2002

O renascimento das liberdades

por Newton Bignotto

Resumo

A liberdade, no Renascimento, tem dois aspectos: um político, outro filosófico. As repúblicas italianas, sobretudo a de Florença, buscavam recuperar a ideia de liberdade tal como entendida por pensadores republicanos da Antiguidade clássica. Essa liberdade, na luta contra as tiranias e contra as decadentes instituições medievais, encontrou sua expressão mais arrojada em Maquiavel, que não se limitou a enunciar princípios abstratos mas apontou os meios de sua realização. Baseando-se em Tito Lívio, ele observou que a necessidade é que define a condição da liberdade, e que a verdadeira questão é como manter a liberdade quando os ventos não são bons. Desfazendo as ilusões cristãs de paz, Maquiavel afirma que o corpo político é dividido por natureza e que, portanto, a retomada de ideias do passado requer sempre uma recriação no presente. O outro aspecto da liberdade no Renascimento costuma ser associado à figura de Pico della Mirandola, que pretendeu realizar uma grande síntese do saber desde Platão. Para ele, a natureza do homem é aberta. O homem livre não é mais apenas um ser de livre-arbítrio e de contemplação, como em Agostinho, mas um ser de criação. A importância disso para o Renascimento é a defesa de uma liberdade que, embora ainda apegada a valores cristãos, significa uma expansão do conhecimento e da ciência. Pico está na encruzilhada de duas épocas, ele conserva a herança do passado e aponta para o futuro. Na sua esteira aparecerão em breve Giordano Bruno e Galileu.


Seria tentador descrever o Renascimento como uma era de florescimento das liberdades e de expansão das atividades criativas do homem. Se prestarmos atenção ao desenvolvimento das artes, à expansão do comércio, às modificações dos costumes em muitas das cidades mais importantes da Europa e ao grande influxo dado aos estudos voltados para matérias como a retórica e a vida civil, esse painel parece se oferecer rico e variado a nossos olhos, a ponto de forjar uma percepção otimista de uma época imprensada entre o rigor moral das sociedades medievais e a consolidação das monarquias absolutas nas principais nações europeias.[1] No entanto, se os fatos mencionados são verdadeiros e fazem parte do processo de mudança radical que está na raiz de nossa modernidade, não nos parece que possamos recorrer a generalizações desse tipo se quisermos compreender o caminhar da ideia de liberdade, nos séculos decisivos para sua consolidação, como uma das questões centrais do mundo moderno.

Em primeiro lugar, é preciso partir de um recorte histórico exato. Se vamos falar de uma ideia e de suas implicações e desdobramentos no mundo do pensamento, mas também na vida efetiva dos homens, é preciso lembrar que não existiu algo como um renascimento europeu, que tivesse percorrido todo o continente ao mesmo tempo e produzido os mesmo efeitos. Particularmente para o tema que nos interessa, a Itália conheceu certos desenvolvimentos, que seriam essenciais para todo o mundo ocidental, que precederam de mais de um século as discussões que iriam ocorrer em quase todos os países no século XVI. Por isso vamos prestar especial atenção a seus pensadores, mesmo sabendo que isso impõe um recorte particular a nosso estudo.

Em segundo lugar, é necessário dizer de qual liberdade estamos falando, quando nos propomos a tratar a questão. De fato a liberdade é um desses problemas capazes de habitar vários terrenos teóricos ao mesmo tempo, sem que possamos seja simplesmente excluí-los mutuamente, seja tomá-los de maneira indiferenciada. Como não se trata de produzir uma teoria complexa do tema, vamos nos contentar com sua divisão analítica, sabendo que dessa maneira estamos fazendo uma leitura redutora do fenômeno da liberdade. Na verdade, o que vamos tentar é a abordagem de alguns aspectos do problema, tal como ele apareceu aos homens do Renascimento, sem nos preocupar em oferecer uma visão unificadora. Dessa maneira, duas dimensões serão objeto de nossas considerações: a liberdade na vida pública e sua consumação em uma teoria elaborada em Maquiavel, e a liberdade da condição humana consubstanciada numa progressiva liberdade no pensamento. Para cada uma procuraremos mostrar que o Renascimento foi um momento fundamental, que articulou o passado greco-romano com um mundo cujas feições ainda não estavam inteiramente traçadas. Estamos partindo, assim, da hipótese de que o maior interesse do período é o de ter sido uma época de abertura e de expansão das possibilidades que viriam a constituir as sendas do mundo moderno. Nesse terreno de esperanças e inseguranças a ideia de liberdade em suas variadas acepções teve um papel determinante para a constituição dos novos lugares da experiência humana.

A LIBERDADE NA POLÍTICA

Falar do conceito de liberdade no Renascimento, quando referida à política, significa traçar o painel da recuperação da ideia de liberdade tal como fora entendida pelos pensadores republicanos da Antiguidade clássica. Como já mostraram diversos comentadores,[2] a discussão em torno do problema começou muito cedo na Itália e envolveu grande número de temas. Dentre outros aspectos, cabe lembrar que desde Agostinho os filósofos medievais assumiram a ideia da liberdade da vontade como parte essencial da descrição da condição humana. A aceitação do que muitos consideram uma característica fundamental do pensamento cristão influenciou não só a maneira de abordar o problema da alma, como também a forma de pensar as diversas instituições terrenas. Disso nasceu o forte apelo por uma vida dedicada à contemplação e a recusa das virtudes associadas à vida na cidade. Essa atitude não significou o abandono total da reflexão sobre a política, mas determinou seus rumos por muitos séculos.

A partir do século XIV, no entanto, essa forma de encarar a vida em comum dos homens e a preocupação com os problemas práticos decorrentes dos conflitos que surgiram da complexificação das relações entre as diversas forças sociais levou ao retorno progressivo a temas que haviam sido descurados pelos principais pensadores medievais. Dentre eles, devemos destacar o das virtudes cívicas, que tanto o retorno à ética aristotélica quanto o impacto causado pelo estudo de obras desconhecidas de Cícero colocaram no centro de um movimento de ideias que iria redesenhar o panorama do pensamento ocidental.

Um dos aspectos centrais dessa transformação foi a recuperação do sentido político da liberdade. De Petrarca a Maquiavel os humanistas italianos iriam se debruçar sobre os textos do passado e sobre os problemas de seu tempo, para repensar um conceito que por séculos havia sido remetido apenas à experiência solitária do exercício de escolha operado pela consciência. Devolvida ao lugar que ocupara na filosofia greco-romana, a liberdade foi um dos pilares sobre o qual se assentou a reflexão política moderna.

É difícil mapear todo o percurso dessa ideia ao longo do Renascimento,[3] mas é certo que ela se conecta a pelo menos dois fios da extensa trama traçada pelos pensadores que influenciaram o período. Em primeiro lugar ao fato de que muitas cidades italianas viviam efetivamente como repúblicas desde o século xi’, mesmo quando mantinham seus vínculos formais de submissão ao Império, o que gerou forte demanda por conhecimentos jurídicos que pudessem servir para dar sustentação às demandas de autonomia e independência. Paralelamente a essas demandas, os autores do passado, que haviam servido ao longo da Idade Média muitas vezes como meros exemplos de comportamento, mostraram ser, cada vez mais, ferramentas adequadas para romper o ferrolho imposto pelas instituições que reivindicavam um poder de extensão universal: a Igreja e o Império. O primeiro passo dado por homens como Petrarca foi, assim, o de perceber que havia em autores antigos mais do que a tradição cristã indicava e conservara como parte do manancial do passado a ser levado a sério. O efeito dessa reaproximação com autores gregos e romanos foi a mola mestra do desenvolvimento do humanismo e da recuperação do sentido político da liberdade.

A análise do caminho rico e variado da formação do humanismo escapa aos objetivos deste texto e demanda detalhamento de fontes e de sua interpretação que motivou muitos intérpretes.[4] O que nos interessa, antes de mais nada, é mostrar como o comércio com os escritos do passado foi essencial para nosso tema e como a simples percepção de que havia algo diferente a ser procurado no que fora deixado entregue ao mofo das bibliotecas desencadeou verdadeiro movimento de expansão do mundo das ideias e uma interpretação nova dos desígnios do homem no mundo. Nesse sentido, Petrarca soube se apropriar das discussões e das referências que há muito circulavam nas escolas de retórica da Itália, para imprimir um olhar novo sobre questões discutidas por muitos de seus contemporâneos. Ele soube ver antes de mais nada o conteúdo revolucionário de textos lidos à luz de cânones que lhes eram exteriores. Esta simples suspeita de que o passado era mais rico levou-o a desencadear verdadeira caça aos manuscritos que permaneciam descurados em depósitos de livros de mosteiros em toda a Europa. Da mesma maneira que o contato com os textos de Aristóteles alguns séculos antes provocara a renovação do pensamento cristão, o aumento do conhecimento da literatura romana e grega iria modificar as fronteiras dentro das quais o debate sobre valores e conceitos era travado.

De fato o estudo do passado produziu no início exatamente isto: uma mudança de fronteiras, uma reapropriação de conteúdos que já eram parcialmente tratados em alguns contextos da vida italiana, como nas escolas de retórica disseminadas por várias cidades e que serviam para instrumentalizar aqueles que pretendiam participar da vida pública de suas comunas. Por isso não foi surpresa para os florentinos quando Salutati, legítimo herdeiro de Petrarca em seu interesse pelos clássicos, e que foi chanceler da República de Florença a partir de 1375 até sua morte no começo do século XV, se lançou na defesa da liberdade florentina. Os cidadãos de Florença já estavam acostumados com a ideia de que viviam em uma comuna livre; o que os humanistas iriam modificar era a percepção das razões dessa liberdade.

Salutati em particular defendeu Florença contra o ataque de seus adversários em várias ocasiões e soube aliar retórica e combate político de maneira admirável. Em um de seus escritos mais conhecidos,[5] ele afirma aos que atacavam sua cidade e defendiam os tiranos de Milão, envolvidos em uma aventura de conquista da hegemonia na Itália:

Veremos, dissestes, todavia viu, vês e verás a força mais que romana e a constância do povo florentino na defesa da dulcíssima liberdade, que, como foi dito, é um bem celeste que supera toda riqueza do mundo. Todos os florentinos têm no ânimo o firme propósito de defendê-la como à própria vida, mais ainda do que com a vida, com as riquezas e com a espada, para deixar aos filhos essa ótima herança que recebemos de nossos pais, para deixá-la, com a ajuda de Deus, saudável e incontaminada.[6]

A liberdade de que fala o chanceler é aquela da comuna, que há muito reivindicava sua independência com relação a outras forças importantes no jogo político italiano. Ameaçada de ver sua posição destruída e seu território conquistado, a cidade mobilizou a força de seus intelectuais para disparar uma verdadeira campanha de propaganda junto aos que contavam no intricado tabuleiro político da época. Para entender essa defesa, é preciso lembrar de um lado o fato ressaltado por Baron.[7] de que a tirania dos senhores de Milão era uma ameaça real à sobrevivência da república florentina e obrigava a cidade a lançar mão de todas as suas armas. O segundo ponto a ser lembrado é que a polêmica entre Salutati e Antônio Loschi se dá no contexto da guerra que Florença havia desencadeado contra a Igreja alguns anos antes e manchado a reputação da cidade no mundo cristão.

Para os nossos interesses, o que importa ressaltar é que o renascimento da ideia de liberdade política se deu por meio da enunciação de um valor ligado à história remota de uma cidade republicana, que via com olhos desconfiados toda ação que visava a restringir sua autonomia e independência. A afirmação da liberdade como característica positiva da cidade encontrava o solo fertilizado pela insistência que percorria os meios intelectuais florentinos de apreciar os que se lançavam em ações públicas de defesa da pátria. Desde Petrarca o elogio da vida ativa havia estado no centro das preocupações dos que se interessavam pela vida e pelos negócios da comuna.

O movimento de recuperação das fontes literárias do passado e de alguns procedimentos discursivos serviu, assim, num primeiro momento, como ferramenta de luta na preservação da unidade da cidade. Esse casamento entre tradição e presente, além disso, ofereceu uma base a partir da qual as cidades republicanas podiam pensar a si mesmas no contexto de conflito e de decadência das instituições com pretensão universal. Por isso Salutati não hesitava em dizer que Florença era filha direta de Roma, e retirava disso sua força:

E, para que tenhas vergonha de ter colocado tudo isso em dúvida com suprema idiotice, direi o que penso da origem de tão grande cidade, confirmando-o com autores que poderei citar, de forma que, tendo tu exposto em outro lugar nossa impudência ao proclamar nossa estirpe romana, eu te retire a partir de agora a possibilidade de delirar e te ofereça a ocasião de ter uma correta percepção.[8]

Pouco importa se do ponto de vista estrito da história sua afirmação seja duvidosa. O que interessa é que o retorno ao passado se mostrou fecundo não apenas para alimentar a busca de tesouros literários escondidos, mas também para fornecer luzes para situações efetivas vividas pelas comunas que queriam conservar sua liberdade. Ao dizer que as raízes florentinas eram romanas, Salutati estava dando um salto sobre um longo período histórico, que parecia reduzir ao ridículo a pretensão à independência da comuna, para encontrar o solo no qual podia achar as fundações que justificavam sua pretensão à liberdade.

Esse discurso iria encontrar eco nas gerações sucessivas de intelectuais que colocaram no centro de suas preocupações, mesmo quando desconfiavam de sua formulação, a discussão sobre a natureza da liberdade. Já no começo do Quattrocento, Leonardo Bruni, que fora discípulo de Salutati e iria ocupar lugar de destaque na cena política italiana na primeira metade do século,[9] voltou aos problemas enunciados por seu mestre para dar um tratamento que se tornaria paradigmático. Ao fazer o elogio de sua cidade em Laudatio florentinae urbis[10] ele iria mostrar que falar da liberdade era algo mais do que simplesmente defender a cidade contra seus inimigos. Se esse objetivo era em si mesmo louvável, ao persegui-lo o humanista percebeu que estava obrigado a abordar problemas que não faziam parte da preocupação dos que antes dele haviam se ocupado da discussão sobre a natureza do regime florentino.

Na primeira parte de seu escrito, que imita em grande medida Aristides, Bruni traça um perfil da cidade que inclui tanto o elogio da situação geográfica quanto a descrição da “perfeição” das formas e o traçado de suas ruas. Servindo-se, assim, de modelos clássicos, ele supera o modelo “realista” dos cronistas medievais ao sugerir um ideal que deveria servir de referência para todas as cidades que quisessem alcançar a excelência de sua terra de adoção. O elemento retórico desse procedimento salta aos olhos do leitor e, nesse sentido, cumpre à risca os objetivos a que se propôs o autor: fazer o elogio público da cidade. O que importa, no entanto, é menos o fato de que se tratava de uma peça que se incluía na estratégia de propaganda das virtudes de Florença, da qual vários humanistas iriam participar ao longo das décadas seguintes, mas o fato de que, ao fazê-lo, homens como Bruni acabaram vendo-se obrigados a aprofundar a discussão sobre temas que na literatura dos manuais de retórica dos dictatores eram apenas tocados sob a forma de um conjunto de exemplo. Ou seja, se a liberdade apareceu nos primeiros textos humanistas como referência obrigatória do gênero retórico que se expandia, ela acabou se transformando em verdadeiro objeto de investigação à medida que os próprios escritores foram se dando conta das dificuldades que suscitava sua abordagem em confronto com uma história da qual eram protagonistas e analistas ao mesmo tempo.

Na Laudatio a liberdade é mencionada ao lado da justiça como um dos fundamentos da vida de Florença. Dito isso, o próprio Bruni se obriga a mostrar de que maneira ela se consubstancia na vida cotidiana da cidade e por isso descreve longamente suas instituições. Ora, é claro que a descrição em si da vida institucional não era uma novidade, sobretudo para os juristas, nem o leitor é levado no interior do escrito a abandonar a tópica retórica, para ser exposto à análise supostamente realista dos fenômenos. Para os humanistas, a retórica era parte fundamental da política e por isso não havia a seus olhos necessidade alguma de negar o caráter retórico do texto e de mascarar o desejo de convencer o leitor. O que interessa observar é que na medida em que o problema da liberdade foi se tornando central, isso obrigou àqueles que o abordavam a esclarecer seus interesses e a definir melhor os aspectos que a seus olhos eram centrais. Bruni insiste no caráter fundamental das leis e mostra que uma cidade livre não pode deixar de lado o respeito a seus estatutos e normas legais.[11] Ao mesmo tempo, no entanto, preocupa-se em afirmar que o fundamento desse respeito é a condição de liberdade da cidade,[12] e que só ela garante a prática da justiça.

Esta percepção otimista da vida republicana de Florença iria se atenuar ao longo dos anos à medida que a ameaça direta de destruição da cidade pelos tiranos milaneses se atenuou e que os problemas internos foram se tornando mais explícitos e graves. O mesmo Bruni, que no começo do Quattrocento via com olhos inebriados os traços distintivos de sua cidade, aprendeu a colocar na balança outros elementos na consideração de suas características centrais. Assim, em texto escrito mais de duas décadas depois, em 1428, a Oratio in funere nannis Strozae equitis florentinis,[13] abordará de maneira diferente alguns temas presentes anteriormente em seus escritos. Em primeiro lugar, situará o passado republicano da cidade não mais em Roma, mas na Etrúria, o que tornava Florença uma cidade livre por si mesma e não apenas pelos laços que entretinha com Roma.[14] Por outro lado, esse distanciamento dos discursos anteriores o levou a afirmar o valor das letras toscanas, que teriam tido um papel irradiador da cultura cívica tão importante quanto o desempenhado pelos grandes autores do passado.[15]

O resultado desta aproximação com a própria realidade é que suas análises foram refletindo cada vez mais os problemas florentinos, mesmo sem deixar de ter forte acento idealizador. De fato, os humanistas sempre tiveram, na luta contra a tirania e na oposição aos regimes extremos, um denominador comum e dele se serviram sempre quando tiveram de pensar a própria realidade. Isso não implicou, entretanto, que não tenham alterado a visão dos problemas suscitados por sua posição. No tocante à liberdade, Bruni, por exemplo, introduz um elemento que não fazia parte de seus discursos anteriores: o tema da igualdade. Referindo-se à composição do corpo de leis da cidade, ele diz: “A constituição que usamos para o governo da república é designada pela liberdade e pela igualdade de fato dos cidadãos. Uma vez igualitária em todos os sentidos, nós a chamamos de constituição popular”.[16] O fato de que esta descrição dificilmente coincidia com a constituição efetiva de Florença, que era de fato uma república muito mais aristocrática que um regime democrático, só mostra, a nosso ver, que a liberdade se constituiu aos poucos não apenas no instrumento mobilizador contra a tirania, mas numa ferramenta a ser usada no interior mesmo das disputas que corroíam o corpo político. Não nos parece razoável supor que Bruni não conhecia o funcionamento efetivo das instituições de sua cidade, o que é mais provável é que se servisse de instrumentos retóricos e do apelo renovado à liberdade para participar do jogo político.

De maneira resumida, podemos destacar alguns traços distintivos da concepção humanista da liberdade que, mesmo não tendo se consolidado em uma teoria coerente em nenhum dos autores, serviu de mola para a construção de um pensamento político à distância dos cânones medievais. O primeiro traço que cabe destacar é o fato de que a liberdade foi pensada como independência em relação às tiranias, o que facilitou a construção da identidade das pequenas cidades italianas, que lutavam para sobreviver como repúblicas nos séculos XV e XVI. O segundo ponto importante dos escritos humanistas é que aos poucos eles chamaram a atenção para o fato de que para falar de liberdade era necessário falar dos arranjos institucionais que dela decorriam, e isso os obrigou a relacionar temas que antes faziam parte do discurso dos juristas com problemas que aparentemente eram objeto apenas das considerações dos retóricos e literatos. Dentre esses temas devemos destacar o da igualdade e o da justiça. O primeiro colocou os humanistas diante da questão da cidadania e da participação nos negócios da cidade. Ao insistir no elogio da vida ativa, muitos, como foi o caso de Palmieri,[17] se viram compelidos a se basear em algo mais do que a simples contraposição à vida contemplativa, o que abriu amplo território de debates e pesquisas que iriam repercutir até o século XVI. O segundo obrigou-os a enfrentar problemas éticos que pareciam solucionados pelos escritores medievais, como foi o caso de Alberti.[18]

No século XVI essas preocupações deram origem a uma teoria mais elaborada da natureza da liberdade política na geração de Maquiavel. Sem a herança humanista, entretanto, acreditamos que não seria possível pensar as contribuições oferecidas pelo secretário florentino e por seus contemporâneos para o desenvolvimento do pensamento político.

LIBERDADE E CONFLITO

O final do século XV e as primeiras décadas do século XVI conheceram os últimos momentos da experiência republicana florentina e a diminuição das liberdades na maioria das cidades italianas, com a exceção talvez de Veneza que, com seu governo aristocrático e republicano, continuou a servir de modelo para todos os que almejavam construir uma cidade governada pelos princípios que haviam inspirado os humanistas do Quattrocento.[19] Esse momento de crise e destruição de muitas instituições ligadas ao passado comunal de várias cidades foi especialmente fecundo no campo do pensamento político. Muitos dos temas já abordados pelos humanistas voltaram à cena pelas mãos de pensadores por vezes muito mais radicais, como Maquiavel, ou argutos, como Guicciardini, ou mais Tealistas quanto a certos aspectos institucionais como Giannotti. Essa verdadeira florescência teórica iria servir de ponte para a modernidade nascente, fornecendo uma referência que se tornaria quase obrigatória para os pensadores republicanos posteriores.

Skinner, em seu conhecido As fundações do pensamento político moderno, colocou em relevo uma série de conceitos e ideias que constituiriam o patrimônio comum do republicanismo do século XVI e que fizeram da liberdade a ideia central do pensamento político da época. O primeiro aspecto que ressalta é a sobrevivência, entre o grupo de pensadores florentinos, da ideia de que liberdade significava antes de mais nada independência com relação a forças externas.[20] Essa abordagem da questão ganhou no século de Maquiavel um sabor especial na medida em que as ameaças de anexação e de incorporação dos territórios italianos às grandes monarquias europeias deixou de ser uma possibilidade remota, para irromper na vida cotidiana de muitas cidades. Esse elemento se combinava com outro aspecto já mencionado das teorias humanistas, que faziam coincidir a liberdade com a ideia do autogoverno.

O desaguadouro natural das discussões citadas foi o intenso debate constitucional que dominou a cena intelectual italiana no período em questão. Partindo do pressuposto de que a melhor maneira para se viver era em liberdade, os pensadores nem sempre se acordavam quanto à melhor organização legal para porem em prática essa tomada de posição contra os governos dos príncipes.[21] Assim, a determinação do caráter das instituições que deveriam constituir uma república, assim como a indicação da origem dos membros das diversas magistraturas, foi objeto de muitas considerações, que estruturavam o debate em torno da defesa de um governo mais aristocrático, um governo stretto, ou da defesa de um governo mais popular, um governo largo. Ao contrário dos humanistas do Quattrocento, que às vezes se limitavam a fazer o elogio das instituições do passado, Maquiavel, Guicciardini e muitos outros reconheceram que era preciso ir mais longe e não apenas enunciar princípios, mas apontar os meios de sua realização. A liberdade era assim incorporada ao direito e mais diretamente às formas constitucionais, que pareciam o destino natural dos povos que queriam manter-se autônomos.

Outro ponto do qual eles se distanciaram de seus predecessores foi a crítica feita aos costumes suntuários e ao acúmulo de riquezas.[22] Enquanto escritores como Bruni e Poggio não viam problema algum em acumular riquezas, ou mesmo contradição entre a prática de virtudes cívicas e a busca de lucro, os pensadores florentinos do começo do século XV, que tinham em grande medida uma visão idealizada dos costumes da Roma antiga, e possuíam verdadeira obsessão com a corrupção do povo,[23] acabavam vendo nesse desvio da vida frugal um elemento indutor da destruição da liberdade. Neste particular, esse apego à pobreza revelava um endurecimento das teses republicanas clássicas, mesmo em pensadores mais realistas como Guicciardini, contra uma leitura mais próxima do universo mental das camadas dirigentes das cidades comerciais italianas, que sabiam perfeitamente que não poderiam conservar sua posição sem suas atividades econômicas.

Podemos ainda lembrar o horror que pensadores como Maquiavel tinham aos exércitos mercenários. Fazendo da defesa direta da pátria um dos eixos do pensamento republicano, ele recuperava dos romanos a ideia segundo a qual as virtudes associadas à liberdade passavam necessariamente por colocar a própria vida em risco para preservar um bem maior. Maquiavel defendeu esta ideia ao longo de toda sua vida, e enquanto membro do governo republicano de Florença, dirigido por seu amigo Soderini, tentou colocá-la em prática organizando um exército com os habitantes das periferias da cidade. Tal experiência acabou em fracasso militar em 1512, mas serviu para reafirmar o valor atribuído às virtudes militares quando se tratava de defender a liberdade.

Aos aspectos lembrados poderíamos ainda acrescentar a crítica da religião e a importância do confronto entre a virtù e a fortuna como dimensão essencial da vida política. Esse elenco de problemas, no entanto, não encerra o quadro dos que eram levantados pelos pensadores italianos do Cinquecento, quando se tratava de abordar a questão da liberdade. Cada um deles mereceria desenvolvimento à parte e análise meticulosa das fontes conservadas pela tradição interpretativa. A menção desses pontos em comum entre diversos pensadores serve a outro propósito. Na verdade o que nos interessa é simplesmente mostrar a existência na Itália da primeira metade do século XVI de uma preocupação em pensar de forma consistente o problema da liberdade. O fato de que podemos falar de um vocabulário comum partilhado por vários autores mostra de maneira evidente que não se tratava de uma questão lateral ou de uma

curiosidade, associada à obra de algum autor, mas de um eixo da cultura filosófica e política da época.

Embora não tenhamos procedido à comparação rigorosa entre os dois séculos, é possível dizer que o republicanismo do século XVI foi mais radical do que aquele de seus predecessores em vários pontos essenciais. Premidos pela ameaça de destruição das cidades e de suas instituições, escritores e humanistas de Florença, Veneza e outros centros aprofundaram a crítica às sociedades governadas por príncipes e radicalizaram os princípios que segundo eles deveriam guiar as formas superiores de governo. Dentre eles Maquiavel ocupa um lugar de destaque. Herdeiro dos primeiros humanistas, ele soube não apenas resgatar o sentido de suas proposições como efetivar uma crítica por vezes demolidora de alguns de seus pressupostos. No tocante à liberdade, ele operou, a nosso ver, uma verdadeira revolução. Deixando de lado o aspecto laudatório dos primeiros escritos humanistas, e fazendo do estudo da natureza das constituições o ponto de partida de suas reflexões, avançou por territórios que mesmo seus contemporâneos tiveram dificuldades em acompanhar. Uma dessas sendas abertas pelo secretário florentino foi a análise da liberdade e de sua relação com os conflitos sociais.

O estudo da questão da liberdade em Maquiavel envolve grande número de variáveis e implica a leitura de um conjunto de escritos que não poderia ser realizado no espaço de um texto.[24] Mesmo sabendo que se trata de questão complexa e que arriscamos produzir algumas simplificações ao abordar apenas um de seus aspectos, acreditamos que é possível, destacando o ponto mencionado acima, apontar para o caráter inovador do tratamento dado por nosso autor à questão da liberdade. Isso se dá porque tanto os humanistas quanto os medievais possuíam em comum o horror aos conflitos. Por razões nem sempre idênticas, pensadores cristãos na esteira de Agostinho, e humanistas cívicos empenhados em recuperar as antigas virtudes, viam nos confrontos no interior da cidade um dos principais fatores de seu enfraquecimento e destruição. O secretário florentino, ao contrário, acreditava que uns e outros estavam errados nessa maneira de colocar o problema dos conflitos.

Já no começo de seus Discursos sobre a primeira década de Tito Lívío,[25] Maquiavel alerta seus contemporâneos, acostumados a ouvir elogiar o passado, que talvez o elogio estivesse sendo feito pelos motivos errados. De fato, os italianos estavam cada vez mais ligados no que hoje chamaríamos de arqueologia da Roma antiga e na conservação de seus restos, o que salta aos olhos, segundo ele, “quando se considera o respeito que temos pela Antiguidade e, para ficar apenas com um exemplo, o preço que se paga por simples fragmentos de estátuas antigas, que desejamos ter perto de nós para ornar a casa e para oferecer de modelo a artistas que se esforçam por imitá-los em suas obras”.[26] Mas ao concentrar toda sua atenção nesses elementos escassos de rememoração da antiga glória romana, deixava-se de lado a virtude e a grandeza dos legisladores e cidadãos que haviam produzido feitos maravilhosos e se sacrificado pela pátria. Diante do desaparecimento da antiga virtude e da incapacidade de seus contemporâneos de imitá-la, só se podia “ficar surpreso e profundamente afetado por isso”.[27] Maquiavel pretende reparar em parte esse erro recorrendo à análise de um dos tesouros mais fecundos do passado, a obra de Tito Lívio.

Assim, depois de ter posto seu leitor em guarda contra os enganos de sua época, ele começa um longo e paciente trabalho de interpelação da tradição. No curso de suas análises vai ficando claro que a liberdade é o conceito-chave de seu diálogo com o passado, e que a elucidação de seu significado era um desafio essencial para sua pretensão de não só compreender como a antiga virtude havia sido construída, mas, sobretudo, como podia servir para seu próprio tempo. A estratégia maquiaveliana é, portanto, conduzida tanto por seu desejo de compreender a natureza dos fenômenos que estuda, o que a nosso ver marca seu caráter propriamente conceitual, quanto de relacioná-los com os problemas que afligem sua cidade. Roma e Florença são os horizontes que enquadram a aventura do secretário florentino.

O primeiro ponto que devemos destacar é o fato de que Maquiavel parte da associação entre a fundação das cidades e a liberdade, que fora essencial no pensamento dos humanistas, para iniciar seus comentários. No entanto, longe de aceitar como um dado a condição de liberdade de Roma, ele se põe a investigar as razões que permitiram sua formação. Roma se construiu desde o início como uma sociedade livre, mas, se o acaso pode por vezes contribuir para o aparecimento das sociedades como a romana, não é ele que interessa para o teórico da política. Maquiavel observa, ao contrário, que é diante da necessidade e da ameaça à sobrevivência que a virtude se manifesta com maior frequência: “porque os homens operam ou por necessidade ou por escolha e se vê que há maior virtude quando a escolha é menor”.[28]

Esse império da necessidade define também a condição de liberdade dos fundadores de cidades. Como diz nosso autor: “São livres os fundadores das cidades quando alguns povos, sob o comando de um príncipe ou por si só, são levados pela doença ou pela fome, ou ainda pela guerra, a abandonar a terra natal e procurar um novo lugar”.[29] Vemos, portanto, que a liberdade se coloca como uma obra humana, trabalhada dentro de condições específicas e dependentes de um enfrentamento com as forças da natureza, que não tem nada de mágico. Se os povos antigos podiam aceitar a ideia de uma origem calcada no mito e vivida como um presente dos deuses, Maquiavel mostra que a liberdade é resultado de uma interação entre o homem e o meio e o produto de uma luta que não tem nada de abstrato. Roma foi ao final uma cidade livre porque seu começo o permitiu, mas esse início não se deveu à intervenção da mão divina, mas da capacidade de construir em condições precisas as instituições necessárias à sua sobrevivência e depois à construção da sua potência.

Desenraizando a liberdade do terreno do mito e do acaso, transformando a história concreta dos homens no referencial do julgamento das formas políticas, pois, como diz o secretário florentino, é no casos extremos que se conhece “a virtude do fundador e a fortuna do que foi fundado”, ele fornece uma base realista para fazer da liberdade um conceito central de seu pensamento político. Essa guinada se completa, aliás, quando inclui entre as condições que presidem a criação de uma forma livre de governo sua percepção da natureza humana: “Como demonstram todos os que se ocuparam de pensar a política, e como a história está cheia de exemplos, é necessário, para quem funda uma república e ordena suas leis, pressupor que todos os homens são maus e que usarão sempre de sua malignidade, quando tiverem ocasião”.[30]

Em todos os casos o que é visado não é a produção de uma fórmula, que pudesse nos ensinar o caminho para a liberdade, mas sua ancoragem no mundo dos homens e as reais dificuldades de se chegar a ela. Não basta, portanto, desejar ser livre, nem mesmo decidir sê-lo, quando as condições concretas não estão dadas. E, na verdade, as condições são sempre negativas para Maquiavel. A liberdade não nasce da facilidade de uma boa localização, embora isso possa ajudar em sua manutenção, ou da sorte de se ter um grande homem à frente de uma empreitada, mas da luta encarniçada contra uma série de obstáculos que parecem conspirar contra o aparecimento dos governos livres. O elogio da liberdade é nesse sentido válido apenas quando é dirigido a uma obra realizada e não à pretensão de realizá-la ou ao fato de que o passado pareça garantir as condições ideais para sua realização. Um governo livre, como o de Roma, é sempre o fruto precioso de uma ação e da capacidade de conservá-la no tempo.

Partindo de um terreno árido e pedregoso, Maquiavel vai aos poucos construindo suas referências teóricas, para além da crença humanista na possibilidade de se servir do passado como garantia para a liberdade presente. Para ele não há por que dispensar a sorte quando ela é favorável, mas a verdadeira questão é a de como manter a liberdade, quando os ventos já não são bons. Para isso, é preciso construir instituições que siryam de amparo para uma natureza humana pouco voltada para a contenção voluntária de seus desejos e, assim, trocar um conjunto de crenças mais ou menos abstratas na potência das raízes da cidade por uma baliza adequada para o campo de forças da política. Como sintetiza Maquiavel: “Pois, como se diz, a fome e a pobreza fazem com que os homens sejam industriosos e as leis os fazem bons. E lá onde as coisas por si mesmas funcionam bem sem o auxílio das leis, elas não são necessárias, mas quando falta essa boa disposição, elas se tornam necessárias”.[31]

Num certo sentido, o secretário florentino acompanha seus contemporâneos na busca da constituição que pudesse fazer de sua cidade uma grande república. Preocupados em manter a liberdade num momento de ascensão das casas principescas e de desmoronamento de tradições que remontavam ao século XII, muitos achavam que bastava imitar os traços constitucionais de cidades como Veneza, para produzir os efeitos desejados. Maquiavel sabia que isso era mera ilusão, pois a liberdade não pode ser imitação senão da ação dos grandes homens do passado e não da forma de seus gestos. Assim, o caminho é o da descoberta das verdadeiras raízes da história dos povos livres e não o estudo de suas manifestações. No lugar da descrição das formas, Maquiavel coloca o problema de suas origens e de seus fundamentos.

A nosso ver, o verdadeiro eixo da teoria maquiaveliana da liberdade é sua compreensão da natureza dividida do corpo político. No quarto capítulo dos Discursos ele afirma sem ambiguidades que os que condenam os tumultos que ocorriam em Roma criticam o que era a chave de sua potência. Com efeito, Maquiavel denuncia a superficialidade dessa posição, em primeiro lugar porque ela não corresponde a uma boa leitura da história romana, que de fato viu nascer grande número de disputas, mas soube aproveitar-se delas para solidificar seus traços de grandeza e virtude. Como diz: “Não se pode de modo algum de forma razoável chamar de república desordenada, aquela que nos deu tantos exemplos de virtude”.[32] O essencial, no entanto, está em que o corpo político é sempre dividido e isso, para ele, faz parte de sua essência e não de um acaso histórico: “Existem em uma república dois humores diversos: o do povo e o dos grandes, e todas as leis que se fazem em favor da liberdade nascem de sua desunião”.[33]

Falar dos dois humores constitutivos da cidade implica dizer que o sonho da unidade, que alimentava tanto a ideia de paz dos autores medievais quanto o desejo de estabilidade de seus contemporâneos, correspondia a uma quimera baseada na incompreensão da natureza do político. Para Maquiavel a divisão originária implicava uma guinada em relação a toda a tradição filosófica e uma tomada de posição no terreno das disputas teóricas de seu próprio tempo. Com isso ele não estava descartando nem o valor dos exemplos históricos, nem a importância dos debates sobre a melhor forma constitucional. Ao contrário, a afirmação sobre a natureza da divisão social é o fundamento para que o passado possa ser abordado de maneira fecunda, o que não ocorria quando os feitos dos grandes homens eram transformados em pedaços valiosos de uma realidade que não mais existia. A partir desse ponto, tudo resta a fazer no terreno da filosofia política, pois as velhas roupas da paz já não servem mais para orientar o debate.

No tocante à liberdade, a mudança de referencial teórico não altera a convicção maquiaveliana de que ela é o apanágio dos que compõem o campo do povo — entendidos como aqueles que não desejam ser oprimidos — por oposição aos grandes — definidos pelo desejo de ocupação do poder. De forma direta, ele afirma que: “os desejos dos povos livres raras vezes são nocivos à liberdade”.[34] Se para ele a liberdade se funda no conflito e dele retira sua força, ela é uma pérola rara, que só aparece lá onde os dois campos que estruturam o político encontram maneira de expressar seus desejos. Pensada a partir da ação, da possibilidade que os atores políticos encontram de construir seus próprios espaços, ela não significa o abandono do campo das leis e das instituições. Muito pelo contrário, o desafio de se pensar a liberdade como uma ação num corpo dividido é que ela não pode se acomodar jamais com as formas que parecem garantir a estabilidade de certas experiências históricas. Por isso o passado é ao mesmo tempo exemplar e inútil para os que desejam construí-la. Se, por um lado, podemos nos beneficiar com o caráter repetitivo do mundo dos homens, e assim tentar imitar os grandes personagens da Roma republicana, por outro, devemos observar que a recriação das for-mas é sempre uma ação no tempo presente, que terá de ser repetida continuamente em um corpo político que não pode suprimir sua divisão sob pena de ver desaparecer os dois pólos que o compõem.

A mudança no paradigma que havia presidido a filosofia política clássica, para conservar uma expressão de Leo Strauss, e o abandono das crenças medievais não implicaram, entretanto, que os problemas que eram colocados pelos autores do passado e pelos angustiados florentinos estivessem superados. Maquiavel desde o começo de seus Discursos se obriga, partindo de sua teoria dos conflitos, a repensar cada um dos territórios.

LIBERDADE DA CONDIÇÃO HUMANA

Se o comércio com as grandes obras de filosofia política e de filosofia moral do passado determinou o renascimento do sentido político da liberdade, o retorno a Platão e às fontes neoplatônicas iria trazer à tona a discussão sobre a condição humana, e em particular o debate sobre a liberdade. Se até a metade do século xv as figuras dominantes do debate eram Cícero e outros pensadores romanos, além de Aristóteles, visto a partir de sua ética e de sua política, este quadro seria bastante alterado pelos estudos conduzidos em toda a Itália e que teriam a obra platônica como referência. Certamente Marsílio Ficino ocupou lugar privilegiado nesse processo e seria tido como o grande responsável pelo resgate da obra do grande mestre da Antiguidade, mas foi com Pico della Mirandola que a questão da liberdade do homem alcançou sua expressão literária mais influente e feliz no período.

Pico della Mirandola sintetiza até hoje para muitos a figura do filósofo do Renascimento, mesmo se o retrato do qual se servem alguns historiadores da filosofia fique próximo da caricatura. De qualquer maneira, não podemos dizer que esse efeito não tenha sido, pelo menos em parte, provocado pelas atitudes do próprio filósofo, que declarava querer “frequentar todas as escolas, escutar todos os mestres, iniciar-se em todas as correntes de pensamento”?[35] Percorrendo escolas de toda a Europa, ele retornou a Florença em 1486 aos vinte e três anos e acreditava já estar de posse de um conhecimento prodigioso. Tanto é assim que decide se refugiar em Fratta para redigir suas novecentas teses,[36] que deveriam ser apresentadas em Roma para uma assembleia de sábios e de cardeais.

Para se dar conta do estado de espírito do autor à época da redação de suas teses, é interessante lembrar uma carta que enviou a seu amigo Andrea Corneo, na qual declara:

Em breve irei a Roma onde passarei o inverno […]. Tu receberás sem dúvida o eco de tudo o que teu Pico pode realizar por sua vida contemplativa escondido em sua cela. E, para dizer de maneira arrogante, tu que prevês que ele encontrará uma multidão de doutores, tu te perguntarás em que a ajuda de alguém ainda poderá ter alguma utilidade no domínio das letras.[37]

As Conclusões foram redigidas em dois períodos distintos, mas o estilo é o mesmo: conciso, próximo do modelo parisiense. A pretensão é a de produzir uma síntese de todo o saber e, ao mesmo tempo, fornecer as articulações entre doutrinas aparentemente díspares como a cabala e o aristotelismo. Segundo o próprio autor sua vontade era a de: “resolver todas as questões, quaisquer que elas fossem, de física e de metafísica, de maneira totalmente diferente daquela que nos ensina a filosofia aprendida nas escolas e cultivada pelos doutores de nosso tempo”.[38]

As Conclusões possuem um duplo princípio de estruturação. As primeiras 402 são a exposição da opinião dos muitos autores que Pico frequentou e que considerava fundamentais para a realização da síntese que pretendia oferecer ao leitor. Por ela nós ficamos sabendo a gama de assuntos e de temas que haviam interessado ao jovem filósofo, e a amplitude de suas fontes. Nas restantes 498, ele reflete sobre os temas presentes na primeira parte e oferece suas conclusões. A ideia é seguir uma démarche ascensional, no estilo de Plotino, até o mais alto grau de compreensão das coisas, que para ele se compara ao que os cabalistas haviam alcançado em suas buscas relativas à articulação do texto sagrado da Bíblia. Para fazer a conexão entre as ciências naturais, ou o que ele chama de ciência, e as revelações sobrenaturais, lança mão de conteúdos neoplatônicos, interpretados à luz de seu projeto de unificação do saber.

Para nossos interesses, no entanto, o mais importante é o texto que deveria ter servido para abrir os debates do “grande dia”, e que veio a se transformar em um dos textos mais conhecidos do Renascimento: a Oratio de hominis dignitate.[39] Pico nunca apresentou suas conclusões, que foram consideradas heréticas, o que levou à suspensão também da divulgação da Oratio, que permaneceu inédita até a morte do autor. A Apologia, que retoma parte da Oratio, seria publicada em 1487, mas deixa de lado justamente a parte inicial, que contém os elementos que iriam celebrizar seu autor. O curioso, portanto, é que o texto era desconhecido até mesmo por escritores como Morus e Erasmo, admiradores e tradutores de Pico, o que implicou seu quase esquecimento por longo período.

No tocante à recepção da obra os intérpretes contemporâneos acabaram se dividindo em dois campos. No primeiro se encontram aqueles que, como Jill Kraye, afirmam que a Oratio foi muito imitada, como prova o Dialogo de la dignidad del hombre, de Perez de Oliva, de 1546, assim como o Della possanza dell’uomo, de Campanella, ou ainda o Circé, de Batista Gelli, de 1549. No segundo campo se encontram os que alegam que as obras anteriores não são o fruto da difusão da Oratio, mas sim do fato de que sua problemática, em particular no que diz respeito à condição do homem, era tema muito conhecido na época e por isso mesmo muito difundido.

Seja como for, Garin, Huizinga, Cassirer, Jean-Claude Margolin, todos estão de acordo com o fato de que o texto exprime o “espírito do humanismo do Renascimento”, mesmo se é impossível mostrar como um inédito pode influenciar um período de forma tão decisiva. De nossa parte, acreditamos que a segunda posição é a mais razoável e é aquela que nos interessa mais de perto, pois assim estamos lidando com uma concepção da liberdade que foi fundamental no período e se difundiu por vários autores e não apenas por um, ainda que ele tenha sido muito influente.

Como boa obra de retórica, a Oratio começa com movimentos que visam a captatio benevolentiae. Mas o texto, por sua beleza plástica, possui um aspecto a mais na medida em que Pico se dá ao prazer, quase afrontoso, de demonstrar toda sua perícia ao lidar com a tradição clássica. Isso é interessante sobretudo porque em sua obra anterior, Degenere dicendi philosophorum, havia atacado o uso que muitos faziam da retórica em seus escritos. Como diz Valcke: “Pico, aqui, escreve como um humanista, e os humanistas, como se sabe, tendiam a identificar retórica e filosofia”.[40] Ora, isso nos ajuda a compreender que mesmo se levarmos em conta os exageros da forma, as proposições do autor devem ser analisadas pelo seu conteúdo filosófico, pois é dessa forma que o humanismo da época pretendia veicular suas ideias.[41]

No trecho mais famoso de seu escrito, Pico fala do ponto fundamental de sua antropologia. Referindo-se à condição do homem na terra, conclui que: “estabeleceu, portanto, o ótimo artífice que, àquele a quem nada de especificamente próprio podia conceder, fosse comum tudo o que tinha sido dado parceladamente aos outros”.[42] Esta ideia da posição central do homem nas obras da criação não tinha nada de original, mas mereceria um tratamento inovador. De fato o homem era considerado um ser singular pelos medievais, em particular por ter recebido de Deus o livre-arbítrio. Mas Pico dá a essa ideia uma interpretação muito mais ousada. A natureza do homem não somente é diferente daquela dos outros animais, mas é totalmente aberta.

O Adão, não te demos nem lugar determinado, nem um aspecto que te seja próprio, nem tarefa alguma específica, a fim de que obtenhas e possuas aguele lugar, aquele aspecto, aquela tarefa que tu seguramente desejares tudo segundo teu parecer e a tua decisão.[43]

A condição de abertura do homem está certamente ligada ao fato de que ele é um ser livre, mas como observou corretamente Valcke,[44] é preciso não fazer de Pico um autor mais moderno do que ele de fato foi. Dizer que o homem é um ser aberto diante das possibilidades do mundo implica dar uma interpretação positiva de seu livre-arbítrio. Diante da vida, ele pode contemplar, pois foi posto “no meio do mundo para que daí possas olhar melhor tudo o que há no mundo”,[45] e por isso pode decidir usando elementos que os outros seres não possuem. Só isso já confere ao homem um poder extraordinário, já que só ele possui a capacidade de influir em seu destino de maneira inteiramente positiva. Diante de uma variedade de direções, ele pode encontrar aquela que fará dele ou um anjo ou um ser decaído. Mas é preciso reconhecer os limites dessa afirmação.

Ora, a faculdade que permite ao homem tomar essas decisões diante do mundo é sua liberdade. Tal afirmação tem algo de banal e se encaixa perfeitamente tanto na tradição medieval quanto no neoplatonismo ao qual ele se filiou. O que talvez seja interessante investigar são as razões que levaram tantos intérpretes a compreender o homem de Pico como um novo Prometeu, capaz de refazer inteiramente a natureza.

Ainda que este não seja nosso tema, é possível identificar pelo menos uma das razões de tal interpretação. O desenvolvimento da ciência moderna nos colocou em grande parte nessa posição na medida em que nos fez os senhores da natureza. Diante do que viria, temos a tendência de investir o passado imediato com o sentido do que será e fazer de filósofos como Pico della Mirandola os fundadores da modernidade. O homem livre de Pico não seria mais o homem do livre-arbítrio de Agostinho porque ele seria agora um ser de criação e não mais de simples contemplação, mas um ser destinado a governar e a refazer o mundo.

De nossa parte acreditamos que Pico foi sem dúvida uma síntese da filosofia do Renascimento, não por ter alcançado o conhecimento enciclopédico que prometera em suas novecentas teses, mas por ter se colocado de forma pertinente na encruzilhada das duas épocas. Esse seu caráter híbrido permitiu que fosse apropriado pela modernidade como um de seus defensores, mesmo se sua obra seja muito mais facilmente compreensível dentro dos parâmetros próprios do platonismo do Renascimento do que como uma obra de filosofia moderna. Mas ao mesmo tempo não resta dúvida de que não podemos simplesmente rejeitá-lo para o passado. Ao invocar a condição de liberdade do homem, ele mobilizou, talvez inconscientemente, uma tópica que apontava para a modernidade e para as descobertas que seriam realizadas depois pelas ciências e pela filosofia, mesmo se ele mesmo estivesse muito mais interessado em sua própria aventura de criação de um saber unitário sobre todas as coisas.

Poderíamos resumir nossa abordagem da questão da liberdade na obra de Pico ressaltando dois aspectos. Em primeiro lugar que sua defesa da posição original do homem no centro do mundo traz imediatamente consequências para a vida de todos nós, que podemos tomar decisões em seu interior em acordo com nossa vontade, o que não nos transforma em demiurgos do próprio homem. Ou seja, o homem é livre para tomar a posição que quiser diante da criação, e por isso tem uma natureza aberta, mas não pode se colocar, como querem alguns, no lugar de Deus. A condição humana é universalmente aberta e livre, mas o uso dessas capacidades é individual e não coletivo. Ou seja, todos somos livres, mas cada um se utiliza dessa condição a seu modo. Assim, não podemos inventar uma nova condição humana, forjar um novo homem como vão querer os revolucionários modernos, mas sim empregar as forças que nos foram dadas para encontrar nosso caminho no meio da criação. Dizendo de outra forma, o homem é demiurgo de sua condição individual, mas não de toda a humanidade. Nesse sentido é que acreditamos que a característica associada à liberdade que mais deve ser investigada é a que chamamos de abertura para o mundo. O que desaparece no Renascimento são as amarras a uma forma de vida previamente considerada superior, mas não o apego a certos valores e desejos da civilização cristã.

O segundo aspecto que devemos lembrar é que Pico também participará, por meio de sua defesa da liberdade, da expansão das fronteiras do conhecimento e do saber, ainda que sua aventura em busca de um saber unificado, que contivesse todas as ciências de todos os tempos, possa ter se mostrado vã. Com sua interpretação, no entanto, ele ajudou a alargar as fronteiras da investigação filosófica, deixando de lado um elenco de temas que eram considerados a priori mais nobres e mais adequados. Mais uma vez a condição de seres abertos foi usada por ele, e pelos que se apropriaram de sua obra, para abrir fronteiras, e buscar novos campos de conhecimento, deixando de lado as pretensões universalistas de uma escolástica que já não era capaz de impulsionar a marcha da ciência. Em sua esteira estarão homens como Bruno, que pagarão com a vida a ousadia de pensar contra a ortodoxia, mas também pensadores como Galileu, que não procurarão sínteses tão amplas quanto as pretendidas por Pico, mas saberão interpretar a ideia de liberdade no mesmo sentido que ele.

Os dois pontos assinalados já são suficientes, a nosso ver, para indicar a posição central que Pico ocupou no Renascimento e como a liberdade foi um conceito essencial na construção de uma época que soube ao mesmo tempo conservar preciosa herança do passado e apontar para o futuro.

 

NOTAS

[1] Para um painel rico do Renascimento ver: J. Hale. The Civilizaton of Europe in the Renaissance. Londres: Fontana Press, 1993.

[2] Dentre os muitos livros dedicados ao tema vale a pena mencionar pelo seu aspecto de síntese o livro de Bock, Skinner, Viroli. Machiavelli and Republicanism. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

[3] Skinner tem dedicado uma grande energia a esse problema. Ver a esse respeito: Q. Skinner. As fundações dopensamentopolitico moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996; Machiavelli. Discorsi and the pre-humanist origins of republican ideas, In: Bock, Skinner, Viroli, Machiavelli and Republicanism.

[4] A bibliografia a esse respeito cresceu notavelmente nos últimos quarenta anos e não seria possível listá-la aqui. Cabe apenas a menção a alguns estudos clássicos como os seguintes: H. Baron. The crisis of the early Italian Renaissance. Princeton: Princeton University Press, 1966 (1955); G. Brucker. The civic world of early Renaissance Florence. Princeton: Princeton University Press, 1977; E. Garin. Scienza e vita civile nel Rinascimento italiano. Bari: Laterza, 1985; George Holmes. The Florentine enlightenment, 1400-50. Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1969; P.O. Kristeller. Renaissance thought and its sources. Nova York: Columbia University Press, 1979. Q. Skinner. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

[5] Salutati. “Invettiva contro Antonio Loschi da Vicenza”, em Prosatori Latini del Quattrocento. Turim: Einaudi, 1977.

[6] Idem, p. 14.

[7] Este é um dos pontos fortes das teses de Baron que sempre insistiu sobre a importância da ameaça milanesa para a consolidação de um ideário republicano na Florença do Renascimento. Ver: Baron, op. cit.

[8] Salutati, op. cit, p. 16.

[9] Sobre a obra de Bruni em geral ver: P Viti. Leonardo Bruni cancelliere della repubblica di Firenze. Florença: L. S. Olschki, 1990.

[10] L. Bruni. “Laudatio florentinae urbis”, em Baron, H. From Petrarch to Bruni, studies in humanist and political literature. Chicago: University of Chigago Press, 1968.

[11] Idem, p. 263.

[12] Idem,p. 262.

[13] L.Bruni. “Oratio in funere nannis Strozae equitis florentinis”, The Humanism of Leonardo Bruni: Selected Texts, ed. G. Griffiths, J. Hankins, D. Thompson. Nova York: Binghamton, 1987.

[14] Idem, p. 122.

[15] Idem, p. 124.

[16] Idem, p. 124.

[17] Ver a esse respeito: M. Palmieri, Vita Civile. Florença: Sansoni Editore, 1982.

[18] Ver em particular: L. B. Alberti, I libri della famiglia. Turim: Einaudi, 1969.

[19] Ver: W J. Bouwsma. Venice and the defense of republican liberty. Berkeley: University of California Press, 1984.

[20] Q. Skinner. As fundações do pensamento político moderno, p. 177.

[21] Idem, p. 179.

[22] Idem, p. 183.

[23] Idem, p. 184.

[24] Realizamos esse estudo em nosso N. Bignotto. Maquiavel republicano. São Paulo: Loyola, 1991.

[25] Usamos como referência a seguinte edição: Machiavelli. Tutte le Opere. Florença: Sansoni, 1971.

[26] Machiavelli. Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, p. 76.

[27] Idem, p. 76.

[28] Idem, p. 77.

[29] Idem, p. 77.

[30] Idem, p. 81.

[31] Idem, p. 82.

[32] Idem, p. 82.

[33] Idem, p. 82.

[34] Idem, p. 83.

[35] Ver, a esse respeito, L. Valcke. Le Périple intelectuel de Jean Pic de la Mirandole. Les Presses Universitaires Laval, 1994.

[36] Existe uma publicação parcial das teses ainda disponível Conclusioni Cabalistiche, Pico della Mirandola. Milão, i Calibri, 1994.

[37] L. Valcke. Le Périple intelectuel de Jean Pic de la Mirandole, p. 67.

[38] Idem, p. 70.

[39] Seguimos a edição que acompanha o livro de Valcke, citado anteriormente.

[40] Idem, p. 86.

[41] Ver, a esse respeito, o importante ensaio de Toussaint, em S. Toussaint. L’Esprit du Quattrocento. Paris: Honoré Champion, 1995, pp. 25-49.

[42] Oratio de Hominis Dignitate, Pico Della Mirandola, em L. Valcke. Le Périple intelectuel de Jean Pic de la Mirandole, p. 187.

[43] Idem, p. 187.

[44] Idem, p. 94.

[45] Idem, p. 187.

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