1992

O eterno retorno do mesmo: tese cosmológica ou imperativo ético?

por Scarlett Marton

Resumo

No quadro pensamento de nietzschiano, a ideia de eterno retorno opera num duplo registro; diz respeito às investigações éticas e às teses cosmológicas. Partindo do princípio de conservação da força, Nietzsche concebe o tempo como eterno. Finitas são as forças, finito é o número de combinações entre elas, infinito é o tempo. Logo, todos as combinações tendem a ser repetir.

Referindo-se ao mundo, a teoria o eterno retorno do mesmo afirma que tudo já existiu e tudo voltará a existir; cada instante retorna um número infinito de vezes e traz em si a marca da eternidade. Como doutrina, o eterno retorno fornece um imperativo para a ação: “a tarefa consiste em viver de tal maneira que devas desejar viver de novo – tu viverás de novo de qualquer modo!”.

É inevitável que a existência, tal como ela é se repita; é imprescindível que homem, não possuindo outra vida além dessa a afirme. Grande crítico do Iluminismo, Nietzsche afirma que, ao estimular o “espirito de rebanho”, o Iluminismo tornou-se a arma dos ressentidos. Aterrorizante, o pensamento do eterno retorno aponta a falta de sentido de todas as coisas; corretivo, descarta uma grande quantidade de mundos hipotéticos; liberador, alivia o fardo das esperanças vãs. Em vez de esperar que um poder transcendente justifique o mundo, o homem tem que dar sentido à própria vida; em vez de aguardar que venham redimi-lo, deve amar cada instante como ele é. Contra o ressentimento, é preciso lembrar que não há vida eterna; esta vida é eterna.

Os filósofos supuseram que a medida era o homem; Nietzsche entende que o mundo é a medida. Destronado, o homem deixa de ser um sujeito perante a realidade para tornar-se parte do mundo. O eterno retorno acaba, assim, com a primazia da subjetividade.


E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência — e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez — e tu com ela, poeirinha da poeira!” — Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!”.

Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?[1]

Assim escreve Nietzsche na Gaia ciência. É na forma de um desafio que introduz, em sua obra, a ideia do eterno retorno. A bem da verdade, a ela já faz referência nos escritos de 1873 sobre A filosofia na época trágica dos gregos. Ao reescrever a história da pré-socrática, é em Heráclito que julga encontrá-la. A seu ver, concebendo o mundo enquanto criação e destruição permanentes, o pré-socrático entenderia que ele sucumbe periodicamente para ressurgir sempre o mesmo — e, desse modo, a conflagração geral colocaria em pauta a repetição.[2] Então, historiador da filosofia, Nietzsche atribui a Heráclito o que veio a constituir uma tese estoica.[3] À ideia do eterno retorno ele se refere, ainda uma vez, na Segunda consideração extemporânea. Ao examinar diferentes tipos de historiografia, pretende vê-la no que chama de “história monumental”. No seu entender, mostrando ao homem de ação que a grandeza do passado ainda é possível, porque já foi real, a “história monumental” poderia fazê-lo crer que os acontecimentos se repetem com exatidão — o que só seria viável “se os pitagóricos tivessem razão em acreditar que, quando ocorre a mesma constelação dos corpos celestes, também sobre a Terra tem de se repetir o mesmo, e isso até os mínimos pormenores”.[4] Então, crítico da historiografia, Nietzsche atribui aos pitagóricos o que foi uma noção da astrologia caldeia.[5] Se menciona com algum interesse a ideia no quadro do pensamento heraclitiano, dela trata de forma irônica e até cética ao criticar a “história monumental”. Em ambas as passagens, porém, enquanto historiador da filosofia ou crítico da historiografia, não chega a desenvolvê-la nem sequer a enfatizá-la.

É de outra maneira que, na Gaia ciência, o filósofo lida com o eterno retorno. Ao enunciar o que ele mesmo pensa a respeito, toca em dois pontos que se tornarão recorrentes em seus textos: a repetição dos acontecimentos (“cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar”) e o movimento circular em que a mesma série de eventos ocorre (“e tudo na mesma ordem e sequência”). Se estes aspectos se revelarão essenciais em sua doutrina, ele aqui parece enfatizar outro ponto: “o mais pesado dos pesos”, que dá título ao aforismo, diz respeito às consequências psicológicas que o pensamento do eterno retorno pode acarretar. Afinal, o que ele provocaria em nós? Constituiria motivo de júbilo ou razão de desespero? Diante dele, como nos comportaríamos? Nós nos lançaríamos ao chão e rangeríamos os dentes? Ou abençoaríamos como portador da boa nova quem dele nos falasse? Mas qualquer atitude que viéssemos a adotar não nos libertaria do fardo que, desde então, pesaria sobre nosso agir. Nem a aceitação nem a recusa desse “pensamento abissal” poderia poupar-nos de seu impacto sobre nós. Se por ele nos deixássemos impregnar, seríamos a cada instante perseguidos por esta pergunta: “Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?”. Contudo — tranquilizemo-nos —, quando apresenta sua concepção, Nietzsche recorre à forma condicional (“e se um dia ou uma noite”).

A formulação hipotética, que se depara nesse aforismo, talvez nos levasse a sublinhar o significado da doutrina nietzschiana do eterno retorno no contexto da experiência humana.[6] Houve quem a encarasse como a maneira pela qual os seres humanos lidam com o passado. Tendo efeito purificador, deles eliminaria o ressentimento e o ascetismo, deles extirparia tudo o que fosse doentio. Os que experienciassem e entendessem a doutrina sofreriam tal mudança que se sentiriam completamente transfigurados.[7] Houve quem acreditasse que ela consistia num teste psicoespiritual para avaliar nossas atitudes e sentimentos em relação à nossa própria vida. Querer a repetição eterna de todas as coisas implicaria não só viver de novo o que se escolheu, mas ter de viver outra vez o que não se quis. A doutrina poderia, pois, provocar profunda transformação no indivíduo que a aceitasse.[8] Houve, também, quem a aproximasse do “conhece-te a ti mesmo”; o demônio que, impertinente, se põe a falar do eterno retorno lembraria o daimon socrático. Ensinada por Zaratustra a um grupo seleto, essa doutrina esotérica demandaria preparação prévia dos ouvintes. Mais próxima da autorreflexão de Sócrates que da cosmologia de Platão, ela se justificaria pelo efeito que a crença no eterno retorno deveria produzir sobre nossa experiência.[9] Houve ainda quem a julgasse a expressão de uma orientação fundamental diante da vida. Insistindo em focalizar o presente, a doutrina exerceria poderosa influência sobre nossa conduta. Aceita pela fé e não pela prova, expressaria as implicações da afirmação trágica da vida em face do aspecto temporal da experiência humana.[10] Houve, enfim, quem a concebesse como a representação de uma posição particular perante a vida. Sua veracidade real ou possível desempenharia, apenas, um papel heurístico. Exemplificando a atitude necessária para superar o niilismo, a atitude que se opõe à decadência e ao declínio, a doutrina exprimiria a afirmação da vida ascendente.[11]

Tomando o pensamento do eterno retorno como meio de purificação, prova de coragem, exercício de introspecção, guia de conduta ou “imperativo existencial”, os comentadores, que adotam essa linha interpretativa, põem-se de acordo quanto a este ponto: o foco da doutrina nietzschiana reside nas questões existenciais — e não nas científicas. Não se preocupam, por isso mesmo, em discutir se ela é verdadeira ou falsa; preferem inscrevê-la no registro da crença e da fé ou, quando muito, atribuir-lhe caráter heurístico. Sustentam, todos eles, que não se coloca como uma teoria física ou empírica e tampouco como uma tese metafísica; defendem, vários deles, que constitui uma concepção experimental.

Não é, sem dúvida, enquanto tese que a ideia do eterno retorno surge na Gaia ciência — mas como experimento do pensamento. Com isso, não entendemos, porém, que o caráter experimental da doutrina se deva ao fato de ter ela causado impacto sobre o próprio autor — como querem alguns — ou de ter ele sentido necessidade de incluí-la reflexivamente em sua própria vida — como pretendem outros. Mais do que problema psicológico ou questão existencial, em Nietzsche, o experimentalismo é opção filosófica. Ao colocar um problema em seus múltiplos aspectos, abordar uma questão a partir de vários ângulos, tratar de um tema adotando diversos pontos de vista, o filósofo está a fazer experimentos com o pensar. Não é por acaso, aliás, que privilegia o estilo aforismático; se perseguir uma ideia é abandonar várias outras pelo caminho, o que é o aforismo se não a possibilidade de perseguir uma ideia partindo de diferentes perspectivas? Adequado ao perspectivismo, o estilo que ele adota põe-se assim a serviço do experimentalismo. Declara:

Uma filosofia experimental, tal como eu a vivo, antecipa experimentalmente até mesmo as possibilidades do niilismo radical; sem querer dizer com isso que ela se detenha em uma negação, no não, em uma vontade de não. Ela quer, em vez disso, atravessar até ao inverso — até a um dionisíaco dizer sim ao mundo, tal como é, sem desconto, exceção e seleção.

E conclui: “quer o eterno curso circular: — as mesmas coisas, a mesma lógica e ilógica do encadeamento” [16 (32) da primavera-verão de 1888].

Se na Gaia ciência é como um desafio que ele introduz a ideia do eterno retorno, aqui é enquanto parte constitutiva de seu projeto filosófico que a apresenta.

Ao caracterizar a própria reflexão como experimental, Nietzsche dispõe-se a explorar o que acredita estar por vir. O niilismo — que constata em sua época — consistiria na total ausência de sentido provocada pelo esboroamento dos valores transcendentes; o niilismo radical — que antecipa — deveria, antes de mais nada, fazer a crítica do fundamento mesmo desses valores. Se a ruína do cristianismo trouxe como consequência a sensação de que “nada tem sentido”, “tudo é em vão”, trata-se agora de mostrar que a visão cristã não é a única interpretação do mundo — é só mais uma. Perniciosa, ela inventou a vida depois da morte para justificar a existência; nefasta, fabricou o reino de Deus para legitimar avaliações humanas. Na tentativa de negar este mundo em que nos achamos, procurou estabelecer a existência de outro, essencial, imutável, eterno; durante século, fez dele a sede e a origem dos valores. É urgente, pois, suprimir o além e voltar-se para a terra; é premente entender que eterna é esta vida tal como a vivemos aqui e agora. Ao revelar a intenção de pôr, “no lugar da metafísica e da religião, a doutrina do eterno retorno” [(8) 9 (8) do outono de 1887], o filósofo deixa claro que a travessia do niilismo deve levar a uma superação. Ela tem de desembocar num gesto afirmativo, num “dionisíaco dizer sim ao mundo”, diz ele — e completa: “ao mundo, tal como é”.

Mas Nietzsche trata do eterno retorno ainda de outro modo. “Não olhar para longínquas e desconhecidas beatitudes, bênçãos e graças”, determina num fragmento póstumo, “mas viver de tal modo que queiramos viver ainda uma vez e queiramos viver assim pela eternidade! — A cada instante nossa tarefa nos reclama” [11 (161) da primavera-outono de 1881]. A forma imperativa, presente neste texto, talvez nos induzisse a ressaltar o aspecto normativo da doutrina nietzschiana.[12] Não foram poucos, aliás, os que tentaram aproximá-la da filosofia prática de Kant. Houve quem defendesse existir uma semelhança profunda entre o eterno retorno e o imperativo categórico. Nem um nem o outro diriam ao homem o que fazer; ambos lhe ordenariam como agir. Consistiriam numa pura forma, cujas possibilidades de realização seriam, quanto ao conteúdo, ilimitadas.[13] Houve também quem argumentasse que tanto o imperativo categórico quanto o eterno retorno exprimiam uma exigência ética: a de o indivíduo submeter todas as suas ações a uma norma. Eles não pregariam um tipo de comportamento determinado nem imporiam um estilo de vida específico. Diriam respeito à forma das ações e não à matéria delas.[14] Houve ainda quem julgasse que, enquanto Kant estendia a ação em latitude, fazendo-a propagar-se numa repetição ilimitada nos membros da sociedade, Nietzsche a ampliava em longitude, fazendo-a repetir‑se numa sucessão infinita em cada ser humano. Essas multiplicações teriam o mesmo fim: dar às ações o seu verdadeiro peso e enfatizar, com isso, a responsabilidade do homem.[15]

Para os comentadores que perseguem essa hipótese interpretativa, o apelo “vive de tal forma que devas querer viver outra vez a mesma vida” lembraria a primeira formulação do imperativo categórico (“age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”). Sustentam, todos eles, que a doutrina nietzschiana do eterno retorno não pretende buscar fundamentação científica nem poderia fazê-lo; defendem, vários deles, que, incitando o homem a agir como se fosse verdadeira, ela constitui uma exortação ética.

Contudo, em outra passagem, Nietzsche afirma:

Minha doutrina diz: a tarefa consiste em viver de tal maneira que devas desejar viver de novo — tu viverás de novo de qualquer modo! Aquele a quem o esforço proporciona o mais alto sentimento, que se esforce; aquele a quem o repouso proporciona o mais alto sentimento, que repouse; aquele a quem integrar-se, seguir, obedecer proporciona o mais alto sentimento, que obedeça. Possa ele tornar-se consciente do que lhe proporciona o mais alto sentimento e não recuar diante de nenhum meio! A eternidade está em jogo! [11 (163) da primavera-outono de 1881].

Aparente, a proximidade entre a admoestação nietzschiana e o imperativo kantiano deixa de ter pertinência. Enquanto Kant espera subsumir os juízos acerca das ações individuais numa lei moral racional, Nietzsche quer apontar o caráter singular e irrecuperável de cada ação. Se o primeiro coloca acima de circunstâncias particulares e vantagens passageiras a máxima que o homem deve seguir nas suas ações, o último a faz depender de situações conjunturais e subordinar-se a interesses específicos. Para um, é a razão, enquanto faculdade do universal, que comanda imperativamente, obriga incondicionalmente a vontade do homem; para o outro, são os pensamentos, sentimentos e impulsos que lhe impõem o que fazer.

Ao falar do eterno retorno, Nietzsche é incisivo: “a tarefa consiste em viver de tal maneira que devas desejar viver de novo — tu viverás de novo de qualquer modo!”. Por um lado, ele fornece um imperativo para a ação: o de só querermos algo de forma a também querermos que retorne sem cessar; por outro, assegura que, queiramos ou não, tudo retornará sem cessar. À advertência sobre a conduta humana, justapõe uma visão determinista. Em seus textos, parece oscilar entre conceber o eterno retorno como a superação do niilismo e entendê-lo como um “dionisíaco dizer sim ao mundo, tal como é”; parece hesitar entre encará-lo como “uma tentativa de transvaloração de todos os valores” e considerá-lo “a mais científica de todas as hipóteses possíveis”.[16]

É justamente enquanto hipótese cosmológica que, nos fragmentos póstumos, o filósofo apresenta sua doutrina. Escreve:

Se o mundo pode ser pensado como grandeza determinada de força e como número determinado de centros de força — e toda outra representação permanece indeterminada e consequentemente inutilizável —, disso se segue que ele tem de passar por um número calculável de combinações, no grande jogo de dados de sua existência. Em um tempo infinito, cada combinação possível estaria alguma vez alcançada; mais ainda: estaria alcançada infinitas vezes. E como entre cada combinação e seu próximo retorno todas as combinações ainda possíveis teriam de estar transcorridas e cada uma dessas combinações condiciona a sequência inteira das combinações da mesma série, com isso estaria provado um curso circular de séries absolutamente idênticas: o mundo como curso circular que infinitas vezes já se repetiu e que joga seu jogo in infinitum [14 (188) da primavera de 1888].

Aparentemente, é em linguagem física que o autor traduz, nessa passagem, as ideias já presentes na Gaia ciência. Se lá ele supunha que a repetição dos acontecimentos e o movimento circular da mesma série de eventos se davam no nível empírico, aqui pensa que ocorrem no nível cósmico. Se então acreditava que diziam respeito à existência de cada indivíduo, agora julga que têm a ver com o mundo enquanto um todo.

Ao expor a versão cosmológica de sua doutrina, Nietzsche parte, basicamente, de duas ideias: a força é finita e o tempo, infinito.[17] Assumindo-as como premissas, não chega a prová-las; na verdade, nem teria como fazê-lo. Se, por vezes, argumenta a favor delas, é para mostrar que não se poderia defender o contrário ou deixar de sustentar o que afirmam. Tanto é assim que declara: “a dimensão da força do universo é determinada e não ‘infinita’; guardemo-nos de tais aberrações conceituais”! [11 (202) da primavera-outono de 1881] — ou então: “nada me pode impedir de, calculando deste instante para trás, dizer ‘nunca chegarei ao fim’: assim como posso calcular do mesmo instante para a frente, ao infinito” [14 (188) da primavera de 1888]. Por um lado, partindo deste momento, seria possível avançar ou recuar no tempo sem jamais encontrar um termo; o tempo não teve início nem terá fim. Por outro, tudo o que existe — seja natureza inerte ou vida orgânica — é constituído por forças, todas elas finitas; o mundo não se torna maior nem menor.

No contexto das preocupações cosmológicas de Nietzsche, a doutrina do eterno retorno aparece estreitamente vinculada à teoria das forças e ao conceito de vontade de potência.[18] Quando trata do mundo, o filósofo sempre postula a existência de uma pluralidade de forças presentes em toda parte. A força só existe no plural: não é em si, mas na relação com outras; não é algo, mas um agir sobre. Não se pode dizer, pois, que ela produz efeitos nem que se desencadeia a partir de algo que a impulsiona; isso implicaria distingui-la de suas manifestações e enquadrá-la nos parâmetros da causalidade. Tampouco se pode dizer que a ela seria facultado não se exercer; isso importaria atribuir-lhe intencionalidade e enredá-la nas malhas do antropomorfismo. A força simplesmente se efetiva, melhor ainda, é um efetivar-se. Agindo sobre outras e resistindo a outras mais, ela tende a exercer-se o quanto pode, quer estender-se até o limite, manifestando um querer-vir-a-ser-mais-forte, irradiando uma vontade de potência. “Toda força motora é vontade de potência, não existe fora dela nenhuma força física, dinâmica ou psíquica” [14 (121) da primavera de 1888]. A vontade de potência aparece assim como explicitação do caráter intrínseco da força. Querendo-vir‑a-ser-mais-forte, a força esbarra em outras, que lhe opõem resistência, mas o obstáculo constitui um estímulo. Inevitável, trava-se a luta — por mais potência. Não há objetivos a atingir; por isso, ela não admite trégua nem prevê termo. Insaciável, continua a exercer-se a vontade de potência. Não há finalidades a realizar; por isso, ela é desprovida de caráter teleológico. A cada momento, as forças relacionam-se de modo diferente, dispõem-se de outra maneira; a todo instante, o combate entre elas faz surgir novas forças, outras configurações.[19]

Admitindo que a soma das forças permanece constante no mundo, Nietzsche postula que, embora múltiplas, elas são finitas. Num tempo infinito, só haveria, então, duas possibilidades: ou o mundo atingiria um estado de equilíbrio durável ou os estados por que ele passasse se repetiriam. Esclarece o filósofo:

Se o mundo pudesse enrijecer, secar, morrer, tornar-se nada, ou se pudesse alcançar um estado de equilíbrio, ou se tivesse em geral algum alvo que encerrasse em si a duração, a inalterabilidade, o de uma vez por todas (em suma, dito metafisicamente: se o vir a ser pudesse desembocar no ser ou no nada), esse estado teria de estar alcançado. Mas não está alcançado: de onde se segue… [14 (188) da primavera de 1888].

Dadas as suas concepções cosmológicas, ele não pode aceitar que o mundo chegue a um estado final. O caráter essencialmente dinâmico da força impede que ela não se exerça; seu querer-vir‑a-ser-mais-forte impede que cesse o combate. A vontade de potência, impulso de apropriar e dominar, leva a força a querer prevalecer na relação com as demais; atuando em todas elas, desencadeia uma luta geral e permanente. Em suma, se o mundo tivesse algum objetivo, já o teria atingido; se tivesse alguma finalidade, já a teria realizado.

Nietzsche pergunta:

Mas qual é então a proposição e crença com a qual se formula com a máxima determinação a conversão decisiva, a preponderância agora alcançada do espírito científico sobre o espírito religioso, criador de deuses fictícios? Não é: o mundo, como força, não pode ser pensado ilimitado, pois não é possível pensá-lo assim? — proibimo-nos o conceito de uma força infinita, por ser incompatível com o conceito “força”. Portanto, falta também ao mundo a faculdade da eterna novidade.[20]

Finito, mas eterno: é o quanto basta para formular a doutrina do eterno retorno. Todos os dados são conhecidos: finitas são as forças, finito é o número de combinações entre elas, mas o mundo é eterno. Daí se segue que tudo já existiu e tudo tornará a existir. Se o número dos estados por que passa o mundo é finito e se o tempo é infinito, todos os estados que hão de ocorrer no futuro já ocorreram no passado. Resulta que “o princípio da conservação de energia exige o eterno retorno” [5 (54) do verão de 1886-outono de 1887]. É a partir desse princípio que o filósofo se propõe a criticar a ideia de entropia; é justamente a partir da primeira lei da termodinâmica que espera refutar a segunda.[21]

Também a doutrina nietzschiana do eterno retorno parece prestar-se a refutações. Uma das mais conhecidas tenta provar que, do ponto de vista matemático, ela é insustentável. Mesmo que se aceite que o processo do mundo se desenrola num tempo infinito entre elementos finitos, não se demonstra, com isso, que todas as combinações produzidas por esses elementos têm de repetir-se. Há, pelos menos, uma que exclui essa possibilidade. Supondo-se três anéis superpostos, circulares e concêntricos com o mesmo diâmetro, sendo que cada anel está marcado num ponto de sua circunferência e os pontos alinhados por um fio vertical imaginário, se girarem com as velocidades específicas de n, 2n e 3n não voltarão ao estado inicial de alinhamento; essa configuração nunca se repetirá.[22] Ora, Nietzsche poderia retrucar que o espaço idealizado, que a demonstração pressupõe, não passa de ficção. Diria, talvez, que só existem forças agindo e resistindo umas em relação às outras, forças que não preenchem o espaço mas o constituem. Acrescentaria que o mundo se apresenta “como força determinada posta em um determinado espaço, e não em um espaço que em alguma parte estivesse ‘vazio’, mas antes como força por toda parte” [38 (12) de jun.-jul. 1885].

Deixemos de lado as refutações matemáticas e até físicas a que se presta a doutrina nietzschiana; não teríamos como avaliá‑las. Examinemos, mais de perto, suas incongruências internas. Ao que parece, não há vínculos estreitos entre seus pontos fundamentais: a repetição dos acontecimentos e o movimento circular em que a mesma série de eventos ocorre. Sublinhando-se o primeiro, nada impediria que, por um processo fortuito, as forças constitutivas do mundo viessem a combinar-se de tal forma que as configurações voltassem a ocorrer; seriam regidas pelo acaso. Realçando-se o último, seria preciso que as forças se combinassem numa sequência bem definida, para que todas as configurações se repetissem; estariam sujeitas a uma ordem rigorosa. Se o filósofo menciona “o grande jogo de dados” da existência do mundo, afirma, também, que tudo acontece “na mesma ordem e sequência”. Talvez se refira a um jogo de cartas marcadas ou de dados viciados.

As dificuldades, todavia, permanecem. Da ideia de que “em um tempo infinito, cada combinação possível estaria alguma vez alcançada; mais ainda: estaria alcançada infinitas vezes” não se segue necessariamente que “entre cada combinação e seu próximo retorno todas as combinações ainda possíveis teriam de estar transcorridas” e, tampouco, que “cada uma das combinações condiciona a sequência inteira das combinações da mesma série”. Da repetição dos acontecimentos não se pode deduzir o movimento circular em que a mesma série de eventos ocorre; não se deduz que uma configuração só retorna depois de finda toda a série e, menos ainda, que cada configuração determina a seguinte. Sem fornecer justificação alguma, Nietzsche faz as duas afirmações. Pressupondo que a sequência de eventos se caracteriza por uma relação condicionante, entende que cada estado do mundo, num determinado momento, define o próximo e assim, indiretamente, o ciclo inteiro. “Com isto”, conclui, “estaria provado um curso circular de séries absolutamente idênticas.”

Como conciliar, então, o estrito determinismo que ele postula na visão cosmológica do eterno retorno e o impacto que espera causar com esse “pensamento abissal”? Se ressaltamos o aspecto normativo da doutrina, o fato de ela ser ou não verdadeira não vai alterar nossa conduta; se salientamos o seu significado no contexto da experiência humana, pouco importa sua veracidade. Mas, se assinalamos que é uma hipótese científica, então não mais poderá afetar nosso comportamento; se apontamos que tem caráter descritivo, já não nos dirá respeito. Quando acentuamos as supostas consequências psicológicas que ela acarreta — seja sustentando que constitui uma exortação ética ou defendendo que seu foco reside nas questões existenciais —, somos obrigados a descartar a dimensão cosmológica; quando destacamos que é, também, “a nova concepção do mundo”,[23] somos forçados a ignorar a profunda impressão que deve provocar em nós.

Na tentativa de resolver o problema, não foram poucos os que, atentos às consequências psicológicas da doutrina, insistiram no caráter fictício que o filósofo atribuiria ao conhecimento científico. Houve quem sustentasse que, se ele tentou encontrar na ciência confirmação para a ideia do eterno retorno, nem por isso deixou de julgar que, como qualquer lei científica, ela não passava de convenção.[24] Houve também quem afirmasse que, dada a sua concepção de ciência, Nietzsche entendeu que a doutrina não só era provisória, experimental e hipotética, mas ficcional.[25] Houve até quem acreditasse que ele tenha sido levado, ao tratar delas, a recorrer a metáforas científicas por viver num meio dominado pelo cientificismo.[26] Houve, enfim, quem argumentasse que, se o filósofo buscava verificação “científica”, era porque supunha que as teorias e métodos das ciências retomavam as crenças da humanidade. De outro modo, como explicar que ele considerasse o eterno retorno uma teoria física verdadeira e defendesse o perspectivismo?[27]

Não há dúvida de que Nietzsche denuncia a ciência como “a forma mais jovem e mais nobre do ideal ascético” e critica a concepção da verdade enquanto adequação com que ela trabalharia. Afirma, em contrapartida, que o conhecimento científico possui caráter instrumental e, nesse âmbito, a verdade se define por sua eficácia. Mas jamais confunde o perspectivismo com relativismo; entende que ele, também, se inscreve num registro cosmológico. É preciso levar em conta, adverte, “o perspectivismo necessário mediante o qual cada centro de forças — e não unicamente o homem — constrói a partir de si mesmo todo o resto do mundo, isto é, mede segundo sua força, tateia, dá forma…” [14 (186) da primavera de 1888]. Uma configuração de forças tem em relação a tudo o mais sua maneira de apreciar, de agir e reagir. Da sua perspectiva, ela organiza o mundo. É impossível impedir que procure impor sua interpretação ao que a cerca; no fim das contas, a vontade de potência é impulso de apropriar e dominar. É igualmente impossível evitar que se defronte com as demais interpretações; afinal, a luta não admite trégua nem prevê termo. Ao conceber o mundo como campos de força instáveis em permanente tensão, o filósofo acaba por ressaltar seu traço perspectivista. Se admite que suas teses cosmológicas constituem uma interpretação, por certo, não as considera apenas mais uma. Entende que vontade de potência e pluralidade de forças são conceitos com valor cognitivo; foram elaborados a partir de uma perspectiva determinada, mas esta é privilegiada, porque manifesta o perspectivismo inscrito no mundo.

Defender o perspectivismo não inviabiliza o seu projeto; ao contrário, vem reforçá-lo. Sendo o mundo um conjunto de relações, só se pode apreendê-lo assumindo-se pontos de vista em harmonia com as espécies de relações que o constituem, adotando-se perspectivas em sintonia com elas. Dentre as interpretações humanas, algumas seriam mais abrangentes e penetrantes e outras, mais estreitas e superficiais. Estas acabariam por restringir-se a um único ponto de vista; aquelas, incorporando diferentes perspectivas, dariam conta de um número maior de aspectos. É por isso que Nietzsche não despreza a contribuição que as ciências têm a oferecer. Pretende discutir as questões candentes que elas então se colocam; quer tomar parte nos debates científicos de sua época.

Com a teoria das forças, ele descarta o atomismo moderno e faz a opção pela energética. Com a doutrina do eterno retorno, posiciona-se contra o mecanicismo e a segunda lei da termodinâmica. Não é por acaso que concebe o mundo como pleno vir-a-ser: a cada mudança se segue outra, a cada estado atingido se sucede outro.

Se [o mundo] fosse em geral apto a um perseverar, tornar-se rígido, apto a um “ser”, se em todo o seu vir-a-ser tivesse apenas por um único instante essa aptidão ao “ser”, mais uma vez, há muito teria terminado todo vir-a-ser, e portanto também todo pensar, todo “espírito” [36 (15) de jun.-jul. 1885].

Nada é senão vir-a-ser; o mundo não teve início nem terá fim. Supor que tenha sido criado implica tomá-lo como efeito da atuação da vontade de potência, como resultado do efetivar-se da força ou, então, vê-lo como produto de um poder transcendente que o fez surgir ex nihilo. Neste caso, lança-se mão da teologia; naquele, apela-se para a explicação mecanicista. Contra ambas, deve-se encarar o mundo como eterno. Não houve momento inicial, pois à vontade de potência não se pode atribuir nenhuma intencionalidade; tampouco haverá instante final, pois a ela não se deve conferir caráter teleológico algum. Pluralidade de forças, o mundo não se confunde com o caos nem constitui um sistema. Totalidade interconectada de quanta dinâmicos, é um processo — e não uma estrutura estável; os elementos em causa, inter-relações — e não partículas, átomos, mônadas. E mais: não há substância alguma que garanta sua coesão. Se permanece uno, é porque as forças, múltiplas, estão todas inter-relacionadas. Processo circular que não tem fim, ele se põe

[…] como força por toda parte, como jogo de forças e ondas de força, ao mesmo tempo um e múltiplo, aqui acumulando-se e ao mesmo tempo ali minguando, um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente mudando, eternamente recorrentes, com descomunais anos de retorno [38 (12) de jun.-jul. 1885].

Mas no que se diferenciaria a doutrina nietzschiana? Afinal, a ideia do eterno retorno já se acha nos antigos. Anaximandro e os pitagóricos, Heráclito e Empédocles, Eudemo e os estoicos estavam familiarizados com ela. Brâmanes e budistas, zoroastrianos e zurvanistas encontravam-na nos textos sagrados. Filólogo, Nietzsche conhecia bem os gregos; amigo de Deussen e discípulo de Schopenhauer, teve contato com o budismo; quando professor em Basileia, já se interessava pela literatura védica e pelas religiões persas.[28] Desde seus anos de formação, aliás, acreditou encontrar na antiga Grécia rastros de pensamentos orientais. Se julgava impróprio atribuir aos gregos uma cultura autóctone, tampouco aceitava que tivessem importado a filosofia. Levando adiante o que tomaram de povos vizinhos, desenvolveram um aprendizado fecundo e tornaram-se criadores.[29] Dos antigos o filósofo se afasta quando busca fundamentar sua doutrina nas ciências da natureza; deles se distancia quando procura demonstrá-la recorrendo à física e às matemáticas.

Hoje, é unânime entre os comentadores de Nietzsche a convicção de que o pensamento do eterno retorno, em sua dimensão cosmológica, é pelo menos contestável.[30] Isso talvez não ponha em risco a cosmologia que o filósofo arquiteta enquanto um todo; não desqualifica, por certo, os esforços que faz no sentido de embasá-la cientificamente. Na biologia, ele busca subsídios para elaborar o conceito de vontade de potência; na física, encontra elementos para construir a teoria das forças. Não se pode ignorar o interesse que sempre nutriu pelas ciências da natureza. Muito cedo, iniciou os estudos científicos. Já em 1868, quando de seus trabalhos sobre Demócrito, estava convencido de que o pensamento grego inventara quase todas as hipóteses da ciência moderna e, a partir de 1872, passou a dedicar-se à física geral, à química e à biologia.[31] As ciências naturais e experimentais desempenharam papel relevante em sua filosofia. Na juventude, entrou em contato com as diversas correntes que permeavam a investigação científica da época.[32] E, em 1882, acalentou o projeto de voltar à universidade, em Viena ou Paris, para estudar matemática e física, tendo em vista embasar o eterno retorno.[33] Provavelmente, foram Dühring, Mayer, Boscovich e até Helmholtz que lhe sugeriram o fundamento científico da doutrina.[34]

Quanto à possibilidade lógica do eterno retorno, porém, talvez tenham sido Schopenhauer e Lange os primeiros a lhe fornecer. Na História do materialismo, ao expor a visão de Lucrécio em De rerum natura, Lange faz referência a uma série de mundos possíveis que poderia repetir-se. Quando apresenta o ensaio de 1872 de Louis Blanqui, “L’éternité par les astres, hypothèse astronomique”, menciona que, dado o número constante e finito dos elementos do universo, suas combinações possíveis também deveriam ser finitas. E, discutindo o trabalho de David Strauss, A antiga e a nova fé, refere-se a um processo eterno de criação e destruição do cosmos, que excluiria a ideia de Deus como criador.[35] Em O mundo como vontade e representação, Schopenhauer supõe uma pessoa que, à diferença da maioria, não mais se sente impelida por um querer viver cego e irracional ou pelo medo da morte. Ela possuiria tal coragem que, em troca das alegrias da vida, aceitaria de bom grado todas as penas e tormentos. Não tendo nada a temer, “consentiria em ver sua vida, tal como a viu desenrolar-se, durar sem termo ou em vê-la repetir-se sempre”.[36] Mas, ao compreender que o sofrimento é essencial ao viver, passaria por uma transformação radical. Se fosse sincera e estivesse de posse de todas as suas faculdades, no final da existência, admitiria nunca mais querer viver outra vez e, a isso, preferir até o aniquilamento absoluto.

Nos fragmentos póstumos, Nietzsche parece apropriar-se de várias noções inter-relacionadas presentes na obra de Lange. Ao conceber o mundo como totalidade permanentemente geradora e destruidora de si mesma, entende que não se acha submetido a um poder transcendente. Ao enfatizar o caráter dinâmico das forças, julga que são finitas as suas combinações. Na Gaia ciência, parece assumir as premissas de seu antigo mestre sem aceitar a conclusão a que ele chega. Se também lança como um desafio a ideia de que a existência se repetiria inúmeras vezes, procura dar a ela uma resposta completamente diferente. Acredita que o tipo de pessoa que Schopenhauer imagina poderia conhecer o pior e preservar, ainda, o “amor à vida”. Conjugando esses temas, elabora a doutrina do eterno retorno. Ele mesmo confessa, aliás, deparar “com esse pensamento em pensadores anteriores”. Como pode, então, pretender que, ao escrever Assim falou Zaratustra, lhe tenha vindo “o pensamento que corta em dois a história da humanidade”?[37] Não resta dúvida de que a originalidade, aqui, reside em acoplar os efeitos éticos a uma concepção de mundo. Mesmo que seja insustentável enquanto teoria física, o eterno retorno se mantém por suas consequências no contexto humano. Mas isso não resolve o nosso dilema: o imperativo para a ação, aparentemente, não se coaduna com a visão determinista.

Se aceitamos que o pensamento do eterno retorno é, também, uma concepção do mundo, seremos forçados a admitir que várias vezes já nos encontramos na situação em que nos achamos aqui e agora — e outras tantas mais haveremos de nos encontrar. Quando, no próximo ciclo, eu estiver de novo escrevendo estas palavras, será outra vez março de 1991 da era cristã — e eu não me lembrarei de tê-las escrito antes. O que se repete é o que ocorre de fato — e não o que eventualmente poderia ocorrer. Não são os eventos logicamente possíveis mas os acontecimentos reais que retornam. Mais: o que se repete é a série inteira de acontecimentos — e não um ou outro evento isolado. Não é um período histórico determinado e sim “o grande ano do vir-a-ser” que retorna. Não se trata, pois, da reincidência de padrões ou modelos nem da volta de acontecimentos similares ou simulacros das coisas. Contundente, a doutrina nietzschiana afirma o eterno retorno do mesmo; assevera que este momento que estamos vivendo já se deu e voltará a dar-se um número infinito de vezes exatamente como se dá agora. Em Assim falou Zaratustra, a águia e a serpente, os animais do profeta, põem em sua boca estas palavras:

E se agora quisesse morrer, Zaratustra, nós sabemos também o que dirias a ti mesmo […]

“Agora morro e desapareço”, dirias, “e num instante não serei mais nada. As almas são tão mortais quanto os corpos.

“Mas o nó das causas em que sou tragado retornará — e de novo me criará! Eu próprio faço parte das causas do eterno retorno.

“Retornarei com este sol, com esta terra, com esta águia, com esta serpente — não para uma vida nova, uma vida melhor ou semelhante.

“Retornarei eternamente para esta mesma e idêntica vida, nas coisas maiores e também nas

menores, para ensinar outra vez o eterno retorno de todas as coisas”

[Assim falou Zaratustra, 3a Parte, “O convalescente”, parágrafo 2].

Zaratustra não se lembra de ter sido o mestre do eterno retorno — nem poderia lembrar-se; são seus animais que o advertem a esse respeito. A revelação não lhe chega como reminiscência ou sensação de déjà vu; ela é nova, inesperada, surpreendente até. Para que a doutrina faça sentido, ele tem de admitir que dela já se esqueceu um número infinito de vezes,[38] que já foi tomado por ela nos ciclos anteriores — e voltará a ser nos posteriores. “Tudo vai e passa — tudo volta — e volta até mesmo o ir e passar. Este agora já foi — já foi inúmeras vezes. Esta doutrina ainda nunca foi ensinada. Como? Inúmeras vezes ela já foi ensinada — inúmeras vezes Zaratustra a ensinou” [18 (14) do outono de 1883]. Em sua autobiografia, Nietzsche relata como teve a visão do eterno retorno. Num dia de agosto de 1881, numa das caminhadas habituais pelos Alpes, deteve-se ao lado de um rochedo, em forma de pirâmide, próximo de uma localidade chamada Surlei. Foi lá que lhe veio seu pensamento mais abissal; foi então que ele lhe veio pela primeira vez — neste ciclo cósmico. Não há um único Nietzsche; há um número infinito de Nietzsches, todos eles exatamente idênticos, mas cada um existindo num ponto do tempo.

Na passagem de uma série de acontecimentos a outra, ninguém conte com evolução ou progresso, ninguém suponha alteração ou mudança, ninguém espere sequer continuidade. Nada se mantém — muito menos a memória ou a consciência. Por sua origem biológica, a consciência não passa de “um meio de comunicabilidade”, “um órgão de direção” [cf. (372) 11 (145) de nov. 1887-mar. 1888]. Surgindo da relação do organismo com o mundo exterior, relação que implica ações e reações de parte a parte, ela não constitui — como se supõe — o traço distintivo entre homem e animal. No embate com o meio, os seres vivos — homens e animais — munem-se de órgãos que lhes facilitam a sobrevivência; a consciência é apenas um deles. Por sua proveniência gregária, a memória nada mais é que “um ativo querer-não-mais‑livrar-se”, “um continuar-querendo o que já quis” (cf. Genealogia da moral, 2a Dissertação, parágrafo 1). Ela não corresponde a uma impossibilidade passiva de esquecer o passado, desfazer-se de lembranças, libertar-se de recordações. Ligada às origens da responsabilidade, assegura a cadeia que une o querer ao ato, garante que o indivíduo se torne capaz de prometer. Efêmeras, memória e consciência surgem em determinado momento do ciclo cósmico, duram certo tempo e desaparecem.

A veracidade da doutrina nietzschiana não poderia, pois, alterar nossa experiência; a exortação a agir como se ela fosse verdadeira tampouco poderia influenciar nossa conduta. Hoje não nos lembramos de como agimos nos ciclos prévios; mais: neste momento já nos comportamos do mesmo modo que nos retornos anteriores. Enfim, só podemos viver agora exatamente da maneira pela qual vivemos antes. Por razões ainda ignoradas, Nietzsche parece julgar compatíveis a força persuasiva do pensamento ético e o determinismo da visão cosmológica. Seria possível argumentar que a probabilidade da ideia de que tudo retorna sem cessar favoreceria suas consequências psicológicas; daí, o empenho do autor em prová-la. Ou alegar que, enquanto concepção experimental, ela revela aspectos vários, requer abordagens diversificadas, coloca-se sob uma pluralidade de perspectivas. Ou ainda sugerir que, nos textos, ocupa posições diferentes e tem importância variada. Ou então arriscar que ela se movimenta em diversos níveis simultâneos de significado e persuasão. Ou, enfim, aventurar que é ambivalente e, por isso mesmo, permite múltiplas leituras.[39] Mas talvez ousemos interpretá-la de outro modo e, levando em conta seus dois lados, considerá-la consistente.

Não é nos limites estreitos da história humana que o eterno retorno tem lugar — e sim na infinitude do tempo. Se a memória procura preservar as experiências de uma vida, a história, memória milenar e coletiva, deveria ser depositária das experiências da humanidade. Considerada uma ciência, ela suporia a inteligibilidade dos acontecimentos; encarada como um domínio específico do saber, tentaria criar um mundo conhecido e estável. Mas, comparada aos ciclos cósmicos, o que ela representaria? A essa pergunta o filósofo poderia muito bem responder com uma fábula. Diria ele:

[…] em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer [Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, parágrafo 1].

Revestindo caráter supra-histórico,[40] a doutrina nietzschiana do eterno retorno apresenta-se, de uma só vez, como “a mais extrema forma do niilismo” e “a mais alta forma de aquiescência que se pode atingir”.[41] Contraditórios à primeira vista, os dois aspectos acham-se intimamente ligados. É inevitável que a existência tal como é, sem sentido ou finalidade, se repita; é imprescindível que o homem, não possuindo outra vida além desta, a afirme. Não temos escapatória: estamos condenados a viver inúmeras vezes e, todas elas, sem razão ou objetivo; tudo o que nos resta é aprender a amar o nosso destino. Com o eterno retorno, Nietzsche desautoriza as filosofias que supõem uma teleologia objetiva governando a existência, desabona as teorias científicas que presumem um estado final para o mundo, desacredita as religiões que acenam com futuras recompensas e punições. Recusa a metafísica e o mundo suprassensível, rejeita o mecanicismo e a entropia, repele o cristianismo e a vida depois da morte.

Não é por acaso que ele planeja um livro que teria por título “As novas ‘Luzes’. Prelúdio a uma filosofia do eterno retorno”.[42] Ao estimular o “espírito de rebanho”, o Iluminismo conduziu à democracia e ao nivelamento geral e tornou-se a arma dos ressentidos. O novo Aufklärung deverá mostrar aos fortes que lhes é permitido tudo o que o animal gregário não se sente livre para fazer. Nas mãos de Zaratustra, a ideia do eterno retorno converte-se em “martelo”:[43] permite-lhe desmantelar os velhos ideais de interpretação do mundo, fazendo ver que são inúteis, e demolir os velhos ídolos — o Estado, as instituições, a cultura filisteia, a moral, a religião, as ilusões da filosofia —, mostrando que são incapazes de fornecer um alvo à existência. Em suas mãos, a ideia de que tudo retorna sem cessar transforma-se ainda em princípio seletivo e aprimorador:[44] permite-lhe distinguir os que diante dela sucumbem e os que a ela aderem, paralisando os fracos e fortalecendo os fortes.

Aterrorizante, o pensamento do eterno retorno aponta a falta de sentido de todas as coisas; corretivo, descarta uma grande quantidade de mundos hipotéticos; liberador, alivia o fardo das esperanças vãs. Para suportá-lo, o filósofo fornece alguns meios:

[…] a inversão de todos os valores; não mais o prazer da certeza mas da incerteza; não mais “causa e efeito” mas a criação permanente; não mais vontade de conservação mas de potência; não mais a fórmula humilde “tudo é apenas subjetivo” mas é também nossa obra — orgulhemo-nos disso!” [26 (284) do verão-outono de 1884].

Em vez de esperar que um poder transcendente justifique o mundo, o homem tem de dar sentido à própria vida; em vez de aguardar que venham redimi-lo, deve amar cada instante como ele é. E não há afirmação maior da existência que a afirmação de que tudo retorna sem cessar. Nietzsche declara:

Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati, não querer nada de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo — todo idealismo é mendacidade diante do necessário —, mas amá-lo… [Ecce homo, “Por que sou tão esperto”, parágrafo 10].

Contra o ressentimento, é preciso lembrar que não há vida eterna; esta vida é eterna.

Suprema exaltação do momento, a doutrina do eterno retorno vem acabar com as oposições; eternizando o aqui e agora, transforma em ser o vir-a-ser. “Que tudo retorne é a mais extrema aproximação de um mundo do vir-a-ser com o do ser” [7 (54) do final de 1886-primavera de 1887]. Transitório/perene, mutável/permanente, aparente/essencial, sensível/inteligível, todas as velhas dicotomias da metafísica caem por terra. Durante séculos, o ser humano, dilacerado, acreditou ser um composto de corpo e alma. Agora, não mais se definindo em relação à divindade, ele deixa de existir. Se o apogeu da humanidade, seu meio-dia, ocorre quando se suprime o dualismo entre mundo verdadeiro e mundo aparente, o homem que se ultrapassa identifica-se ao mundo. “O homem é algo que deve ser superado […] O além-do-homem é o sentido da terra” (Assim falou Zaratustra, Prefácio, parágrafo 3). Com a morte de Deus e a afirmação dionisíaca do mundo, com a travessia do niilismo e sua superação no amor fati, ele vem conciliar os opostos, melhor, vem recusar que existam. Não se trata de um tipo biológico superior ou de uma nova espécie engendrada pela seleção natural, mas de quem organiza o caos de suas paixões e integra numa totalidade cada traço de seu caráter, de quem percebe que seu próprio ser está envolvido no cosmos, de sorte que afirmá-lo é afirmar tudo o que é, foi e será.[45]

Afirmar sem reservas o fatum equivale a aceitar que ele se afirme por meio de nós. Nietzsche assegura:

Cada traço característico fundamental que está no fundamento de cada acontecer, que se exprime em cada acontecer, se fosse sentido por um indivíduo como seu traço característico fundamental, teria de impelir esse indivíduo a achar bom, triunfalmente, cada instante da existência universal [5 (71) do verão de 1886-outono de 1887].

É nesse sentido que Zaratustra se diz “o porta-voz da vida, o porta-voz do sofrimento, o porta-voz do círculo” (cf. Assim falou Zaratustra, 3a Parte, “O convalescente”, parágrafo 1). É ainda nessa direção que o filósofo intitula um livro que não chegou a escrever “O eterno retorno. Uma profecia”.[46] À diferença do Memorial de Pascal, o pensamento do eterno retorno não é, apenas, mais uma experiência mística; ele faz parte de um projeto filosófico.

Suprimindo o dualismo entre mundo verdadeiro e mundo aparente, Nietzsche julga que o homem é uma parte do mundo e nela se espelha o todo. Negando a oposição entre ego e fatum, acredita que o ser humano partilha o destino de todas as coisas. Diz ele:

A inteira atitude “homem contra mundo”, o homem como “princípio negador do mundo”, o homem como medida de valor das coisas, como juiz de mundos, que por último ainda põe a existência mesma sobre sua balança e a acha leve demais — o monstruoso mau gosto dessa atitude nos veio à consciência como tal, e nos ofende —, e já rimos quando encontramos “homem e mundo” colocados lado a lado, separados pela sublime pretensão da palavrinha “e”! [A gaia ciência, parágrafo 346].

Os filósofos supuseram que a medida era o homem; Nietzsche entende que o mundo é a medida. Ora, se o mundo não é uma criação divina e o homem não foi feito à imagem de Deus, a relação entre eles tem de mudar. Homem e mundo não mais se opõem, acham-se em harmonia. O que se passa em um e no outro não pode ser irredutível. Limitado pela perspectiva humana, é só a partir dela que o homem fala do mundo. Mas, se a vida e a experiência humanas não constituem a totalidade, dela tampouco se acham desligadas; se não abarcam o mundo, dele tampouco são independentes. Fornecem, pois, ao homem a oportunidade de aprender a conhecer o curso do mundo e entender a sua natureza.

O eterno retorno: tese cosmológica ou imperativo ético? A questão deixa de ter sentido. Exortar a que se viva como se esta vida retornasse inúmeras vezes não se restringe a advertir sobre a conduta humana; é mais do que um imperativo ético. Sustentar que, queiramos ou não, esta vida retorna inúmeras vezes não se limita a descrever o mundo; é mais do que uma tese cosmológica. O eterno retorno é parte constitutiva de um projeto que acaba com a primazia da subjetividade. Destronado, o homem deixa de ser um sujeito perante a realidade para tornar-se parte do mundo. Depois de falar aos homens na cidade, Zaratustra volta à sua caverna e aos seus animais. A solidão vem a seu encontro, dizendo-lhe:

Aqui todas as coisas acorrem carinhosas a teu discurso e te lisonjeiam: pois querem cavalgar nas tuas costas. Em cada imagem, cavalgas, aqui, para todas as verdades […] Aqui, abrem-se para ti todas as palavras e cofres de palavras do ser; todo ser quer tornar-se, aqui, palavra, todo vir-a-ser quer aprender contigo a falar.[47]

Notas

[1] A gaia ciência, parágrafo 341. Utilizamos a edição das obras de Nietzsche (Werke, kritische Studienausgabe) organizada por Colli e Montinari, Berlim, Walter de Gruyter, 1967-78. Sempre que possível, recorremos à tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho para o volume NietzscheObras incompletas da coleção Os Pensadores, 2a ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978.

[2] É provável que Nietzsche lesse, nessa direção, o fragmento de Heráclito dk 65, relatado por Hipólito na Refutatio omnium haeresium, ix, 9: “e o chama (ao fogo) de fartura e indigência; indigência é de acordo com ele a formação do mundo e a conflagração geral é fartura”. (Utilizamos a edição Diels-Kranz dos fragmentos de Heráclito, traduzidos por José Cavalcante de Souza para o volume Os pré-socráticos da coleção Os Pensadores, 2a ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978.) Kirk observa que “fartura e indigência” são as únicas palavras de Heráclito nesse fragmento, de sorte que, ao identificar fartura com conflagração geral, Hipólito segue uma interpretação estoica (Heraclitus, the cosmic fragments, Cambridge, Cambridge University Press, 1954, p. 357). Burnet adota a mesma posição, embora faça a ressalva de que Zeller, Diels e Gomperz acreditam ser de Heráclito a ideia da conflagração geral (L’aurore de la philosophie grecque, Paris, Payot, 1919, p. 180, nota 3); aliás, no século xix, grande parte dos estudiosos defendia essa tese.

[3] Cf. a esse respeito Jackson P. Hershbell e Stephen A. Nimis, “Nietzsche and Heraclitus”, em Nietzsche Studien VIII (1979), pp. 17-38, em especial pp. 34-5.b

[4] Segunda consideração extemporânea, parágrafo 2. É possível que Nietzsche lesse, nesse sentido, este relato de Eudemo: “a crer-se nos pitagóricos, da mesma maneira que as cousas idênticas pelo número, assim, eu também tornarei a falar, tendo este bastãozinho na mão, e vós estareis sentados como agora; e todas as outras cousas comportar-se-ão do mesmo modo, fazendo pensar que o tempo seja o mesmo” (Física, II, 3, fragmento 51, citado por Mondolfo, O pensamento antigo, 2a ed., São Paulo, Mestre Jou, 1966, v. I, p. 65). Gomperz acredita que a concepção pitagórica da alma não se baseia na astrologia dos babilônios, mesmo porque, caso existisse essa relação, Eudemo não deixaria de assinalá-la (Les penseurs de la Grece, Paris, Felix Alcan, 1904, v. I, p. 155, nota 2).

[5] Cf. a esse respeito George J. Stack, Lange and Nietzsche, Berlim, Walter de Gruyter, 1983, pp. 29-30.

[6] Walter Kaufmann foi um dos primeiros a reconhecer o significado “experiencial” do pensamento do eterno retorno, mas não chegou a desenvolver essa ideia (cf. Nietzsche, philosopher, psychologist, antichrist, 10a ed., Nova York, The World Publishing Co., 1965, p. 279).

[7] Cf. Tracy Strong, Friedrich Nietzsche and the politics of transfiguration, Berkeley, University of California Press, 1975.

[8] Cf. George J. Stack, op. cit.

[9] Cf. Harold Alderman, Nietzsche’s gift, 3a ed., Ohio University Press, 1986.

[10] Cf. Kathleen Marie Higgins, Nietzsche’s Zarathustra, Filadélfia, Temple University Press, 1987.

[11] Cf. Bernd Magnus, “Eternal recurrence”, em Nietzsche Studien VIII (1979), pp. 362-77.

[12] Foi Ernest Horneffer um dos primeiros a sublinhar a função ética da doutrina nietzschiana do eterno retorno (cf. Nietzsches Lehre von der ewigen Wiederkunft und deren bisherige Veroffentlichung, Leipzig, 1900). As pistas de sua interpretação foram seguidas, com maior ou menor sucesso, por Alois Riehl, Friedrich Nietzsche, der Kunstler und der Denker, Stuttgart, 1901; Oskar Ewald, Nietzsches Lehre in ihren Grundbegriffen. Die ewige Wiederkunft des Gleichen und der Sinn des Ubermenschen, Berlim, 1903; Arthur Drews, Nietzsches Philosophie, Heidelberg, 1904; Richard Moritz Meyer, Nietzsche, sein Leben und seine Werke, Munique, 1913; Raoul Richter, Friedrich Nietzsche, sein Leben und sein Werk, 4a ed., Leipzig, 1922; e Karl Heckel, Nietzsche, sein Leben und seine Lehre, Leipzig, 1922.

[13] Cf. Walter Etterich, Die Ethik Friedrich Nietzsches im grundriss, im verhaltnis zur Kantschen Ethik betrachtet, mimeo., Bonn, 1914.

[14] Cf. Siegfried Kittmann, Kant und Nietzsche. Darstellung und Vergleich ihrer Ethik und Moral, Frankfurt am Main, Peter Lang Verlag, 1984.

[15] Cf. Georg Simmel, Schopenhauer und Nietzsche, Leipzig, Duncker und Humblot Verlag, 1907.

[16] Cf. 26 (259) da primavera de 1884 e 5 (71) do verão de 1886-outono de 1887.

[17] Arthur Danto foi um dos primeiros a analisar a compatibilidade lógica das proposições implicadas no argumento nietzschiano do eterno retorno (cf. Nietzsche as philosopher, Nova York, Columbia University Press, 1980). Sua interpretação foi discutida por M. C. Sterling (“Recent discussions of eternal recurrence”, em Nietzsche Studien VI (1977), pp. 261-91, em especial pp. 261-8).

[18] Heidegger foi um dos primeiros a apontar a íntima ligação entre o eterno retorno e a vontade de potência (cf. “Nietzsches Wort’ Gott ist tot”, em Holzwege, 2a ed., Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1952, Vorträge und Aufsätze, Tübingen, Günther Neske Verlag, 1954, e Nietzsche, Berlim, Gunther Neske Verlag, 1961). Desconsiderando, porém, a teoria das forças, acreditou que o pensamento nietzschiano permanecia enredado nas teias da metafísica, de sorte que a vontade de potência designava o ser do ente enquanto tal, sua essência, e o eterno retorno do mesmo exprimia a maneira pela qual o ente é, em totalidade, sua existência.

[19] Desenvolvemos essas ideias num trabalho anterior, Nietzsche, das forças cósmicas aos valores humanos, São Paulo, Brasiliense, 1990.

[20] Cf. 36 (15) de jun.-jul. 1885. Cf. ainda 26 (287) do verão-outono de 1884.

[21] De acordo com Andler, é na obra de Vogt, Die Kraft Eine real-monistische Weltanschauung (1878), que Nietzsche vai buscar a ideia de que a soma de forças permanece constante no mundo, assim como o seu corolário: todo aumento de força condensada corresponde, numa outra zona, a igual dissolução (cf. Nietzsche, sa vie et sa pensée, Paris, Gallimard, 1958, t. ii, pp. 420-4). Segundo George Stack, foi por intermédio da leitura da História do materialismo de Lange que Nietzsche conheceu os rudimentos do conceito de entropia de Clausius (a totalidade da energia cósmica está continuamente se perdendo em calor, de sorte que o universo tende para um estado de equilíbrio termonuclear ou um estado final). Compreendeu tão bem a ideia que chegou a argumentar contra ela (cf. op. cit., p. 43, nota 37).

[22] Cf. Georg Simmel, op. cit., pp. 250-1.

[23] A expressão aparece como título do fragmento póstumo 14 (188) da primavera de 1888.

[24] Cf. Arthur Danto, “The eternal recurrence”, em Nietzsche, a collection of critical essays, org. Robert C. Salomon, Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1980, pp. 316-22.

[25] Cf. George J. Stack, op. cit.

[26] Cf. Harold Alderman, op. cit.

[27] Cf. Bernd Magnus, loc. cit.

[28] Cf. Andler, op. cit., t. II, pp. 404-20, e Mihailo Djuric, “Die antike Quellen der Wiederkunftslehre”, em Nietzsche Studien VIII (1979), pp. 1-16. Acerca das relações entre Nietzsche e o budismo, cf. Max Ladner, Nietzsche und der Buddhismus, Zurique, 1933; Ryogi Okochi, “Nietzsches Amor Fati im Lichte von Karma des Buddhismus”, em Nietzsche Studien I (1972), pp. 36-94; e Freny Mistry, Nietzsche and Buddhism, Berlim, Walter de Gruyter, 1981.

[29] Cf. A filosofia na época trágica dos gregos, parágrafo 1, no qual se lê: “é certo que se empenharam em apontar o quanto os gregos poderiam encontrar e aprender no estrangeiro, no Oriente, e quantas coisas, de fato, trouxeram de lá. Era, sem dúvida, um espetáculo curioso, quando colocavam lado a lado pretensos mestres do Oriente e os possíveis alunos da Grécia e exibiam agora Zoroastro ao lado de Heráclito, os hindus ao lado dos eleatas, os egípcios ao lado de Empédocles, ou até mesmo Anaxágoras entre os judeus e Pitágoras entre os chineses. No particular, pouca coisa ficou resolvida; mas já a ideia geral, nós a aceitaríamos de bom grado, contanto que não nos viessem com a conclusão de que a filosofia, com isso, germinou na Grécia apenas como importada e não de um solo natural doméstico, e até mesmo que ela, como algo alheio, antes arruinou do que beneficiou aos gregos”.

[30] A esse respeito, cf., por exemplo, Karl Jaspers, Nietzsche, Berlim, Walter de Gruyter, 1950; Richard Schacht, Nietzsche, Londres, Routledge & Kegan Paul Ltda., 1983; Arnold Zuboff, “Nietzsche and eternal recurrence”, em Nietzsche, a collection of critical essays, idem, ibidem, pp. 343-57.

[31] Cf. Andler, op. cit.

[32] Cf. Karl Schlechta, Le cas Nietzsche, Paris, Gallimard, 1960.

[33] Cf. Karl Jaspers, Nietzsche, op. cit.

[34] Cf. Karl Löwith, Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkehr des Gleichen, 3a ed., Hamburgo, Felix Meiner Verlag, 1978.

[35] Cf. Lange, Geschichte des Materialismus, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1974, em especial t. I, p. 120, t. I, p. 147, nota 73, e t. II, p. 974. A aproximação foi desenvolvida por George J. Stack, op. cit.

[36] Schopenhauer, Le monde comme volonté et comme représentation, 10a ed., Paris, puf, 1978, p. 361. O primeiro a fazer a aproximação entre Nietzsche e Schopenhauer nesse ponto foi Crusius, Erwin Rohde, ein biographischer Versuch, Tübingen, 1902. Seguiram-no Charles Andler, op. cit., e Richard Schacht, op. cit.

[37] Cf. 14 (188) da primavera de 1888 e carta de 10 de março de 1884 a Overbeck.

[38] A esse propósito, cf. Pierre Klossowski, “Oubli et anamnese dans l’expérience vécue de l’eternel retour du même”, em NietzscheCahier de Royaumont, Paris, Minuit, 1967, pp. 227-44.

[39] Cf. respectivamente Ivan Soll, “Reflections on recurrence: a re-examination of Nietsche’s doctrine, Die ewige Wiederkehr des Gleichen”, em Nietzsche, a collection of critical essays, idem, ibidem, pp. 322-42; George J. Stack, op. cit.; Richard Schacht, op. cit.; Bernd Magnus, loc. cit., e Kathleen Higgins, op. cit.

[40] Contra Löwith (cf. op. cit., pp. 113-26), Kaufmann defende o caráter supra-histórico do eterno retorno (cf. loc. cit., pp. 274-86). Ivan Soll abraça a posição de Kaufmann (cf. loc. cit., pp. 335-7).

[41] Cf. 5 (71) do verão de 1886-outono de 1887 e Ecce homo, Assim falou Zaratustra, parágrafo 1.

[42] Cf. 29 (40) do outono de 1884-início de 1885. O livro acabou sendo intitulado Além do bem e do mal. Mas a ideia do novo Aufklärung reaparece em outros esboços da obra: 26 (293), 26 (296), 26 (298), 27 (79) e 27 (80) do verão‑outono de 1884.

[43] Cf. 17 (69) do outono de 1883. A ideia do eterno retorno enquanto martelo reaparece em 26 (298), 27 (80) e 27 (82) do verão-outono de 1884.

[44] Cf. 25 (211) e 25 (227) da primavera de 1884; 26 (376) do verão-outono de 1884.

[45] Cf. ci, “Incursões de um extemporâneo”, parágrafo 49, em que se lê a propósito de Goethe: “o que ele queria era a totalidade; combatia o divórcio entre razão, sensibilidade, sentimento, vontade (pregado, numa repugnante escolástica, por Kant, o antípoda de Goethe) — ele se educou para tornar-se completo, ele se criou…”. E mais adiante: “um tal espírito que se tornou livre põe-se no centro do universo com um fatalismo alegre e confiante, com a convicção de que só o individual é condenável, mas que tudo se resgatará e afirmará na totalidade — ele não mais diz não…”.

[46] Cf. 25 (1) da primavera de 1884. Cf. ainda 25 (6) e 25 (323) da primavera de 1884; 27 (58) e 27 (80) do verão-outono de 1884.

[47] Assim falou Zaratustra, 3a Parte, “O regresso”. A passagem é citada em Ecce homo, Assim falou Zaratustra, parágrafo 3.

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