2002

O poder das palavras: Hobbes sobre a liberdade

por Renato Janine Ribeiro

Resumo

Um conflito entre rei e parlamento atravessa a Inglaterra no século XVII. Os Stuart não conseguem construir um acordo político interno que lhes dê força e de seus erros vai resultar a revolta puritana de 1640. Vivendo nesse período, Thomas Hobbes, apaixonado por geometria, receia a desordem. Ele percebe que o eixo dos argumentos da oposição gira em torno da liberdade, mas decide substituir o antigo sentido retórico dessa noção por uma definição científica. No Leviatã, livro baseado na ideia antiaristotélica de que somos sociáveis por construção, não por princípio, ele diz que a liberdade é “ausência de impedimentos externos” e que é preciso eliminar a paixão (e portanto a rebelião) da política. Sua posição anuncia uma política de elite (em oposição à popular) e ao mesmo tempo laicizada, isto é, sem sua sustentação secular na moral e na religião. Contra o papel explosivo da retórica, o papel pacificador da ciência faz baixar a temperatura dos conflitos passionais em favor de uma administração dos conflitos. A modernidade política passou a dar um peso maior ao direito e menor ao desejo, o que dificulta a compreensão do que acontece de fato na sociedade. Tanto a “direita” quanto a “esquerda” tendem a contestar o elemento desejante em nome de um avanço da ciência. Mas o que Hobbes buscava em seu tempo, ao esvaziar a carga afetiva da palavra liberdade, era sobretudo evitar o abuso do armamento verbal. Na verdade ele reprimia a palavra justamente por acreditar no poder que ela possui.


Para Adauto Novaes,

por seu papel na cultura brasileira,

por nossa amizade.

Na década de 1620, o poder dos reis ingleses começa a falir. Na verdade, desde que subiu ao trono Jaime I, sexto de seu nome como rei da Escócia, e que foi o primeiro Stuart a reinar sobre a Inglaterra, tensões represadas sob o longo reinado de Isabel (1558-1603) afloraram. Logo se inicia o conflito, que atravessará o século XVII inteiro, entre o rei e o Parlamento. O novo monarca quer ter o poder. Afirma que está acima da lei, o que contraria tanto a filosofia política medieval quanto a tradição legal inglesa, consubstanciada no direito consuetudinário, a common law. Procura ser a voz suprema quer na interpretação, quer na promulgação das leis. Daí que se queixe da incompreensão dos juízes e deputados, e que estes lamentem as tendências despóticas de seu novo príncipe. Em nosso tempo — diz uma reclamação da Câmara dos Comuns, no início de seu reinado — vemos por toda parte aumentarem as prerrogativas dos reis, e diminuírem as liberdades dos súditos.

Mais que isso, porém, Jaime se faz notar pela quase ausência de uma política externa. Isabel guerreara e derrotara a Espanha, várias vezes. Não que a pequena Inglaterra fosse páreo em poder para a maior potência de seu tempo — muito ao contrário. Porém, na ilha o espanhol não conseguira pôr os pés. A grande tentativa neste sentido, a Invencível Armada — que em 1588 procurou vingar a execução, no ano anterior, de Maria Stuart —, foi um fracasso, vencida pelo “vento protestante” que a dispersou. Isabel, a “rainha virgem”, conseguiu uma série de feitos, entre os quais associar o patriotismo inglês, a galanteria masculina em face da primeira monarca

competente que o país teve, e a fé religiosa protestante, moderada mas claramente antipapista. Jaime, porém, seu sucessor, não só fez questão de ter paz com a Espanha, como deu assento ao embaixador desse país em muitas reuniões de seu gabinete. Pior ainda, em 1620 a Europa está toda conflagrada, numa guerra que haverá de durar trinta anos — e tudo começou com

convite dos Estados da Boêmia para que o genro e a filha de Jaime assumissem sua coroa, depois de deposto o católico austríaco.

Mas, em questão de meses, a filha do rei da Inglaterra, com o marido, perdeu tudo, inclusive o que tinham antes, o Palatinado. Mais alguns meses, e a Europa está em guerra, na qual a linha divisória é a religião, católica ou protestante.[1] Pois nessa situação a Inglaterra se mantém neutra. Nem Jaime nem seu filho e sucessor, Carlos I, tomarão as dores da filha e irmã. Desnecessário dizer que a grita é enorme no Parlamento, que desejaria ver o país apoiando a causa dos campeões da fé reformada.

Se o povo assume, contra o rei, a bandeira protestante, a dissidência vai tomando um caráter cada vez mais puritano. Os historiadores mais recentes, Christopher Hill à testa, negam para a grande revolução de 1640 nome de “revolução puritana”, que lhe deu, no século XIX, o historiador. Samuel Gardiner. Ao incômodo religioso, somaram-se distintos descontentamentos. Havia problemas econômicos, como a concentração da economia em monopólios. E sociais, como os causados pelas enclosures, isto é, cercamento por proprietários privados de terras que antes eram comunais — ou ainda a importância dos cortesãos, gerando o que é chamado de ruptura entre court e country. O primeiro termo obviamente designa a corte, mas o segundo conhece notável translação de sentido, migrando do significado de campo ou interior para o de país (que, ambos, coexistem na língua inglesa). E, ainda, um forte descontentamento político: o rei não quer que os Comuns se metam na política, e cala-os sempre que pode, rompe assim a velha e bem-sucedida aliança dos reis ingleses com a gentry ou nobilitas minor, a pequena nobreza, em meio à qual se recrutavam os deputados, os administradores e os juízes, locais ou nacionais.

Voltemos, para completar, aos fatores religiosos. Desde a derrota da Invencível Armada, e acentuando-se com Jaime e sobretudo com Carlos, o culto religioso vai-se aproximando do católico. Muda o lugar do altar, que, por sinal, os protestantes chamam de mesa de comunhão e colocam no centro do templo, entendendo — assim— que o sacerdote é um par de seus fiéis. Pois agora ele é transferido para uma ponta, separando-se da nave por uma grade e alçando-se sobre um estrado, de modo a marcar sensível diferença entre o celebrante e a congregação. Multiplicam-se os ornamentos, que a rainha desprezava (em 1558, ao voltar da coroação, e ser saudada com uma procissão de tochas, a jovem Isabel gritou que as apagassem, “pois enxergamos muito bem”). E dá-se maior ênfase a um clero que reze do que a um que pregue — pois a prédica faz pensar e subverte.

Resumindo tudo isso: se Isabel associara nacionalidade, protestantismo e realeza, com os Stuart esta última se desgarra das primeiras. Proliferam, aliás, boatos sobre uma possível traição dos reis. Carlos I, por casar-se com uma católica francesa, aceita que ela traga seu confessor — ou seja, há papistas em pleno palácio real. Carlos II, meio século depois, prometerá num tratado secreto, firmado com Luís XIV, restaurar o catolicismo na Inglaterra. E Jaime II é, assumidamente, católico.

Uma palavra, ainda. Renunciar a uma política externa, num contexto sabidamente mercantilista, representa a renúncia à independência nacional. O mercantilismo, doutrina econômica dominante na época, mede a riqueza de cada país pela diferença entre os bens que entram e os que saem. O saldo da balança comercial é medido em algum metal precioso — basicamente, o ouro — que tenha validade supranacional. Por isso, países que possuam minas de ouro ou prata é como se colhessem, da terra, dinheiro em estado puro. A política econômica de cada país tem por sujeito não indivíduos ou mesmo classes, mas o Estado, representado por seu monarca e tendo por riqueza a vantagem de suas exportações sobre as importações. Mas se um país desiste de ter política internacional, porque não pode manter exércitos nem participar das guerras que a ele se impõem, ele se debilita. Sinal dessa debilidade era a própria fraqueza da Inglaterra em termos coloniais — somente com Cromwell, isto é, com a derrota dos Stuart, é que o país adquirirá sua primeira colônia, a Jamaica, e travará as guerras com a Holanda pela supremacia dos mares. Os Stuart foram incapazes de defender os interesses ingleses externamente. E o foram porque não conseguiram construir, internamente, um acordo político que lhes desse força — que fizesse a sociedade pagar, de bom grado, impostos mais altos, sabendo que seriam bem utilizados, enriquecendo o país. Em suma, os quatro primeiros Stuart, ou, se quisermos, os monarcas Stuart do sexo masculino,[2] governaram contra o seu povo porque não souberam governar a favor de seu país. Ou não souberam governar em favor do país porque não conseguiram firmar acordos no interior de sua sociedade.

Os Stuart são monarcas extremamente inábeis, é o mínimo que se pode dizer. A preocupação deles com a autoridade do rei é tão intensa que se esquecem de procurar apoio na sociedade para suas políticas. Têm uma visão pouco política do poder, e isto não apenas se utilizamos o conceito de política como se foi desenvolvendo ao longo do século XX, no qual foi gradualmente se conotando de elementos democráticos, a tal ponto que hoje muito do que se diz sobre a política (por exemplo, a sua definição em oposição à força) a aproxima do que é a democracia (por exemplo, o recurso à palavra, ao diálogo, e não — mais uma vez — à força). Podemos recorrer a um teórico inglês, este do século XV, Sir John Fortescue, que teve larga influência no pensamento de seu país: em 1476, ele diz, em seu The governance of England, que se pode governar de maneira apenas regale, quando o rei não pede opinião a ninguém mais, ou de modo politicum et regale, quando se combina um certo poder discricionário régio com, no quadro mais amplo, o aval e apoio político expresso pela sociedade.[3] Pois o fato é que os dois Jaime e os dois Carlos tiveram uma visão da política apenas regale, e bem pouco política, e com isso, embora fosse verdade que o legado de Isabel era difícil de administrar, cavaram um fosso entre si próprios e a sociedade inglesa.

Assim, em 1628 Carlos I fecha o Parlamento e tenta governar pelas margens da constituição inglesa — que não era, nem é, escrita, mas se constituía num conjunto de princípios mais ou menos aceitos. Deles o principal rezava que nenhum imposto podia ser cobrado sem o voto favorável do Parlamento. E a taxação era considerada excepcional, de modo que cada autorização parlamentar valia por uma única arrecadação. Mesmo as alfândegas, que eram concedidas por toda a vida do rei, precisavam ser votadas pelo Parlamento, o que acontecia no início de cada reinado.

Ora, Carlos se vale da prerrogativa régia — um resíduo de autoridade que permitia ao rei, em casos excepcionais, agir de maneira igualmente excepcional, passando por cima das leis — como se fosse princípio regu lar de funcionamento do poder. Da exceção faz regra. Tenta ser rei absoluto. Legalmente não pode, porém, legislar ou tributar: tenta vencer pelo detalhe. Por exemplo, manda verificar em mapas e escrituras antigos a verdadeira extensão das florestas reais, e multa quem avançou sobre seus limites. Mas o objetivo dessa medida é puramente fiscal — não quer recuperar as florestas, nem punir os invasores. Mais tarde, em 1651, Hobbes dirá, no Leviatã, que quando se multa por razão fiscal e não punitiva está sendo cobrado o price of the priviledge: é óbvio que nosso filósofo pensa nesse monarca, que põe privilégios à venda, em vez de organizar a sociedade. Além disso, Carlos I cobra um imposto, tradicionalmente devido pelas cinco cidades portuárias — para que o rei protegesse a marinha mercante —, de condados de todo o país. Esse caso chega aos tribunais, que afinal decidem em favor do rei. Isso causa enorme preocupação, porque se começa a descrer que os tribunais protejam os súditos.

A gota d’água é quando o rei tenta impor à Escócia, reino separado, maciçamente presbiteriano, o sistema episcopal da Igreja Anglicana. A Igreja Presbiteriana se organiza em torno de assembleias, que da congregação local ascendem até um sínodo nacional — uma estrutura que tende, pois, à democracia. Já a existência de bispos, entre os católicos e os anglicanos, indica uma hierarquia muito clara. Os escoceses têm uma Igreja em que o poder vai de baixo para cima, enquanto para os anglicanos o poder vai de cima para baixo. Dessa desastrosa imposição resulta a revolta escocesa, em 1638, e, dois anos depois, a inglesa.

Thomas Hobbes receia sobretudo a desordem. Nosso autor nasce em 1588, de parto prematuro causado pelo pânico que tomou conta da região em que vivia — a Cornualha — ante a falsa notícia de que chegavam os navios espanhóis. “Minha mãe pariu gêmeos, eu e o medo”, dirá ele muitos anos depois. Essa frase foi mal compreendida, inclusive por Roland Barthes, que a entendeu como significando uma igualdade ou similaridade do filósofo com o medo — quando o que Hobbes queria dizer era o contrário: que ele tinha por nome esperança. E isso porque há uma velha oposição desses dois gêmeos, medo e esperança — e um dos maiores poetas seus contemporâneos, John Donne, chama a essas duas paixões os “velhos gêmeos”, old twins.[4]

Na mocidade, Hobbes é um humanista. Lê os clássicos e traduz Tucídides, bem como verte Bacon para o latim. Seu Tucídides é uma lição de que a desordem é equivocada: Esparta, monarquia, vence a democrática Atenas na Guerra do Peloponeso. A liberdade dos súditos debilita um Estado.

Mas, em 1628, Hobbes descobre Euclides. Na casa de um conhecido, vê os Elementos de Geometria, abertos no teorema de Pitágoras. Lê, se espanta e solta um palavrão: “By God, this is impossible!“. Mas vê que há uma demonstração, que o remete a passagens anteriores nos Elementos, e — lendo a obra de trás para a frente, e somente pelas partes às quais cada teorema remete — fica impressionado e se convence. É pouco dizer que se convença. O que nos conta seu biógrafo é mais: ele se apaixonou pela geometria. Um de seus principais livros, anos depois, em homenagem a Euclides, se chamará Elements of Law.

Nos anos que se seguem, e que são os do governo pessoal de Carlos I, isto é, aqueles em que o rei governa sem Parlamento e, dissemos, sem política externa própria, reprimindo as forças mais vivas da sociedade inglesa — empreendedores e puritanos —, Hobbes se concentra em estudos de philosophia prima, em especial na ciência física. Visita o continente europeu, conhece Galileu, a quem admira, Descartes, com quem se entende menos, Gassendi e Mersenne, de quem se torna amigo. Concebe uma filosofia que terá três partes, sucessivas. Na primeira tratará do corpo. Na segunda, de um corpo em especial, que é o humano. Na terceira, de um formato específico do homem, que é o cidadão. De corpore, de homine, de cive.

Mas o problema é que em fins da década de 1630 Hobbes vê avolumarem-se as nuvens sobre seu país. E então o que deveria vir por último precisa aparecer mais cedo. Faz circular um manuscrito — com Human nature e De corpore politico — que cobriria as partes sobre o homem e sobre a política. Com isso, irrita os parlamentares e, receoso de ser perseguido, foge para a França. (Na mesma autobiografia em que dirá ter nascido gêmeo do medo, também se gabará — curiosa vaidade — de ter sido o primeiro a fugir. Pelo menos, não tinha medo de confessar o medo.)

Não cabe resumir aqui toda uma filosofia política. Nossa questão, agora, é a liberdade. Hobbes percebe que o eixo dos argumentos da oposição gira em torno da liberdade. Com efeito, os oponentes do rei se embebem em séculos de arte oratória, ou de retórica, que tinha a liberdade por valor entre os mais importantes. Quentin Skinner mostrou, em seu estudo dos precursores do Renascimento, como a política moderna em última análise nasce com essa retomada não só da filosofia grega mas, sobretudo, da retórica.[5] Esta última treina os pensadores que buscam persuadir, e permite que brandam o estandarte da liberdade em seus conflitos. Pode ser a liberdade do rei da França contra o imperador romano-germânico, com a tese de que o rei é imperador — isto é, soberano — em seus domínios. Pode ser a liberdade das cidades italianas contra a tutela imperial. Pode ser a liberdade dos súditos diante de déspotas ou tiranos. Pode, ainda, ser a liberdade de consciência religiosa.

Ora, o que Hobbes percebe é que a liberdade constitui forte arma de persuasão, quase a principal,[6] e com isso detém enorme poder político. Decide destruir o sentido retórico dessa liberdade, e substituí-lo por uma definição científica, que busca na física. Se o conseguir, terá esvaziado por completo a causa dos inimigos do rei.

Estamos aqui no cerne do sentido político da obra de Hobbes: exaurir o apelo emocional do principal argumento dos oponentes ao rei, e convertê-lo em questão científica. Vejamos a definição que ele dá, no cap. XIV do Leviatã. Liberdade é “ausência de impedimentos externos”. Um exemplo é esclarecedor. Suponhamos uma pessoa acamada. Se não tem forças para se levantar, não podemos dizer que lhe falte liberdade para sair da cama. O que lhe falta é poder para tanto. Nenhum impedimento externo inibe um ato que ela não poderia, mesmo, praticar. Mas imaginemos que ela melhore, possa e queira levantar-se, porém o médico o proíba. Agora, sim, podemos dizer que não tem a liberdade de sair da cama.

É importante situar o contexto desta passagem. Ela está no começo do cap. XIV. Ora, no XIII Hobbes havia dito o que há de mais chocante em sua filosofia, que é a tese de que os homens, naturalmente, se não houver um poder comum que os controle, não sentem prazer algum — “e sim um enorme desprazer” — na companhia uns dos outros. Ali temos a suma de antiaristotelicismo hobbesiano. Para Aristóteles, em acordo aliás com boa parte da filosofia grega, o homem é um zoon politikon, isto é, um animal social, sociável, político. Somente com a socialização se realiza plenamente a natureza humana. Ora, para Hobbes, apenas por construção seremos sociáveis. E isso ele prova quer cientificamente, numa longa demonstração dedutiva, quer convidando seu desconfiado leitor a examinar como age e sente, chamei essa viagem para dentro de si, em Ao leitor sem medo, de introspecção, e talvez tenha errado ao atribuir nome tão moderno, romântico, a uma teoria formulada em plena era clássica. Mas talvez não tenha sido impróprio o uso do termo, porque se delineia aí, já, a descoberta da intimidade. E de todo modo não importa: o que conta aqui é que a tese é tão chocante que, depois de argumentada racional e teoricamente, requer uma prova suplementar — a leitura de cada um por si mesmo. O advento de um eu, ainda que tímido, serve aqui de contraprova, ou prova adicional, da descoberta científica.[7]

É logo depois de assim chocar nossa percepção usual do ser humano que Hobbes introduz a definição de liberdade como ausência de impedimentos externos, que ele deve à física. É claro que está pressupondo Galileu. Mas o que nos interessa não é a discussão interna à física, e sim o uso, que Hobbes efetua, de uma definição física para debilitar a política, ou pelo menos uma política — aquela que hoje chamaríamos de democrática, e que tem na ideia de liberdade, e mais que isso, no afeto tributado a essa ideia, um de seus pontos marcantes.

Assim a liberdade deixa de ser definida pelos termos altissonantes da tradição democrática dos atenienses, ou republicana dos romanos. Distingamos, rapidamente. Atenas é vista como a pátria da democracia. Democracia quer dizer poder (kratos) do povo (demos). Vários filósofos da Antiguidade associam o poder do povo ao poder dos polloi (outra forma de grafar o poli, de Fortescue), que são os pobres. Já a república tem, como seu lugar de origem ou de primeira excelência, Roma. Aqui a ênfase não está no poder (o grego kratos), mas na coisa (res) pública, que se apresenta como oposta e superior à privada. A república promove uma intensa moralização da política. Política moral é a republicana. Para nosso autor, porém, a diferença entre Atenas e Roma, entre a democracia e a república, importa pouco: são “Estados populares”, nos quais prospera a retórica, o engano, e por isso se debilita o poder e se esgota a paz.

Por isso, diz Hobbes — no cap. XXI  do Leviatã, dedicado ao tema da liberdade — que o aprendizado dos idiomas clássicos, grego e latim, causou enorme derramamento de sangue no Ocidente. Há várias ideias aqui unidas. Primeira, a crítica à filosofia grega e, sobretudo, à de Aristóteles.

Segunda, a percepção de que se estuda grego ou latim por meio, sobretudo, de textos clássicos de alcance moral ou cívico. Nossa conduta, por exemplo, é assim moldada por Cícero, Aristóteles e tantos outros. Sendo eles republicanos ou democratas, os exempla que dão a nosso comportamento são hostis aos reis. Terceira, a retórica. Por um lado, esta é a única parte que nosso filósofo respeita da filosofia de Aristóteles (pois devasta sua física, política e metafísica). Por outro, Hobbes procede a uma crítica em regra da prática da retórica. Elogia a retórica como teoria, critica seu uso, sua prática. A retórica de Aristóteles serve para desmascarar os retores. Assim é que as línguas da Antiguidade servem, hoje, como veículos de subversão. É necessário eliminar a altissonância, a grandiloquência, a fim de se chegar a uma teoria política adequada e viável.

O que deseja Hobbes é, tornando a liberdade simples “ausência de impedimentos externos”, eliminar a possibilidade de que ela suscite entusiasmo, paixão, em suma: rebelião. Imaginem uma passeata. Substituam, num cartaz que pede “liberdade para os presos sem culpa”, a palavra liberdade. Dará para entusiasmar a sociedade pedindo “ausência de impedimentos externos para os presos sem culpa”? É evidente que não. Meu exemplo pode parecer um pouco exagerado, mas é apenas a atualização do que o próprio Hobbes oferece — quando diz que o estudo das duas línguas clássicas causou tanta efusão de sangue, por enganar-nos quanto ao significado da palavra liberdade e de tudo o que está ligado a ela.[8]

Passar da retórica à física, do conceito político de liberdade a um científico, é assim uma maneira aparentemente eficaz de esgotar o potencial subversivo — ou pelo menos reivindicatório — dessa palavra. Talvez seja esse o sentido de uma política “científica“, que Hobbes afirma ser o primeiro a promover: esvaziar o poder subversivo da palavra. Um recorte se estabelece, em Hobbes como em outros filósofos, nos primórdios da modernidade, entre o papel explosivo da retórica (com todo seu cortejo de engano e auto-engano, o primeiro decorrendo do segundo) e o papel pacificador da ciência política.

Daí à ideia de interesse bem compreendido será só um passo. A expressão de interesse bem compreendido está associada a Tocqueville, no século XIX, mas percorre como um fio condutor toda a teoria política dos duzentos anos anteriores: sempre, ou quase sempre, se supõe que para se chegar à boa política será preciso superar o imediatismo, o domínio das paixões, a ganância, e fazer prevalecer a razão, a abnegação, o raciocínio de longo prazo. Podem mudar os termos que assim se opõem, mas o esquema permanece. Por exemplo, a abnegação pode ser valorizada por um pensador, que vê a chave da boa política na disposição a fazer o bem comum passar à frente dos interesses particulares — e outro autor pode desdenhá-la, considerando inviável uma sociedade que reprima, tanto assim, os desejos pessoais.[9] Nos dois casos, porém, temos o contraste entre uma política que não funciona e outra que funciona. Em suma, o que temos e que remonta em última instância ao antagonismo entre a retórica e a ciência — é uma forte oposição entre uma política à luz da razão e outra segundo as paixões.

Ora, passando a nosso tempo, disso se seguem alguns problemas. O primeiro deles é o recorte entre uma cultura política de elite e outra, popular — que já evoquei em meu artigo para um seminário dessa longa e feliz série concebida por Adauto Novaes, “O retorno do bom governo”.[10] Sabemos que a modernidade, desde a Renascença, cinde o teatro, a música e as artes em geral entre as de elite e as populares. O teatro, que na Idade Média se produzia em praça pública, manejando referenciais ao alcance de todos, refugia-se em salas onde a entrada é paga, a representação se baseia em textos e sua compreensão requer referentes que muitos não têm — às vezes, a própria língua culta, em vez do dialeto local. Finalmente, na sala de espetáculos fica hierarquizada a distribuição dos assentos, de modo que os mais ricos ou poderosos se beneficiam de uma visão e audição superiores à dos que carecem de dinheiro, prestígio ou mando.

Pois cabe dizer que essa mesma separação entre elite e polloi também distingue uma política científica e outra, popular. Basicamente, a política científica é a política da teoria, ou ciência política. Nos últimos cem ou mais anos, esta se estendeu em torno de alguns grandes princípios. O maior deles é que há política quando se renuncia ao uso da força para impor as próprias ideias, e se admite a divergência de ideias ou ideais. Evidentemente, há uma linha divisória entre o aceitável e o inadmissível — a maior parte de nós entenderá, provavelmente, que os nazistas, racistas e pregadores do ódio não têm a mesma legitimidade que outros adversários ou mesmo antagonistas nossos —, mas o fundamental é essa redução do teor passional, intolerante, na política. Em suma, a política perde a sustentação, que teve durante séculos, na moral e na religião. Enquanto estas duas a sustiverem, é óbvio que o dissidente será visto como imoral ou como inimigo de Deus. Contudo, saindo ambas de cena, temos um espaço para tolerar quem não compartilha nossa fé religiosa. É o processo de laicização da política.

Essa política da teoria, porém, não é facilmente aceita nos meios populares. Neles, pesa muito uma concepção que recorda, em alguns pontos, a doutrina medieval do buon governo, isto é, do rei justo, que é bom rei porque é um rei bom. Daí que a discussão da qualidade moral da pessoa seja tão importante quando está em questão a escolha do governante. Daí que, em nosso país, mas também em muitos outros, o debate político muitas vezes se reduza a questões de caráter ético. Isto é particularmente visível nos Estados Unidos, que dos anos 70 até pelo menos o final dos 80 mediram seus candidatos a cargos políticos por minuciosa varredura de sua vida genital. (Aparentemente, Kennedy e Clinton representam os pontos anterior e posterior a essa espécie de maccarthismo sexual.)

Em suma, a laicização da política — com seus três traços principais, exclusão da religião, redução da moral e aceitação da legitimidade do “outro lado” — é mais uma teoria do que uma prática. E é isso o que torna necessário falar em política de elite, não porque seja de direita ou expresse interesses econômicos conservadores, mas porque esfria a temperatura dos conflitos passionais em favor da administração dos conflitos — e em política mais popular, não porque seja progressista, o que muitas vezes não é mesmo, e sim porque acredita que só vale a pena participar da coisa pública quando valores mais altos, os éticos, estiverem presentes. Vê-se que, se apostarmos muito na política da teoria, corremos o risco de reduzir seriamente o elemento da participação, da adesão popular a ela. (Se estivermos completamente convencidos de que os dois lados antagônicos são igualmente legítimos, por que iremos votar num deles? Tanto faz.) E, se investirmos muito na política popular, poderemos ser intolerantes com o diferente. (Se tivermos a convicção de que um lado realmente traz a boa política, e outro o desastre, acreditaremos que este último é a encarnação do mal, e não teremos por ele nenhum respeito, sequer humano.) É essa uma das antinomias da política de hoje.

Com esse processo moderno de desqualificação da retórica e valorização da ciência, tivemos, no trato das coisas humanas, a redução do desejo e das paixões a uma dimensão errada, popular, maléfica, da política. Podemos mostrar isso em alguns casos. Tomemos, por exemplo, o grande historiador da Revolução Francesa, melhor dizendo, seu primeiro grande historiador a vê-la sob um enfoque nitidamente positivo —Jules Michelet. São dele algumas passagens ou expressões notáveis — por exemplo, a crítica ao Antigo Regime sumarizada numa só expressão, “o rei era bom”, no começo de sua História da Revolução Francesa. Por ser bom, Luís XVI não negava nada a quem estava perto dele, e com isso era injusto, profundamente injusto, com a sociedade como um todo.

Ora, uma das coisas que impressionam na leitura da Revolução segundo Michelet é como seus pobres e miseráveis, ao se rebelarem, respeitam escrupulosamente a propriedade alheia. Em contraste, porém, ele menciona o banditismo presente nos campos. É preciso ler um Georges Lefebvre, com O grande medo de 1789, para suspeitar que os bandidos de Michelet sejam, na verdade, camponeses travando uma luta social — aqueles que invadem os castelos e queimam as escrituras que validavam o sistema senhorial. Temos aqui dois pontos decisivos. O primeiro é que o teor social das lutas é eliminado, ou reduzido a bem pouco, na leitura de Michelet. O segundo é que justamente as lutas em que esse teor é mais forte acabam criminalizadas. Isso, é claro, gera um paradoxo. Sem um descontentamento basicamente social não teria ocorrido a Revolução Francesa. Mas as formas de expressão mais “sociais” dessa insubordinação são denegadas, recalcadas, convertidas em outra coisa.

É claro que contestar essa leitura de Michelet também traz problemas. Não há como aplaudir a chacina dos defensores da Bastilha, as mortes sob o Terror, massacres e atos de violência praticados por miseráveis revoltados. Mas é preciso compreender que tudo isso formou parte de um só processo histórico. Não devemos, indo na linha contrária a Michelet, converter em heroi quem antes era vilão. Não se trata de inverter uma leitura, mas de procurar um nível mais abrangente de compreensão dos fenômenos políticos, em que possamos integrar um entendimento melhor do que passou por desmedida passional e uma adequada valorização de uma política mais justa e humana.

Pois é constantemente minimizado o desejo como fator de rebelião popular. Trata-se do fenômeno que denominei a “inveja do tênis” — que se exprime quando um garoto mata outro por coisa tão fútil quanto um tênis de grife. Evidentemente, esse tipo de crime indigna, pelo descompasso entre o motivo do crime e a liquidação de uma vida. Mas, sem com isso reduzir a indignação, é preciso notar que o conflito social não se extravasa necessariamente pelo lado mais bonito, de classes exploradíssimas mas que se conservam por completo no interior da moral — quer a chamemos de burguesa, convencional ou cristã. Num tempo como o nosso, em que cada vez mais se enfatiza a importância do consumo, o desejo de artigos de consumo se torna fator decisivo no confronto entre os atores sociais.

Não é sempre pela casa ou pela comida que as pessoas sentem a desigualdade e a injustiça. Pode ser ao perceberem o descompasso entre o excesso e a privação. Até aí, porém, eu não disse nada de novo. Isso está em Rousseau e em todos os pensadores morais da política. Mas a novidade é a seguinte: é deixar de culpar o excesso, o luxo, o conforto, contrapondo-os a uma sociedade austera, na qual as necessidades primordiais sejam atendidas. É perceber, primeiro, que poucos anseiam por essa austeridade; segundo, que não há mais como definir necessidades básicas, num mundo plural, em que os objetivos das pessoas são tão distintos entre si. Ou seja, em vez de contrapor o excesso à privação, entender que a disputa está em torno do direito ao luxo, ao conforto, ao prazer.

Em outras palavras: o que vemos, na conversão do tênis em núcleo desejante dos conflitos sociais, vai na direção contrária de um movimento muito frequente — que é a substituição do desejo pela ideia de direito, mais moral, mais decente. Entendemos bastante bem reivindicações que passam pelo direito. Essa ideia, por sua vez, é larga tributária da ideia de necessidade. Temos direito ao que é necessário para a vida, e mesmo para a vida decente. Daí o destaque conferido à moradia, à alimentação, à saúde. Há, porém, na vida elementos que são os que lhe dão valor, os que a fazem pulsar. Esses temperos estão do lado do excesso, do a-mais, do supérfluo, do suplementar. Daí que, ao conferirmos demasiado peso à ideia de direito, e de menos à de desejo, tenhamos dificuldade em compreender o que efetivamente acontece em nossa sociedade. É o caso do baile funk, ou do acesso dos polloi à praia carioca chique: fenômenos que não têm mais por vetor a realização de valores elevados — por exemplo, a emancipação do proletariado — mas uma série de processos, que são emancipatórios em boa parte, mas não são necessariamente belos.

Uma consequência do que sugiro é que, talvez, as leituras “de direita” e “de esquerda” mostrem uma convergência maior do que se imagina, quando contestam o elemento desejante nas relações sociais e políticas, em favor de um avanço da ciência, da sabedoria, da moderação. Talvez o exemplo mais claro disso esteja no acordo que, sem querer, manifestam ao reagir de maneira muito parecida aos excessos de alguns programas televisionados. Em 1999, por exemplo, o apresentador Ratinho causou indignação ao mostrar um vídeo com uma tailandesa que utilizava os músculos da vagina para fumar charutos e expedir dardos. Ora, de toda a repercussão na imprensa somente vi uma que não o condenava — a de Fernando Gabeira, que elogiou o espaço assim dado a uma sexualidade mais livre, mais experimentada, na TV aberta, ou seja, voltada aos pobres. (Os canais de televisão pagos mostram cenas iguais ou mais arrojadas.)[11] O caso é exemplar: todos os lados se unem na crítica à pornografia. Um alto funcionário do governo federal chegou a pedir que, em 1999, no dia do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, as emissoras não veiculassem cenas de violência e de sexo — assim equiparando, significativa mas equivocadamente, uma e outro.

Hobbes procurou então esvaziar a carga afetiva de uma palavra particularmente intensa — liberdade. Assim fazendo, ele se integrou na linha dominante da modernidade, à qual chamei a política da teoria política. Não importa que colegas seus defendessem a mesma liberdade que Hobbes atacava — porque, de direita ou de esquerda, a política “de elite” esvaziou os afetos o quanto pôde. Mas cabe voltar a um ponto que ficou de lado. Nós partimos de uma palavra que, sozinha, despertava tantos resultados. Vamos agora investigar o poder que as palavras têm: que revoltas elas facilitam?

Estamos acostumados a uma ideia muito depreciativa do poder das palavras: “facta non verba”, fatos — ou atos — e não meras palavras. Essa é uma das formas de negar que elas tenham eficácia. No Hamlet de Shakespeare, uma das passagens mais conhecidas é aquela em que o personagem principal se refere a um livro como tendo apenas “palavras, palavras, palavras”; aceitamos o tom pejorativo, sem meditar que uma peça é feita, justamente, de palavras. Como elas parecem menos materiais do que aquilo a que chamamos ação, privilegiamos uma suposta realidade, da qual está cassada a linguagem. Não será o caso de mudar nossa postura? de ouvir, nas palavras, o som nunca abafado da ação?

Ora, em Hobbes as palavras são decisivas. É costume ler algumas passagens suas e ignorar outras. Mais precisamente, no Leviatã lemos as partes I e II, que tratam da construção do Estado soberano a partir da psique humana e contra ela, mas deixamos de lado as partes III e IV, nas quais o autor examina a relação entre a política, o clero e a religião. Nosso mundo se laicizou — daí que nos canse a discussão sobre o texto bíblico, e que nos pareça superado o problema do confronto entre o poder temporal e o espiritual. Em particular, enfatizamos assim uma frase do começo do cap. XVII: “Os pactos sem a espada são meras palavras” (Covenants without the sword are but words). Ora, o que o clero maneja, se não palavras?

Mas essa própria pergunta — que nem chega a ser formulada, uma vez que do clero e da religião, em Hobbes, pouco se fala — aponta para a resposta. Em resumo, a palavra religiosa detém um poder superior ao dos pactos, digamos, puramente leigos. As partes III e IV do Leviatã tratam essencialmente do poder que pertence às palavras do clero. Estas constituem o veículo do erro, que precisa ser controlado. Pior que isso, elas expressam um perigo que está no cerne da linguagem. Quando Hobbes estuda a linguagem, no cap. IV, a certa altura enumera seus usos e os correspondentes abusos. Ao chegar ao quarto — e último — uso legítimo, diz que ele consiste no emprego das palavras como brinquedo, diversão, trocadilho agradável. O abuso que lhe corresponde, contudo, é o da utilização da palavra como arma. Penso que nesse arremate dos usos e abusos da linguagem esteja o cerne dela, para Hobbes. No fundo, a linguagem tende a se tornar arma.

Todo o trabalho do pensamento hobbesiano consiste em evitar esse armamento verbal. Desarmar as palavras se dá de duas ou três maneiras. Umas palavras, nós tornamos científicas — é o caso de uma tão perigosa, liberdade. Outras, regulamentamos de diversas formas. Algumas, ainda, permitimos que folguem, que façam folia, desde que não passem dos limites permitidos — o jogo de palavras, a piada pessoal, a poesia metafísica. O grande problema, porém, está quando elas se tornam sediciosas, e — nas mãos dos deputados humanistas, que leram Cícero e Aristóteles e amam a liberdade dos antigos, ou nas dos pregadores puritanos, que da leitura da Bíblia querem extrair sua pretensão ao poder — ameaçam a ordem e a paz. Leigos partidários de um Estado popular e pregadores dissimulados, eis o perigo. Mas todos eles lidam é com palavras. Por isso, terminamos com um paradoxo pelo menos curioso, talvez instrutivo: Hobbes quer reprimir a palavra, mas justamente porque ele crê — ao contrário de tantos de nós — no poder que ela possui. Mesmo quando a quer controlar, uma homenagem ele lhe presta — porque sabe que essas pequenas palavras, liberdade e alma ou salvação, são poderosíssimas, mais talvez do que o exército de um rei.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Thomas Hobbes. Leviatã, várias edições em português (Abril, Nova, História dos Pensadores). Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva.

. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Trad. Renato Janine Ribeiro.

Renato Janine Ribeiro. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. Belo Ho‑

rizonte: Editora UFMG, 2 edição, 1999.

. A marca do Leviatã. São Paulo: Ática, 1978.

Quentin Skinner. As fundações do pensarnento político moderno. São Paulo: Companhia das

Letras, 1996. Trad. Renato Janine Ribeiro.

. Razão e retórica em Thomas Hobbes. São Paulo: Editora da uNEsp, 1999.

 

NOTAS

O único país que entra na luta do lado opostoà sua religião dominante é a França, que, embora católica, está interessada em limitar a hegemonia espanhola na Europa — o que vai conseguir.

Sucessivamente, Jaime I, Carlos I, Carlos ii e Jaime ii. Depois da Revolução Gloriosa de 1688, reinaram Maria, filha de Jaime ii, com seu marido Guilherme, e depois deles sua irmã Ana, com quem termina a dinastia.

É curioso que Fortescue derive a palavra politicum não de polis, como fazemos, mas de poli, isto é, vários, muitos. Encontra-se seu “The Governance of England “em Dunham e Pargellis (orgs.), Complaint and Reform in England, 1436-1714. Nova York: Oxford University Press, 1938, pp. 51-82. Se, como sustento em outros lugares (“Democracia versus república”, em Bignotto et al., Pensara república. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, e em Democracia. São Paulo: Publifolha, 2001), a democracia é desde os gregos essencialmente o regime dos muitos, então Fortescue, que obviamente não era nem podia ser democrata, está, porém, dando base teórica para a mesma tese que defendo.

Parte do que vai dito adiante está mais desenvolvida em meu livro Ao leitor sem medo — Hobbes escrevendo contra o seu tempo. São Paulo: 1′ edição, Brasiliense, 1984 — e Belo Horizonte: 2′ edição revista, Editora UFMG, 2000.

As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Note-se que o cap. II, “Retórica e liberdade”, precede o dedicado a “Escolástica e liberdade”, que é o terceiro — como a indicar que na opção pela liberdade a retórica terá antecedido, em importância, a filosofia.

Quase. A principal, penso eu, é o medo ante a condenação da alma.

Cito por extenso, dada a relevância da passagem — uma das raras, na filosofia de Hobbes, e em toda a filosofia, a dirigir-se ao leitor: “Poderá parecer estranho a alguém que não tenha considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens, tornando-os capazes de atacar-se e destruir-se uns aos outros. E poderá portanto talvez desejar, não confiando nesta inferência, feita a partir das paixões, que a mesma seja confirmada pela experiência. Que seja ele portanto a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e funcionários públicos armados, prontos a vingar qualquer injúria que lhe possa ser feita. Que opinião tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; de seus concidadãos, ao fechar suas portas; e de seus filhos e servidores, quando tranca seus cofres? Não significa isso acusar tanto a humanidade com seus atos como eu o faço com minhas palavras? Mas nenhum de nós acusa com isso a natureza humana. Os desejos e outras paixões dos homens não são em si mesmos um pecado” (Leviatã, cap. mil, trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz N. da Silva).

O exemplo pode soar exagerado porque, infelizmente, ao estudar os clássicos os afastamos demais de nós. Atribuímos a eles uma grandeza que acaba apartando-os de nosso mundo. Mas eles são clássicos, justamente, porque ainda nos dizem algo — e ainda os podemos aplicar à compreensão, que tentamos, das coisas.

Para dar nome: o primeiro caso é o de Montesquieu estudando a república, o segundo, o de Mandeville propondo a organização da sociedade moderna.

In Adauto Novaes (org.), Ética. São Paulo: Companhia das Letras e Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

Gabeira, artigo na Folha de S Paulo, 12/7/1999, Ilustrada, p. 6-6. Comentei este episódio em meu artigo “O poder público ausente: a TV nas mãos do mercado”, a ser editado pelo Fundo de Cultura, em obra coletiva sobre cultura e democracia no Brasil, coordenada por Saul Sosnowski.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Thomas Hobbes. Leviatã, várias edições em português (Abril, Nova, História dos Pensadores). Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva.

. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Trad. Renato Janine Ribeiro.

Renato Janine Ribeiro. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. Belo Ho‑

rizonte: Editora UFMG, 2 edição, 1999.

. A marca do Leviatã. São Paulo: Ática, 1978.

Quentin Skinner. As fundações do pensarnento político moderno. São Paulo: Companhia das

Letras, 1996. Trad. Renato Janine Ribeiro.

. Razão e retórica em Thomas Hobbes. São Paulo: Editora da uNEsp, 1999.

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[1] O único país que entra na luta do lado opostoà sua religião dominante é a França, que, embora católica, está interessada em limitar a hegemonia espanhola na Europa — o que vai conseguir.

[2] Sucessivamente, Jaime I, Carlos I, Carlos II e Jaime II. Depois da Revolução Gloriosa de 1688, reinaram Maria, filha de Jaime II, com seu marido Guilherme, e depois deles sua irmã Ana, com quem termina a dinastia.

[3] É curioso que Fortescue derive a palavra politicum não de polis, como fazemos, mas de poli, isto é, vários, muitos. Encontra-se seu “The Governance of England” em Dunham e Pargellis (orgs.), Complaint and Reform in England, 1436-1714. Nova York: Oxford University Press, 1938, pp. 51-82. Se, como sustento em outros lugares (“Democracia versus república”, em Bignotto et al., Pensara república. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, e em Democracia. São Paulo: Publifolha, 2001), a democracia é desde os gregos essencialmente o regime dos muitos, então Fortescue, que obviamente não era nem podia ser democrata, está, porém, dando base teórica para a mesma tese que defendo.

[4] Parte do que vai dito adiante está mais desenvolvida em meu livro Ao leitor sem medo — Hobbes escrevendo contra o seu tempo. São Paulo: 1a edição, Brasiliense, 1984 — e Belo Horizonte: 2a edição revista, Editora UFMG, 2000.

[5] As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Note-se que o cap. II, “Retórica e liberdade”, precede o dedicado a “Escolástica e liberdade”, que é o terceiro — como a indicar que na opção pela liberdade a retórica terá antecedido, em importância, a filosofia.

[6] Quase. A principal, penso eu, é o medo ante a condenação da alma.

[7] Cito por extenso, dada a relevância da passagem — uma das raras, na filosofia de Hobbes, e em toda a filosofia, a dirigir-se ao leitor: “Poderá parecer estranho a alguém que não tenha considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens, tornando-os capazes de atacar-se e destruir-se uns aos outros. E poderá portanto talvez desejar, não confiando nesta inferência, feita a partir das paixões, que a mesma seja confirmada pela experiência. Que seja ele portanto a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e funcionários públicos armados, prontos a vingar qualquer injúria que lhe possa ser feita. Que opinião tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; de seus concidadãos, ao fechar suas portas; e de seus filhos e servidores, quando tranca seus cofres? Não significa isso acusar tanto a humanidade com seus atos como eu o faço com minhas palavras? Mas nenhum de nós acusa com isso a natureza humana. Os desejos e outras paixões dos homens não são em si mesmos um pecado” (Leviatã, cap. mil, trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz N. da Silva).

[8] O exemplo pode soar exagerado porque, infelizmente, ao estudar os clássicos os afastamos demais de nós. Atribuímos a eles uma grandeza que acaba apartando-os de nosso mundo. Mas eles são clássicos, justamente, porque ainda nos dizem algo — e ainda os podemos aplicar à compreensão, que tentamos, das coisas.

[9] Para dar nome: o primeiro caso é o de Montesquieu estudando a república, o segundo, o de Mandeville propondo a organização da sociedade moderna.

[10] In Adauto Novaes (org.), Ética. São Paulo: Companhia das Letras e Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

[11] Gabeira, artigo na Folha de S Paulo, 12/7/1999, Ilustrada, p. 6-6. Comentei este episódio em meu artigo “O poder público ausente: a TV nas mãos do mercado”, a ser editado pelo Fundo de Cultura, em obra coletiva sobre cultura e democracia no Brasil, coordenada por Saul Sosnowski.

 

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