1982

O nacional e popular na cultura brasileira – CINEMA I

por Jean-Claude BernardetMaria Rita Galvão

Resumo

Na primeira metade do século XX, a consciência de um cinema nacional é antes de tudo temática (costumes, paisagens). Aceita-se a linguagem cinematográfica como universal e admira-se o modelo do cinema americano para poder transformá-lo em representação do que é “nosso”, nacional e popular. Mas nacional confunde-se às vezes com regional. E popular, quando não é entendido como “muito frequentado pelo público”, designa o que é pobre e vulgar. Somente a partir de 1930 é que popular se configura como “retrato do povo” (por exemplo em Favela dos meus amores, filme de 1934 tido como uma antecipação do neo-realismo). O advento do cinema falado faz também que este se transforme em meio de unificação e de educação nacional. Progresso é a palavra de ordem. Ao mesmo tempo se intensifica a relação de amor e ódio com o cinema americano, pois o comércio cinematográfico é controlado pelas distribuidoras americanas e os produtores nacionais dependem da importação de seus materiais e equipamentos. Surgem então iniciativas protecionistas (como o projeto do Instituto Nacional de Cinema no governo Vargas) e campanhas patrióticas como a da revista Cinearte: “Todo filme brasileiro deve ser visto”. Mas ainda não se fala propriamente de “criação” no cinema, muito embora o cineasta Humberto Mauro, em palestras radiofônicas nos anos 40, já sugerisse “trabalhar livremente”, pondo de lado as regras impostas pelo cinema americano: “Podemos perfeitamente conseguir beleza, mas à nossa custa (…) sem outra preocupação senão a de fazer arte”.


Este texto pergunta o que se entendia por cinema nacional na primeira metade do século, e se o popular passa por ai.

Partindo de trabalhos já existentes, particularmente os de Albertina de Oliveira Costa e Claudio Vouga (pesquisa no Diário Nacional, inédita), Carlos Roberto Rodrigues de Souza (o cinema em Campinas nos anos 20, inédito), os livros de Paulo Emílio Salles Gomes (Humberto Mauro, Cataguazes, Cinearte), Alex Viany (Humberto Mauro, sua vida, sua arte, sua trajetória no cinema), e Vicente de Paula Araujo (A Bela Época do Cinema Brasileiro), além de pesquisas realizadas por nós, tentamos traçar as coordenadas do debate que se deu na imprensa, especializada em cinema ou não, em torno do cinema brasileiro, no tocante às temáticas do “nacional” e do “popular” – aliás um debate que acabamos construindo.

O capítulo apresenta-se como uma montagem de fragmentos de textos e se lhe pode atribuir um caráter ficcional, no seguinte sentido: traçamos um quadro da primeira metade do século que nos parece válido, centrado principalmente nos anos 20 e 30, sem nos determos sobre a evolução cronológica que este debate pode ter sofrido por motivos internos ou externos; sem avaliar as posições ideológicas globais, políticas, estéticas, profissionais de cada ator envolvido; sem avaliar o tom ideológico e político global dos periódicos onde foram publicados os artigos que usamos. O que sem dúvida provoca um achatamento.

Tampouco estabelecemos relação entre o debate cinematográfico e o debate em outras áreas culturais, pois isso seria ainda outra pesquisa, embora indispensável para uma precisa compreensão das ideias nacionalistas referentes a cinema. Por exemplo, a questão do nacional no cinema deveria ser remetida a questão semelhante ocorrida no século XIX na literatura, podendo-se até interpretar, em parte, o debate cinematográfico das primeiras décadas do século como um prolongamento do debate literário. No debate cinematográfico, reencontramos um Macedo Soares colocando entre “os requisitos da nacionalidade da literatura” os costumes e a natureza; ou um Joaquim Norberto afirmando: “Tudo temos em sobejo, só nos faltam pincéis”; os românticos buscando uma literatura que contribuísse para a grandeza da nação; Pereira da Silva considerando o tema nacional como uma espécie de dever patriótico; ou Francisco Bernardino Ribeiro, que invoca autores estrangeiros, não como modelos,” mas como exemplos; ou Machado de Assis… Todos estes temas que Antônio Cândido aborda em Formação da Literatura Brasileira reaparecem no debate cinematográfico. E as preocupações de um Luiz de Barros com a luz “brasileira” não terão algo a ver com a pintura “ao ar livre” de um Jorge Grimm? Frequentemente a discussão das ideias cinematográficas nestas décadas dá a impressão de ser um eco degradado da discussão que existiu em outras áreas da produção cultural no século XIX, a literatura sobretudo. A questão do mercado e das formas de produção de filmes constitui o traço diferenciador.

Outra ressalva: não abordamos aqui o Manifesto de fundação da Atlântida, cujo texto integral não conseguimos localizar, nem a coluna “Operador” da revista O Cruzeiro, nem outros textos importantes dos anos 40, que talvez pudessem ter contribuído para matizar um pouco m·ais várias das questões que abordamos.

***

O que é o cinema nacional, o que é caráter nacional do cinema brasileiro para os autores que escrevem sobre cinema na época?

Para fazer esta pergunta é necessário que nos importemos com a questão, que queiramos problematizar a expressão “cinema nacional” ou o caráter “nacional” do cinema brasileiro. Na bibliografia existente relativa à história do cinema brasileiro, os historiadores não se colocam este problema. Provavelmente porque aceitavam como óbvia a questão do nacional no cinema, porque a postura nacionalista lhes parecia como algo de espontâneo e necessário por parte dos defensores do cinema brasileiro. Porque as posturas nacionalistas dos períodos anteriores lhes pareciam antecedentes de suas próprias posturas, as quais eram vistas como o prolongamento, eventualmente aperfeiçoado, do passado. A Paulo Emílio Salles Gomes não escapam certas ingenuidades de Adhemar Gonzaga, cuja atuação na revista Cinearte ele estudou no Humberto Mauro, não lhe escapam o que ele parece julgar excessos, como uma certa xenofobia. Mas o que critica ou ironiza são algumas arestas, ele não questiona a posição ideológica básica de Gonzaga em relação ao nacionalismo, e outras afins.

O fato de nós levantarmos a questão provém certamente de que não sentimos uma harmonia ideológica espontânea e necessária com tais posturas, nem nos parece óbvio o que seja cinema ”nacional”. O nosso passo inicial é então uma espécie de morfologia: nos textos, o que “eles” entendiam por “cinema nacional”? Pergunta e eventuais respostas poderão auxiliar na percepção do que é hoje prolongamento, transformação, ruptura em relação ao passado. Foi esta a gestação do nosso presente?

Isto nos leva naturalmente a investigar as décadas que são objeto deste trabalho sob um enfoque preciso: isolar a temática “nacional” e “popular” de um contexto cultural mais amplo.

Se podemos fazer esta pergunta – o que “eles” entendiam por “cinema nacional”? – é porque também na época estudada a expressão era um tanto problemática.

Nem sempre foi assim. No início (fim do XIX, primeiros anos do século XX), a palavra “nacional” aplicada ao cinema) não constituía problema – parece. Ela indicava um fato, a nacionalidade de um filme, mas não era uma questão de mérito, não carregava consigo um quadro de valores: “nacional” não implicava boa ou má qualidade, não se opunha a estrangeiro – a indicação de nacionalidade dos filmes “nacionais” apenas diferenciava estes dos de outras nacionalidades. Entre diversos textos publicitários levantados por Vicente de Paula Araújo, citamos como exemplo este da Gazeta de Notícias de 21.6.1900:

“O Salão Paris no Rio entrou em nova fase de atividades exibindo vistas lindas nacionais e estrangeiras (…) Apesar de serem todas elas muito nítidas e verdadeiras as reproduções dos fatos, notamos as seguintes:(…)”. (VPA)

e na relação que se segue são destacadas indiferentemente películas nacionais e estrangeiras.

Alguns anos mais tarde, porém, aproximadamente a partir de 1910, a palavra ”nacional” se problematiza já não é apenas indicação de nacionalidade, e sua relação com “estrangeiro” deixa de ser simples. O que entendiam ”eles”, então, por “cinema nacional”? É impossível definir, mas uma série de aproximações pode ser feita.

Com certeza, não basta o simples fato de um filme ter nacionalidade brasileira, ter sido feito no Brasil, para que se considere ter ele um caráter nacional. Ou pelo menos não basta ter sido produzido no Brasil para que seu assunto seja nacional:

No atelier de Paschoal Segreto, “já se têm feito milhares de metros de fitas sobre centenas de assuntos nacionais ou não, destacando-se dentre aquelas vários aspectos da Exposição Nacional de 1908, embarque e desembarque de pessoas notáveis (… )”. (Gazeta de Notícias, 25.4.1910, citado por VPA)

De O Vale dos Martírios, de Almeida Fleming, e de Tesouro Perdido, de Humberto Mauro, diz Cinearte que eles

“possuem nacionalidade nas suas cenas”. (16.3.1927)

Por mais que dezessete anos me deem estas duas citações, e que o peso das palavras tenha mudado, em ambos os casos se verifica que a nacionalidade não basta para que se atribua o qualificativo “nacional” a um filme e se diz de um filme brasileiro que ele possui nacionalidade, é que pode haver filmes brasileiros que não possuam, ou possuam menos.

Uma linguagem cinematográfica nacional?

Este “possuir nacionalidade” está sempre vinculado ao fato de mostrar o que é “nosso”, de transpor para a tela os “nossos” usos e costumes, belezas naturais, acontecimentos e personalidades etc. É assim que o cinema brasileiro se realiza enquanto tal:

O Cinema Brasileiro vai cumprindo a sua verdadeira finalidade, desvendando nossos ritmos, nossos artistas, nosso folclore… ” (a propósito de Cidade Mulher, O Cruzeiro, “Cinema Brasileiro”, 21.3.1936) (Grifo nosso)

Então, uma primeira observação: o “nacional” vincula-se ao que o filme mostra, não àquilo que ele é, não à sua forma ou linguagem. Pode eventualmente despontar longínqua preocupação com uma linguagem cinematográfica brasileira. Por exemplo, é o que se verifica num comentário publicado na Gazeta de Notícias de 24.4.1910 (citado por VPA) a respeito de um filme apresentando uma revista de fim de ano:

“Revista, gênero que é pela primeira vez no mundo explorado em cinematógrafo ( … ) a revista vem marcar uma nova e brilhante fase nos anais da cinematografia universal (…) Até agora o cinema não tinha aproveitado para os filmes o gênero revista. Tudo o mais tinha sido adaptado com sucesso: o drama sanguinolento, a mágica fantástica e colorida, a comédia brejeira, a burleta, a opereta. Quase todos os grandes autores têm tido cinematografadas as suas obras primas. A revista escapara, entretanto. A revista! O gênero que mais apaixona e entusiasma o nosso público (…) As dificuldades de estrear um gênero novo, o sacrifício de dinheiro para montar, posar, ensaiar uma peça em que o maior encanto vem dos ditos felizes, das situações brejeiras que se devem casar uns aos outros com exatidão, oportunidade e propósito. Estas dificuldades venceu-as o cinematógrafo Rio Branco.”

Mas a inovação aqui aludida consiste apenas na transposição para a tela de um gênero familiar no palco, sem que haja preocupação específica com a linguagem cinematográfica. Outro exemplo:

“O detalhe da vela denotando o tempo, já temos visto em filmes estrangeiros, mas o motivo que o determina é original e é nosso.” (Cinearte, 16.3.1927, a respeito de Tesouro Perdido)

Trata-se aqui, não tanto de encontrar uma especificidade ou caráter nacional de uma linguagem cinematográfica, e sim de adequar a linguagem internacional (vela queimando denota passagem de tempo) a um quadro cultural brasileiro.

Mas esse tipo de comentário é excepcional. Pode-se ainda encontrar alguma referência à luz. Em O Cinema em Campinas, Carlos Roberto comenta:

“No campo técnico, por outro lado, segundo Luiz de Barros, a superioridade brasileira é incontestável, pela simples razão da luz do Brasil não ter nada a ver com a luz do estrangeiro” (p. 146),

e cita comentários de Luís de Barros em Selecta:

“Cinematografar no Brasil é tão diferente de cinematografar na Europa e na América, como a água do nankim é a tinta preta que eu conheço. (sic)

Aqui esteve o sr. dr. Black, que em companhia de um nosso companheiro patrício, o sr. Stamato, quiz cinematografar um drama posado pelo conhecido dansarino Duque. Usava medidores de luz, vidros foscos, etc. E, quando a película era revelada, ele só tinha uma frase, única que sabia em português:

– Mi non comprende sol de Brasil.

E era então o nosso patrício que de novo filmava a cena, e dessa vez com luz sempre boa.”

Não que não se encontrem textos com preocupações linguísticas. Em Cinearte, por exemplo, são inúmeras as referências ao “subentendimento” (arte não de mostrar, mas de sugerir), tida como forma básica de expressão cinematográfica. Mas em nenhum momento a tese do “subentendimento” é dada como brasileira ou nacional, nem é dito que haja uma forma especificamente brasileira de “subentendimento” – aliás, pelo contrário, é dito com frequência que nisto os americanos são mestres.

Diz-se que Humberto Mauro falava em “ritmo brasileiro”, mas não encontramos nenhum texto a respeito. Lemos, inclusive, 47 das 48 palestras radiofônicas feitas por ele nos anos 40, e nelas não se encontra uma reflexão formal num sentido nacionalista, mesmo quando fala em fotografia ou montagem. A não ser nestes dois trechos:

“(…) Eu já disse em palestras anteriores que através do Documentário, nós, aqui no Brasil, poderíamos caminhar para uma nova modalidade de cinema.

A nova modalidade seria exatamente pôr de lado toda e qualquer regra ou teoria de fotogenia até agora usadas.

Trabalhar livremente (…).”(palestra de 22.1.1944)

“Ao invés de seguir a compreensão da beleza imposta pelas regras do cinema americano, “podemos perfeitamente conseguir beleza, mas a nossa custa – pondo em atividade o nosso poder de criação, aplicando os nossos·próprios recursos técnicos.

Se a gente fizer isso sem outra preocupação senão a de fazer arte, estaremos, por certo, fazendo coisa nova… (…) Nós aqui no Brasil devemos começar desde já a seguir um caminho melhor. Produzir com absoluta independência artística e técnica.

Produzir filmes nos quais a semelhança técnica ou artística com teorias impostas por qualquer escola seja mera coincidência.” (palestra de 29.1.1944)

Nas palestras, a preocupação com uma eventual linguagem brasileira não vai além disso, e o vocabulário usado por Mauro quando fala de planos é americano (long-shot, close-up etc.), apesar de ter havido, na década de 20, tentativa de constituição de vocabulário técnico brasileiro, no tocante pelo menos à designação dos planos (Cinearte registra a nomenclatura de A. de A. Fagundes: palco, meio-palco, busto, meio-busto). O mesmo se pode dizer de Antônio Campos: nos textos publicados em A Fita (1918), tal como estudados por Ismail Xavier, não se percebe preocupação quanto a uma linguagem brasileira ou nacional.

A linguagem cinematográfica parece não ter nacionalidade específica, o que permite colocar como padrão de qualidade para o cinema brasileiro o cinema estrangeiro. É exatamente na medida em que se equipara qualitativamente (como técnica e linguagem) ao cinema estrangeiro, que o cinema brasileiro, desde que mostre o que é “nosso”, se afirma como “nacional”. Frases como

“A Batalha de Flores no Parque da República (…) se não excede, iguala-se às melhores feitas no estrangeiro”. (Gazeta de Notícias, 19.10.1909, citado por VPA)

são inúmeras. A meta é exatamente esta: atingir essa qualidade estrangeira. A equiparação com a qualidade estrangeira poderá inclusive ser uma maneira de filmes brasileiros rivalizarem entre si, e não com estrangeiros:

“A Photo Cinematografia Brasileira sente-se orgulhosa de ser a única que até agora tem apresentado trabalhos nacionais que emparelham com os melhores fabricantes estrangeiros, e pede mais uma vez, insistentemente, aos amadores do cinematógrafo, que não confundam as fitas nacionais do Cinema Palace com as de outras casas do seu gênero. Ver e confrontar.” (Gazeta de Notícias, 15.1.1908, citado por VPA)

Quando a questão da sobrevivência dos produtores brasileiros no mercado se coloca mais intensamente, a partir de cerca de 1915, inúmeras vezes encontramos frases afirmando que muitos filmes brasileiros são superiores a uma grande quantidade de mediocridades estrangeiras que vêm sendo exibidas no Brasil.

É tão verdade que a linguagem não possui nacionalidade que cineastas como José Medina, Eduardo Abelim, Humberto Mauro e outros, recordando em depoimentos recentes a sua iniciação cinematográfica, declararam que a melhor maneira de aprender a fazer filmes nacionais era ir ao cinema ver filmes estrangeiros. Não só: os brasileiros podem ir aos Estados Unidos aperfeiçoar seus conhecimentos para fazer um melhor cinema “nacional”. De José Medina partindo para os EUA, diz Cinearte:

“Vai lá ver, aprender um pouco do progresso do Cinema Americano, visto realmente como ele é, e como pode aproveitar a nós mesmos.” (10.8.1927)

De Adalberto de Almada Fagundes, Cinearte disse a mesma coisa. Mais ainda: um cinema brasileiro com características nacionais, conforme alguns, poderia até ser feito por estrangeiros. A respeito de Colheita, Preparação e Embarque do Café e Viagem de Sua Excelência Paul Doumier ao Brasil, a Gazeta de Notícias de 4.1.1908 comenta:

“Imponente exibição de fitas de assuntos nacionais especialmente editadas para o Brasil pela Casa Pathé Frêres.” (citado por VPA)

Nenhuma incongruência, já que é pelo “assunto” que um filme se qualifica como “nacional”. E mais:

“Uma companhia americana que vem ao Brasil. Cenas e costumes nacionais na tela. Mais de uma vez se tem anunciado a formação de grandes empresas cinematográficas no Brasil, e a cada uma delas se tem o tempo encarregado de opor cabal desmentido. As empresas assim anunciadas conseguem, uma ou outra vez, despertar grandes esperanças entre os apreciadores da cena muda, mas a realização de tais sonhos tem invariavelmente ficado para as calendas gregas. E o povo volta a admirar na tela, entre cenários estranhos e longínquos, os seus prediletos Toros Mix, Wallaces, Pearls, Normas, Harolds, Chicos Boias, Carlitos, etc., sem mais cuidar em ver nenhum desses ‘astros’, em carne e osso, a fixar romances, dramas ou comédias em ambientes e terras brasileiras(…). Entretanto, é essa justamente a notícia que ora nos chega …). A empresa Twins Americas Film Company, de New York, resolveu enviar ao Brasil uma companhia para produção de grandes fitas como as que percorrem todas as salas do mundo, afim de aqui se fixar e aproveitar os recursos naturais de nosso país, os nossos costumes, tradições, etc. (…) Traz a companhia já no seu repertório 62 histórias, além dessas conta utilizar aqui romances tipicamente brasileiros(…). Constitui essa última parte dos projetos da empresa um elemento de estímulo à nossa produção literária, pois os romancistas brasileiros verão assim aberto mais um veio à sua imaginação (… ).”(O Estado de S. Paulo, 29.4.1923)

Tais planos não se concretizam, mas permanece a aspiração de ver os temas brasileiros transpostos para a tela pelos americanos. Vinte anos mais tarde, A Scena Muda (1.8.1944) insiste na questão em termos enérgicos: ver na tela os nossos temas é direito nosso, que devemos cobrar dos americanos.

“A História do Brasil é rica, fértil e abundante de fatos e vidas dignas de serem focalizadas, com especial cuidado, pelo cinema. Isto não é novidade e não somos os primeiros a tocar em tão relevante assunto (… ). [Porém] a grande indústria norte-americana do cinema, mau grado nossa expectativa, nossas sugestões e aquelas que dezenas de pessoas bem intencionadas têm feito, parece não dar grande importância a isso tudo, apesar de ser o Brasil seu principal mercado no exterior (…). A divulgação da nossa história aos próprios norte-americanos, como um meio de melhor nos aproximarmos, seria uma ótima política de boa vizinhança. Já estamos fartos dessas histórias do oeste americano e as suas conquistas! Chega dos fardões da guerra de secessão. Queremos um pouco de nós também. E podemos exigir, pois somos os seus melhores e mais fiéis fregueses.”

Para Eloy Cerqueira Cesar (em Carmen Santos, trabalho inédito de Ronaldo Beery, transcrito de A Scena Muda) são mesmo os americanos nossa única esperança de ver na tela os nossos heróis, dada a incompetência da indústria cinematográfica nacional.

“(…) nessa incessante busca aos arquivos históricos que o cinema americano vem empreendendo, por certo deverá chegar o dia em que os do Brasil serão rebuscados, já que a nossa incipiente e desamparada indústria cinematográfica não os sabe utilizar. Então talvez tenhamos exaltada a grandeza insuperável de espírito e alma dos nossos heróis nas epopeias que passaram à história como exemplo de civismo e bravura inigualáveis.”

E não só isso. Também:

“O simples bom senso nos diz que, ao invés de procurarmos agir como concorrentes dos americanos, nós deveríamos proceder como aliados, isto é, trabalharmos para eles. E não é difícil conseguir que eles sejam os distribuidores dos nossos filmes, no nosso próprio país.” (Selecta, 13.9.1924, citado por Carlos Roberto)

afirma Luiz de Barros.

Ainda em 1947, encontramos ideias semelhantes em artigos de Pedro Lima, grande defensor do cinema brasileiro. Falando de produtores americanos:

“(…) mas ao que consta nenhum deles veio até aqui para abrir novos cinemas, construir um estúdio, cooperar com os nacionais no progresso do cinema. Eles têm uma fobia invencível de arriscar o seu dinheiro em negócios arriscados.” (O Cruzeiro, 3.5.47)

Falando do produtor George Randall (o nome mencionado em outras fontes é Howard Randall), que teria manifestado a intenção de se instalar no Brasil, Pedro Lima insiste:

“(…) Em todo caso, vamos aguardar o empreendimento de G. R. (…) que promete iniciar a nossa produção cinematográfica em caráter industrial.” (O Cruzeiro, 12.7.1947 – grifo nosso).

Ou então, como diz ironicamente Guilherme de Almeida:

“(…) porque não haveríamos de ter também uma filmagem brasileira, mesmo copiada da estrangeira (grifo nosso), uma filmagem que, pelo menos, se dissesse ‘nacional’ ou ‘nacionalista’, ‘brasileira’ ou ‘brasileirista’ (… ). (O Estado de S. Paulo, 9.3.1927)

E assim, não é incoerente dizer de A Caipirinha, cujo traço característico é ter “assunto sertanejo”, marca do nacional, que é

“o único filme até hoje editado em estilo americano” (O Estado de S. Paulo, 21.8.1919),

e isto, para valorizá-lo.

O que caracteriza o Brasil é a matéria-prima, não o método de tratá-la. Este é “universal” e, em última instância, tanto faz seja ela tratada por brasileiros ou americanos, desde que seja por quem saiba usar o método, e se disponha a fazê-lo no Brasil. Embora essa matéria-prima também possa ser exportada: é cantado como vitória brasileira o convite feito a Lia Torá e Olympio Guilherme para trabalharem em Hollywood.

A representação e o representado

Não há, portanto, radical incompatibilidade entre um cinema “nacional”, entre a defesa dos interesses do cinema brasileiro, e a feitura desse cinema por americanos ou com métodos americanos (talvez nem todo mundo concordasse com estas posições; mas não temos indícios de vozes discordantes).

Encontramos, ao nível da representação, um certo universalismo (palavra esta nunca usada); ao nível do representado é que se deve buscar a diferenciação, mostrando o que é “nosso”. Ao nível do representado – quando predomina a preocupação com o “nosso” – a imitação é negativa:

“A indústria nacional(…) andava por aí imitando o trabalho estrangeiro, mas com uma subalternidade de vistas que, por melhor boa vontade que tivéssemos em acoroçoar as tentativas do esforço indígena, o mesmo era que alargar o âmbito aos pretenciosos e verificar depois uma falha de produção absolutamente desprovida de mérito.” (O Estado deS. Paulo, 22.6.1917)

Em Klaxon, Mário de Andrade comenta, a respeito do cinema brasileiro:

“Acender fósforos no sapato não é brasileiro. Apresentar-se um rapaz à noiva na primeira vez que a vê, em mangas de camisa é imitação de hábitos esportivos que não são nossos. E outras coisinhas. É preciso compreender os norte-americanos e não macaqueá-los. Aproveitar deles o que têm de bom sob o ponto de vista técnico e não sob o ponto de vista dos costumes.” (15.6.1922, citado por Ismail Xavier)

Porém, para o articulista da seção “Cinelândia” de O Cruzeiro (provavelmente Pedro Lima), se imitar é mau, inovar também é, de modo que nos perguntamos qual seria a alternativa:

“Havia, de começo, dois prejuízos que amarravam por completo o cinema nacional e a sua hipotética produção: o desejo de imitar o cinema estrangeiro e a vontade francamente condenável de inovar. Os poucos produtores que se atiraram a fazer cinema entre nós pecaram justamente por essas duas grandes falhas”. (nº 34, 27.6.1931, citado por Ronaldo Beery)

A representação

Na representação do que é “nosso”, encontramos duas tendências: a representação do Brasil rural e a do Brasil urbano. A primeira tendência é a da exaltação da natureza e dos usos e costumes do interior.

“A nossa flora e a nossa fauna na plenitude de sua admirável grandeza. É um hino de glória à nossa terra.” (O Estado de S. Paulo, 1924, a respeito de Brasil Grandioso)

“Um deslumbramento de tudo o que é nosso, de tudo que vive para a grandiosidade e beleza do nosso querido solo; um filme mais que interessante pelo que nos mostra da fauna e da flora exuberante das nossas matas.” (O Estado de S. Paulo, 1928, a respeito de Nos Sertões do Brasil)

Quem se exalta com o filme sinfônico da grandiosidade brasileira é Blaise Cendrars que, em 1925, descreve o seu “filme 100% brasileiro” que não se realizou:

“Espetacular demais. Ninguém imagina um país assim. Escutem aqui, meus amigos, nós vamos fazer um filme, um filme de todos os diabos. Nós vamos lhes mostrar um pouquinho o que é a floresta virgem, os rios gigantes, o mato, a selva, o sol, os trópicos, o homem branco que desembarca nisso tudo, que doma o país, que constrói sua nova pátria…

(…) um grande filme de propaganda, a história da formação do Brasil, as imagens sintéticas que deviam multiplicar a rapidez dessa produção para atingir a imaginação das multidões, uma bela história de amor que devia servir de veículo ao exotismo da natureza e à luta secular ou à rivalidade dos pioneiros avançando na floresta e dos engenheiros modernos que vieram revolucionar totalmente o equilíbrio econômico desse imenso, mas como todos os colossos, desse frágil país(…) uma grande obra nacional (…) um grande documentário captando a realidade, fielmente. Vou tratar de encontrar o capital logo que voltar para a França, e juro que vou fazer um filme tão realista que será uma revolução, mesmo para os brasileiros. Um filme sobre o Brasil deve ser um filme 100% nacional (…) Minhas vedetes serão as grandes vedetes do Brasil, isto é, a natureza e a luz, e as personagens principais do meu filme serão a floresta virgem e um desses rios gigantes que, historicamente, foram os caminhos de penetração na floresta, como por exemplo o rio Tietê, que permitiu aos paulistas de se apropriar de todo o Interior, mas também, mas sobretudo de criar a nacionalidade especificamente brasileira, impondo sua unidade moral a zonas tão diferentes (para não dizer antipódicas) como por exemplo os gaúchos do Rio Grande do Sul, e os caboclos do São Francisco ou da Amazônia, no Norte (…).”

Antônio Campos é um dos melhores exemplos da valorização dos usos e costumes do interior. Em O Estado de S. Paulo, diz-se de O Curandeiro (1918), realizado num momento em que o cinema vinha sendo feito por pessoas “que não possuíam os conhecimentos necessários para darem um cunho verdadeiramente brasileiro” aos filmes, num momento em que o mercantilismo queria “abafar as nossas tradições, santas tradições e costumes”, que Antônio Campos realizou um filme

“cujo enredo é simples e tradicional, tão simples como a alma brasileira. Teremos pois um filme gracioso, porque, infelizmente, pouco sabemos daquilo que é nosso.” – “Um filme de costumes nacionais em que se espelha a vida simples do caipira em todos os seus detalhes, crendices e ingenuidades.”

E em diversos outros jornais encontramos a respeito deste e doutros filmes essa exaltação da vida “simples”, “rústica”, “ingênua” e “despreocupada” do sertanejo.

E esse “nacional”, podemos encontrá-lo num período ainda anterior ao sertanejo:

“(…) o cinema brasileiro apresenta agora o seu cartão de visita verde amarelo com tangas, flechas, cocar e outros· artigos de indumentária nacional de quando não tínhamos aeroplanos, automóveis, cafés expressos e outras coisas discricionárias (…)” (Diário Nacional, 4.7.1931),

diz João sem Tela com ironia.

A reprodução ou autenticidade desses usos e costumes na tela não é algo dado. É algo a construir e, por maior que seja a honestidade e empenho, pode haver falhas. Esta questão não é muito tematizada na época, mas ela existe, conforme os comentários que transcrevemos abaixo. Desse mesmo O Curandeiro diz o Correio Paulistano:

Os atores “se disbaratavam em delicados comprimentos de gente civilizada ao defrontarem um amigo. O nosso desconfiado caipira (…) quando a alguém cumprimenta, leva a mão ao chapéu, porém não se descobre. Essa é a saudação do caboclo.” (10.1.1918)

E Cinearte escreve a respeito de Tesouro Perdido:

“São nossos todos os ambientes, os tipos, os usos, os costumes todos, à exceção daquela cena com o taverneiro, quando ergue os braços à americana.” (16.3.1927).

Portanto, encontramos dois obstáculos à reprodução autêntica dos nossos usos e costumes: as maneiras civilizadas e a familiaridade com o cinema americano. Além de uma dificuldade mais geral e indefinida que são as limitações e características do meio:

“(…) Carmen Santos vai realizando o que pensa. O que imagina. O que o meio permite. Assim foi a Favela dos Meus Amores. Qual filme brasileiro que apresentou tanta cor local?(O Cruzeiro, 11.2.1939, citado por Ronaldo Beery)

Afirma-se que o filme tem “cor local” – mas o que é cor local? O contexto deixa claro que de novo se trata da representação dos nossos usos e costumes, do nosso ambiente, do nosso meio. Que não se deixa captar facilmente. Humberto Mauro, que foi o diretor de Favela dos Meus Amores, sabe das dificuldades dessa representação e coloca uma posição mais complexa e matizada:

“O nosso filme será, sem dúvida, aquele que virá transportar para a tela o ambiente brasileiro, e isto à medida que se for estudando e interpretando o nosso meio; esse estudo e essa interpretação só poderão ser feitos através do trabalho prático da análise a quente do meio nacional em que vivemos, processada incessantemente, com a paciência inabalável dos tenazes.” (Cine Jornal, 27.2.1937, citado por Carlos Roberto em “Um pioneiro à espera de discípulos”, Jornal do Brasil, 14.5.1977)

A mesma ressalva faz Mauro em relação ao uso da natureza, que tampouco é um dado imediato e requer elaboração:

“A natureza brasileira é um estribilho que se fixou no subconsciente nacional, operando em nós manifestações prejudiciais. Uma delas, a mais nociva, é a nossa proverbial vaidade de dormirmos sobre os louros desse privilégio, sem darmos conta do trabalho que precisamos empreender para dominar essa mesma natureza. A arte, no Brasil, salvo raras exceções, está dominada pela natureza.

No entanto, sabemos que agora, mais do que nunca, já é tempo de fazermos salientar o homem brasileiro, removendo para um segundo plano o cenário natural em que ele se move (… )” (palestra de 1932, reproduzida em Humberto Mauro, sua vida… ).

Insistamos sobre o fato de que a representação dos ambientes “nossos”, fundamentalmente rurais, entendida como reprodução imediata ou como fruto de uma interpretação, assume sempre um caráter nacional. A representação de ambientes paulistas no caso de Antônio Campos, ou mineiros no caso de Humberto Mauro, não é entendida como representação de ambientes regionais (que poderiam, por exemplo ser interpretados como diferenciados em relação a ambientes de outras regiões do Brasil), mas sim como representação do “nacional”. O que atingimos através da representação do regional dizem estes textos – é o “nacional”, é essa categoria geral chamada “homem brasileiro”. Não encontramos textos que tematizem essa relação entre o regional e o nacional. A significação do “nacional” pela representação do regional aparece sempre como óbvia. Se por acaso um texto aludir a diferenças regionais será para salientar que esta unidade chamada “homem brasileiro” tem componentes diversificados, o que só valoriza a unidade.

Deve-se ressalvar o fato de que a maior parte da documentação usada neste trabalho é proveniente do eixo Rio/São Paulo, o que talvez explique a insistência sobre o “nacional” como forma de unificação abstrata (e possivelmente de dominação). É possível que pesquisas de textos provenientes de outras regiões permitissem outros enfoques da relação regional/nacional. É o que ocorre em textos citados por Antônio Jesus Pfeil sobre o cinema no Rio Grande do Sul: eles enfatizam o caráter tipicamente gaúcho das danças, usos e costumes apresentados nos filmes. Os textos relativos ao cineasta Eduardo Abelim também frisam o fato de que a “novel indústria” cinematográfica é riograndense. Até onde vão os nossos conhecimentos atuais, no entanto, o caso gaúcho constitui exceção.

Nacional e não popular

Esse Brasil sertanejo é evidentemente uma das representações do “popular” que o cinema brasileiro apresentou no decorrer sua história (e até hoje). No entanto, ele nunca é reivindicado nos anos 1910, 1920 e 1930 como popular, mas sim como brasileiro ou nacional, ou “nosso”.

Não que a palavra “popular” não fosse usada. Até cerca de 1912, diz-se, por exemplo, de um cinema no Rio de Janeiro, o Rio Branco, que é “popular”: o Rio Branco é então o cinema mais elegante da cidade, frequentado por uma elite mundana, e popular aqui significa “muito frequentado pelo público”. Parece ser essa, em geral, a acepção do termo muito conhecido, apreciado pelo público, sem nenhuma explicitação quanto ao tipo de público, podendo inclusive referir-se implicitamente a um público de elite, como o do cinema Rio Branco. E se se tratasse de outro público, talvez se usasse outra palavra. A revista FonFon comenta em 19.10.1907:

“Sem contar os que fazem as delícias do Zé povinho ao ar livre, cada dia inaugura-se um cinematógrafo em amplos salões artisticamente decorados”. (citado por VPA)

Quando aplicada a filmes, aliás tanto brasileiros como estrangeiros, a palavra tem o mesmo sentido: “popular” é o apreciado pelo público. Assim, podia-se dizer de Os Guaranis, pantomima filmada por Antônio Leal no picadeiro do circo Spinelli, que se inspirava no popular romance de Alencar, ou que apresentava o popular palhaço negro Benjamim de Oliveira.

Outros significados da palavra “popular” parecem despontar em alguns textos, sem que consigamos precisar o seu sentido porque são aparições breves e muito raras. Por exemplo, a propósito de Uma Lição de Maxixe – ou O Professor de Dança Nacional, único filme brasileiro em que encontramos a palavra “nacional” no título – fala-se em “dança popular” (citado por Alex Viany); talvez o significado seja o mesmo indicado antes (dança de muito sucesso, muito conhecida, muito apreciada), talvez queira dizer dançado povo. De um filme de 1912 (citado por VPA) diz-se que transpunha para a tela “provérbios populares, desenhados por Vianna”. O Padre Vendedor de Fósforos, de 1908, apresentava “um tipo popular das ruas cariocas” (citado por VPA). Um filme de Júlio Ferrez intitulava-se Aspectos Populares do Carnaval (também citado por VPA). E estes são os únicos casos que encontramos em que a palavra “popular” pode ter um sentido diferente de “apreciado pelo público”.

Se o problema de “ser nacional” no cinema brasileiro é algo que, como vimos, se propõe muito cedo, a preocupação com o “ser popular” – é tardia – ou pelo menos parece. É claro que, quando expressa nos filmes, a busca de um cinema nacional, da “brasilidade”, deve acabar resultando também na descrição do “povo brasileiro” – o que faz do nacional um caminho para o popular. A cada vez que o cinema procura retratar comportamentos típicos, um modo de vida, a crônica dos costumes, as crenças e usos, tudo isso se refere a um povo brasileiro. É o que faz com que, a posteriori, a visão de historiadores ou realizadores atuais projete sobre estes filmes uma preocupação com o registro documental do comportamento e ambientação populares, que pode efetivamente ter existido – ou não. Por exemplo, Vladimir Carvalho, historiando o desenvolvimento do curta-metragem no Brasil, sugere que

“No quadro de fragmentação que foi sempre a história do nosso cinema, no primeiro surto de filmes de curta duração realizados na ‘era de ouro’, entre 1907/11, já havia uma preocupação, embora tímida e inconsciente, em registrar o cotidiano das ruas, os acontecimentos e figuras populares. No Rio de Janeiro, o português Antonio Leal criou a série Tipos e Coisas Curiosas, periodicamente apresentada, e Vicente de Paula Araújo, estudioso desta fase, chama de documentário a outro curto de Leal, Aspectos da Avenida – O Padre Vendedor de Fósforos” (“Breve apresentação do curta-metragem nacional”, in Cultura, ano 6, 24, jan.-mar. 1977, p. 22).

Alex Viany, por sua vez, enfocando o desenvolvimento no cinema brasileiro de uma “temática político-social” voltada para as lutas e reivindicações populares, aventa a hipótese de que

“(…) se tivéssemos de buscar um precedente remoto para tais tentativas, talvez fôssemos encontrá-lo num filmezinho perdido de 1912, A Vida de João Cândido, feito por um exibidor desconhecido da Avenida Marechal Floriano, no Rio de Janeiro, e logo proibido pela polícia – isso sem esquecer as preocupações do primeiro de todos os nossos cinegrafistas, Alfonso Segreto, com comícios em praça pública e reuniões pioneiras de operários” (“O Velho e o Novo”, in Arte em Revista, nº 2, ano 1, maio-agosto 1979, p. 65).

Não encontramos, porém, nenhum texto de época que nos desse um ponto de apoio para aprofundar tais sugestões. A bem da verdade, é preciso reconhecer que elas informam mais sobre a atualidade de seus autores do que sobre a época a que se referem.

O que não quer de forma alguma dizer que não havia na época filmes que não hesitaríamos em qualificar de “populares”, pelo menos numa das acepções que a palavra tem hoje, ou seja, de temática referente ao povo; e isto desde o primeiro filme de enredo de que se tem notícia, Nhô Nastácio Chegou de Viagem (1908), nem que seja pelo seu próprio título. Mas em nenhum momento percebe-se qualquer preocupação em qualificar estes filmes como populares, nem de diferenciá-los de outros cuja temática não seria popular. Anunciam-se “Aspectos do Pic-Nic Operário”, “Festa dos Marinheiros na Tijuca” ou “Reunião dos Círculos Operários em São Paulo”, como se anunciam “Os Oficiais da Guarda Nacional Esperando o Presidente”, “Um Banquete no Jockey Club” ou “A Visita dos Reis da Bélgica” – trata-se de acontecimentos de atualidade. Filma-se o Bando Precatório para as Vítimas da Seca do Ceará, mas mesmo que se filmassem as próprias vítimas não teríamos, em matéria de informação, mais que um título de filmografia. Nenhum indício sobre qualquer espécie de diferenciação no tratamento dado a estes diferentes temas.

Um veio de pesquisas potencialmente rico apontado por Alex Viany – procuro destacar, no aglomerado de “naturaes”, a produção documental de um número grande de cinegrafistas ligados a círculos anarquistas em vários pontos do país, nas primeiras décadas do século – nuncaJoi explorado.

Nesta linha de preocupações, cabe lembrar também a vinculação apontada por estudiosos do cinema paulista dos anos 20 entre a produção cinematográfica e os centros operários de cultura, sobretudo italianos: a participação do cinema no “esboço de cultura operária” (Crônica do Cinema Paulistano) que se tentou criar a partir desses centros. Em que medida tais filmes, que poderiam ser classificados como “populares”, falavam do povo ou dirigiam-se ao povo, é difícil dizer. Mas sem dúvida eram produzidos no seio das camadas populares – pelo povo – e refletiam, mesmo ao tentar retratar a burguesia, um universo cultural que não era burguês. Nada disto, porém, foi tematizado nos textos da época, nem mesmo em depoimentos atuais sobre as preocupações da época.

O que transparece em depoimentos – por exemplo os relatos de Joaquim Garnier, José Medina ou Menotti del Picchia sobre o cinema brasileiro do período mudo – é a ideia mal delineada mas claramente presente de um cinema popular porque pobre e vagabundo. Neste sentido eivado de significados pejorativos, o cinema nacional é popular porque tão primário que só pode ser apreciado pelo povo – a plebe, as camadas mais populares do público. É também neste sentido – destituído da carga pejorativa – que Nicola Tartaglione ou Arturo Carrari identificam como o público apreciador de alguns de seus filmes (por exemplo os religiosos) o frequentador de, modestos cinemas de bairros ou do interior – o povo – não se dando ao trabalho de sequer de tentar distribuí-los em outro âmbito. Assim como Eduardo Abelim escolhe para lançamento de seu primeiro filme o cinema Talia por ser “o cinema dos operários” (depoimentos a MRG).

Esta vaga acepção de popular qualificando o filme brasileiro, que se configura no decorrer dos anos 1920, ganharia força e generalidade a partir do final dos anos 1930, e sobretudo nos anos 1940 e 50, em que “popular” – sobretudo quando o termo é aplicado às comédias populares – é decididamente sinônimo de “vulgar”.

Contra este cinema “vulgar”, que se propõe como ”popular” porque se supõe apreciado pelo povo, insurge-se a crítica que deseja um cinema brasileiro de qualidade. Para Pinheiro de Lemos (crítico de O Globo, Rio, anos 40), por exemplo,

“o caso é que se gerou, talvez no cérebro de algum produtor convencido de sua própria esperteza, a ideia de que no Brasil só poderiam fazer sucesso os filmes vulgares, chulos e idiotas. De acordo com essa opinião, o público do Brasil fugiria como da peste dos filmes bem feitos, sem tolices, e com intenções mais elevadas, por sua incapacidade intelectual e afetiva de compreendê-los e apreciá-los. Só o que fosse primário, errado e idiota conseguiria a adesão do público” (“Cinema: Films de Carnaval”, in Cultura Política, DIP, Rio de Janeiro, s.d. – arquivo Alex Viany).

Nos anos 20, como reforço deste popular significando próprio do populacho, há o fato de que a atividade cinematográfica era sobretudo exercida entre as camadas mais pobres da população – e mais especificamente, era exercida por imigrantes ou seus descendentes. Em São Paulo, este fato irá acrescentar à ideia de cinema nacional mais um aspecto contraditório – que terá consequências e peso significativo apenas nos anos 1050, mas já se faz sentir pelo menos a partir dos anos 1920: o cinema nacional será acusado de pouco brasileiro, entre outros motivos, porque feito por estrangeiros (claro que não se trata do ”bom estrangeiro”). O que aliás por vezes é dito de modo menos delicado, que salienta a carga preconceituosa; neste sentido, uma das características do cinema nacional em que a crítica paulista se apoia para desprezá-lo é o fato de ser um cinema de “carcamanos” – e esta expressão, por sua vez, de imediato nos reconduz ao “popular”: em São Paulo nos anos 1920, carcamano é o operário. Assim, a propósito de um ator que não é sequer paulista quanto mais do Brás, critica-se o cinema nacional por compor seus personagens com

“(…) Gaetaninhos do Brás; indivíduos da maior falta de discrição e de linha, árbitros de uma elegância cafajeste, barbeiros napolitanos ou torneiros espanhóis transviados para o écran” (Diário Nacional, 1930).

É somente na década de 30 – ao que parece – que a preocupação com o popular como “retrato do povo” se configura, encarnada em alguns filmes que de algum modo se propunham como populares.

De Favela dos Meus Amores (1934), por exemplo, diz-se que pretendia retratar a vida das favelas cariocas – e Henrique Pongetti (correspondência, Arquivo Paulo Emilio Salles Gomes), autor da história, responsabiliza diretamente o estrelismo de Carmen Santos, atriz/produtora, pelo fato de não tê-lo conseguido. Desta última afirmação discorda Alex Viany, o único historiador brasileiro que chegou a conhecer este filme hoje desaparecido, acreditando que com ele

“pela primeira vez o mundo do subdesenvolvimento brasileiro, colhido num de seus aspectos mais típicos no ambiente urbano, vem à tona indicando um caminho que demoraria a ser retomado pelo cinema nacional.”

E ainda segundo Alex Viany, foi este

“o primeiro filme que tratou de um dos aspectos mais dramáticos, exuberantes e musicais da vida carioca: os morros. Favela dos Meus Amores idealizava, é verdade, os morros e os malandros que os habitavam, mas as cenas tomadas na própria favela com a participação de seus habitantes verdadeiros são inesquecíveis e constituem uma antecipação do neo-realismo”. (citado por G. C. Castello, “Um Novo Ano Zero para o Cinema Brasileiro”, em La Congiura)

O filme é um “marco importantíssimo, não só por constituir a coisa mais séria dos primeiros anos do período sonoro, mas também por seu sentido popular”. (Introdução ao Cinema Brasileiro, grifo nosso)

Tal “sentido popular” – que Alex Viany não define, mas deixa claro, no contexto de seus escritos, tratar-se de algo voltado para retratar o povo – teria continuidade em filmes como João Ninguém (1939), que

“tentava conscientemente captar um tipo carioca, o compositor irreconhecido, e outros aspectos da vida do Rio de Janeiro.” (Introdução ao Cinema Brasileiro)

Nos anos 40, a preocupação com dar ao cinema brasileiro este “sentido popular” crescerá, sobretudo na Atlântida, em filmes como Moleque Tião, baseado na biografia de Sebastião Prata, compositor popular negro, ou Também Somos Irmãos, que se propunha a discutir o preconceito racial. No campo do documentário, Alex Viany aponta pelo menos um filme – Nordeste, de Pedro Lima – que se empenhava em denunciar a miséria de toda uma região brasileira. E lembra ainda que, independentemente de qualquer empenho ou preocupação específica com o assunto, boa parte da produção brasileira dos anos 1930 e 1940 se constitui do que se poderia chamar de filmes “populares” – quer porque falavam do povo, quer porque a ele se dirigiam: os melodramas e chanchadas, sobretudo as carnavalescas.

Ainda uma vez, no entanto, as sugestões de Alex Viany – estimulantes para a reflexão e a pedirem desenvolvimento – não podem apoiar-se em textos (embora, neste caso pelo menos, tenhamos certeza de que textos devem existir): nenhuma pesquisa sistemática de documentação referente ao cinema carioca dos anos 1930 e 1940 jamais foi feita. É ainda Alex Viany a fonte dos dois textos transcritos abaixo sobre os filmes de carnaval, que sugerem a possibilidade de existência de um cinema brasileiro “popular” que não fosse “vulgar”. Pinheiro de Lemos:

“Como seria fácil (…) realizar bons filmes de carnaval, de teor mais elevado, e sem perder o aspecto popular, que, de modo algum, poderá significar chulice ou imbecilidade. Acreditamos mesmo que poucos temas proporcionarão maiores oportunidades para a realização de um bom filme brasileiro do que nossa famosa e popular festa dos três dias. O carnaval aí está, oferecendo-se, rico de detalhes, de ângulos e de dinamismo, à inteligência das câmaras.” (grifo nosso).

E Alinor Azevedo:

“Esses elementos – samba, negro e carnaval – são muito bons para filmes populares, e, ainda que tenham entrado obrigatoriamente em todo filme carioca, não foram até agora fixados convenientemente, ou melhor, não foram retratados de maneira honesta e inteligente. Embora todos os anos as produtoras lancem seus musicais carnavalescos, o carnaval mesmo que é bom só vem no título. (…) em nenhum deles transparece(m) de leve as belezas e as misérias do carnaval, a psicologia rica e paradoxal do carnavalesco, com aquela verve toda particular do carioca, os dramas e comédias típicos do carnaval e o próprio ambiente précarnavalesco.” (grifo nosso)

Num bloco de textos transcritos por Lucila Ribeiro Bernardet (Arquivo Fundação Cinemateca Brasileira), a ideia de um cinema popular está presente num sentido muito mais próximo do atual. Trata-se da polêmica “cinema mudo versus cinema falado” desenvolvida na coluna de cinema de Vinícius de Moraes no jornal A Manhã do Rio de Janeiro em 1942. A palavra “popular” aparece sobretudo em textos de Ribeiro Couto, usada para designar uma das características que ele considera fundamentais do cinema falado em contraposição à “arte muda” (retrógrada, “assunto de granfinagem”, próprio de “estetas sensíveis”, elitismo), o falado é “arte democrática e popular”, “instrumento de educação das massas”, possibilidade de criação de uma “cultura das multidões”. E ligada a esta há a ideia de que um eventual cinema nacional, quando existir – segundo o autor, o existente não é digno de ser levado em conta – terá como principal objetivo a educação do povo.

É também baseado em textos – no caso de Oliveira Viana – que Paulo Emílio Salles Gomes chama a atenção para a produção documental deste período, que, de modo totalmente involuntário, não deixava de retratar um povo brasileiro tão “verdadeiro” na sua miséria que chocava o espectador:

Os complementos nacionais nos anos 30 e 40 “tiveram um papel maior do que se poderia imaginar. Além de focalizar aspectos progressistas das regiões, os ingênuos cinegrafistas procuravam tornar seus trabalhos menos cacetes filmando aspectos pitorescos e característicos que acabavam registrando a pavorosa miséria do Brasil. O Jornal do Comércio e o Correio da Manhã contêm artigos de escritores e jornalistas ilustres subitamente abalados pelo que lhes foi dado ver nos complementos nacionais. Notadamente e repetidas vezes Oliveira Viana: ‘Não podemos deixar indefinidamente abandonados os nossos patrícios do interior!'” (Possibilidade de um Filme de Longa-metragem em torno do Cinema Paulista de 1934 a 1940, inédito)

E num texto de Victor Viana publicado em O Jornal do Comércio a respeito do complemento nacional, a ideia de popular aparece com força, como essência de brasilidade, uma brasilidade baseada no trabalho e com um sentido nitidamente antiburguês:

“As companhias cinematográficas nacionais estão prestando um excelente serviço, reproduzindo cenas do interior do país. O público elegante das grandes cidades não compreende às vezes o valor dessa documentação. O preparo da farinha, a extração do babassu (… ) Nos salões elegantes dos cinemas caros, ostenta-se a diferença. Homens e senhoras de vestimentas caras, lavados e perfumados, contemplam na tela os andrajos dos patrícios que são a força produtora intrínseca da nacionalidade. Diante de sua indiferença, eu sinto o arrepio de Gogol, de Dostoiewski, de Tolstoi, de Gorki, vendo essa diferença de hábitos, de gostos, de cultura e de aspirações entre pessoas e classes de um mesmo país!” (transcrito por Cinearte, 15.11.1935)

Mas estas parecem ser vozes isoladas, e nem Victor nem Oliveira Viana pertenciam ao meio cinematográfico. Acreditamos ter deixado claro que nossas considerações em torno de possíveis ideias sobre um cinema “popular” nos primeiros cinquenta anos de cinema brasileiro são sobretudo produto de nossa preocupação com o tema, mais do que decorrência do pouco que conhecemos do pensamento cinematógrafo da época.

Em termos de reflexão sobre cinema brasileiro, a ideia de popular adquire relevo e importância apenas nos anos 1950, e será de então por diante um dos temas predominantes no pensamento cinematográfico.

Brasil moderno

Em oposição ao “cinema do mato” e num movimento liderado principalmente por Cinearte, encontramos total repúdio ao Brasil rural e atrasado, e reivindicação de um Brasil moderno, urbano, cosmopolita. Reivindica-se a eliminação de tudo, rural ou urbano, que possa manchar a imagem de um Brasil urbano e moderno. É preciso botar o Brasil no ritmo do progresso, atualizá-lo em relação aos países industrializados. Temos de

“deixar as portas dos engraxates. As colunas de crimes dos jornais. A biblioteca de alcova, imunda, repugnante. Pegar um megafone. Um sujeito que saiba o que é enquadração. Um outro que saiba virar a manivela e uma máquina (…). E ter, antes de tudo, um cartão de visita bem alvo, bem bonito: dignidade, decência, moralidade”. (Cinearte, 26.12.1928)

Para Cinearte, o cinema brasileiro jamais poderia apresentar

“aqui um bando de cangaceiros, ali, um mestiço vendendo garapa em um purungo, acolá, um bando de negrotes se banhando num rio, e coisas desse jaez” (28.4.1926)

Comentando Acabaram-se os Otários:

“O que não podemos deixar de censurar é o São Paulo de fundo de quintal que o filme mostra”. (30.10.1929)

“(…) Num dia desses vimos um filme nosso em que, entre vários ambientes sórdidos e desagradáveis, como albergues, cemitérios, necrotérios, estalagens e estrebarias, aparecia uma delegacia de polícia com paredes esburacadas, uma mesinha quebrada e vários cavalheiros de longas barbas, bigodes e sobrancelhas e outros tipos tão caracterizados que já saíam da realidade. (…) Ora bolas, nós devemos e podemos mostrar uma delegacia no Brasil assim? (…) Nós podemos fazer muita arte dentro dos salões, nas reuniões elegantes (… ).” (Cinearte, 12.2.1930)

Cinearte é incansável:

“o jeca roto, imundo, grotesco da literatura é impraticável no cinema. Temos que atribuir ao nosso jeca o mesmo que Alencar aos seus índios. Nada de impaludismo, nem de penúria, nem de ignorância extrema, o jeca padrão cinematográfico há de ser sadio, robusto, heroico, nobre”. (Adhemar Gonzaga, entrevista em 28.2.1931, citado por Paulo Emílio Salles Gomes, Humberto Mauro, Cataguazes, Cinearte)

O modelo:

“A turba de King Vidor, por acaso, é a turba de Eisenstein? Não! a turba de King Vidor é a turba sã, bonita e que usa gilette.”(Cinearte, 15.10.1930)

Exalta-se o Brasil dos carros, dos aeroplanos, dos salões elegantes, do fox-trot, modernidade e mundanismo se combinam. O Correio Paulistano de 7.6.1920 comenta A Jóia Maldita, de Antônio Tibiriçá, que

“ao invés de procurar temas nos assuntos indígenas e buscar cenas no sertão, [descreve] dramas passados no seio da sociedade culta, tomando por cenários os aspectos mais belos da nossa capital, sua vida agitada e intensa, com seus panoramas nos quais a obra da nossa engenharia levanta edifícios e constrói embelezamentos, colaborando com a natureza.”

E isto não é trair a posição nacionalista. De Barro Humano, realizado por um grupo ligado a Cinearte em luta contra o “fundo de quintal”, o Jornal do Comércio escreve:

“Filme de assunto moderno, cuja ação, muito acorde com o sentimento nacional, decorre em ambiente atraente pela sua beleza e pitoresco.”

A amiga chegada e admirada, Carmen Santos, cujo estrelismo teria comprometido os aspectos populares de Favela de Meus Amores, se opõe às vozes eufóricas por ter Barro Humano alcançado a elite:

“me interessam nada as criaturas endinheiradas e cheias de prosápia. Sou do povo. Vivo com o povo. Gosto do povo. Do povo humilde, que luta, que sofre e que apesar de tudo é ainda generoso e sincero.”

E a intérprete de Bárbara Heliodora em Inconfidência Mineira acrescenta:

“Os ricos, os que têm tudo (…) não precisam do meu afeto ou da minha simpatia. Não me interessam.” (A Scena Muda, 15.6.1931 – citado por Eliana de Oliveira Queiroz)

Mas não é só às coisas feias do cinema brasileiro que Cinearte faz restrições. O cinema europeu é atingido:

“Como se pode gostar dos filmes europeus, se os aspectos das cidades mostradas na tela são feios, com casas velhas e ruas mal calçadas? (…) Dirão que faz parte do tão apregoado realismo (…) Estes ambientes sórdidos impressionam a muita gente que diz logo: Isto é arte! (…) A gente vê logo que os alemães não têm noção do que seja o verdadeiro e interessante cinema.” (Cinearte, 27.2.1929)

Os russos também mostram coisas feias. Em oposição, os filmes americanos não apresentam cenas escabrosas, os galãs são sorridentes, saudáveis e bem vestidos. Portanto, para os defensores dessa saudabilidade urbana no cinema brasileiro, a boniteza deve ser um dado do cinema em si. De certo modo, pode-se dizer que há uma harmonia maior nas ideias cinematográficas de Cinearte: o cinema é sinal de progresso; sua linguagem e técnica são universais; e a sua característica básica (a boniteza) também é universal e expressão do progresso. Neste sentido, O Fan pode escrever a respeito de Barro Humano:

“Não é simplesmente uma forma brasileira de cinema – o que fatalmente seria uma forma mesquinha. É a contribuição do Brasil ao cinema-fenômeno universal. E é o cinema obra de brasileiros.” (citado por Ismail Xavier)

O cinema brasileiro realiza-se enquanto tal na medida em que atualiza no Brasil o modelo universal. Ao contrário, na linha de ideias de Antônio Campos, parece haver uma oposição entre linguagem e técnica, as quais são universais, e a temática, que deve mostrar o que é “nosso” – isto é, o interior (bem como a História do Brasil e suas obras literárias) – e não construir uma imagem de progresso; o progresso da técnica e da linguagem está aí posto a serviço da autenticidade e não da modernidade. E pode-se ir um pouco além: o progresso é usado para representar e divulgar justamente o que não é o progresso e até se opõe a ele. Na tendência urbana, pode-se intuir o esforço para compensar uma inferioridade construindo uma realidade cinematográfica que deverá ocultar uma realidade social, construir uma realidade imaginária que se tentará impor como realidade de fato. Essa realidade imaginária será feita de fragmentos da vida social que representam a atualização do Brasil em relação ao capitalismo. A articulação desses fragmentos criará a ilusão do progresso. A ideia de seleção de fragmentos surge em frases como: “apresentar ao público somente o que temos de bom, bonito e bem feito”, ou, quando se diz do curtametragem Bahia Terra do Turismo (1942), que não deveria ter mostrado as velhas e sujas ruas de Salvador, mas aquilo que revelasse o progresso. Para essa tendência, nacionalismo cinematográfico é entrar em harmonia – ou fazer de conta – com a fase atual do capitalismo. Enquanto a atitude nacionalista que valoriza usos e costumes interioranos rejeita a fase atual do capitalismo, refugia-se numa fase anterior, onde vai procurar a autenticidade em vias de se perder. Essa atitude, que antecede o aparecimento do cinema (já a encontramos em obras como A Capital Federal, de Artur Azevedo, onde o sertão conserva a tradição e a moral contra a cidade dissoluta), manifesta-se ainda hoje no cinema brasileiro.

EUA: amor e ódio

Vimos que no nível da linguagem não encontramos afirmações nacionalistas, as quais ocorrem no nível do representado. Na linguagem, o cinema estrangeiro, americano em particular, é um modelo; o representado – de modo bem mais acentuado quando se trata do cinema sertanejo – é onde se afirma a diferença.

Mas as coisas são um pouco mais complicadas. Cinearte escreve:

“Como Griffith nos seus primeiros dias, como Fleming no Vale dos Martírios, os dois trabalhos de Humberto Mauro também possuem nacionalidade nas suas cenas”. (16.3.1927)

Essa referência a Griffith é bastante significativa e implica o seguinte: se o caráter “nacional” diferencia o cinema brasileiro do americano, este último pode ensinar ao primeiro como se diferenciar dele. Ao nível da linguagem, o cinema americano é o modelo e pode ser reproduzido; ao nível do representado, ele não é o modelo e não pode ser reproduzido, mas é um exemplo ou uma lição a seguir. O cinema brasileiro se tornará “nacional” seguindo o caminho feito pelo cinema americano para se tornar “nacional” (sendo que o cinema americano não parece ter-se preocupado muito com isso).

Chegamos a um novo aspecto da relação com o cinema americano: para lutar contra ele, para se diferenciar dele, fazer o que ele fez e faz.

“O cinema americano, agora mais do que nunca, é força nacionalista. Faz do povo um e único (…) Um diretor de cenas não é somente um cidadão senhor de alguns conhecimentos históricos e filosóficos; ele vale como um compêndio de civismo. O americano por índole é respeitador das leis, única força capaz de manter a nacionalidade (…) o americano sabe imprimir a suas fitas um cunho de nacionalidade que os países que fazem fitas ainda não chegaram a perceber como deviam (…) O cinema brasileiro exerceria a mesma influência no espírito de nosso povo(…).” (Diário Nacional, 10.10.1938)

Nestas décadas, revistas como Cinearte, jornais como o Diário Nacional insistem até a exaustão sobre a função de propaganda do cinema, particularmente no exterior. Esse aspecto é ressaltado no cinema americano e seu efeito no Brasil é condenado, os comentaristas não se cansam de repetir:

“Nós nos conhecemos menos, no Brasil, de Estado a Estado, do que os Estados Unidos. Os hábitos americanos, o modo de trajar do ‘yankee’, tudo isso é familiar e corrente, do sul ao norte do Brasil, quando muitas vezes a população de uma cidade desconhece em absoluto tudo quanto se refere à de outra, situada a poucas léguas distante. Essa ‘americanização’ do mundo, que tem levantado protestos em jornais, em sociedades sábias dos centros europeus (…) deve-se, única e exclusivamente, ao filme cinematográfico, à indústria esplendidamente organizada sob moldes financeiros (…).” (Cinearte, 2.6.1926)

A maneira de lutar contra essa “americanização”: fazendo (ou sonhando com) a “abrasileirização”, realizando no cinema brasileiro aquilo mesmo cujos efeitos são criticados no cinema americano. Entrevistado, o gerente da distribuidora Companhia Cinematográfica Brasileira afirma:

“(…) Serão tirados aspectos, vistas das capitais, cidades e pontos pitorescos e importantes dos estados. E essas fitas, uma vez passadas aqui, serão enviadas para as casas com que temos contratos, que farão exibi-las aos cinemas do estrangeiro, constituindo assim uma excelente propaganda para o nosso país.” (Gazeta de Notícias, 14.5.1912, citado por VPA)

E muitos anos depois:

“No dia em que pudermos mostrar o nosso ‘far-west’, já não dizemos o dos gaúchos (…) mas o do norte, com os seus cangaceiros e os sertanejos que não levantam os braços ante o cano de um revólver, neste dia a nossa produção dominará o mercado mundial (…)” (Cinearte, 4.1.1928).

Poderíamos repetir indefinidamente frases deste tipo. E claro está que o exemplo a seguir para se diferenciar dos americanos e concorrer eles, é americano. Gilberto Rossi considera

”(…) que a cinematografia é o melhor veículo de propaganda de um país, tanto além como aquém das fronteiras (…). Não custa muito (…) seguir o exemplo do critério americano: apresentar ao público somente o que temos de bom, bonito e bem feito.” (Arquivo FCB, jornal não identificado).

As relações com o cinema americano são evidentemente complexas: amor e ódio, rejeição e admiração. Os cineastas sentem-se oprimidos e têm consciência das consequências negativas para a produção brasileira da presença do cinema americano no mercado, mas a ambiguidade das relações impede uma posição mais radical.

Há algo mais. Além de aceitar e admirar a linguagem e a técnica e o sucesso do cinema americano, as produtoras cinematográficas estão visceralmente amarradas aos americanos para a sua própria sobrevivência: de estrangeiros, dos americanos em particular, dependem o equipamento e o filme virgem:

“(…) poderíamos fazer bons filmes. É simplesmente questão de dinheiro. A técnica poderia ser aprendida nos estúdios americanos: somente a técnica. O material teria de ser todo estrangeiro também. Mas o resto, o artista, esse deveria ser nacional, e estamos com a certeza de que triunfaríamos (…).”(Selecta, 20.10.1923, citado por Carlos Roberto)

Nas primeiras décadas do século, houve tentativas de adaptação de equipamento de origem estrangeira, ou de construção de equipamento – como as de Antonio Medeiros, por exemplo. Elas têm um interesse artesanal indiscutível e resolveram momentaneamente situações pessoais, mas não tiveram significação ao nível de uma possível autonomia de produção de equipamento.

Apesar de Felipe Ricci conjecturar em Selecta:

“E os nossos mecânicos e eletricistas não serão capazes de criarem refletores pequenos e possantes, de arco, que nos possam servir?” (27.9.1924),

ele não deixa de reconhecer:

“No nosso mercado encontramos os melhores aparelhos do mundo, não só câmaras como mesmo o que respeita à iluminação para a filmagem.” (Gazeta de Campinas, 25.9.1924, citado por Carlos Roberto)

Em nenhum momento, mesmo na longa campanha de Cinearte e outros periódicos para a abolição ou diminuição da taxa alfandegária que incide sobre a importação de filme virgem, se tematiza a relação entre o cinema de conteúdo nacional e a importação de material de que ele depende. Tal situação não favorece nenhuma radicalidade.

E será necessário lembrar que um dos bastiões da defesa do cinema brasileiro era Cinearte, revista em que o cinema americano ocupava muito mais páginas que o brasileiro, e que se autodefinia como o intermediário natural entre Hollywood e o público brasileiro? Assim, por não conseguir equacionar o problema americano, apesar de se entender a dominação do mercado, a oposição ao cinema americano e o nacionalismo viram frequentemente xenofobia:

“Nós temos quase 2000 cinemas. Bastaria que a metade dos seus proprietários fossem brasileiros, ao menos por gratidão, para que tivéssemos a cinematografia no Brasil”. (Cinearte, 13.4.1927)

Louvam-se os “exibidores de Recife” (em realidade um exibidor) por não se negarem a projetar filmes pernambucanos:

“(…) Daí, se pode deduzir facilmente o que não seria nossa Indústria de Cinema, no dia em que por todo esse Brasil, animasse cada exibidor, tão patriótico quão alevantado ideal. Infelizmente, mesmo aqui na capital, são raros esses gestos tão altruísticos, mesmo para os nossos melhores filmes, superiores em muita coisa a tantos e tantos outros trabalhos estrangeiros. Entretanto, isto não quer dizer que se deva deixar de produzir diante deste círculo de ferro formado pelos proprietários de cinemas, que não sabem compreender os deveres devidos a uma hospitalidade, como a que lhes dá nosso povo; sim, pois que quase todo o comércio cinematográfico está nas mãos de estrangeiros (…).” (Cinearte, 6.4.1927)

Entre esses maus estrangeiros, há representantes diretos dos interesses de distribuidoras americanas, e pequenos comerciantes, frequentemente italianos, cujos negócios estão amarrados às distribuidoras americanas. E Cinearte, como a totalidade dos jornalistas que defendem o cinema brasileiro, não percebe a luta travada no meio da distribuição e da exibição, os esforços dos pequenos exibidores, inclusive italianos, para se defenderem dos “polvos”. A questão é reduzida a um problema de altruísmo ou patriotismo. Se o estrangeiro de dentro leva a culpa, o de fora fica inocentado, apesar de a produção americana ocupar o mercado, e por conta da ambígua relação de amor-desamor que liga os cineastas brasileiros ao cinema americano. Esses estrangeiros de fora poderão até auxiliar o desenvolvimento do cinema brasileiro. Já vimos citações nesse sentido. E, em última instância, os brasileiros é que são os culpados. A distribuidora DFB, responsável pela distribuição dos complementos nacionais nos anos 1930, publica artigo em que se lê:

“(…) Pois, move-se ao complemento cinematográfico brasileiro uma guerra surda, e o que é pior, ela não parte de estrangeiros.

Compreende-se, até certo ponto, que as fábricas de filmes norte-americanas ou europeias não vejam com bons olhos os esforços que empregamos pela criação da indústria.

Temos a certeza, porém, de que nada farão para opor obstáculos a esse movimento e que, ao contrário, logo que julguem oportuno, cooperarão conosco.

O que é triste é saber-se que há brasileiros que, para economizar a ridícula quantia que pagam pelo aluguel desses complementos, alimentam uma campanha derrotista que visa desmoralizar o produto de tanto esforço, que, se não é perfeito ainda, vem melhorando sensivelmente, muito embora a paga seja miserável, não permitindo lucros (…).” (Jornal do Brasil, 14.5.35, transcrito em Cinearte, 11.6.1935)

Em 1947, Pedro Lima insiste, sem que se entenda por que os americanos são contra todo os filmes não norte-americanos, com exceção dos brasileiros:

Os americanos verificaram “que por estas bandas o público está assistindo filmes que não foram feitos pelos seus estúdios, que outros artistas existem que não falam inglês, e que está nascendo até uma indústria de cinema argentina e que ingleses, franceses e até mexicanos e russos estão quebrando aquela unanimidade que eles desejariam conservar para seu negócio (…) Isto não quer dizer que eles sejam inimigos do cinema nacional, que queiram obrigar os exibidores a boicotar os produtos da casa. Isto é bobagem que sempre se repete, e que nem eles e nem os exibidores jamais pensaram em fazer, porque neste ponto, seus pensamentos coincidem: interessa o que dá dinheiro, seja nosso, seja deles ou de outro qualquer… Aqui entre nós, por exemplo, o único inimigo do nosso cinema é o próprio produtor ou distribuidor (…).” (O Cruzeiro, 3.5.1947)

Já que não há inimigos além do mau patriotismo de estrangeiros radicados no Brasil ou mesmo de brasileiros, a coisa poderá se resolver na base de uma campanha patriótica:

“(…) O governo não pode ensinar um pouco de patriotismo a esta gente [os exibidores estrangeiros] obrigando-os a exibirem nossos filmes? Custa tão pouco!” (Cinearte, 13.4.1927)

E o já citado artigo da DFB conclui:

“(…) Há muita coisa que fazer no Brasil. É preciso nacionalizar o mau brasileiro, forçá-lo a amar a terra em que nasceu, constrangê-lo a não investir contra ela, já que nada quer fazer pelo seu engrandecimento!” (Jornal do Brasil, 15.5.1935)

Evidentemente os exibidores reagem. Por exemplo: o relatório da diretoria 1934-36 da Associação Cinematográfica de Produtores Brasileiros cita documento do Sindicato Cinematográfico dos Exibidores contra as medidas protecionistas que impunham a exibição compulsória de um curta-metragem antes do longa. O Sindicato alega que

“a proteção antecede à indústria a ser protegida. (…) A cinematografia não é serviço público (…) As intervenções do Estado na produção nacional não têm sido úteis nem felizes. Café, álcool-motor, açúcar, borracha e outros artigos da nossa economia não têm que agradecer aos nossos ensaios de economia dirigida. (…) Nos Estados Unidos não foi preciso recorrer à obrigatoriedade ou medida mesmo extraordinária para o fomento da indústria que capitaneam, a despeito de ser nação capitalista (sic) (…).”

O que os exibidores querem é

“estabelecer uma relação comercial entre uns e outros”.

Esse “uns e outros” é só os exibidores e produtores, ou inclui o público?

Filmes deprimentes

O exibidor local não é o único inimigo. Há situações em que a tensão aumenta contra os norte-americanos. Por exemplo, quando se encontram em filmes americanos representações julgadas depreciativas de tipos, usos e costumes de países latino-americanos. É uma atitude que se manifesta no Diário Nacional:

“O cônsul da Argentina, algures no Brasil, interveio no sentido de não se passar uma fita em cujo enredo se mostravam cenas deprimentes para o seu belo país.

E a fita, parece, foi suspensa….

Há pouco a polícia aqui proibiu também a exibição de uma outra película (The Girl from Rio) pelo mesmo motivo em relação ao Brasil.

A meu ver tanto o cônsul argentino como a polícia paulista fizeram muito mal. Agiram como crianças pequenas que chamam ‘mamãe!’ porque o maninho está pondo a língua ‘pra mim’.

Ao contrário. Eu, se fosse o governo dos dois países, organizava exibições especiais para The Girl from Rio e para o outro filme contra a Argentina, talqualmente como chegaram da América do Norte.

O fato de aparecer em fita um Brasil inteiro negróide, butantanizado de cobras, e uma Argentina alinhavada de facas e tiros como uma fita de cowboy prova apenas que os conhecimentos geográficos e históricos norte-americanos estão muito aquém do que supúnhamos.

Essas películas são pois uma formidável propaganda contra os Estados Unidos.” (21.6.1928)

A respeito de outro filme “deprimente” para países da América do Sul:

“(…) o único ponto vulnerável dos inconscientes caluniadores dos países latinos é o bolso. Ataquemo-los por aí.” (25.8.1928)

A representação “deprimente” dos países latinos fomenta um indisfarçável antiamericanismo e gera mais que um nacionalismo, um internacionalismo latino-americano. Tendência que só encontramos neste momento (final dos anos 1920) no Diário Nacional, mas que ressurgirá de forma mais concreta a partir da segunda metade de 1940.

Essa preocupação prolonga-se até hoje. Roberto Farias, então diretor da EMBRAFILME, diz no I Encontro sobre Comercialização dos Filmes de Expressão Portuguesa e Espanhola(1977):

“(…) os países ricos têm e difundem, de uma forma deliberada ou não, uma imagem distorcida da realidade dos países pobres (…) Pela ótica do mercado dominador, o mexicano em geral é preguiçoso e está sempre bêbado à porta de uma taverna, protegendo-se do sol, sob pródigo ‘sombrero’; o brasileiro, tamborim na mão, camisa listrada, está sempre fazendo evoluções numa escola de samba e – o que é pior – também de ‘sombrero’.” (Mercado Comum de Cinema Uma proposta Brasileira)

A língua

Outro momento em que a oposição aos Estados Unidos é forte, e generalizada, é a época da implantação do cinema sonoro. O aparecimento de filmes cuja língua não é entendida no Brasil, aliado a uma certa desorganização na distribuição dos filmes americanos provocada pela passagem ao cinema sonoro e pelas repercussões na indústria cinematográfica da crise de 1929, bem como o sucesso indiscutível de alguns filmes brasileiros sonoros (Acabaram-se os Otários, Coisas Nossas), provoca forte reação nacionalista e antiamericana.

A língua já fora objeto de polêmica na época do cinema mudo:

O cinema Parisiense, “surdo aos nossos apelos, sem a mínima consideração para com o povo brasileiro, manda ou deixa asnaticamente deturpar a língua que falamos. Os dísticos, na tela desse cinematógrafo, são escritos em tal português que ninguém os entende. O público deve fazer justiça a quem merece.” (Careta, 5.3.1910, citado por VPA)

Mas a situação radicaliza-se com os talkies:

“(…) o aparecimento do cinema falado veio trazer a cada povo a imprescindível necessidade de nacionalização da arte cinematográfica.

Nós também nos veremos na contingência de criar o nosso cinema. O ‘Movietone’ foi, pois, o Waterloo da cinematografia norte-americana (…). A intuição comercial do norte-americano falhou, lançando o ‘Movietone’. O Brasil vai ter cinema.” (Diário Nacional, 17.1.1929)

Cinearte escreve:.

“(…) É o idioma: A música. O sentimento. São os temas musicais. Os hábitos. Os costumes. Influindo na educação e na formação dos caracteres nacionais.

São influências estranhas que se esforçam por facilitar o introduzir as suas próprias tendências. A mesma maneira de falar e de sentir. Contribuindo poderosamente na educação popular. Desnacionalizando-se.

E como aos Estados cumpre sempre cuidar da educação do povo para que ele não perca a sua própria individualidade, para que ele aprenda a defender o seu solo, o seu idioma, as suas características de nação independente, é que vários governos já se têm armado de leis( …). (Mas o público) tem patriotismo bastante e senso suficiente para repelir o que atenta contra o seu nacionalismo.(… )”

Afrânio Peixoto, em Um Sonho, um Belo Sonho (1929) é quem formula a questão de modo mais contundente: para ele o cinema sonoro, já que os Estados Unidos dominam o mercado, coloca o problema da “americanização do mundo e das independências nacionais”.

O perigo da “americanização do mundo”, que já vimos despontar a respeito da divulgação dos usos e costumes americanos, obliterando os costumes nacionais, não era tão sensivelmente e tão generalizadamente sentido no nível da linguagem visual. Imagem e montagem constituiriam uma linguagem universal. Mas o cinema sonoro atinge a língua, que é um representante da própria nacionalidade. São frequentes afirmações como esta que lemos em A Cena Muda:

“Nossa gente se entusiasma quando vê um filme feito no Brasil, aplaudindo até películas sem qualquer valor, somente pela satisfação de apreciar artistas patrícios e ouvir na tela o seu idioma” (21.7.1942)

Esta afirmação é favorável ao cinema sonoro. Havia uma outra posição, desfavorável, que argumentava que o som, e principalmente a fala, desvirtuariam a essência estética do cinema, por definição uma arte visual e sem som. Essa posição também leva a valorizar o cinema nacional, pois, enquanto os americanos fizeram filmes falados, de mais difícil penetração nos mercados externos e sintoma de decadência da arte cinematográfica, virá a vez do Brasil, que continuará a produzir o verdadeiro cinema (mudo) e poderá obter reconhecimento mundial. E vieram as legendas. Com elas, a possibilidade da aceitação de filmes falados estrangeiros no mercado brasileiro. Mas a recíproca seria impensável. Com uma língua tão pouco difundida no mundo como a portuguesa, a cinematografia brasileira teria menos possibilidades do que a de qualquer país insignificante de fala inglesa, francesa ou espanhola. Diz Humberto Mauro (A Scena Muda, 16.5.1943):

“O Paraguai, por exemplo, é um país pequeno. Todo o território paraguaio possui menos cinemas que o Distrito Federal. Pois bem, o Paraguai pode industrializar um cinema de filmes grandes mais depressa que o Brasil. Porque, em toda a América, excetuando o Brasil, o Canadá, os Estados Unidos e o Haiti, terá ele dezenove nações que falam a sua língua e que constituem excelentes mercados para os seus filmes. Poderá o filme brasileiro de enredo ser exibido fora do Brasil? Onde? Daria lucros ou mesmo será possível à Cinédia, à Brasil Vita Filmes ou a outra Empresa brasileira espalhar pelo território dos Estados Unidos agências para distribuir filmes brasileiros, de enredo, falados em português, com legendas sobrepostas em inglês? Mal comparando, como diz o mineiro, daria lucros a um capitalista brasileiro espalhar por todo o território norte-americano postos para vender gazolina brasileira?”

E conclui Humberto Mauro:

“Tudo isto quer dizer que os problemas do cinema brasileiro nada têm a ver com os problemas do cinema americano, argentino, francês ou inglês.”

Patriotismo e o público

Voltemos ao patriotismo que, vimos, o governo deveria impor aos maus exibidores e maus brasileiros. A atitude patriótica é algo que incansavelmente cineastas e jornalistas exigem por parte do governo e do público.

Tendência dos distribuidores e exibidores é sempre afirmar que o público brasileiro não gosta dos filmes brasileiros. Em outras palavras: as casas são mais lotadas quando exibem filmes estrangeiros, e menos, ou mesmo ficam às moscas, quando é programado filme brasileiro (com relevantes exceções). Tendência dos produtores é negar esta antipatia do público, inclusive porque se pura e simplesmente admitissem como definitivo que o público não se interessa por seus filmes, não teriam como justificar a sua luta pela criação da indústria cinematográfica no Brasil. Portanto, trata-se de demonstrar o interesse do público:

“O Cinema Palace exibiu ontem, pela primeira vez, Os Funerais dos almirantes Barroso e Saldanha. São as fitas nacionais as que o público mais aprecia.” (Gazeta de Notícias, 28.4.1908, citado por VPA)

Podia haver algo de verdadeiro nesta afirmação no momento em que foi feita, já que historiadores estabeleceram que nesta “Bela Época do Cinema Brasileiro” a produção brasileira, relativamente abundante, mantinha intenso contato com o público. Mas é uma afirmativa que perdurará. Por ocasião do lançamento de um filme brasileiro, O Estado de S. Paulo escreve:

“A produção nacional, represada durante muito tempo nos modestos estúdios, acaba de encontrar escoadouro, com um visível agrado por parte do público.” (19.11.1925)

“Do que se depende mais é do público e temos notado que ele já vai compreendendo o alcance de nosso cinema. 80% da correspondência que recebemos, a maior da América do Sul, no gênero, são cartas de entusiasmo ao Cinema Brasileiro. E isso temos aqui para mostrar em qualquer hora, a quem diz que ‘o público não quer’ (… )” (Cinearte, 2.6.1936)

Essa é a voz de cineasta ou jornalista a ele ligado. Exibidores pensam diferente e produtores respondem:

“Sob o fundamento de que o público desama as fitas nacionais, o que não é bem uma verdade (exibidores não exibem filmes brasileiros, cortam as asas dos artistas e empresários, impedindo o desenvolvimento da indústria). A verdade é que os nossos filmes só poderão ser capazes de concorrer com os estrangeiros no dia em que passarem em nossos cinemas(…)” (O Estado de S. Paulo, 15.9.1925).

Por um motivo ou outro, o público em geral não aflui aos cinemas que exibem filmes brasileiros, de forma que surgem frases publicitárias do tipo:

“Ao Eden, todos, em auxílio à indústria cinematográfica nacional” (1920, publicidade deste cinema paulista quando exibia Como Deus Castiga).

ou o slogan da campanha de Cinearte que ficou famoso:

“Todo filme brasileiro deve ser visto”.

Frases desse tipo criam um imperativo moral com tonalidade salvacionista, que vem como que compensar a ausência de relação de mercado entre a produção e o público. Já que o público não se torna consumidor dos filmes brasileiros por interesse próprio, ou por preferir o cinema estrangeiro, ou porque este cria obstáculos que impedem o acesso aos filmes brasileiros, então a relação produção/público é colocada sob a forma de um dever. De um dever patriótico.

Mas os produtores intuem a fragilidade da proposta patriótica. Procura-se um vínculo mais íntimo com o público, ainda fora da relação de mercado. O cineasta salienta a situação de desvantagem em que se encontra, a sua dificuldade de competição, e apresenta-se como um sacrificado cujo esforço é meritório:

“(…) fitas nacionais, já realizadas entre nós, cujo mérito se tem aferido mais pelo número das dificuldades vencidas na sua realização do que, realmente, pelo valor artístico e final das obras apresentadas (…).” (O Estado de São Paulo, 29.4.1923)

“Não temos palavras para louvar o esforço de um pequeno grupo de abnegados que há duas décadas luta com ardor pela instituição do cinema brasileiro (…)”. (Artigo já citado da DFBA, 11.6.35)

O cineasta apela então ao público para que ele se irmane com este esforço, já o contato com as obras nem sempre o satisfaz. Assim, a afluência a Barro Human

“Não foi só uma questão de patriotismo. Mas, também, uma prova de que o nosso público sabe compreender um esforço e sabe ver neste es forço alguma coisa de valor (… )”. (Cinearte, 26.4.1929)

Deixando de lado qualquer questão de mérito, Jonald apela para que o público vá ver os filmes nacionais, porque

“(…) mesmo que sejam ‘abacaxis’, antes e acima de tudo são abacaxis brasileiros!” (A Cena Muda, 1948)

E Salvyano Cavalcanti de Paiva, ainda nos anos 1940 em A Cena Muda, insiste a cada passo num argumento que seria retomado à saciedade na década seguinte: abacaxis ou não, devemos assistir aos filmes nacionais porque

“A renda dos filmes brasileiros é dinheiro que permanece no país”.

Porém não basta que o público assista aos filmes brasileiros por dever patriótico, ou porque os ambientes são “nossos”, ou por qualquer outro motivo, porque isto não revela interesse específico pelo filme em si. Os produtores procuram detectar ou motivar outra relação:

Morfina é um “filme que se recomenda não só porque é coisa nossa como porque é de fato interessante(…).” (Diário Nacional, 28.1.1928)

E quando nem patriotismo nem qualquer outro argumento funciona, então malhe-se o público:

“(…) Lamentamos, entretanto, a pouca concorrência que teve (o filme O Curandeiro), defeito esse que está na massa do sangue brasileiro, de não ligar importância às indústrias nacionais, dando valor somente ao que nos vem de além mar.” (Jornal não identificado, 1918)

“De qualquer maneira e em qualquer companhia, o conceituado espectador vai assistir o seu Cinema. Isto, é claro, quando se trata de filme americano.

Acontece que o respeitável espectador, diante de um filme brasileiro, desanda a entender de cinema.(…) Aí está o absurdo, meu caro espectador, porque um simples filme nacional não é motivo para que o ilustre amigo deixe de ser espectador para ser crítico (…)”. (Cinearte, 15.1.1939)

Talvez estivesse aí a originalidade do comportamento do espectador diante do filme brasileiro em comparação com o estrangeiro. E, ao gostar de filmes americanos, afinal, esse público não estava fazendo nada mais do que gostar do cinema que os próprios defensores do cinema brasileiro amavam e usavam como modelo.

Mas há quem tome a defesa do público:

“(…) o interesse ao público pelo cinema nacional é patente. O que não comete ele é a injustiça de dizer que está muito bom e perfeito um trabalho crivado de defeitos de toda ordem(…)”. (Jornal não identificado, provavelmente anos 1910, Arquivo FCB)

Justamente – conforme um crítico que provavelmente não seria apoiado pelos produtores – patriotismo pode ser criticar. Após comentar desfavoravelmente Brasa Dormida, conclui Saulo:

“(…) Não se queira acusar-me de patriofobia. É com tristeza que vejo mais uma tentativa do cinema nacional que fracassa. Dizer que gostei da fita seria mais cômodo, mas, isso sim, seria impatriótico. Falhou, pessoal! Vamos ver a próxima.” (Diário Nacional, 5.4.1929)

Diferentemente dos outros, que querem impor o cinema brasileiro pelo patriotismo, que querem calar o espectador que opina desfavoravelmente, Humberto Mauro, em 1932, assume em relação ao público uma posição mais matizada. Em palestra radiofônica, tenta compreender a situação do público:

“As superproduções americanas sucedem-se regularmente durante o ano. Desta forma, as boas produções vão entremeadas às más, que são em maior número, oferecendo assim média compensadora ao gosto das plateias.

A produção brasileira, no entanto, sendo escassa, além de não poder contar com aquele elemento compensador, leva a desvantagem de só ser comparada às melhores que nos vêm de fora.”

Comparação essa, aliás, que é o critério de valorização dos filmes adotados pelos próprios produtores. Frases publicitárias como

“Um filme comparável às melhores produções estrangeiras” (a respeito de Casa de Caboclo, 1931)

encontram-se em quantidade infindável.

Além de se interrogar sobre a situação do público no meio do mercado, Humberto Mauro é o único (no momento atual do levantamento dos textos dessa época) que não assume uma atitude autoritária de imposição do cinema brasileiro, mas propõe um diálogo:

“Mais uma dificuldade com que conta o produtor nacional é descobrir o gosto do público no que diz respeito a filme brasileiro”. (mesma palestra, reproduzida em Humberto Mauro)

Tem-se a impressão de que tudo ocorre como se as pessoas tivessem uma ideia, ou uma intuição, ou um conhecimento subentendido, ou um conceito do que deva ser o cinema nacional. A realização do cinema nacional não seria então nada mais do que a concretização, a atualização dessa ideia. Parece existir uma ideia preconcebida (nunca precisa nem definida) a ser realizada. A concretização dessa ideia pode levar a uma verdadeira atitude policialesca contra aquilo e os que – considera-se – não contribuem para a sua realização, ou a desvirtuam ou a prejudicam. Isto leva reto à censura. O comportamento censório é uma constante em Cinearte, que se atribui a tarefa de vigilante: usa-se frequentemente a palavra “censurar” (como em texto já citado de Cinearte de 30.10.1929). E até se propõe a formação de uma espécie de Comissão Hays. A edição de Cinearte de 15.1.1930 afirma que

“a única grande falha do nosso cinema é a falta de orientação (…)”, o cinema brasileiro precisa de uma “direção geral”,

que só pode vir de uma Associação de Produtores. Se existisse, tal associação, uma fita como O Trânsito não teria sido exibida, a associação não permitiria para que não desmoralizasse·o nosso cinema, visto que este filme

“não representa nem de longe as nossas possibilidades e não tinha necessidade de ser exibido.”

A associação controlaria também diretores e atores. Claramente Cinearte atribui a essa hipotética associação uma função de policiamento. E, neste sentido, talvez não seja tão inesperado o cineasta Antônio Campos ter assumido cargo oficial de censor, mantendo a boa imagem do cinema brasileiro. Cinearte de 10.8.1927 o acusa de cortar “danças nacionais” por serem nacionais e ferirem os melindres da população paulista (trata-se do maxixe), enquanto que danças rancheiras não são cortadas.

As ideias de policiamento tiveram prosseguimento. Veja-se por exemplo esta carta de Alberto Cavalcanti à revista inglesa Sight and Sound, em que comenta o Instituto Nacional de Cinema, cujo projeto está elaborando a pedido de Getúlio Vargas:

“O Instituto será uma organização que controlará as atividades da produção de filmes do governo e auxiliará a indústria privada. Isto não quer dizer que o INC será um ditador do cinema. O seu objetivo é ampliar a legislação existente (…) e proteger os técnicos e os verdadeiros industriais contra aventureiros que se lançam sem credenciais na produção de filmes.” (reproduzido em Anhembi, 9/52)

Não se trata evidentemente de associar as veleidades censórias ou o exercício de censura exclusivamente à ideia que se fazia de um cinema nacional, mas apenas de afirmar que, longe de haver incompatibilidade entre essa ideia de cinema e a ideia de censura, há um bom entrosamento. O que se pretende é um cinema uno, homogêneo, todos contribuindo da mesma maneira para a mesma coisa. Assim, Cinearte não cansa de pregar a união – união dos cineastas, dos técnicos, dos talentos. Tal união implica necessariamente a não-união, o rechaço e, a rigor, a eliminação da área cinematográfica de todos aqueles que forem julgados desonestos, mercantilistas, sem talento, que não souberem escolher cenas bonitas, pois em nada contribuem para a concretização da ideia preestabelecida de cinema nacional. Cinema nacional não é o conjunto das atividades cinematográficas que se desenvolvem no Brasil (no nível da produção), não é o conjunto dos filmes, não é o conjunto dos cineastas. Por isso, precisamente, é que a todo momento, até os anos 50, se fala na “criação” do cinema brasileiro, como se ele não existisse. Os filmes ou cineastas que não se enquadram na ideia de cinema nacional simplesmente não fazem parte do cinema nacional, são contra ele. Não se encontra um conceito de cinema nacional que considere como tal o conjunto dos filmes e o conjunto dos cineastas, com suas contradições, oposição etc. Se, a partir de certo momento, a ideia de união será motivada pela oposição ao domínio do mercado pelo cinema estrangeiro, para Cinearte ela é antes a concretização de uma determinada imagem de cinema.

Patriotismo e governo

Se o patriotismo é um argumento para convencer o público, é também um argumento para se dirigir ao Estado. Os cineastas encurralados pelo cinema estrangeiro solicitam a proteção do Estado. Ressaltam que o cinema é uma fonte de riquezas; é uma indústria poderosa nos Estados Unidos e poderá se tomar também no Brasil desde que haja investimentos. Tais investimentos não são feitos, pois os capitalistas brasileiros não se arriscam.

Nesta situação, parece um tanto difícil solicitar ao governo a defesa e o apoio à indústria cinematográfica brasileira, uma vez que esta não existe. Assim, o que se faz é solicitar fundamentalmente uma legislação que crie condições para que ela possa existir, impondo exibição obrigatória e isenção de taxa alfandegária para o filme virgem. Mas a questão tem matizes, conforme a orientação dos cineastas e dos jornalistas. A Mário Behring (Cinearte), por exemplo, a ideia da legislação protecionista causava horror, por revelar “receios chauvinistas” e “receios de absorção”.

Mas a principal argumentação para justificar o pedido de auxílio governamental não será de ordem econômica, sua base está fora da economia e das relações de mercado.

Apesar de se afirmar que o cinema não pode existir sem investimento, e que pode ser fonte de grandes lucros, taxam-se de mercantilistas as tentativas de ganhar dinheiro:

“As tentativas para a implantação da indústria cinematográfica no Brasil têm sido inúteis. Poder-se-ia dizer, mesmo, que algumas delas são prejudiciais. É que a vontade de auferir proventos imediatos obrigou os pequenos industriais pioneiros desse empreendimento a cuidar, simplesmente, da sua parte econômica ou utilitária, descurando do lado estético.” (O Estado de S. Paulo, 17.11.1925)

A falta de capital “determinou, como era lógico, a pobreza das produções até hoje apresentadas, em muitas das quais não se obrigava outro intuito senão o dos proveitos imediatos.” (O Estado de S. Paulo, 19.12.1923)

O tema é constante: é o estribilho do moralismo financeiro. Já em 1918, O Estado de S. Paulo cita o “mercantilismo, cujo escopo é o lucro imediato”, como marca “de que se revestem quase todas as empresas aqui formadas”, constituindo o principal “entrave” à evolução do cinema no Brasil. Aliás, não só no Brasil há “mercantilismo”:

“Dissemos que o produtor americano ao fazer uma película tem em conta única o gosto e as preferências do populacho, que é quem paga e por isso todos os esforços encaminham-se no sentido de satisfazer os seus caprichos sem preocupações de fazer obra de arte. O único intento é o dinheiro(…).” (Diário Nacional, 19.8.1928)

É em nome de algo mais nobre do que o lucro “imediato” e o “populacho” que o Estado deverá agir. Ele deve ajudar a produção cinematográfica brasileira por causa da função patriótica e educadora que ela pode e deve desempenhar. Ou então juntar os dois: o programa de expansão da produção de filmes no Brasil é “econômico e patriótico”. (Cinearte, 4.1.1928)

Se patriótica, a ajuda governamental torna-se um imperativo ético:

“Antes de mais nada, é preciso que saibam os homens do governo que proteger a filmagem brasileira não é prestar nenhum favor a nós, porque de favor não dependemos(…). Incentivar uma indústria rendosa para o país, propugnadora do seu progresso, em todos os ramos de sua atividade, nada mais é que uma obrigação forçada daqueles que recebem o encargo de administrá-lo (…).” (A Nação, reproduzido em Cinearte, 26.1.1927)

Qual a função patriótica que cumprirá o cinema? Uma dupla função: aquém e além fronteiras. Voltamos à ideia de propaganda. A exportação de filmes brasileiros constituirá uma imagem positiva do Brasil, melhor e com recursos mais baratos que todas as comissões nomeadas pelos governos para tal fim, que gastam rios de dinheiro e cujos resultados não são tão bons. A ideia de propaganda externa é constante. A propaganda no exterior via cinema

“é também obra de verdadeiro patriotismo e que se liga, sem dúvida, ao futuro econômico do país. Reclame é de que mais precisa o Brasil, e isso só se conseguirá com cinema.” (Cinearte, 15.12.26)

“(…) o dia em que espalharmos sobre as telas de todo o mundo os sorrisos de nossas patrícias e o esplendor de nossa natureza, podemos crer, nesse dia, novos horizontes abrir-se-ão para nosso país. É por isso que o cinema tem mostrado ser a melhor propaganda.” (Diário Nacional, 28.1.28)

A ideia de propaganda está tão ancorada em todo mundo, constituindo para alguns, por exemplo Cinearte, verdadeira obsessão, que não se pode deixar de pensar em sonho compensatório diante de uma situação de inferioridade, e num delírio, considerando a situação do cinema brasileiro.

O sonho só se concretiza, na verdade – e de forma totalmente contrária àquela por que lutaram os reivindicadores – quando o próprio governo tem interesse nisso: Seguramente foi em função de seus próprios interesses que Washington Luiz financiou Rossi nos anos 1920, ou a Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, durante as sucessivas “campanhas do café”, sustentou dezenas de cinegrafistas, e não dos conselhos de Cinearte. E os poucos filmes brasileiros que se sabe que foram exportados até os anos 1950 (por exemplo, Vício e Beleza, exibido em alguns países latino-americanos, ou as chanchadas, em Portugal) não constituíam exatamente o tipo de “propaganda do Brasil” que se almejava, nem foram exportados por ação dos governantes.

Internamente, a propaganda tem a tarefa, não exatamente de constituir uma imagem, mas de promover a integração nacional – o que viria a ser um dos elementos explícitos da ideologia do DIP nos seus jornais cinematográficos. O território é extenso, suas partes não se comunicam entre si: o cinema estabelecerá a comunicação entre as várias partes, fazendo com que a multiplicidade de particularidades contribua para a criação do “homem brasileiro”.

O cinema brasileiro “unificaria o povo, estreitaria as relações do norte e do sul, mais do que tudo isso, faria do brasileiro um povo conhecedor de suas leis, dos seus direitos e do seu lugar (…). O cinema no Brasil, mil vezes tentado e mil vezes naufragado, seria uma força tão poderosa como a Esquadra, o Exército, o ministério de Relações Exteriores (…)”. (Diário Nacional, 10.10.1928)

É a tese defendida por Getúlio Vargas num discurso pronunciado na época da campanha do complemento nacional:

O cinema “aproximará, pela visão incisiva dos fatos, os diferentes núcleos humanos, dispersos no território vasto da República. O caucheiro amazônico, o pescador nordestino, o pastor dos vales do Jaguaribe ou do São Francisco, os senhores de engenho pernambucanos, os plantadores de cacau da Bahia seguirão de perto a existência dos fazendeiros de São Paulo e de Minas Gerais, dos criadores do Rio Grande do Sul, dos industriais dos centros urbanos; os sertanejos verão as metrópoles; onde se elabora o nosso progresso, e os citadinos, os campos e os planaltos do interior, onde se caldeia a nacionalidade do porvir.

A propaganda do Brasil não deve cifrar-se, como até agora acontece, aos setores estrangeiros. Faz-se também mister, para nos unirmos cada vez mais, que nos conheçamos profundamente, a fim de avaliarmos a riqueza das nossas possibilidades e estudarmos os meios de aproveitá-las em benefício da comunhão (…).” (A Nova Política, vol. III, 1938 – discurso de 1934)

O cinema se dispõe a prestar um serviço, a colaborar eficientemente nesta tarefa que é a própria tarefa do Estado, promover a união nacional.

“(…) País grandioso como o nosso, tanto pelas suas inimitáveis dimensões, como pelas possibilidades, todo o seu valor reside quase exclusivamente em dois únicos problemas de máxima importância: conhecer-se a si mesmo e facilitar as suas comunicações. Os restantes são corolários. Portanto, embora isto faça rir a muita gente, o nosso futuro se reduz no lema de Washington Luiz – ABRIR ESTRADAS, e nos ensinamentos que o Cinema Arte pode proporcionar – ‘Fazer a nossa indústria do filme’.”(Cinearte, 3.8.1927)

Em A Scena Muda, Olympio Guilherme, decepcionado com Hollywood, propõe um cinema educativo sob a responsabilidade do Estado. Longe dos namorinhos, das paixões fatais entorpecentes que arrebatam meia dúzia de corações nos bairros de nossas cidades, Guilherme afirma:

“O cinema do futuro será o cinema de propaganda de ideias, de leis e da educação. Mas tudo diretamente, abertamente, às escâncaras, sem restrições, tal como faz hoje a Rússia, (…) os grandes problemas sociais serão difundidos e resolvidos através da cinematografia. Tem a palavra o moujik russo que, analfabeto, aprendeu a significação do governo soviético através de seu próprio cinema. (…) O Brasil precisa seguir o exemplo da Rússia, que não faz filmes com milhões de dólares, mas explora o seu produto, insufla suas ideias, propaga suas teorias, defende seu credo.” (17.5.1932)

Mas nem todo mundo concorda com essa tarefa do Estado e esse cinema de propaganda. Cinearte principalmente quer manter certa distância. Nos serviços que se propõe a prestar, Cinearte faz uma ressalva: “Cinema Arte”. É tese de alguns que essa propaganda não deve ser feita por meio dos documentários. E por esse motivo eles não querem dinheiro dos governos; querem amparo legislativo, porque dinheiro levaria a documentário de propaganda direta.

A prática, aliás, demonstrou que eles tinham fartamente razão. Só que também demonstrou ser a propaganda em geral – com bom peso para a governamental – a maior fonte de subsistência a servir de infraestrutura econômica, através da produção de documentários pagos, à produção cinematográfica ficcional. Cinearte não ignora o fato, mas isto em nada contribui para diminuir a sua repugnância por qualquer forma de “cavação”, em especial a propaganda paga, dos governos ou não.

Para Cinearte, é uma constante a ideia de que o filme de ficção – porque diverte – é o melhor instrumento de propaganda. A Edmundo Lys coube dar a explicação mais sofisticada de por que não se deve fazer propaganda direta, no único artigo de Cinearte em que as relações cinema/Estado são tematizadas. Não se deve fazer propaganda ou doutrinação direta

“porque o Estado moderno não é um simples aparelho politico-administrativo, mas um complexo de ideologias e sentimentos mais profundos, com o primado do nacionalismo e do internacionalismo, elementos ambos de difícil,, tratamento direto. (…) O cinema é ‘meio’ político porque, pelas fitas de celulóide, dos dramas que ele conta, das comédias que ele expõe, se pode fazer obra nacional e nacionalista, a opor às infiltrações internacionalistas. (O filme de longa metragem) é esse que é o cinema que atrai, que seduz as multidões, que as diverte e que atua no seu subconsciente (…). Os sistemas de propaganda indireta podem variar, de acordo com o meio ambiente. Do que, porém, não resta dúvida é da importância política do cinema dramático, do cinema sem o critério partidarista, desusado e incompatível com a mentalidade contemporânea (…).” (Cinearte, 1.5.1939)

Em 15.5.1939, Cinearte reproduz artigo em que Benjamin Costallat afirma estar a ajuda do Estado ao cinema acima das ideologias dos governos:

“A entrada de um filho de Roosevelt, como o de Mussolini, para a alta direção de uma fábrica cinematográfica prova a importância que, em todos os países adiantados, sejam eles de ideologias políticas opostas, se dá à indústria do celulóide e o amparo que ela merece dos governos.” (Cinearte, 15.5.39)

Aqui, o interlocutor é claramente o DIP, recém-criado pelo Estado Novo. E parece não haver dúvida de que a Cinédia (dirigida por Adhemar Gonzaga, que era o responsável pela parte de cinema brasileiro de Cinearte) realizou filmes, não assinados, encomendados pelo DIP. Mas, ao nível da teoria e das aspirações, tratava-se de obter a ajuda estatal mantendo uma certa independência ideológica. Quando, em 1932, Getúlio Vargas baixou o primeiro decreto de proteção ao cinema brasileiro, os cineastas não manifestaram este tipo de preocupação, que se configura no final da década de 1930. Era o início de uma longa e ainda inconclusa aventura.

Epílogo

“(…) ritmo brasileiro em toda a linha ondulante do sentimento da nossa gente, no amor e bravura, na voz e no idioma.” – Plínio Salgado (10.11.1931)

“(…) um filme onde palpita, de principio a fim, a alma brasileira: romântica, sentimental, apaixonada(…).” – Francisco Pettinati (11. 11.1931)

“(… ) ótimo, magistral, mas brasileiro acima de tudo, pelo muito que conseguiu ‘fixar’ da alma brasileira.” – Cassiano Ricardo (15.11.1931)

Deixamos para o final uma voz que discorda do nacionalismo ambiental nestas décadas. A respeito de Alvorada de Glória e respondendo aos pronunciamentos acima, bem como a muitos outros, em artigos de 7 e 20 de novembro de 1931, João sem Tela escreve no Diário Nacional:

“(…) A tecla que as produções nacionais batem continuamente é a do patriotismo. É um filme ‘brasileiro’. Deve ser aplaudido pelo brasileiro. Tudo isto é muito bonito quando se refere à bandeira brasileira estendida por estudantes que percorrem as ruas da cidade em beneficio de alguma instituição de caridade ou de algum brasileiro verdadeiramente brasileiro, que se acha perseguido no exílio.

Mas, em filme, é ridículo. Patriotismo, hoje é coisa muito elevada para ser invocada numa questão puramente comercial. É um erro dos produtores. Encobrem com isso falhas. É tão intolerável a expressão, que anda em anedotas o caso do italiano que dizia quando preso ‘io sô baiano, seu dotore’… A manifestação de qualquer bêbado pelas ruas é dizer ‘sou brasileiro!’ É um titulo que serve somente para disfarçar o que não presta. E é um abuso. O cidadão que invoca essa boa qualidade de brasilidade para debaixo dela arranjar a simpatia popular deveria ser fuzilado(… ).” (7.11.1931)

“Sou contra o filme nacional por dois motivos unicamente, porque sou brasileiro e porque adoro cinema. (…) Por gostar de cinema, que é o mundo da fantasia, o mundo a que atingem esses dois sentidos – o ouvido e a vista – ele não deve conter essas tolices e remendos que quase todos os filmes nacionais contêm. Não deve girar absolutamente em torno de patriotismos e de bandeira brasileira. O nosso pendão paira mais alto agora. (… ) Como indústria, como mercadoria que se vê a 4$OOO (sic) por exemplo, Alvorada de Glória nunca deve trazer o nosso pavilhão para defendê-lo, (…) Poderemos algum dia nacionalizar o nosso cinema? Eis a pergunta que ficou dormindo no espírito de Mussolini, até que um dia lhe apareceu Stefano Pittaluga e respondeu com um ‘sim’ que significava estúdios colossais, aparelhos modernos, artistas de renome, organização exemplar e público em todo o mundo.

Por favor, meus patrícios, vamos ficar somente em Alvorada de Glória.” (20.11.1931)

E quanto ao diretor de Alvorada de Glória, “(…) alguém parece dizer-lhe ‘agora entra mais uma canção’. E assim até o fim. Esse alguém, se não foi, deveria ter sido a Providência, porque é sabido que Deus também é brasileiro, e tanto ou mais que esse ensaio cinematográfico.” (Diário Nacional, 18.11.1931).

Vamos ficar somente em João sem Tela.

FILMES CITADOS

Acabaram-se os Otários – São Paulo, 1929. Pr.: Syncrocinex. Dir.: Luiz de Barros. El.: Genésio Arruda, Tom Bill, faraguaçu.

Alvorada da Glória – São Paulo, 1931. Pr.: Victor Film. Dir.: Victor del Picchia e Luiz de Barros. Distribuido pela Paraínount. El.: Ligia Sarmento, Nilo Fortes.

Aspectos Populares do Carnaval – Rio de Janeiro, 1909. Dir.: Júlio Ferrez. Bahia, Terra do Turismo – 1942.

Bando Precatório para as Vítimas da Seca do Ceará – Rio de Janeiro, 1900 Pr.: Paschoal Segreto.

Barro Humano – Rio de Janeiro, 1928. Pr.: Cinearte. Dir.: Adhemar Gonzaga. El.: Lia Renée, Gracia Morena.

A Batalha de Flores no Parque da República – Rio de Janeiro, 1909.

Brasa Dormida – Cataguazes, MG, 1928. Pr.: Febo. Dir.: Humberto Mauro. El.: Nita Ney, Luiz Soroa, Máximo Serrano.

Brasil Grandioso – Rio de Janeiro, 1923. Pr.: Alberto Botelho.

A Caipirinha – São Paulo, 1919. Pr.: Cooperativa Film. Dir.: Caetano Matanó. El.: Tercicore Fabri, Flora Fabri. Baseado na peça teatral homônima de Cesário Mota.

Casa de Caboclo – São Paulo, 1931. Pr.: Capitol. Dir.: Augusto Campos. El.: Emílio Dumas, Walkyria Moreira, Rodolfo Mayer. Baseado na canção homônima de Hekel Tavares e Luiz Peixoto.

Cidade Mulher – Rio de Janeiro, 1934. Pr.: Brasil Vita Film, Carmen Santos. Dir.: Humberto Mauro. El.: Carmen Santos, Jaime Costa, Bibi Ferreira.

Coisas Nossas – São Paulo, 1931. Pr.: Byington. Dir.: Wallace Downey. El.: Paraguaçu, Procópio Ferreira.

Colheita, Preparação e Embarque do Café – Paris, 1908. Pr.: Pathé.

Como Deus Castiga – São Paulo, 1919. Pr,: Rossi Film, Dir.: Eugênio Fonseca Filho e José Medina. El: Inocência Collado, Antônio Tagliaferro.

O Curandeiro – São Paulo, 1917. Pr. e Dir.: Antônio Campos. El.: Sebastião Arruda. Favela dos Meus Amores – Rio de Janeiro, 1934. Pr.: Brasil Vita Film, Carmen Santos. Dir.: Humberto Mauro. Arg.: Henrique Pongetti. El.: Carmen Santos, Armando Louzada, Rodolfo Mayer.

Os Guaranis – Rio de Janeiro, 1908. Bas. no romance de José de Alencar. El.: Benjamin de Oliveira.

Inconfidência Mineira – Rio de Janeiro, 1948._Pr.: 13rasil Vita Film. Pr. e Dir.: Carmen Santos. El.: Rodolfo Mayer, Carmen Santos.

A Jóia Maldita – São Paulo, 1920. Pr.: Pátria Film, Antônio Tibiriçá. Dir.: Luiz de Barros. El.: Antônio Tibiriçá, Alice Ribeiro.

Uma Lição de Maxixe, ou O Professor de Dança Nacional – Rio de Janeiro, 1909.

Dir.: Antônio Leal. El.: Machado Careca.

Moleque Tião – Rio de Janeiro, 1943. Pr.: Atlântida. Dir.: José Carlos Burle. Arg.: Alinor Azevedo. El.: Grande Otelo, Custódio Mesquita.

Morfina – São Paulo, 1927/28. Pr.: U. B. A. – União Brasileira de Artistas. Dir.: Francisco Madrigano. El.: Carmo Nacarato, Francisco Mádrigano, Milda Rutzen, Cléo de Malaga.

Nhô Anastácio Chegou de Viagem – Rio de Janeiro, 1908. Dir.: Júlio Ferrez. El.: José Gonçalves Leonardo.

Nordeste – Rio de Janeiro. Dir.: Pedro Lima. ·

Nos Sertões do Brasil – 1928. Pr.: Augusto Lopes de Carvalho, Juan Etchebehere.

O Padre Vendedor de Fósforos – Rio de Janeiro, 1908. Dir.: Antônio Leal.

Reunião dos Círculos Operários em São Paulo – 1899. Dir.: Afonso Segreto.

Também Somos Irmãos – Rio de Janeiro, 1949. Pr.: Atlântida. Dir.: José Carlos Burle.

Arg.: Alinor Azevedo. El.: Grande Otelo, Vera Nunes.

Tesouro Perdido – Cataguazes, MG, 1927. Pr.: Febo. Dir.: Humberto Mauro. El.: Lola Lys, Bruno Mauro.

O Trânsito – São Paulo, 1928. Pr.: S. P. C. F., Brasil Ideal Film. Dir.: José Pedro. El.: José Gallini, Maria Moisés.

O Vale dos Martírios – Ouro Fino, MG, 1927. Pr.: América. Pr. e Dir.: Francisco de Almeida Fleming. El.: Otávio de Paiva, Hamleto Santini.

Viagem de S. Excelência Paul Doumier ao Brasil – Paris, 1908. Pr.: Pathé.

Vício e Beleza – São Paulo, 1926. Pr.: Íris Film. Dir.: Antônio Tibiriçá. El.: Lelita

Rosa, Anita Sabatini_ Argumento de Menotti del Picchia.

A Vida de João Cândido – Rio de Janeiro, 1912. Proibido pelo dr. Belizário Távora.

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