nas cortes de Lisboa de 1371 e nas de Leiria de 1372 contra a mercancia e regatia de clérigos e fidalgos. A realeza estava de seu lado. D. Fernando, ao conceder, em 1377, amplos privilégios a quem construísse navios de grande capacidade, com mais de cem tonéis, estava a dar o seu apoio aos grandes mercadores, onde se incluía a própria família real e os privilegiados[5].

O mar chamava. Marcava um destino. Como resposta a todas as crises. Mas antes tivera ainda Portugal de olhar para dentro de si. Resgatando o reino. Morto D. Fernando, Beatriz, casada com D. João I de Castela, é a sua única herdeira. Governa Leonor Teles, esperando-se o filho varão daquele matrimônio. Impacienta-se D. João de Castela. Teme-se Leonor dos movimentos internos dos grupos sociais que se lhe opunham, sobretudo a burguesia e o povo, bem como ao seu valido, o conde Andeiro. Escolhe o Terceiro Estado um líder para congraçar as vontades – João, o mestre de Avis, ainda um filho de D. Pedro, embora não um infante da amada Inês. Os acontecimentos precipitam-se de 1383 a 1385. O Andeiro é assassinado. Lisboa sofre um cerco castelhano de meses e ocorrem algumas batalhas. Recrutam-se forças militares de norte a sul do país. Buscam se aliados por entre a nobreza, burguesia e povo. Portugal fratura-se por entre fidelidades a João de Castela ou ao mestre de Avis. Mas o mestre será rei, a 6 de Abril, nas cortes de Coimbra de 1385. Um primeiro Abril em Portugal. Em tempos medievais. Seguido de um Agosto quente e vitorioso na batalha de Aljubarrota.

D. João I vai consolidar a sua realeza por entre guerras e tratados, alianças diplomáticas e uma segura política interna.[6] Em 1393 subscreve uma primeira paz com Castela. Reacende-se a guerra para dar lugar a um novo acordo de paz em 1402, ainda que outro se lhe sucedesse em 1411, para se alcançar o definitivo em 1432. Assina, em 1386, o tratado de Windsor, consolidando a aliança com Inglaterra. No ano seguinte casa com Filipa de Lencastre. Como depois casará o herdeiro com Leonor de Aragão e a sua filha Isabel com Filipe o Bom, duque de Borgonha, diversificando as alianças políticas. D. João assegura para si e seus descendentes – na pessoa dos infantes Duarte, Pedro, Henrique, Isabel, Fernando e João – o reconhecimento e prestígio internacionais. Cavalaria, fama, educação, cultura são as divisas identificadoras da Ínclita Geração.[7]

No país D. João agracia os seus partidários da nobreza e clerezia com doações de bens e direitos, reconhece o apoio do Terceiro Estado e consulta-o no Conselho Régio e quase anualmente em cortes. Ouve as queixas do povo miúdo e responde aos anseios dos mesteirais e assalariados. Tudo isto num primeiro momento, ainda sob o impacto da mudança. Depois, na viragem do século, certa que era já a independência e a solidez da realeza, intenta consolidar as permanências estruturais – manutenção e reforço do senhoralismo, apoio à burguesia mercantil, sujeição dos mesteirais aos mercadores, adscrição da mão-de-obra à terra, favorecendo proprietários rurais e criadores de gado. Sem se negar uma certa mobilidade social nos quadros dirigentes, um rejuvenescimento da nobreza e um crescendo político do poder concelhio, certo é que a hierarquização e coesão social se redesenhavam, por entre domínios verticais, entrosados em clientelismos e vassalidades. Umas quantas solidariedades horizontais de confraternidade, vizinhança, religiosidade e festa mais entreteciam o variegado tecido social. Ainda que tensões e conflitos não estivessem excluídos, uma ambiência de reestruturação da sociedade e reorganização do quotidiano sobrepunha-se.

E nos pinhais ecoou de novo o som do mar. E os homens para ele se voltaram. Esse mar de há muito cruzado nas rotas comerciais, na guerra marítima ou nas atividades de pirataria e corso. Um mar real. Mas não menos um mar pensado, idealizado, desconhecido. Na Bíblia, um mar simultaneamente bom ou perigoso, espaço de dilúvio ou de milagre. Nos geógrafos da Antiguidade ou nos escritores medievais, um mar que rodeava a terra, espaço desconhecido, negro e escuro, inconcebível como vazio, mas porque desconhecido, um mar povoado de ilhas e monstros. Na cartografia, à semelhança do mar interior que é o Mediterrâneo, coberto de ilhas, assim o Atlântico é o mar exterior, povoado também de ilhas, monstros e sereias. Mercadores, marinheiros ou corsários conhecem melhor esse Atlântico que bordeja a Península Ibérica e se estende para norte até à Inglaterra e Países Baixos. Uns conhecem-lhe sobretudo a costa com os seus portos. Outros o mar largo, onde se inscrevem as rotas e se cruzam os pontos nevrálgicos de confluência dos caminhos marítimos. Esta vivência é substancialmente acrescida com os conhecimentos da navegação europeia que chegam a Portugal. E dominados os muçulmanos pelos castelhanos no estreito de Gibraltar, as comunicações entre os dois mares passam para a mão de cristãos. Logo, no século XV, a rota marítima ao longo da Península Ibérica representa quatro quintos do volume total das comunicações entre o Mediterrâneo e o Atlântico Norte.[8]

D. João I apercebe-se de que a consolidação da sua dinastia e a segurança do reino se jogavam não só em terra, mas sobretudo no mar. Em terra procurou contrabalançar o poderio castelhano por entre guerras e acordos de paz que outras ameaças laterais a Castela, como o reino de Aragão e o de Granada, ajudariam a concretizar. No mar apostou numa estratégia mais envolvente de defesa e expansão do reino, como resolução das suas crises internas e externas.[9]

Decide-se então o monarca de Avis por Ceuta. Conquistada em 1415. Ceuta era ainda o seguimento natural na luta contra o infiel, agora atacado no coração do seu próprio território. A expansão marítima era uma imperiosa necessidade geopolítica. Sem ela podia perigar o êxito da dinastia recentemente implantada. E só por meio dela conseguiu Portugal afirmar-se e firmar-se na Península e na Europa em Quatrocentos.

A presença dos portugueses em Marrocos conferia-lhes uma posição geoestratégica de excepcional valor na luta contra a pirataria muçulmana, que muito prejudicava o comércio entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Permitia-lhes responder melhor a uma possível ameaça às costas portuguesas do reino mouro de Granada, da mesma forma que viabilizava uma qualquer aliança com Aragão. Assegurava-lhes uma nova e privilegiada área de influência, sustentadora do reino – o Atlântico Sul.

Esta vontade política era apoiada pelas forças sociais do reino. A velha e nova nobrezas queriam terras e feitos militares que lhes garantissem os benefícios régios. O ideal cavaleiresco de cruzada legitimava espiritualmente a guerra santa contra os infiéis e temporalmente os seus proventos. A burguesia visava alargar o espaço dos seus mercados e o alcance das suas transações comerciais. Era a dialéctica da cruzada e mercancia, sempre inter-recorrentes. O povo ansiava por melhores condições de vida, que sempre no caminho da aventura e na esperança de novas terras e riquezas se configurava. O ouro muçulmano poderia fazer recuperar as debilitadas finanças régias com a cunhagem de boa moeda de ouro; o cereal poderia alimentar as bocas que tinham fome; a costa marroquina poderia ser penhor de boa pescaria e suporte do comércio.[10]

O sonho não se tornou, de imediato, realidade. Mas a dinâmica expansionista estava lançada e prosseguirá em várias direcções. A descoberta e ocupação dos arquipélagos atlânticos foi o objectivo imediato, estando a colonizar-se as ilhas da Madeira e Porto Santo logo em 1425 e os Açores, depois de descobertos em 1427; ao longo dos anos de 1431-32. E assim, no governo do rei de Boa Memória ficam desenhados dois dos caminhos da ação expansionista portuguesa – a conquista e fixação da costa marroquina; a colonização e aproveitamento das ilhas atlânticas.

Em tempos do seu sucessor, D. Duarte, abre-se a nova via de exploração da costa africana. As viagens sucedem-se com êxito: Gil Eanes dobra o cabo Bojador em 1434, chegando-se em 1436 ao rio do Ouro e Pedra da Galé. Mas já o objectivo magrebino sofre um duro revés com o desastre de Tânger, em 1437. Ceuta é mantida a pesados custos de homens e dinheiro, que certa facção política, onde se inclui o infante D. Pedro, critica veementemente. Por isso nos cerca de dez anos da regência pedrista – de 1435 a 1448 – as linhas diretivas da sua política ultramarina são a valorização das ilhas e as expedições à costa africana, entregues à liderança do seu irmão, o infante D. Henrique. Incentiva-se o povoamento do arquipélago açoreano, o qual se fará, porém, em ritmo lento, com colonos reinóis de depois flamengos,[11] afirmando-se, já, todavia, o tráfego dos produtos madeirenses. Da Madeira chega o trigo, o vinho e depois o açúcar, dos Açores virá ainda o trigo e as plantas tintureiras, para, mais adiante, se aproveitarem os recursos naturais dos arquipélagos, desde as madeiras até à pesca. Nas muitas viagens à costa africana, organizadas pela Coroa ou por particulares, chega-se até ao cabo Branco, Arguim, Cabo Verde e Guiné. De pronto se estabelecem relações comerciais e os proventos africanos, por entre escravos, ouro e marfim, começam a chegar a Portugal.

Avançava-se no mar em tempos de grande perturbação interna no reino. Sob a ameaça dos infantes de Aragão, D. Pedro teve de submeter Portugal a um contínuo recrutamento militar e a uma pesada carga fiscal. Viu-se obrigado a comprar fidelidade e apoios, favorecendo largamente a nobreza. Mormente a casa de Bragança. Contrariando a sua ideologia, teve necessidade de sobrecarregar o povo com tributos e guerras e de manter o seu poder graças a oficiais que tutelavam os concelhos e a clientelas bem recompensadas. Este senhorialismo que alimentou, feriou-o de morte, em 1449, no campo de Alfarrobeira.

A bandeira incontestada da nobreza será, a partir de então, D. Afonso V. Os senhores imprimem as marcas da política régia. Internamente fortalece-se o poderio das casas nobres e o poder da Coroa atenua-se. Externamente vai-se retomar a conquista sistemática de Marrocos, Alcácer, Ceguer cais em 1458, como, mais tarde, em 1471, Arzila, Tânger e Larache. Atente-se que a política marroquina, querida pela fidalguia, como penhor de terras e cargos, servia também à política africana. O trigo aqui cultivado alimentava a metrópole, mas também, juntamente com os tecidos aí fabricados, servia de troca ao ouro e escravos da Guiné. Estes, por sua vez, eram a mão-de-obra escrava imprescindível para fazer mover os engenhos de açúcar que começavam a proliferar nas ilhas.

Até à morte do infante D. Henrique a costa vai-se desvendando, ficando-se os navegadores portugueses por altura da serra Leoa, enquanto se avistavam algumas ilhas do arquipélago de Cabo Verde. As adversidades de clima e terreno dificultaram o povoamento destas ilhas, que se inicia com degradados, se bem que a sua mais vital importância se consubstanciasse no apoio às rotas africanas e depois às naus do Oriente e Brasil.

Para administrar as riquezas africanas funda-se em Lagos, em 1455, a feitoria dos tratos de Arguim, depois transferida para Lisboa, em 1463, acabando por mais tarde dar lugar à casa da Guiné e da Mina. Por morte do infante, a empresa africana deixa, por alguns anos, de ser controlada pela Coroa. Em 1469 Fernão Gomes arrenda por cinco anos o comércio para além do Bojador, por 200 mil reais anuais, obrigando-se, todavia, a descobrir cem léguas de costa. Os lucros deviam ser muito superiores à renda paga e os povos criticam esta atuação régia nas cortes de Coimbra-Évora de 1472-73.

Logo em 1474 o controle das descobertas retorna à Coroa, concedendo D. Afonso V, vitaliciamente, o exclusivo dos tratos africanos ao príncipe herdeiro D. João. A empresa estava em mãos firmes e nada a deterá, malgrado as vicissitudes das guerras em que D. Afonso V se envolveu com Castela, frustado que fora o auxílio da França. O Príncipe Perfeito soube desde logo harmonizar os proventos marroquinos em trigo e panos com os da Guiné, investindo-os no resgate do ouro, escravos, malagueta e pimenta-de-rabo.

Ascendendo ao trono em 1481 vai ainda mais longe. E para que nada obstruísse o seu ideário e praxis centralizadoras, atinge de morte o poder senhorial e corta algumas das suas mais influentes cabeças, como as dos duques de Bragança e Viseu.

Através da construção da fortaleza de S. Jorge da Mina controla todo o comércio e navegação nos mares a sul do equador, rechaçando as tentativas de concorrência de estrangeiros, e impondo um mare clausum poruguês. Povoam-se as ilhas de S. Tomé e Príncipe com colonos do reino, negros, escravos ou forros, degradados e crianças judias, vindo o arquipélago a ser, em Quinhentos, um grande centro açucareiro e sempre uma plataforma de apoio à navegação. Prosseguem as descobertas, chegando Diogo Cào ao Zaire em 1482 e atingindo-se em 1486 o cabo Negro e serra Parda, assinalando-se aí a presença portuguesa com padrões e inscrições. Visa mais longe, e ultrapassando os objectivos africanos, busca o longínquo Oriente, por terra e por mar. Afonso de Paiva e Pero da Covilha partem de Lisboa, em 1487, na demanda do reino de Preste João e de informações sobre a navegação e comércio no Índico. Por mar, a busca da Índia prossegue por via atlântica. E quanto em 1488 Bartolomeu Dias dobra o cabo das Tormentas, essa esperança torna-se uma certeza, que nem o anúncio da descoberta das Índias por Cristóvão Colombo, em 1492, abala. Por isso, plenamente consciente deste novo sentido do Atlântico Sul, em que impera a latitude e a localização das estrelas, conhecedor da exigência de largo espaço para além da costa para o navegar a Sul, e certo da união dos oceanos no caminho para a Índia, D. João II é firme nas negociações para a divisão dos mares entre Portugal e Castela. Ao assinar, em 1494, o Tratado de Tordesilhas está a revogar o Tratado de Alcáçovas-Toledo de 1479-80, nos seus efeitos e na sua ideologia, ainda perpassada do sentido de horizontalidade mediterrânica do Atlântico. E ao dividir os mares por um meridiano que passava a 370 léguas a ocidente de Cabo Verde, cabendo a Portugal a navegação pelo lado oriental, o monarca estava seguro de estar a reservar para si e para os seus a Índia e talvez até alguma outra terra de um outro continente.[12]

E já, nos versos pessoanos, D. João II, solitário, a contemplar:

O limite da terra a dominar

O mar que possa haver além da terra.

A visão e a glória, essa será do venturoso D. Manuel. Vasco da Gama, partindo de Lisboa em 1497 chega à Índia no ano seguinte. E eis D. Manuel, numa carta ao imperador Maximiliano, de 26 de Junho de 1499, a intitular-se “Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”.[13] Por sua ,vez a segunda armada que se dirige à Índia, chefiada por Pedro Álvares Cabral, toca, a 22 de Abril de 1500, a Terra de Vera Cruz.

As carreiras das naus, sucedâneas das viagens aventurosas de descoberta das caravelas, vão transportar chefes, homens e armas que constroem militarmente um Império Oriental, capaz de dar cobertura ao comércio luso no Índico. Comércio que põe fim à hegemonia das Repúblicas Italianas nas trocas entre o Oriente e o Ocidente. E que fará sobrepor o Atlântico ao Mediterrâneo no encontro das civilizações europeias e orientais, através do inicial protagonismo português que arrastará, depois, para os mares e para a colonização, os demais países atlânticos. Paralelamente os primeiros produtos brasileiros – pau-brasil e animais exóticos – vão chegando ao continente, por mão de arrendatários do seu tráfego, e vão-se desenhando as primeiras feitorias no Brasil. E assim se unem, nas carreiras das naus portuguesas, quatro continentes.

O mar era português. E para que o fosse concertara-se o querer do monarca com a vontade dos seus súbditos. A direção fora da Coroa; a ação da gente do reino.

Elevada à realeza, a dinastia de Avis soube impor o seu poder e concretizar um Estado. Os monarcas rodearam-se de letrados e legistas que suportavam o aparelho burocrático. Fosse a nível do desembargo régio, onde a administração, a justiça, as finanças e a chancelaria se definiam com especificidades próprias; fosse a nível do governo local, em que o monarca, por intermédio de corregedores, juízes de fora, almoxarifes e tabeliães impunha o seu poder a todo o território. Uma legislação ordenada, de que são bom exemplo as Ordenações Afonsinas, emprestava ao governo um suporte legal, de alcance geral, imprescindível. Obra que teve o seu máximo corolário na sistematizadora acção legislativa manuelina.

Por sua vez a máquina de guerra em que o Estado de Quatrocentos se tornara, conferiu ao monarca um poder acrescido em capacidade recrutadora de homens, aperfeiçoamento do sistema militar e direcção da guerra. Ao mesmo tempo exigiu uma outra eficiência na rede de cobrança fiscal, com a imposição das sisas como tributo régio, fazendo avultar, a par do tradicional Estado de justiça, um Estado de finanças.

Neste Estado centralizador, militarizado, burocrático e fiscal, impõe-se então no aparelho do Estado, para além da habitual fidalguia e clerezia, uma nobreza de leis e saber. Esta nobreza togada, fruto de uma capilaridade social que atravessava tanto a nobreza de sangue como a burguesia, enxameava a corte ou disseminava-se pelas diversas partes do reino. Sustentava a máquina burocrático-estatal no continente, como depois nas ilhas e no Império. Representava, no seu todo, uma outra extensão do poder pela cultura e saber, pelo domínio das leis, da justiça e da escrita. Mas porque detentora de poder, tantas vezes usado em nome e proveito próprios, assim também era abusadora e sujeita a vícios, que Gil Vicente tão bem sabe criticar, fazendo entrar na Barca ao Inferno[14] um corregedor e um escrivão. Parodiando os conhecimentos de latim do corregedor, mimosea-o com estas palavras:

Ó amador de perdiz

quantos feitos que trazeis!

[…]

A largo modo acquiristis

sanguinis laboratorum

ignorantes peccatorum

ut quid eos non audistis.

Por sua vez os escrivães são rotulados como “mestres das burlas vistas”.[15] E a própria Justiça assim se retrata na Frágua do Amor.[16]

A justiça sou chamada

ando muito corcovada,

a vara tenho torcida

e a balança quebrada.

Ao lado do monarca, tradicionalmente, como se sabe, o alto clero e a alta nobreza. Estratos privilegiados que viviam dos rendimentos de suas terras e dos proventos dos cargos que usufruíam. E que terminada a capacidade de acréscimo territorial do reino no continente, mais tiveram que estreitar a sua dependência para com o rei e a corte. O monarca sustentava-os com contias, assentamentos, tenças e moradias. Dava-lhes bens e direitos, à custa de terras e direitos próprios ou concelhios. A uns quantos dava títulos e jurisdições. Se a sua principal função era a guerra – penhor de todos os seus galardões – compreende-se bem que os reis e senhores a fomentassem. Era um meio de canalizar para o exterior tensões internas latentes; era um recurso para obter proventos.

Não era, porém a guerra contra os cristãos, a do proveito. Antes a que se dirigia contra os infiéis, legítima nos ideais e nas riquezas. Logo a nobreza apoia as campanhas marroquinas, que serviram de tirocínio de guerra para os jovens e recompensa das mais altas famílias no exercício de cargos.

Mas se alguns nobres, como já o referimos, se exercitavam no reino como mercadores, mais o fizeram ao tempo em que a costa africana se ia desbravando. A segurança das armadas, a defesa de certos postos chaves de comércio na costa, exigiam a sua presença. De pronto os homens da guerra se dobraram de homens do comércio, surgindo a figura do cavaleiro-mercador. E quando, no século XVI, se encetou a ciclópica empresa da construção do Império do Oriente, que antes de ser um espaço de comércio e missionação, o foi de guerra, a nobreza conhecia um novo e decisivo papel na empresa ultramarina, ainda que actuando noutros moldes.

Apoiada estava a fidalguia pelo clero, que sabia ser necessário cruzar armas para conquistar novos espaços para a difusão da fé, no controle de almas e corpos. Consciente do elevado número de religiosos, no continente, sem grandes proventos e préstimo, assim lhes predestinava um outro futuro o Frade da Frágua do Amor.[17]

somos mais frades qu’a terra

sem conta na Cristandade,

sem servirmos nunca em guerra.

E haviam mister refundidos,

ao menos tres partes delles,

em leigos, e arneses nelles

e mui bem apercebidos,

então a Mouros co’elles.

Mas já então, como bem se percebe, o cavaleiro-cruzado de Quatrocentos, o cavaleiro andante, dava lugar ao cavaleiro-estratego, ao capitão, ao conquistador com diferentes recursos e objectivos. Os versos de Garcia de Resende[18] bem o patenteiam ao referir “Que a muita artelharia/ destruy a cavalleria”.

O mito do cavaleiro das boas causas e chamado à Glória já só permanece nas páginas da literatura de um Cervantes ou Gil Vicente.

Ao serviço do rei, na corte, no reino ou nas empresas ultramarinas, vivia, pois, uma certa nobreza. Mas a que deste poder centrípeto estava afastada, uma nobreza rural de baixa condição, essa vivia com dificuldades e mal sustentava o seu estado. É a fidalguia satirizada por Gil Vicente, na Farsa dos Almocreves,[19] pela boca de um capelão seu serviçal:

Sam capellão d’humfidalgo

que não tem renda nem nada;

quer ter muitos apparatos

e a casa anda esfaimada;

torna ratinhos em pagens,

anda já a cousa damnada.

As clivagens sociais acentuam-se, ainda que os laços de vassalidade e clientelismo, em parte, as atenuassem. E nesta vassalidade de reis e senhores se vai encontrar a pequena nobreza com os estratos médios do povo.

Aqueles que de entre o Terceiro Estado se dedicam ao comércio de alcance nacional ou internacional são em escasso número. Esses foram dominando, ao longo de Trezentos, o comércio no Atlântico Norte, como vão saber aproveitar-se dos recursos da costa marroquina e, sobretudo, do comércio da costa de África e depois da Índia. Têm capacidade para financiar armadas particulares, para concretizar contratos de arrendamento dos tratos comerciais ou para se colocarem como servidores e intermediários da política armazenadora e redistribuidora da Coroa. Os mercadores nacionais, a par de alguns estrangeiros, afadigam-se em ir buscar às ilhas ou ao exterior os produtos que resgatassem o ouro, os escravos, o marfim, a malagueta e a pimenta-de-rabo das paragens africanas. E depois faziam convergir essas riquezas para as casas que, em Lisboa, a redistribuíam pela Europa. A acção de uns quantos na empresa ultramarina é recompensada regiamente com a nobilitação. Nasce, então, num percurso inverso ao da nobreza, mas num igual sentido de convergência, o mercador-cavaleiro. A osmose horizontal entre certa burguesia e nobreza torna-se ainda mais real e efectiva.

Toda esta movimentação de produtos, e não menos o acréscimo, ainda que paulatino, da população, que se foi fazendo sentir na centúria de Quatrocentos, terá favorecido os pequenos comerciantes ambulantes do reino e os de tendas fixas que abasteciam os centros urbanos. Bem como a empresa expansionista e o alargamento de espaços costeiros favoreceu as gentes do litoral, conhecedoras dos segredos do mar e profissionais da pesca. E é sobremaneira nas cidades e vilas que se começa a colorir a sociedade com negros e mulatos, escravos ou libertos, que se encontravam, não apenas no serviço doméstico, mas também no pequeno comércio, por entre moleiros, padeiras e frigideiras, que por exemplo encontramos no Porto, em inícios de Quinhentos.[20]

Também nos principais centros urbanos se dinamiza o artesanato. Algum imprescindível como sustentador do comércio de exportação, tal como a tanoaria, outro fundamental para servir às necessidades básicas dos citadinos. E para os agentes do comércio interno, como para os mesteirais, o fornecimento das armadas acrescia-lhes a procura, estimulando a circulação e a produção. Os mesteirais crescem economicamente. Mas a riqueza não lhes outorga, como desejavam, o prestígio social e poder. Os mercadores afastam-nos do governo municipal para a seu contento lhes venderem as matérias-primas e melhor lhes controlarem os preços dos artefactos. Só bem tardiamente a Casa dos Vinte e Quatro será uma realidade e os procuradores dos mesteres terão voz nas reuniões camarárias. E são ainda os filhos de alguns destes que os mercadores querem compelir aos ofícios, negando-lhes a ascensão a vassalos, que uns tantos haviam adquirido.

Sustentando toda a pirâmide social estavam os que trabalhavam a terra. Uns poucos, pequenos proprietários, a maioria, amanhando terra alheia. Alguns, dispondo de um arado para a lavrar, outros, de uma simples enxada para a cavar. Os de mais baixos recursos teriam continuado a viver de e para a terra. São aqueles que na voz que lhes empresta o mestre viventino na Barca do Purgatório[21] dizem:

Bofá, Senhor, mal peccado,

sempre he morto que do arado

ha-de viver.

Nós somos vida das gentes

e morte de nossas vidas;

Ou ainda:

o lavrador

não tem tempo nem lagar

nem somente d’alimpar

as gotas do seu suor.

Ao camponês cabe fazer produzir a terra, mas o circuito de comercialização dos produtos agrícolas escapa-lhe, controlado que está por grandes e médios comerciantes. E porque não mercantilizado, não corrompido pelo ouro, é nele então que se identifica a mítica Idade de Ouro, que a escrita imortaliza em romances de cavalaria e bucólicas novelas, como as de Sá de Miranda.

Alguns mais jovens ainda procuraram fugir da terra, enveredando pela aprendizagem de um ofício, lançando-se no pequeno comércio, ou, com mais sorte, enfileirando-se entre os pajens da corte. Mas esta ascensão social subvertia as hierarquias e prejudicava os possidentes. As oligarquias queixavam-se em cortes, reclamando a adscrição dos filhos dos lavradores à lavoura e criticando o excessivo número e baixa condição social dos vassalos del-rei. Vai ao seu encontro a voz que na Farsa dos Almocreves[22] apregoa:

Cedo não ha de haver villãos;

todos d’ElRei, todos d’ElRei.

Por sua vez aqueles que de entre os camponeses, artesãos ou pescadores rumaram na aventura da empresa ultramarina, visavam, como todos os demais, a riqueza fácil da pilhagem e a miragem da ostentação, não pensando num investimento lucrativo, tal qual o Marido do Auto da Índia,[23] que contava:

Fomos ao rio de Meca

pelejamos e roubamos

[…]

se não fora o capitão,

eu trouxera a meu quinhão

hum milhão vos certifico.

Sorte outra poderiam ter tido os excluídos, marginais e degradados que ajudaram a defender a costa marroquina ou a povoar as ilhas atlânticas, a par de tantos colonos que se repartiram pelos diversos arquipélagos como depois pelo Brasil. Mas essa já é uma história por dentro de outros espaços.

A riqueza, vinda do continente africano, como depois da Índia, não serviu para melhorar as condições de vida da maior parte da população. Acentuou, pelo contrário, ainda mais as clivagens estamentais e interestamentais. E como não foi investida no reino, mas sim redistribuída, a partir de Lisboa, pela Europa, serviu apenas, momentaneamente, para restabelecer as finanças do Estado, para que boa moeda de ouro e prata fosse cunhada, para que o prestígio régio se firmasse além-fronteiras.

João II, o rei do ouro, ostenta a sua riqueza no cerimonial da corte e das cortes, nas bodas e festejos. D. Manuel deslumbra a Respublica Christiana, pela riqueza e exotismo, na embaixada que envia ao papa Leão X, em 1514. E projecta-se em memória descobridora, por entre símbolos do mar e da soberania, nesse estilo próprio de que são jóias o gracioso baluarte e padrão da Torre de Belém e o imponente Mosteiro dos Jerónimos.

A riqueza alimentou a corrupção, o consumo e o luxo da corte e estimulou os canis redistribuidores, tornando-os em simples intermediários, dependentes parcialmente e outros países, como Holanda, França e Inglaterra. A riqueza não foi investida na manufactura, nem tão-pouco na melhoria das técnicas e exploração agrícola. Apenas alguns lucros foram aplicados, não na metrópole, mas sim na periferia – primeiro nas ilhas e depois no Brasil. Logo, a reexportação da riqueza não incorporava o trabalho nacional e o não investimento no centro conduziu ao autobloqueio. Quadro que não deixou de se ver ainda mais agravado pela descapitalização interna, ocasionada pela fuga dos cristãos-novos perseguidos pela Inquisição, definitivamente instalada em 1536, que então buscaram e revitalizaram outras paragens, como a nossa feitoria de Antuérpia.

Com D.João III já foi preciso abdicar das praças marroquinas para sustentar o Oriente e encetar a política de colonização brasileira. Para algum tempo depois, mais drasticamente, o reino se submeter a políticas outras de directivas estranhas.

Destinos já adivinhados por Camões e transpostos para a imprecação do Velho do Restelo:[24]

Ó glória de mandar, ó vã cobiça

Desta vaidade, a quem chamamos Fama!

[…]

A que novos desastres determinas

De levar estes Reinos e esta gente?

[…]

Deixas criar às portas o inimigo,

Por ires buscar outro de tão longe,

Por quem se despovoe o Reino antigo,

Se enfraqueça e se vá deitando a longe!

A redenção de toda esta empresa descobridora estaria então na humanidade e justiça social a promover entre os homens. Depois do mito, a utopia. Dominada a cobiça, a ambição e a tirania, Camões aconselha aos vencedores:[25]

Ou dai na paz as leis iguais, constantes,

que aos grandes nào dem o dos pequenos,

[…]

Fareis os Reinos grandes e possantes,

E todos tereis mais e nenhum menos.

Se este humanismo é utópico, foi real, sem dúvida, o melhor conhecimento dos homens e do mundo que as descobertas permitiram, abrindo-se as ciências, letras e artes ao sentido universalista, empirista e renovador que atravessou a cultura portuguesa de Quinhentos.

E para terminar retornemos, como no início, aos versos pessoanos;[26]

Cumpriu-se o Mar, e o Imperio se aesfez.

Versos que se fecham no doloroso grito:

Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Hoje, em 1998, galgadas que foram várias décadas, alcançadas que foram algumas vitórias, reconhecidos que foram certos direitos básicos dos homens, cremos que, bem realisticamente, poderemos afirmar – Portugal está a cumprir-se. E a cumprirem-se por si mesmos, e com ele, tantos outros pedaços do antigo Império, hoje Estados soberanos. Como este do Brasil. Como os muitos de África. Entrelaçados, hoje, num reviver de utopias outras, numa comunidade de lusofonia.

NOTAS

  1. Fernando PESSOA, Mensagem, Lisboa, Clássica, 1985, p. 26.
  2. Idem, ibidem, p. 44.
  3. Assumimos este trabalho como uma síntese de diversas obras, mais gerais ou especializadas, de vários autores. Sobre o governo dionisino vejam-se os mais recentes trabalhos: José MATTOSO (dir.), História de Portugal, vol II; J. MATTOSO (coord.), A monarquia feudal (1096-1480), Lisboa, Editorial Estampa, 1993; Joel SERRÃO e A. H. de Oliveira MARQUES (dir.), Nova história de Portugal, vol. III; Maria Helena da Cruz COELHO e Armando Luís de Carvalho HOMEM (coord.),Portugal em definição de fronteiras. Do Condado Portucalense ã crise do século XIV, Lisboa, Editorial Presença, 1996.
  4. Agradecemos esta informação, constante da sua tese de doutoramento, a ser defendida em breve, à mestre Maria da Conceição Falcão Ferreira.
  5. Sobre toda esta ambiência social, além das Histórias de Portugal já citadas, vejam se os nossos estudos, “O peso dos privilegiados em Portugal”, em Actas do Congresso Internacional de História “El Tratado de Tordesillasysu época”, Madrid, 1995, vol. I, pp. 291-314; “O social: do vivido ao representado em cortes”, em Actas dos Segundos Cursos Internacionais de Verão de Cascais, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 1996, vol. 2, pp. 15-44; “·Estado e sociedades urbanas”, a publicar nas Actas do Ciclo de Conferências sobre “a gênese do Estado Moderno,; “Clivagens e equilíbrios da sociedade portuguesa quatrocentista”, a publicar na revista Tempo da Universidade Federal Fluminense.
  6. No que concerne à evolução do poder régio ao longo dos séculos medievais, leia se Maria Helena da Cruz COELHO, “O poder na Idade Média: um relacionamento de poderes”, em Luís Buno Espinha da SILVEIRA (coord. e prefácio), Poder central, poder regional, poder local. Uma perspectiva histórica, Lisboa, Cosmos, 1997, pp. 25-46.
  7. No que respeita à ambiência sociocultural deste período, leia-se o nosso estudo “Portugal na época dos Descobrimentos”, sep da Revista de História das Ideias, Coimbra, Faculdade de Letras, 1992, vol. 14, pp. 7-21.
  8. Este pensar e conhecer o mar estão muito bem, e condensadamente expostos, no artigo de Luís Adão da FONSECA, “A memória dos Descobrimentos, hoje”, Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, Lisboa-Paris, 1995, vol. 34, pp. 121-9.
  9. A análise da viabilização geopolítica do reino de Portugal, por entre acções e diplomacia, é o objecto de estudo da obra de Jorge Borges de MACEDO, História diplomática portuguesa. Constantes e linhas de força. Estudo de Geopolítica, Lisboa, Instituto da Defesa Nacional, 1987.
  10. No que às motivações, ideologia e repercussões dos descobrimentos e expansão ultramarina se refere, torna-se imprescindível a consulta da obra de Vitorino Magalhães Godinho, Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar. Séculos XIII-XVIII, Lisboa, Difel, 1990, que condensa muitos dos seus anteriores estudos.
  11. Sobre o povoamento açoreano leia-se Maria Helena da Cruz COELHO, “O Portugal quatrocentista – um reino de onde partiram povoadores para os Açores”, Revista Portuguesa de História, Coimbra, 1996, t. XXXI, vol. 1, pp. 99-130.
  12. Quanto ao Tratado de Tordesilhas, incluindo a publicação do mesmo, leia-se Luís Adão da FONSECA, O Tratado de Tordesilhas e a diplomacia luso-castelhana no século XV (leitura paleográfica de Maria Cristina Cunha), Lisboa, Inapa, 1991. Acresce que sobre este tema se realizou o Congresso Internacional de História “El Tratado de Tordesillàs y su época”, em 1994, de que saíram três volumes de Actas, em 1995. Também sobre o assunto apresentamos, na Fundação Joaquim Nabuco, num ciclo de conferências e mesas-redondas sobre o Tratado de Tordesilhas, realizado em Outubro de 1994, a conferência “A delimitação de Portugal em tratados – O Tratado de Tordesilhas”, agora publicada em Manoel Correia de ANDRADE (org.), Tordesilhas. Um marco geopolítico, Recife, Fundação Joaquim Nabuco-Massangana, 1997, pp. 49-76.
  13. A obra mais recente sobre este tema é a de Luís Adão da FONSECA, Vasco da Gama. O homem, a viagem, a época, Lisboa, Expo. 98, 1997.
  14. Gil VICENTE, Obras completas, prefácio e notas do prof. Marques Braga, Lisboa, Sá da Costa, 1942, vol. II, pp. 70-2.
  15. Idem, ibidem, p. 73.
  16. Idem, ibidem, vol. IV, p. 117.
  17. Idem, ibidem, p. 122.
  18. Evelina VERDELHO, Livro das obras de Garcia de Resende, Coimbra, Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 561.
  19. Gil VICENTE, Obras completas, vol. V, p. 333.
  20. Assim os refere o Livro 10 das Vereações do Porto, estudado na dissertação de mestrado de Maria de Fátima Pereira Machado, “O Porto de D. Manuel a D. João III (1518- 1530)”, Porto, Faculdade de Letras, 1997, pp. 90-1, 94 e 97.
  21. Gil VICENTE, Obras completas, vol. II, pp. 93-4.
  22. Idem, ibidem, vol. IV, p. 346.
  23. Idem, ibidem, vol. V, pp. 114-5.
  24. Luís de CAMÕES, Os Lusíadas, canto IV, estrofes 95, 97 e 101.
  25. Idem, ibidem, canto IX, estrofe 94.
  26. Fernando PESSOA, Mensagem, p. 51, ao terminar o retrato de O infante.

    Tags

  • abertura marítima
  • Açores e costa africana
  • aumento das clivagens sociais
  • Bartolomeu Dias
  • Camões
  • Casa de Bragança
  • Castela
  • clérigos e nobreza
  • comércio exterior
  • conquista de Ceuta
  • Cristóvão Colombo
  • D. Dinis
  • D. João
  • D. Manuel
  • Escola de Sagres
  • Fernando Pessoa
  • formação do Estado
  • Gil Eanes
  • Gil Vicente
  • idade de ouro
  • Infante d. Henrique
  • língua oficial
  • Lisboa
  • luxo e corrupção da corte
  • Madeira
  • mercadores
  • Mestre de Avis
  • muçulmanos
  • navegação europeia
  • Ordem de Cristo
  • Pedro Álvares Cabral
  • perseguição dos cristãos-novos
  • Peste Negra
  • pobreza no campo
  • Portugal
  • riquezas não investidas no reino
  • Sá de Miranda
  • Tratado de Tordesilhas
  • Vasco da Gama