1996

O império do indivíduo: uma análise de O Império dos sentidos, de Nagisa Oshima

por Lúcia Nagib

Resumo

Quando o produtor de cinema francês Anatole Dauman propôs a Nagisa Oshima a produção de um filme pornográfico, o cineasta, já famoso na França, não aceitou imediatamente. Somente quando soube da queda definitiva da censura na França é que Oshima finalmente decidiu iniciar a produção do filme.

Ao fazer O Império dos sentidos, Nagisa Oshima, driblou os rigorosos mecanismos de censura japoneses sobre a arte erótica. Mas, curiosamente, o filme é uma reconciliação com o Japão ancestral. Embora o filme se passe no século XX, seus protagonistas parecem ter saído de contos escritos no século X, ou de contos eróticos da literatura da corte escrita principalmente por mulheres antes da chegada do zen budismo ao Japão.

Ao se basear no caso de Sada Abe, a mulher que assassinou e emasculou seu amante depois de uma semana de sexo inenterrupto, Oshima entendeu que Sada Abe comprovava a sobrevivência de uma cultura japonesa da liberdade. Para ele, a liberdade de Sada e de seu amante Kichizo se manifestava em vários aspectos: nos seus jogos, vestimentas, modo de viver, de comer e, principalmente, de afirmar sua sexualidade.

O filme se passa em 1936, porém todos os sinais de modernidade são apagados. Os cenários das hospedarias, os meios de transporte (com exceção de uma cena em que Sada viaja de trem), tudo remete a era Tokugawa. Mesmo a trilha musical de Minoru Miki composta para o filme reforça o clima de época.

Enfatizando o vermelho, abundante nas vestimentas, nos objetos e nos cenários, Oshima dá a cor uma dimensão histórica. Em O império dos sentidos, as tonalidades do kabuki reaparecem através do filtro do ukiyo-e, igualmente desenvolvido na era Tokugawa, e em boa parte dedicado a reproduzir atores de kabuki. Outro contraste interessante, também de conteúdo erótico, é o referente à cor da pele. O branco imaculado da pele de Eiko Matsuda era fundamental para contrastar com o moreno de Tatsuya Fuji (Kichizo).

O império dos sentidos é um filme pornô. O didatismo da câmera e dos atores, que se posicionam de modo a não impedir a visão detalhada do ato sexual, tem muito em comum com os filmes eróticos comerciais. Igualmente, como na maioria dos filmes do gênero, dá-se ênfase à figura do voyeur. No caso específico do Japão, o voyeur indica também o caráter comunitário de toda ação individual. Porém, no filme a regra do olhar é rompida. O espia é retirado de sua posição de voyeur e convidado, ou mesmo forçado, a participar da ação.

Com isso tenta-se criar uma nova sociedade, totalmente penetrada pela liberdade sexual.

O império dos sentidos lembra-se imediatamente de História do olho, de Georges Bataille. Porém, Bataille assim como Buñuel e outros surrealistas, está preocupado em atacar a moral repressiva cristã. Na sociedade pragmática japonesa, não é propriamente a religião que exerce um controle moral rígido, mas o lar, a escola e o trabalho. Ou seja, Oshima ataca uma estrutura social, não uma ideologia abstrata.

Dos filmes realizados por Oshima, O império dos sentidos é o que mais agride o Japão. Não propriamente por seu conteúdo erótico, mas por mostrar o sexo como exemplo de conduta. No filme os atores executam na prática a maior parte dos ato sexuais, o que custou um trabalho profundo de reeducação de atores e técnicos.

Até hoje, O império dos sentidos nunca foi passado em versão integral no Japão. No estrangeiro, com exceção de alguns poucos países, o filme foi consagrado como uma das maiores obras eróticas de todos os tempos.

 


O sucesso no Ocidente, especialmente na França, foi decisivo na carreira de Oshima. Em 1968, O enforcamento, primeiro de seus filmes exportado para a França, não pôde ser exibido no festival de Cannes, interrompido com a revolta de maio. Mesmo assim, obteve imediato sucesso nas exibições paralelas, e o casal Hayao Shibata e Kazuko Kawakita,[1] que dirigia a sociedade Cinéma France, conseguiu vender o filme para a Argos, de propriedade do produtor e mecenas cinematográfico Anatole Dauman. Dauman distribuiria em seguida Cerimônias (1971), e os dois filmes iriam construir rapidamente a reputação de Oshima na Europa. Graças à aproximação feita por Shibata e Kawakita, Dauman propôs a Oshima, em 1972, a produção de um filme pornográfico. Mas apenas três anos mais tarde, quando soube, outra vez pelo casal Shibata, da queda definitiva da censura na França, é que Oshima finalmente decidiu iniciar a produção do filme.[2]

Esses fatos são significativos no resultado final. Oshima, como ele mesmo admite, pela primeira vez pôde trabalhar com plena liberdade. O único elemento “imposto” pelo produtor foi a temática erótica. Oshima submeteu dois projetos a Dauman, que se decidiu pela história de Sada Abe, baseada num fato real. Dauman sugeriu a mudança do enfoque do tema, com o que, segundo diz, nada fez senão explicitar um desejo irrevelado do cineasta.

Oshima, segundo seu método familiar, pensava num filme inspirado num fait divers. Em 1936, a empregada de uma hospedaria matara e emasculara o amante, depois de uma semana de sexo ininterrupto. Se eu tivesse seguido a inspiração inicial de Oshima, a ação ter-se-ia centrado no processo judicial movido contra a heroína, forma narrativa já utilizada em O enforcamento: “Atenha-se à representação de um casal ébrio de paixão sexual”, disse-lhe eu. E, para fazer-me melhor compreender, acrescentei: “Rode uma tourada [corrida] de amor”. Era, segundo creio, o que Oshima desejava no mais fundo de seu ser.[3]

O fato de o filme chamar-se em japonês Ai no koriida, ou “Corrida (tourada) do amor”, parece confirmar as palavras de Dauman, que passava a incluir “le divin Nagisa”, conforme gosta de chamá-lo, entre as celebridades do cinema de arte que financiou ao longo da vida (entre elas, Robert Bresson, Alain Resnais, Chris Marker, Jean-Luc Godard, Jean Rouch, Joris Ivens, Andrei Tarkovski, Volker Schlöndorff e muitos outros). Dauman é, na verdade, o principal responsável pela guinada internacional da obra de Oshima, de quem produziu a seguir O império da paixão. Foi o primeiro produtor a intuir e aproveitar o diálogo que Oshima desde o início tinha estabelecido com a cultura e o cinema franceses.[4] “O cinema dos anos 60”, escreve Dauman,

começava a se deixar perturbar pelos equívocos da onda pornográfica. Esta, florescente nos Estados Unidos, se preparava para invadir as salas francesas. O conformismo e o medo burguês frente às provocações sexuais ameaçavam reacender a atenção das instituições encarregadas de zelar pelos bons costumes. […] A arte violenta e refinada de Nagisa Oshima se mostrava de antemão como alvo de escolha para a censura ou o opróbrio. […] O artista devia atacar para melhor se defender.[5]

Feita, portanto, a escolha do tema e do artista adequado, Dauman lhe deu total liberdade de ação. “No que concerne aos conteúdo e à organização da produção, deixo por conta de Oshima. Forneço o dinheiro: é tudo”, escreve Oshima, citando Dauman.[6] Pôde-se, portanto, trabalhar com razoável conforto econômico, coisa da qual Oshima se desacostumara, desde que se tornara dependente dos orçamentos restritos da pequena Sozosha. Esta, aliás, acabara de se desfazer, deixando uma interrogação quanto ao futuro do cineasta no Japão, onde havia tempos ele se desvinculara do esquema das grandes produtoras. A liberdade que Dauman lhe oferecia seria impensável no Japão, onde até hoje impera um controle rigoroso sobre a arte erótica. Montou-se, assim, um esquema para se contornar os mecanismos de censura: o filme seria rodado no Japão, com película importada da França, onde o material filmado seria revelado e montado.

O curioso é que, filmando pela primeira vez com produção estrangeira, Oshima finalmente fez um filme positivo sobre o Japão. Não foi evidentemente uma reconciliação política: lá estavam de novo dois indivíduos em confronto com a sociedade. Lá estavam ainda, e desde as primeiras tomadas, os odiados hinomaru (literalmente, “círculo do sol”, ou a bandeira nacional japonesa). Mas era, sem dúvida, a reconciliação com um “outro” Japão. Não o Japão militarista da era Showa e da Segunda Guerra. E também não o da Restauração Meiji, com seus prós e contras. Era o Japão ancestral, da época em que começava a ter uma história escrita. Embora o filme se localize no ano de 1936, de fato seus dois protagonistas parecem ter saído das páginas dos célebres Contos de Genji, primeiro romance japonês, escrito no século X, ou mesmo do Man’yoshu, primeira coletânea lírica japonesa, e das crônicas do Kojiki, ambos do século VIII. De fato, desde a era Heian (794-1184) até a Kamakura (1185-1333), quando, através da China, foi introduzido no Japão o budismo hindu sob a forma Zen, a literatura da corte versava largamente sobre sexo e erotismo. Era escrita em sua maior parte por mulheres, que, por não se ocuparem de política, tinham todo o tempo para se dedicar às artes, às intrigas do palácio e aos arranjos nupciais. A sabedoria erótica era indispensável à cortesã, que a registrava em minúcias e a transmitia às gerações sucessoras. A poligamia e a poliandria, bem como o homossexualismo, a sodomia e outras práticas consideradas perversas pela maioria das religiões e filosofias, eram não só aceitas como cultivadas como parte do requinte da corte.

Reprimida com o advento das religiões hindus e chinesas, e principalmente pelo sistema dos samurais, que se estendeu nos três séculos de reclusão da era Tokugawa (1600-1867), a cultura erótica sobreviveu de forma subterrânea. Um dos mais célebres romancistas japoneses, Ihara Saikaku (1642-93), retoma toda a literatura erótica primitiva, dando-lhe uma forma depurada e aperfeiçoada. Mais tarde, as gravuras ukiyo-e de mestres como Utamaro (1753-1806) e Hokusai (1760-1849) irão imortalizar o imaginário erótico típico japonês.

Oshima entendeu que Sada Abe comprovava a sobrevivência, na era Showa (ou seja, no Japão modernizado e militarista), de uma cultura japonesa da liberdade. Achava ainda que a prova de que não se tratava de um ser isolado, mas de um passado vivo e arquetípico japonês, era a simpatia popular que seu ato despertou na época. “A gente do povo”, escreve, “lançou do fundo do coração gritos de liberdade. Ofereceu a Sada Abe uma tempestade de ‘bravos’. […] O povo sabia que se tratava de [um caso] que tinha atravessado toda a história do Japão até os dias de hoje, desde a época mais recuada, quando a sexualidade significava amor e beleza”.[7]

De fato, relatos como o de Donald Richie, que conheceu no imediato pós-guerra a verdadeira Sada Abe, confirmam a popularidade de que gozava a homicida:

Depois da guerra, já em liberdade, ela arrumou um emprego em Inari-cho, centro de Tóquio: no Hoshi-Kiku-Sui — a Água do Crisântemo-Estrela —, um pub. Ali, toda noite, trabalhadores da redondeza [..] se reuniam para beber saquê e shochu e beliscar lula grelhada com picles de nabo. Toda noite, por volta das dez, Sada Abe aparecia. Era esplêndido. […] Sempre de quimono chamativo, algum que restara da época de seu crime — começo de Showa, 1936 —, Sada Abe surgia no topo da escada, parava, observava a multidão embaixo, e então descia lentamente. […] A descida era dramática, com muitas pausas, enquanto ela encarava os hóspedes embaixo, lançando uma olhadela para este ou aquele. Assim fazia e avançava lentamente, enquanto os hóspedes exprimiam indignação. […] [Os homens] invariavelmente cobriam suas partes íntimas. Os dedos apertavam com força, depois eles se viravam e riam à socapa. Sada Abe, descendo, fingia fúria, lançando olhares fulminantes para os que apertavam as partes e riam ainda mais. Irada, ela golpeava o balaústre, e as gargalhadas estouravam.[8]

Nada desse comportamento sugere reprovação ou condenação moral. Ao contrário, Sada tinha se transformado numa heroína e passara a viver teatralizando o próprio crime.

UM OUTRO JAPÃO

Assim, pela primeira vez Oshima aplicou-se na caracterização de uma época, num filme que se pode considerar uma espécie de jidaigeki [drama de época], ou seja, de espírito oposto ao que reinava em seu cinema, sempre colado ao contemporâneo. Para ele, a liberdade de Sada se manifestava em vários aspectos: “Sada Abe e seu amante Kichizo Ishida são os sobreviventes da civilização dos artesãos e comerciantes da época de Edo[9] que souberam forjar uma cultura cheia de vida, não apenas com suas ideias, mas seus jogos, vestimentas, modo de viver, de comer, de afirmar sua sexualidade”. Esta declaração aponta a orientação que dirigiu a concepção visual do filme. Houve uma caracterização da época, vamos dizer, “íntima”, “individual” dos personagens, implicando mesmo uma certa falsificação. Embora situado em 1936, ou seja, num Japão com cerca de meio século de influências ocidentais, o filme teve os sinais destas cuidadosamente apagados. Não se vêem automóveis, postes telegráficos, eletricidade, vestimentas, maquiagem ou penteado de estilo ocidental. Apenas, aqui e ali, alguns ecos remotos: a certa altura, por exemplo, Sada viaja de trem, para visitar o velho professor que a sustenta. De resto, os amantes são transportados por rikisha (charrete puxada por um homem), e as hospedarias que escolhem para a corrida do amor são em tudo as mesmas da era Tokugawa.

A contratação do músico Minoru Miki para a trilha musical foi também uma curiosa coincidência, no sentido de reforçar o clima de época. Oshima convidara de início Toru Takemitsu, que já musicara outros três filmes seus. Takemitsu leu o roteiro e não se entusiasmou, recusando o trabalho — mais tarde, vendo o resultado do filme, lamentaria esse fato. Compositor contemporâneo de fortes influências ocidentais, teria provavelmente feito uma trilha de sabor ao menos exótico. Mas Miki, convidado em seguida por Oshima, utilizou-se dos tambores e flautas tradicionais japoneses, que realçaram o clima de um passado remoto.

Vê-se, portanto, que o estado de espírito dos personagens contamina e transforma a seu próprio intento o ambiente ao redor. Trata-se, propriamente, de uma questão de poder. Sada Abe não se submete a nenhuma determinação, venha de onde vier. Quando a chefe das serviçais a repreende e a chama de “prostituta”, avança sobre ela com uma faca. Em vez de ser demitida por isso, sua hybris a torna ainda mais atraente para o patrão, Kichizo. Mais tarde, ela mesma pede demissão à patroa, e esta insiste humildemente para que fique.

Num gesto ousado, Sada se torna amante do patrão. De início, Kichizo se comporta como o senhor, e na relação sexual brinca com Sada, fazendo-a gozar e contendo seu próprio gozo. Mas Sada inverte a regra, fazendo-o gozar sempre que ela quer e comportando-se de forma invariavelmente dominadora. Junto com Kichizo, manipula como bonecos todas as pessoas que lhes atravessam o caminho. Uma menina na rua é perseguida em plena chuva pelo casal, que às gargalhadas ameaça violentá-la. Por ordem de Sada, Kichizo faz amor com uma gueixa idosa, que perde os sentidos. Sada instiga o velho cozinheiro de um restaurante que, humilhado, é forçado a declarar sua impotência. Chega mesmo a abusar de duas crianças. Tendo submetido Kichizo inteiramente à sua vontade, afinal o estrangula, para obter maior prazer no sexo, e estirpa-lhe os órgãos sexuais, num gesto de vitória: não há dúvida de que se trata de uma “tourada” do amor. É verdade que obtém sempre o consentimento de Kichizo para seus atos, inclusive o estrangulamento; mas é que ele cedeu desde o início, declarando que seu prazer consiste em dar prazer a Sada.

Este “império do indivíduo” tem uma inclinação natural para os espaços fechados. Assim, a maior parte das tomadas foi feita em estúdio, procedimento repelido por Oshima desde Cidade do amor e da esperança (seu primeiro longa-metragem, de 1959), que lhe dera a chance de acertar as contas com o sistema de estúdio da Shochiku. Mas é finalmente em estúdio, e graças à colaboração do cenógrafo Jusho Toda, que floresce a teoria das cores que Oshima vinha desenvolvendo desde Conto cruel da juventude (1960). Neste, ele fizera grande esforço para não filmar objeto algum de tom verde, que, segundo acreditava, “suaviza o coração das pessoas, […] edulcora os sentimentos”.[10] Por outro lado, enfatizou o vermelho, abundante nas vestimentas, nos objetos e nos cenários. O poder de choque do vermelho continuará a ser explorado em outros filmes (como Canções lascivas do Japão, 1967, e O garoto, 1969), em correlação com vermelho do hinomaru. Finalmente, em O império dos sentidos, o vermelho atinge o apogeu.

Aqui, o uso da cor ganha, tal como o restante da cenografia, uma dimensão histórica. O vermelho, em todos os seus matizes de rosa, marrom, vinho, roxo, aparece, tal como no teatro kabuki, como cor agressiva e rude, ao mesmo tempo dotada de requinte sensual e picante. Um ensaísta japonês, que viveu na mesma época de Sada e Kichizo, escreveu a respeito do vermelho no kabuki:

A cor vermelha era, originalmente, algo primitivo, sem nenhum toque de refinamento possível. É imatura, com boa dose de sabor bárbaro. É herética, em alguns casos trazendo sugestões de sangue e demônios assustadores. Embora uma cor rica, nunca é elegante, tendo, ao contrário, um ordinário sabor rústico. No entanto, o kabuki ultrapassou isso e utilizou o vermelho como meio de criar, diante de olhos que sabem discernir, um mundo estranhamente belo, que é ao mesmo tempo rude e fragrante.[11]

Em O império dos sentidos, as tonalidades do kabuki reaparecem através do filtro do ukiyo-e, igualmente desenvolvido na era Tokugawa, e em boa parte dedicado a reproduzir atores de kabuki. A estética erótica combinada à teatral no ukiyo-e forneceu a base principal das composições cênicas do filme, com seus quimonos vermelhos sobre a pele alvíssima das mulheres; as vestimentas volumosas mas fáceis de se abrir para expor os órgãos sexuais; as posições variadas e contorcionistas de homens e mulheres durante o sexo; os shoji que se abrem e fecham como janelas indiscretas; os espias maliciosos; as gueixas que tocam shamisen sentadas sobre o sexo do amante; as orgias etc.

Seguindo-se aos créditos, pintados em vermelho e impressos sobre a imagem de um shoji gradeado, através do qual se vêem sombras acastanhadas como que balançando ao vento, aparece um close de Sada, deitada sobre um pequeno travesseiro, que imita o formato de um pênis cor de vinho. Quando sua colega levanta a coberta para deitar-se a seu lado, vemos que ambas trajam quimonos de dormir vermelhos. Durante o dia, é um quimono roxo com um avental vermelho que as moças usam. É vestida assim que Sada tem o primeiro encontro privado com Kichizo: quando ele lhe exibe o pênis ereto, vemos que é quase exatamente da cor do quimono de Sada. Essa combinação era intencional e já estava indicada no roteiro: “[Kichizo] alonga a mão e toca os lábios da vagina [de Sada] e então mostra seu pênis duro, ereto e marrom-escarlate, quase da mesma cor do quimono de Sada”.[12] Percebe-se, portanto, que o vermelho ultrapassa, no filme, a mera intenção de chocar, conferindo sutilmente a inúmeros objetos e detalhes uma conotação erótica. E como sexo, aqui, é poder, o vermelho se torna a cor do poder. Quando um quimono se abre para o ato sexual, é o vermelho que se espalha, dominando tudo. Isso também estava previsto em várias passagens do roteiro, como nesta: “Kichi afasta-lhe a veste das costas [de Sada] e a descobre para observá-la e amá-la ainda mais, como se fosse possível, e a põe para sentar sobre seu sexo ereto: a veste flutua ao vento encobrindo-a e cobrindo toda a tela de vermelho, e nesse flutuar de tecido vermelho se abraçam […]”.[13] Inútil listar todos os outros detalhes nos quais se destaca ainda o vermelho: nos lábios carnudos e constantemente úmidos de Sada, na roupa das crianças, no forro do chão, das paredes etc.

O vermelho impressiona ainda mais pelo contraste com o branco. É, na verdade, a antiga reprodução do vermelho e branco do hinomaru, agora utilizado não apenas de modo crítico, mas também conciliatório com um outro Japão — o Japão da liberdade erótica. É preciso lembrar que o ano de 1936 marca a tentativa de golpe de Estado e o incidente da Manchúria, causado por um levante dos oficiais conservadores radicais. Era portanto um momento de acirramento do militarismo e de febre imperialista, enquanto o Japão apostava tudo na guerra do Pacífico. Nessa época, o uso do hinomaru era normal e geral, e Oshima explora, como sempre, o contraste entre as crianças e esse símbolo da opressão que elas ingenuamente agitam — além de fazer, mais uma vez, seu herói individualista (Kichizo) caminhar em sentido contrário ao da marcha dos soldados dirigindo-se para a guerra, enquanto a população agita flâmulas de hinomaru. Numa das sequências iniciais, vemos crianças que, com a ponta de uma bandeirola com o hinomaru, bolem com o sexo inerte de um mendigo, caído na neve. Neve e sangue eram o paralelo do hinomaru em O garoto. Aqui, tal como em Canções lascivas do Japão, a combinação ganha o matiz do sexo. É com a faixa branca típica japonesa (fundashi) que a patroa recobre o sexo de seu marido Kichizo — ao mesmo tempo em que se excita. É um pano branco que recobre o travesseirinho vermelho de Sada. É, enfim, a neve um dos cenários preferidos dos amantes para seus exercícios sexuais.

Outro contraste interessante, também de conteúdo erótico, é o referente à cor da pele. Tradicionalmente, a beleza da mulher japonesa está ligada à alvura de sua pele. A maquiagem branca que recobre o rosto e o pescoço femininos, estendendo-se pela nuca até o contorno do decote posterior do quimono, é até hoje costumeira no Japão. Eiko Matsuda (que faz Sada) não traz a maquiagem branca carregada das gueixas do próprio filme, mas o branco imaculado de sua pele era condição, também mencionada no roteiro, para contrastar com o moreno de Tatsuya Fuji (Kichizo) — “ele se destaca pela cor mais morena da pele”[14] — e acentuar a sugestão de atração erótica entre ambos. (Fuji deve mesmo ter sido obrigado a tomar longos banhos de sol antes de atuar no filme, a julgar pela marca de calção de banho em seu quadril.)

A VITÓRIA SOBRE O COLETIVO

Em O império dos sentidos, composto basicamente de cenas eróticas, não há praticamente nenhum ato sexual que não esteja sendo, secreta ou abertamente, espiado por alguém. Fala-se de um “voyeurismo”, que teria a função de instância intermediária, destinada a criar um distanciamento narrativo. “O filme proíbe todo contágio imediato, toda emoção sexual. Raramente se desencorajou tanto o voyeurismo”, escreve Pascal Bonitzer, o crítico francês que até hoje mais se ocupou de Oshima.

É, de início, porque os espectadores se vêem no filme. Eis o primeiro truque da encenação. A todo instante as divisórias do quarto dos amantes se afastam, as portas de correr se abrem com seu ruído específico, quando Sada e Kichi estão fazendo amor. Eles são constantemente espiados pelas domésticas, ou observados pelas gueixas-músicas que lhes fazem companhia. […] O olhar do outro é constantemente posto em cena para ser desafiado.[15]

Tal análise não me parece inteiramente acertada. Com toda pesquisa histórica e toda sofisticação intelectual que possa ter, O império dos sentidos é um filme pornô — mesmo não se encaixando em todas as regras do gênero — com óbvio poder de excitar o espectador (o que não tem nada de desmerecedor). O didatismo da câmera e dos atores, que posicionam delicadamente as pernas, o torso e os braços de modo a não impedir a visão detalhada das partes sexuais, das penetrações e das sucções, tem muito em comum com os filmes eróticos comerciais. Igualmente, como na maioria dos filmes do gênero, dá-se ênfase à figura do voyeur, com a qual o espectador se identifica e que, por sua vez, se identifica com os personagens em ação. Não sendo propriamente uma consciência intermediária, mas apenas um olho sensível, o voyeur serve de reforço para a emoção do espectador e não para seu distanciamento. Os personagens de O império dos sentidos mantêm tal poder de identificação que muitos espectadores não suportam olhar a cena da mutilação final, que têm a impressão de sentir no próprio corpo.

Mas o voyeurismo do filme tem uma história complexa. São raras as gravuras eróticas de ukiyo-e que não incluem algum espia, que se deleita ou mesmo se masturba enquanto observa o sexo alheio. Evidentemente, os artesãos da época de Edo, que estavam fazendo uma arte de intuito não menos comercial do que o cinema de hoje, já conheciam o poder de reforço excitante do voyeur. Mas no caso específico do Japão o espia indica também o caráter comunitário de toda ação individual. Se os shoji se abrem com tanta facilidade é porque não existem trancas.[16] Sua forração de papel tem o intuito de deixar o interior dos aposentos semivisível. A maior parte dos sons também é audível de um cômodo para outro. Nos ryokan (hotéis de estilo japonês) como os que aparecem no filme, até hoje o hóspede tem pouca privacidade, sendo interrompido pelas serviçais a qualquer hora do dia ou da noite, para dobrar o futon (cama de estilo japonês, que consiste de um colchão fino estendido sobre o solo), servir o jantar ou chamar para o banho (de regra, coletivo). Os clientes dessas sofisticadas hospedarias não têm o direito de escolher o horário das refeições, o momento em que querem dormir ou quando desejam ouvir o shamisen de uma gueixa. Mesmo suas roupas, no interior do ryokan, devem ser um uniforme comum a todos: um quimono de algodão chamado yukata, acrescido no inverno de um casaquinho de lã.

Sada desafia todos esses hábitos. As refeições são recusadas de modo sistemático, a ponto de gerar protesto das funcionárias da hospedaria: “Vocês não comem nada!”, dizem. A limpeza do quarto, momento em que os hóspedes devem estar fora, também fica descartada, já que Sada e Kichizo estão constantemente fazendo amor. A funcionária reclama: “Não sei como vocês suportam esse cheiro!”, e Sada responde com petulância: “Esse cheiro nos excita ainda mais”. Gueixas e serviçais por fim se recusam a servir o casal. Uma única gueixa que ascede ao convite deles acaba desfalecida, em consequência de uma relação sexual com Kichizo por ordem de Sada. É importante que as regras sejam rompidas uma a uma, em especial a do olhar. O espia é sistematicamente retirado de sua posição de voyeur e convidado ou mesmo forçado a participar da ação. Sada com frequência se diverte colocando-se na posição de espectador, enquanto Kichizo pratica sexo com outras pessoas. Não se admite a passividade impessoal do observador, todos têm que se mostrar enquanto seres individuais.

Com isso tenta-se criar uma nova sociedade, totalmente penetrada pela liberdade sexual. Na festa de “casamento” de Sada e Kichizo, todos se entregam a uma orgia. Mesmo uma gueixa virgem é deflorada pelas outras com um fálus em forma de pássaro (um dentre os muitos objetos eróticos remanescentes do Japão antigo e até hoje cultivados). Todo observador, sem exceção, deve se liberar.

A HISTÓRIA DO OLHO

Nagisa Oshima e Georges Bataille formam um par curioso. Quem vê O império dos sentidos lembra-se imediatamente de História do olho, de Bataille. Oshima admite ter lido o autor francês, acrescentando que “há muitas coisas no Japão que poderiam ter interessado Georges Bataille, sobretudo no Japão do passado”.[17] O comentário é compreensível: se há, no filme de Oshima, cenas que parecem extraídas de História do olho, Bataille, por sua vez, teria encontrado no Japão real a expressão prática de suas mais ousadas fantasias. Na verdade, em História do olho, Madame Edwarda, O ânus solar e outros textos eróticos de Bataille, deparamo-nos com uma série de situações oníricas, com fortes traços do surrealismo, ao qual Bataille esteve ligado nos anos 20. São atitudes de alto poder transgressor, mas dificilmente realizáveis na prática. Bataille — tal como Buñuel e outros surrealistas — está preocupado em atacar a moral repressiva cristã. Sua literatura se realiza no campo do imaginário, sem relação imediata com fatos reais.

Em Oshima, a religião, seja o budismo, o xintoísmo ou o cristianismo, raramente vem ao caso, mesmo quando se põe em cena um padre católico, como em O enforcamento — este se faz necessário por ser o condenado um coreano católico. Na sociedade pragmática japonesa, a religião não exerce um controle moral rígido, tarefa que fica a cargo de outras instâncias sociais, como o lar, a escola e o trabalho. Enfim: Oshima ataca uma estrutura social, não uma ideologia abstrata. Está se falando da realidade. Entre seus filmes, são raros os que não partem de um fato real. Em O império dos sentidos tenta-se recuperar algo que, pelo menos em princípio, de fato existiu: um Japão ancestral e livre. Depois de todas as transgressões passadas, finalmente aqui se faz a apologia de um “outro” Japão. Existe também, é claro, o caráter transgressor do relacionamento de Kichizo e Sada, mas trata-se de algo minuciosamente pragmático, acrescido inclusive, aqui e ali, de comentários irônicos aos exageros da fantasia. Por exemplo, a função erótica da urina — elemento obsessivo em História do olho, no qual a urina e o gozo estão sempre juntos — é comentada com humor por Kichizo, que explica à insistente Sada que um homem excitado se torna incapaz de urinar.

De resto, há coincidências estruturais importantes. Tanto em Bataille quanto em Oshima, a transgressão começa pelo domínio do personagem feminino. Simone, a protagonista de História do olho, age de modo tirânico, exigindo que todos à sua volta satisfaçam seus caprichos eróticos, mesmo que impliquem mortes. É um comportamento semelhante ao de Sada, que submete o mundo a sua volta a seus desejos. Em ambos os casos, trata-se de combater o princípio masculino tanto da sociedade ocidental quanto da oriental, sendo que em Oshima contrariam-se ainda os estereótipos do cinema erótico japonês, no qual a mulher é com frequência torturada com surras, choques elétricos e outros requintes de crueldade, e não raro morta ao final.

Outras sugestões de Bataille são aproveitadas literalmente, já que se encaixam como uma luva no universo erótico e perverso de Oshima. A primeira delas é a violência contra o olho. Em Bataille, o olho que observa o coito é ele mesmo metáfora e às vezes objeto de penetração. Simone se excita com os olhos e objetos análogos a eles: senta-se sobre ovos; exige que lhe entreguem os culhões de um touro recém-abatido, sobre os quais também quer se sentar; vê com volúpia o olho de um toureiro ser penetrado pelo chifre do touro; pede que arranquem o olho de um padre, que faz escorregar para sua vagina. Em O império dos sentidos, Sada se faz penetrar por um ovo cozido, na refeição erótica em que todos os alimentos que oferece a Kichizo são embebidos no suco de sua vagina. A profusão de navalhas e facas manuseadas por Sada, e a faca com a qual afinal decepa o sexo de Kichizo fazem lembrar a tourada de Bataille, ao fim da qual o touro tem seus órgãos extirpados — e, mais ainda, o olho cortado em O cão andaluz, de Buñuel. Tourada: não é mesmo corrida que se chama o filme, por sugestão de Anatole Dauman? O fato é que Oshima compreendeu a função do olho voyeur de Bataille, incluído metaforicamente na ação, e lhe deu imagem em O império dos sentidos.

Outra sugestão de Bataille que serviu à antiga obsessão de Oshima foi o estrangulamento durante o coito. No filme, Sada começa com o jogo de estrangulamento para conseguir uma nova ereção de Kichizo, já esgotado. Enquanto o estrangula, geme de prazer, sentindo o sexo do amante enrijecer-se em seu próprio. Em Bataille, lê-se: “Você sabe que os enforcados ou os estrangulados têm uma ereção tão forte, no momento em que lhes cortam a respiração, que ejaculam”. E, mais adiante: “Simone apertou [a garganta do padre], um terrível tremor percorreu aquele corpo absolutamente imobilizado e mudo, e o membro se elevou. [. ..] Apertou enfim tão resolutamente que um arrepio ainda mais violento percorreu a vítima e Simone sentiu o sêmen jorrar no interior de seu sexo”.[18]

Oshima lida com todas essas ideias ligando-as a um imaginário e a práticas tipicamente japonesas. A figura do estrangulamento é sugerida desde o início pela admiração que Sada confessa ter pela nuca do amante. A nuca é uma parte do corpo especialmente cultivada pelos japoneses, que a trazem cuidadosamente depilada e, nas mulheres, devidamente maquiada. E no momento do estrangulamento final, quando Kichizo perde os sentidos, intervém uma longa sequência onírica, na qual Sada está deitada num ringue de sumô. No estádio vazio, duas crianças correm ao redor dela, cantando a cançãozinha de criança, numa espécie de jogo de esconde-esconde:”`Mo ii kai?’, `Maadadayo’ ” [“Posso ir?”, “Ainda não”]. Até que no fim a resposta “Ainda não” deixa de ser ouvida. Nesse momento, Sada começa a gritar “Kichisan”, e sabemos que ele está mórto. A mesma canção infantil será utilizada no filme recente de Kurosawa, Maadadayo (1993), como metáfora para se perguntar se o personagem está pronto para morrer.

O EFEITO TRANSGRESSOR

Apesar de homenagear um certo Japão, O império dos sentidos é com certeza, dos filmes realizados por Oshima, o que mais agride o Japão. Não propriamente por seu conteúdo erótico, já que o Japão é um dos maiores produtores de cinema pornográfico do mundo. Mas justamente por mostrar o sexo não como atividade secreta e ilegal, mas como exemplo de conduta. Além disso, fazendo um jidaigeki, Oshima desprezou toda a estilização convencional dos filmes de época em favor de uma encenação realista até nos mínimos detalhes, não apenas na reconstituição de cenários e figurinos. Ao aceitar o projeto do filme, decidira-se por um filme “pornográfico de A a Z”, segundo diz.[19] Isso implicava, em primeiro lugar, executar na prática a maior parte dos atos do filme. Fazer com que os atores praticassem realmente o ato sexual diante da câmera foi o ápice de um processo que Oshima vinha desenvolvendo havia anos. Ele lamenta não ter chegado antes à consecução cinematográfica verdadeira do ato sexual:

Lamento não ter feito Kei Sato e Fumio Watanabe violarem realmente Rie Yokoyama [em Diário de um ladrão de Shinjuku, 1968]. Se os tivesse feito executar realmente a violação, algo teria nascido dali. […] Também teria sido bom se Rokko Toura e Mihiro Wakabayashi tivessem realmente feito amor. Durante as filmagens, o ambiente era tal, que eles decerto teriam aceito fazê-lo.[20]

A consumação do ato, finalmente, em O império dos sentidos custou um trabalho profundo de reeducação de atores e técnicos. Na seleção dos atores masculinos, Oshima teve de expô-los a questionários embaraçosos sobre o tamanho e a capacidade de seus órgãos. Com relação às mulheres, o problema era menor, mas mesmo assim a dificuldade de se achar a figura ideal levou Akiko Koyama, mulher de Oshima, a se oferecer para o papel de Sada. Finalmente, os papéis principais foram preenchidos por Tatsuya Fuji e Eiko Matsuda, e para a vida de ambos o filme teve consequências drásticas. Fuji, casado, teve que adaptar a família à ideia de um casamento aberto. A esse respeito, Oshima comenta:

De início, eu pedia realmente o impossível: pedia que ele representasse e que tivesse relações sexuais reais. No entanto, meu pedido foi satisfeito. E o fato desse pedido ter sido satisfeito por um ator de renome, com uma família normal, não é apenas um acontecimento na história cinematográfica do Japão, é uma nova página na história sexual no Japão e mesmo no mundo. Porque os tabus oriundos da visão santificada das relações sexuais monogâmicas foram quebrados no filme.[21]

Matsuda, por sua vez, depois de ser rotulada como atriz de filme pornô e discriminada pela sociedade machista japonesa, não conseguiu mais papéis sérios no cinema, mudando-se para a Europa.[22]

Com relação tanto aos atores quanto aos técnicos, Oshima afirma que todos deram ao ambiente das filmagens um tom “solene”. “Essa solenidade não vinha de uma tensão, mas de uma liberação. Cada membro e ator da equipe dispendeu uma energia infinitamente superior à sua capacidade habitual. Tal empenho — e tal resultado — se deve ao fato de que eles se encontravam no seio de um ambiente solene fundado sobre a liberação. Oshima planejava já não a revolução social, mas a revolução íntima dos participantes de seu filme. Tendo ido até o fim em sua intenção, o resultado demonstrou-se chocante e até mesmo insuportável no Japão.

O “império do indivíduo” idealizado por Oshima transformou-se na maior agressão que poderia ter feito a seu país. Tivesse o filme se enquadrado por completo nas caracterizações do cinema de gênero, e fosse dotado da artificialidade habitual do cinema de época, provavelmente não teria sofrido a rejeição categórica de que foi vítima, mesmo por parte de certas elites “esclarecidas”. Até hoje, O império dos sentidos nunca foi passado em versão integral no Japão. As cópias mutiladas em cenas essenciais também raras vezes foram mostradas. O roteiro do filme, contendo um caderno de fotos, foi proibido, e Oshima teve que se submeter a um longo processo judicial a respeito, perdendo ao final.

No estrangeiro, com exceção de alguns poucos países, o filme foi, ao contrário, recebido com aclamação e consagrado como uma das maiores obras eróticas de todos os tempos. Não admira que, a partir daí, o trabalho de Oshima tenha se voltado decididamente para produções internacionais.

Notas

[1] As famílias Kawakita e Shibata tiveram e ainda têm papel fundamental na divulgação de cinematografias estrangeiras no Japão e do cinema japonês no exterior. Kazuko Kawakita, falecida recentemente, era filha do famoso casal Nagamasa e Kashiko Kawakita, que fundou em 1928 a companhia Towa. Esta se tornaria a maior empresa importadora e exportadora de filmes do Japão, até sua fusão com a Toho, em 1977. Atualmente, o nome Kawaki-ta está ligado à Japan Film Library/Kawakita Memorial Film Institute, cumprindo o mesmo papel de intercâmbio cinematográfico

[2] Cf. Nagisa Oshima, “Théorie expérimentale du cinéma pornographique”. In Écrits, Paris, Cahiers du Cinéma/Gallimard, 1980, pp. 314-5.

[3] Cf. Anatole Dauman, Souvenir-écran, Paris, Centre Georges Pompidou, 19.89, p. 228

[4] Tal diálogo encontra-se comentado em detalhes nos capítulos iniciais de meu livro Nascido das cinzas — autor e sujeito nos filmes de Oshima, São Paulo, Editora da use, 1995.

[5] Cf. Anatole Dauman, op. cit., p. 227.

[6] Cf. Nagisa Oshima, op. cit., p. 315

[7] Cf. Nagisa Oshima, “Le drapeau de l’Eros flotte dans les cieux”, Cahiers du Cinéma, n° 309, mar. 1980.

[8] Cf. Donald Richie, Geisha, gangster, neighbor, nun, Tóquio/Londres/Nova York, Kodansha, 1991, p. 26.

[9] Era Tokugawa.

[10] Cf. Nagisa Ohima, “Banissez le vert” . In Écrits, p. 249.

[11] Cf. Ryusei Kishida, On beauty in kabuki, citado por Toshi Kawatake, Japan on stage. Tóquio, 3A Corporation, 1990.

[12] Cf. a versão italiana do roteiro de O império dos sentidos (o original japonês permanece até hoje proibido no Japão): L’impero dei sensi di Nagisa Oshima sceneggiatura originale trascritta da J. P. Manganaro. Milão, Ubulibri/Edizioni Ii Formichiere, 1980, p. 15

[13] Cf. idem, ibidem, p. 26.

[14] Idem, ibidem, p. 13.

[15] Cf. Pascal Bonitzer, “L’essence du pire (L ‘empire des sens)” , Cahiers du Cinéma, n? 270, set./out. 1976.

[16] De fato, até hoje nas casas tradicionais japonesas não existem trancas nas portas, e as casas são costumeiramente adentradas por vizinhos e conhecidos com facilidade. Quem observa qualquer filme de Ozu pode constatar a ausência de privacidade e o espírito comunitário das moradias japonesas.

[17] Cf. citação em Enrico Magrelli e Emanuela Martini (orgs.), ll rito, la rivolta cinema di Nagisa Oshima, Roma, Di Giacomo, 1984, p. 171.

[18] Cf. Georges Bataille, L’histoire de l’oeil, Oeuvres completes 1 — prémiers écrits 1922-1940, Paris, Gallimard, 1970, p. 66.

[19] Cf. “Théorie expérimentale du cinéma pornographique”, in Écrits, p. 317.

[20] Idem, ibidem, p. 314.

[21] Idem, ibidem, pp. 323-4.

[22] Ver texto de Donald Richie a esse respeito, in Geisha, gangster, neighbor, nun.

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