2009

O ser humano e o pós-humano

por Antonio Cicero

Resumo

Na esteira dos muitos arautos da morte do homem na modernidade, Foucault vai dizer que Nietzsche, tendo constatado a morte de Deus, mostrou que a ela não correspondia o aparecimento, mas o desaparecimento do homem. Se de um lado tomar “o homem” como um universal consiste em atribuir uma mesma essência a todos os homens, argumenta-se que se trata de um artifício através do qual as classes dominantes do Ocidente têm racionalizado seu imperialismo econômico e sua imposição etnocentrista. Por outro lado, considera-se também que tal “morte do homem” corresponde ao fim da “metafísica moderna”, segundo o pensamento heideggeriano. Os progressos da biotecnologia vêm conferindo uma nova e grave dimensão ao problema, pois permitem contemplar a eventual mutação da própria espécie humana.


No espírito do historicismo de Herder, ainda no século XIXJoseph de Maistre escreveu que “não há homem no mundo. Vi em minha vida franceses, italianos, russos. Sei até, graças a Montesquieu, que se pode ser persa; mas quanto ao homem, declaro nunca tê-lo encontrado; se ele existe, ignoro”.[1] No século XX, ficou igualmente famosa a declaração de Foucault – que poderia ter sido subscrita por grande parte dos pensadores estruturalistas e pós-estruturalistas – de que “o homem é uma invenção, e uma invenção recente, tal como a arqueologia do nosso pensamento o mostra facilmente. E talvez ela nos indique também o seu próximo fim”.[2] Segundo Foucault, Nietzsche, tendo constatado a morte de Deus, mostrou que a ela não correspondia o aparecimento, mas o desaparecimento do homem.

Considera-se que a “morte do homem” corresponde ao fim da “metafísica moderna”. Para entendê-lo, devemos lembrar que, no fundo, quase todos os pensadores pós-estruturalistas poderiam também ser chamados de neo-heideggerianos. O próprio Foucault declarava sem rodeios que, para ele, Heidegger sempre foi o filósofo essencial e que provavelmente sequer teria lido Nietzsche se não tivesse antes lido Heidegger. De fato, se o homem cuja morte – recente ou iminente – Foucault celebra é o sujeito empírico-transcendental, ele é exatamente aquele que, para Heidegger, constitui o núcleo da metafísica moderna.

Se, de acordo com Heidegger, a metafísica antiga tinha efetivamente esquecido o ser, ao reduzi-lo a um ente fundamental ou supremo, a metafísica moderna completara esse esquecimento, ao transformar o homem no único sujeito. “O homem”, diz Heidegger, “torna-se aquele ente sobre o qual todo ente se funda, no modo do seu ser e da sua verdade”.[3] Com isso, “o ente na sua totalidade é tomado de tal maneira que só é ente na medida em que é posto como tal pelo homem que o representa e produz”.[4] O ente na sua totalidade passa a ser mero objeto relativo a esse sujeito. A verdade se reduz à certeza. É como meros instrumentos da vontade do sujeito que todos os entes – inclusive os humanos – pas­ sam a ser encarados. Nietzsche, cujo pensamento Heidegger considera a manifestação última da metafísica moderna da subjetividade, toma essa vontade como pura vontade de poder e, em última análise, como vontade de vontade.

Para Heidegger, a essência da tecnologia, que é o modo de desvelamento do ser que corresponde a essa metafísica da subjetividade, consiste em Gestell, algo como um “dispositivo” ou (se me permitem o neologismo) um “disposicionamento” que, longe de ser controlado pelos seres humanos, tende a transformá-los em meros meios para os seus desdobramentos intrínsecos. A morte do homem e o fim do sujeito empírico-transcendental seriam, portanto, correlatos do esgotamento da metafísica – ou melhor, da filosofia – moderna, que é também a filosofia crítica.

Hoje, tanto as dimensões do complexo tecnológico-científico-industrial quanto o seu papel econômico e militar dão, prima facie, razão às preocupações de Heidegger. Além disso, os progressos da biotecnologia conferem uma nova e grave dimensão ao problema, pois permitem contemplar a eventual mutação da própria espécie humana. Não se pode afastar o pesadelo de que uma biotecnocracia seja tentada a representar o papel da “raça mestra” com que às vezes sonhava Nietzsche. De fato, alguns momentos da obra do autor de Assim falou Zaratustra permitem-nos perceber uma clara articulação entre a vontade de poder e algo como o disposicionamento de que fala Heidegger. Consideremos, por exemplo, o fragmento de nº 960 da obra póstuma de Nietzsche, que diz:

Haverá de agora em diante condições favoráveis para formações mais amplas de dominação, tais como jamais existiram. E isto não é o principal: tornou-se possível o surgimento de associações internacionais de procriação que se proporão à tarefa de criar (heraufzuzüchten) uma raça mestra, os futuros “mestres da terra”; uma aristocracia nova, gigantesca, baseada na mais severa autolegislação, em que a vontade de homens filolóficos de poder e artistas-tiranos se fará durante milênios – uma espécie superior de seres humanos que, graças à sua preponderância em vontade, saber, riqueza e influência, se servirão da Europa democrática como de seu instrumento mais dócil e flexível para tomar nas mãos o destino da terra, de maneira a moldar, como artistas, o próprio “ser humano”: Basta: vem aí o tempo em que será necessário reaprender a política.[5]

Quanto mais se relê este texto, menos claro ele fica, mas o que parece dizer é que, em breve, uma associação internacional dedicada ao que hoje chamaríamos de “engenharia genética” criará uma raça superior que, por sua vez, moldará à vontade o próprio ser humano: sendo que a expressão “ser humano” se encontra entre aspas. Por quê? Talvez porque o que assim for criado já não seja humano, mas super-humano. Ou então porque, em relação a esse super-homem, o ser humano não passará de uma espécie de macaco. Nesse ponto, como não lembrar o trecho de Assim falou Zaratustra que introduz o super-homem? Ele diz:

Ensino-vos o super-homem. O homem é algo que deve ser superado. Que fizestes para superá-lo? Todos os seres até hoje criaram algo acima de si: e quereis ser o refluxo desse grande fluxo e preferis regredir ao animal a superar o homem? Que é o macaco para o homem? Uma gargalhada ou um constrangimento. E justo isso deve o homem ser para o super-homem: uma gargalhada ou um constrangimento. Caminhastes da minhoca até o homem e muito em vós ainda é minhoca. Uma vez fostes macacos, e ainda agora o homem é mais macaco que qualquer macaco.[6]

Mas volto ao primeiro texto. O que o torna inaceitável em nossa época é, primeiro, que saúda não só a ideia de uma “raça dominante”, mas de uma espécie superior; e, segundo, o fato de que, em nossos dias, a engenharia genética realmente abriu a possibilidade de que, num futuro não muito remoto, sejam alteradas as características da espécie humana, isto é, de que seja alterada a própria espécie humana. Estará o ser humano condenado a ser o macaco do super-homem criado por ele mesmo?

Recentemente, o cientista político norte-americano Francis Fukuyama,[7] no seu livro Nosso futuro pós-humano: consequências da revolução da biotecnologia,[8]expôs concretamente alguns dos problemas com que nos confrontamos hoje, em consequência da biotecnologia. Segundo ele,

todo o peso da tecnologia moderna poderá ser posto a serviço da otimização dos tipos de gene que as pessoas transmitem às suas proles. Isso significa que as elites sociais poderão não só transmitir vantagens sociais como implantá-las geneticamente também. Isso poderá incluir um dia não apenas características como inteligência e beleza, mas traços comportamentais como diligência, competitividade e assim por diante.[9]

Fukuyama observa que é concebível que os beneficiários de tais manipulações genéticas se considerem aristocratas: e, o que é mais grave, ao contrário do que ocorria com a antiga nobreza, “sua pretensão a um nascimento melhor será enraizada na natureza e não na convenção”.[10]

Ele sustenta que tais desenvolvimentos

porão em xeque noções afetuosamente cultivadas de igualdade humana e da faculdade de escolha moral do homem; darão às sociedades novas técnicas para o controle do comportamento de seus cidadãos; mudarão nossa compreensão da personalidade e da identidade humanas; derrubarão hierarquias sociais existentes e alterarão o ritmo do progresso intelectual, material e político; e afetarão o caráter da política global.[11]

A partir desse quadro, Fukuyama se sente autorizado para afirmar que a engenharia genética poderá alterar a própria natureza humana. Ele não somente acredita na existência de uma natureza humana, mas afirma que se trata de “alguma qualidade essencial que sempre sustentou nosso senso do que somos e de para onde estamos indo, apesar de todas as mudanças evidentes que ocorreram na condição humana no curso da história”.[12] E pensa que, se formos cegos ao que é essa essência, corremos o risco de perdê-la sem sequer nos darmos conta de que perdemos algo de grande valor. “O que está em jogo em ultima análise com a biotecnologia”, diz, “não é apenas um cálculo utilitário de custo-benefício relativo a futuras tecnologias médicas, mas a própria fundamentação do senso moral humano, que tem sido urna constante desde que há seres humanos.”[13] Além disso, segundo Fukuyama, é também na natureza humana que se fundamentam os direitos humanos.[14]

Fukuyama define a natureza humana como “a soma do comportamento e das características que são típicos da espécie humana, originando-se de fatores genéticos em vez de ambientais”.[15] Sendo assim, sugere que eles poderiam ser determinados estatisticamente. Em suma, Fukuyama propõe determinar qual é a natureza humana a partir do comportamento normal dos homens.

Ora, não há tal comportamento normal, na humanidade como um todo. Lembro que Aristóteles (que, aliás, Fukuyama cita como seu modelo) tentou determinar a natureza humana por um método semelhante. “Devemos examinar o que é natural”, dizia o filósofo grego, “nos entes que existem de modo natural, e não nos corruptos”.[16] Trata-se de um raciocínio curiosamente circular, pois, para saber que algo ou alguém existe de modo natural, é preciso saber o que lhe é natural.

Para Aristóteles, isso se resolve da seguinte maneira. Sua metafísica supõe que todos os entes naturais são compostos de matéria e forma. A forma existe desde sempre, e determina a causa final de cada ente. O ente que existe de modo natural se comporta de acordo com as determinações dessa forma. A palavra para “forma”, eidos, também significa “espécie”. Só os entes corruptos – que são exceções – se comportam de modo diferente da maior parte dos entes da mesma forma ou espécie, isto é, de modo anormal. Para saber o que é natural para um ente, portanto, basta saber, por meio da observação, o que é normal para a sua espécie. Assim, é pela observação do normal que Aristóteles determina o que é natural para cada ente. O resultado é que ele se permite, por exemplo, dizer que o natural é que a alma governe o corpo, a inteligência, os apetites; o homem, os animais, o macho, a fêmea, e o senhor, o escravo.

Para nós, modernos, mesmo aquilo que não é desde logo inaceitável, nesse esquema, é extremamente questionável. Aristóteles simplesmente tentou “naturalizar” traços da cultura grega do seu tempo. O problema, como hoje sabemos melhor que nunca, é que o normal para uma cultura pode não o ser para outra; o normal numa época pode não ser normal noutra; e o que sempre foi normal pode deixar de sê-lo amanhã.

A verdade é que para nós, modernos, o próprio empreendimento da busca do natural no homem carece de sentido. Ainda que existisse – o que é extremamente discutível – uma natureza humana positiva que fosse menos trivial do que as funções fisiológicas, e que conseguíssemos descrevê-la, de que modo isso nos daria uma base para nosso senso moral e nosso direito? Seria por nos persuadir de que devíamos comportar-nos de acordo com ela? Mas se fosse possível o contrário, isto é, se fosse possível nos comportarmos contra a natureza humana que houvéssemos assim determinado, então não julgaríamos errado o nosso comportamento, mas a nossa concepção da natureza humana, por não ter sido suficientemente universal. Com toda razão, Montaigne já afirmava que “chamamos contra a natureza o que é contra o costume. Nada existe que, seja lá o que for, não seja conforme a ela. Que essa razão universal e natural expulse de nós o erro e o espanto que a novidade nos traz”.[17]

As leis da natureza, que são descritivas, isto é, que dizem o que realmente acontece, não devem ser confundidas com as leis humanas, que são prescritivas, isto é, dizem o que deve (ou não deve) ser feito. A lei da gravidade, por exemplo, não diz que todos os corpos que têm massa devem atrair-se de determinado modo, mas que se atraem desse modo. Se for descoberto que determinados corpos têm massa e, no entanto, não se atraem do modo previsto, não serão esses corpos que estarão errados, mas a lei da gravidade. Assim também, se, por exemplo, uma “lei natural” diz que os indivíduos do mesmo sexo não sentem atração erótica uns pelos outros, basta abrir os olhos para ver que essa “lei” está errada, ou melhor, não é lei, não existe.

De todo modo, para nós, modernos, o simplesmente normal deixou de ser normativo. Assim, não consideramos normais nem corruptas as concepções filosóficas, as teorias científicas, as obras de arte ou os criadores – por exemplo, Goethe, Picasso, Einstein, Pessoa ou João Gilberto – que realmente admiramos. O “gênio” é tudo para nós, menos normal.

Mais ainda: a verdade é que a teoria da evolução mostrou que a própria natureza não consiste em algo fixo de uma vez por todas, mas se encontra em transformação. As espécies biológicas mesmas não têm “natureza” eterna, mas estão em incessante evolução. Isso significa que não se pode considerar natural exclusivamente a constituição física ou o comportamento “normal”, isto é, tradicional. Uma espécie nova surge exatamente a partir das mutações – da “degeneração” – de uma espécie antiga. O indivíduo que, por ser portador de uma mutação, está sujeito a ser considerado uma monstruosidade talvez seja o limiar de uma nova espécie.

O ser humano é o produto de tais mutações, e sua maior novidade consiste em que não apenas a espécie humana, mas cada espécime humano, é infinitamente capaz de mudar a si próprio, capaz de experimentar o que nunca antes se experimentou, capaz de criar o que nunca antes existiu. Toda invenção, toda arte, toda técnica, toda cultura podem ser consideradas o resultado da transformação – poderíamos dizer, da perversão – da natureza pelo homem. O primeiro antropoide a se erguer e usar as patas dianteiras como mãos – abrindo caminho para a aventura humana – estava pervertendo a função “natural” desses membros.

Não é lícito, portanto, invocar a “natureza” para justificar – ou para condenar – tais ou quais comportamentos, atos ou instituições. Nenhuma determinação positiva da natureza humana pode ter qualquer efeito normativo. Pior: na realidade, tal determinação é inconcebível, pois, seja qual for, não há como, em princípio, excluir a possibilidade de que acabe por se revelar limitada, de modo que venha a ser negada ou superada pelos próprios homens. Ademais, é sempre possível pensar, como Nietzsche, que “o homem é algo que deve ser superado”.

Voltando a Fukuyama, a verdade é que, mesmo tendo proposto determinar qual é a natureza humana por meio da determinação do que é estatisticamente normal, ele não vai muito longe por esse caminho. Entretanto, a própria postulação da existência de uma natureza humana positiva acaba tendo consequências questionáveis. Ela o leva, por exemplo, a especular sobre essa natureza a partir de suposições sobre a evolução humana, de modo que Fukuyama se sente autorizado a afirmar, por exemplo, que

os seres humanos foram moldados pela evolução para serem criaturas sociais que buscam naturalmente inserir-se num sem-número de relações comunais […] Os seres humanos encontram também satisfação no fato de que os valores e normas são partilhados. Valores solipsisticamente mantidos frustram seus próprios propósitos e levam a uma sociedade extremamente perturbada em que as pessoas são incapazes de trabalhar juntas por fins comuns.[18]

Não deixa de ser uma crença conveniente para um autor que num livro anterior, chamado Trust [Confiança], defende a importância econômica do comunitarismo tradicionalista contra as tendências, que considera deletérias, do individualismo contemporâneo. E um uso ainda mais claramente ideológico da noção de “natureza humana” em combinação com extrapolações evolucionistas se manifesta quando, por exemplo, ele afirma que a natureza humana

serve também para nos orientar quanto a ordens políticas que não funcionarão. A compreensão adequada da teoria evolucionária contemporânea da seleção de parentes consanguíneos, ou da aptidão inclusiva, por exemplo, nos teria levado a prever a falência e a derrocada final do comunismo, dado seu desrespeito à inclinação natural a favorecer parentes consanguíneos e à propriedade privada.[19]

No fundo, só nos resta concluir que Fukuyama recorre à noção de “natureza humana” para promover alguns comportamentos e desmerecer outros. Não é, portanto, que ele estabeleça valores a partir do conhecimento da “natureza humana”, mas que decida o que é a “natureza humana” a partir dos valores que pretende promover. Como Foucault observou em seu famoso debate com Chomsky sobre a questão da natureza humana, é grande o risco, quando se supõe que exista certa natureza humana, de defini-la com termos tomados de empréstimo à nossa sociedade.[20]

Fukuyama, como já foi dito, considera que é na natureza humana que se fundamentam os direitos humanos. Ora, como vimos, não é possível determinar em que consistiria uma natureza humana positiva. Sendo assim, encontramo-nos diante de três possibilidades. A primeira é prescindir dos direitos humanos. A segunda é conservar os direitos humanos, mas prescindir de uma fundamentação desses direitos. A terceira é fundamentá-los sem recurso ao conceito de natureza humana.

Consideremos a primeira possibilidade. Caso tenhamos que prescindir dos direitos humanos, não vemos a partir de que princípios ou de que fins será, por exemplo, possível ou desejável submeter a tecnologia ou sua aplicação a maior controle social. É evidente que não seria possível fazê-lo por força de considerações puramente utilitárias. Afinal, as considerações utilitárias fazem parte da instrumentalização dos entes que produz a própria biotecnologia. Caso tenhamos que prescindir dos direitos humanos, portanto, estaremos impotentemente expostos à eventualidade de que se torne real o pesadelo da “raça mestra” e da “espécie superior” de que fala Nietzsche no fragmento póstumo anteriormente citado.

A segunda possibilidade – conservar os direitos humanos, mas prescindir da sua fundamentação – é que, de maneira geral, os filósofos que chamei de “neo-heideggerianos”, tais como Rorty, Derrida e Foucault, adotaram. Penso que esse antifundacionismo é insustentável. Tomemos o caso de Foucault.

A verdade é que as questões de fundamentação sempre estiveram fora do âmbito crítico das preocupações de Foucault. Não admira, portanto, que ele jamais se tenha interessado pela fundamentação dos direitos humanos ou do direito em geral. Na verdade, ele jamais chegou a se interessar seriamente sequer pelo sujeito do direito. Em 1969, ele afirmava que a morte do homem, que havia sido anunciada em As palavras e as coisas, era apenas uma das formas visíveis de um falecimento muito mais geral, que havia sido “o do sujeito, o do Sujeito maiúsculo, do sujeito como origem e fundamento do Saber, da Liberdade, da Linguagem e da História”.[21]Trata-se do sujeito empírico-transcendental, tal como concebido por Kant. Em 1984, ao redigir um verbete sobre si próprio para o Dictionnaire des philosophes, Foucault declara que seu empreendimento filosófico sempre foi o de investigar “quais são os processos de subjetivação e de objetivação que tomam possível para o sujeito tornar-se, enquanto sujeito, objeto do conhecimento”.[22]

Para nossos propósitos, podem distinguir-se dois momentos nessa investigação. O primeiro, anterior aos seus cursos no Collège de France de 1981-82 sobre a hermenêutica do sujeito, compreende tanto as obras “arqueológicas” quanto as “genealógicas” de Foucault. Nele, a subjetividade aparece como efeito de determinadas estruturas. “O que torna o homem possível”, pensava Foucault, “é no fundo um conjunto de estruturas, estruturas que ele pode certamente pensar e descrever, mas das quais ele não é o sujeito, ou a consciência soberana”.[23] Em 1976, ele dizia que, enquanto, por um lado, o modelo jurídico da soberania pressupunha o indivíduo como sujeito de direitos naturais ou de poderes primitivos, fazendo da lei a manifestação fundamental do poder, era preciso, por outro lado, estudar o poder a partir da própria relação de poder, pois é ela que determina os elementos a que se refere. “Em vez de perguntar a sujeitos ideais o que puderam ceder de si mesmos ou de seus poderes para se deixar assujeitar, é preciso pesquisar como as relações de assujeição podem fabricar sujeitos.”[24] E, em 1977, ele afirmava que era preciso ver o direito não do ponto de vista de uma legitimidade a ser fixada, mas do ponto de vista dos procedimentos de assujeição que ele aciona.[25]

No segundo momento, a partir dos cursos sobre a hermenêutica do sujeito, Foucault se dedica a investigar o que chama o “souci de soi” ou “cuidado de si”, tradução da expressão grega epimeleia heautou.[26] Trata-se de uma preocupação que ele encontra na antiguidade, em Platão e entre os filósofos estoicos, cínicos, epicúrios, neoplatônicos, etc. Ela parte do postulado de que a verdade não é dada ao sujeito como simples ato cognitivo. Para ter acesso a ela, o sujeito precisa se transformar – se converter – por meio de um longo trabalho de ascese. A verdade que se alcança por intermédio desse esforço retorna ao sujeito como uma iluminação: ela lhe proporciona a beatitude e a tranquilidade da alma. É essa relação com a verdade que Foucault chama de “espiritualidade”. Pois bem, segundo ele, a espiritualidade foi esquecida (embora não totalmente, é claro) no mundo moderno em consequência daquilo que denomina (com muitas ressalvas) “o momento cartesiano”. “Entrou-se na idade moderna”, diz Foucault, “no dia em que se admitiu que o que dá acesso à verdade, as condições segundo as quais o sujeito pode ter acesso à verdade, é o conhecimento, e somente o conhecimento”.[27] Assim, “se a espiritualidade é definida como sendo a forma das práticas que postulam que, tal como é, o sujeito não é capaz de verdade mas que, tal como é, a verdade é capaz de transfigurar e de salvar o sujeito, diremos que a idade moderna das relações entre sujeito e verdade começa no dia em que postulamos que, tal como é, o sujeito é capaz de verdade mas que, tal como é, a verdade não é capaz de salvar o sujeito”.[28]

É evidente que nem o sujeito assujeitado e passivo das investigações arqueológicas e genealógicas nem o sujeito destituído de espiritualidade da idade moderna interessam a Foucault como sujeitos de direitos. Quanto ao sujeito dedicado ao cuidado de si, trata-se sem dúvida, como, aliás, entre os estoicos, cínicos, epicúrios e neoplatônicos que Foucault menciona, de um sujeito ético ou estético, mas não de um sujeito de direitos.

Mas voltemos a um ponto mais fundamental. Segundo esse esquema, a modernidade filosófica consiste na perda da espiritualidade. Ora, tanto a palavra “espiritualidade” mesma quanto o modo em que seu sentido é determinado por Foucault – como um processo que inclui ascese, conversão, transfiguração, iluminação, beatificação pela descoberta da verdade -remetem-nos à religião.

Com efeito, os cursos sobre a hermenêutica do sujeito são de1981 e 1982. Em 1980, lembrando-se de sua estadia na Tunísia, em 1968, Foucault também fala de espiritualidade:

O que, no mundo atual, pode suscitar em um indivíduo a vontade, o gosto, a capacidade e a possibilidade de um sacrifício absoluto? Sem que se possa suspeitar nisso a menor ambição ou o menor desejo de poder e de lucro? É o que vi na Tunísia, a evidência da necessidade do mito, de uma espiritualidade, o caráter intolerável de certas situações, produzidas pelo capitalismo, o colonialismo e o neocolonialismo.[29]

O sacrifício absoluto, o mito e a espiritualidade formam uma ponte com a “Revolução Iraniana” que justamente, segundo Foucault, em 1978, tentava “abrir na política uma dimensão espiritual”.[30] Trata­ se de uma coisa, comenta ele, “de cuja possibilidade nós, nós outros [os ocidentais], esquecemos desde a Renascença e as grandes crises do cristianismo: uma espiritualidade política”[31] A Revolução Iraniana era, segundo ele, “atravessada pelo sopro de uma religião que fala menos do além que da transfiguração deste mundo aqui”.[32] Creio que ele tem razão. Esse é o problema. Como, nessa mesma época, observou Maxime Rodinson, importante especialista no Islã:

Mesmo um fundamentalismo islâmico mínimo exigiria, segundo o Alcorão, que as mãos de ladrões fossem cortadas e que a partilha da mulher na herança seja cortada pela metade. Se houver um retomo à tradição, como os religiosos, querem, então será necessário chicotear aquele que beber vinho e chicotear ou lapidar o adúltero. Nada será mais perigoso que a acusação venerável: meu adversário é um inimigo de Deus.[33]

Como é possível que Foucault tenha ignorado essa realidade, sem falar na realidade da opressão das mulheres, na censura à imprensa, na prisão de dissidentes, na execução de apóstatas e homossexuais etc.? Isso é surpreendente, quando se leva em conta que, segundo ele mesmo, o seu papel era “mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que pensam: que têm por verdadeiros e evidentes certos temas que foram fabricados num momento particular da história, e que essa pretensa evidência pode ser criticada e destruída”.[34] Penso que Foucault conseguia minimizar esses desrespeitos aos direitos humanos no Irã por já tê-los relativizado de antemão. Para ele, os iranianos “não têm o mesmo regime de verdade que nós”. E ele observa que o nosso regime de verdade, aliás, “é bem particular, mesmo que embora se tenha tornado quase universal”.[35] Foucault pensa que

cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral da verdade: quer dizer, os tipos de discurso que ela colhe e faz funcionar como verdadeiros, os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros ou falsos, a maneira pela qual sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto dos que são encarregados de dizer o o que funciona como verdadeiro.[36]

Aqui fica evidente o parentesco de Foucault com o romantismo alemão. Este, como se sabe, surgiu em grande parte como reação contra o Iluminismo e a Revolução Francesa. Antes mesmo da Revolução, Herder havia produzido o conceito de Volksgeist (espírito do povo). Nele se inspiram o romantismo e o historicismo, cuja motivação primeira é a crítica às abstrações racionalistas do Iluminismo. Com isso, buscam proteger-se do que é tido como o julgamento soberbo e inescrupulosamente reducionista da razão cosmopolita às particularidades nacionais e locais, que consideram se encontrarem objetivadas em instituições e idiomas peculiares e delicados, produtos imemoriais de processos complexos e supraindividuais.

Se, pensam eles, cada nação resulta de uma irrepetível combinação histórica de fatores tais quais raça, língua, religião, tradições, costumes, direitos etc., então como poderíamos julgá-la segundo padrões idênticos aos de outras nações, deitá-la sobre a mesma cama de Procusto, propor a todos os homens os mesmos direitos e deveres? Nada lhes parece mais impertinente do que julgar toda tradição, toda religião, todo mito, toda poesia, todo passado, todo direito como simplesmente falsos à luz fria de uma razão prosaica, farisaica, plebeia e arrogante. Afirma-se, assim, que uma nação, uma religião, um conjunto de leis costumárias ou uma época não podem ser conhecidos de fora para dentro: é preciso pertencer-lhes para conhecê-los. Desse modo, cada época e cada Gemeischaft teriam a sua verdade irredutível e insondável. Uma verdade cosmopolita não passaria de uma verdade empobrecida, pedestre, superficial, impotente.

Não é difícil ver como desse caldo – onde se originam as distinções, fundamentais para a sociologia, entre comunidade e sociedade, compreender e explicar, etc. – surge também um relativismo histórico de acordo com o qual não há verdade ou valor absoluto. Segundo essa concepção, seria ilusão considerar nossas verdades e nossos valores ou direitos superiores aos de qualquer outro povo. Todas as ideias e valores seriam produtos de uma época histórica dada e de uma cultura particular nacional ou regional e não valeriam fora do âmbito em que foram produzidos. Assim, Savigny critica o hábito de “considerar como humano em geral tudo o que é peculiaridade nossa”.[37] O direito natural, isto é, o direito de todos os homens, independentemente da história, isto é, os direitos humanos, não passaria do resultado anêmico de abstrações: meras ficções a pretender sobrepor-se à diversidade concreta dos direitos consuetudinários.

Contra a razão desenraizada e considerada estéril, Friedrich Meinecke, por exemplo, veio a afirmar a irrazão criadora (die schöpferische Unvemunft). Aqui tocamos num ponto importante. O alvo principal do historicismo e do romantismo não é o materialismo – ao contrário do que vulgarmente se crê -, mas o abstracionismo, isto é, o caráter desencarnado da filosofia da ilustração. Assim, à razão pura são opostos o instinto, as forças vitais, o organismo. Torna-se objeto de escárnio do historicismo o putativo otimismo naif da Ilustração, que acreditaria na lei natural, no poder da razão, na perfectibilidade do homem, no próprio homem, assim como no cidadão abstrato da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no progresso infinito, no nobre selvagem, etc. Pretensamente mais realistas, o historicismo e o romantismo sabem que a razão é a escrava das paixões.

Percebe-se aqui a mesma tentativa de relativizar a razão, a verdade, o homem, etc. que se encontram em Foucault. Sem dúvida, a intenção original de Foucault era inteiramente diferente da dos românticos. Estes, ao enfatizar a historicidade, pretendem mostrar a inescapabilidade do pertencimento a determinada comunidade e tradição. Foucault, ao contrário, enfatiza a historicidade para “sublinhar o caráter arbitrário das instituições e nos mostrar de que espaço de liberdade ainda dispomos, quais são as mudanças que podem ainda efetuar-se”.[38] Isso é certamente o que ele tencionava fazer nas suas investigações “arqueológicas” e “genealógicas” do Ocidente, ou melhor, da modernidade. A verdade, porém, é que o relativismo que inevitavelmente acompanha o historicismo presta-se melhor às finalidades dos românticos do que às de Foucault. É assim que ele está totalmente resguardado contra o perigo do abuso da política dos direitos humanos, e totalmente desguardado quanto às consequências da aplicação da sharia no Irã.[39]

As suposições de que há diferentes “regimes de verdade” irredutíveis uns aos outros (como, de maneira geral, a suposição de diferentes “epistemes” ou “a priori históricos” irredutíveis e incomensuráveis uns aos outros) e de que o nosso regime de verdade, sendo apenas um entre outros, não tem privilégio nenhum em relação aos demais conduzem a autocontradições performativas jamais adequadamente enfrentadas por Foucault. Por exemplo, se não temos o direito de julgar as verdades dos iranianos porque eles têm um diferente regime de verdade, então não temos sequer o direito de afirmar que eles têm um diferente regime de verdade: principalmente se levarmos em conta que, a partir do seu próprio regime de verdade, os iranianos não reconhecem a “verdade” de que o seu regime de verdade seja diferente do nosso: ou mesmo de que existam diferentes regimes de verdade.[40]

De todo modo, é claro que para Foucault o regime de verdade da espiritualidade é inteiramente distinto do regime de verdade da modernidade. Desfazendo a distinção que estabelecera em Histoire de la folie entre a episteme clássica e a moderna, vimos que Foucault passa, na sua última fase, a descrever a modernidade filosófica como um “momento cartesiano”. Isso parece atestar a influência que sofreu de Heidegger, para quem “toda a metafísica moderna [neuzeitliche], inclusive Nietzsche, mantém-se na interpretação do ser e da verdade instaurada por Descartes”.[41] Creio que nesse ponto eles estão certos, se tivermos em mente não tanto a letra quanto a tendência mais profunda – que no entanto o “pai da filosofia moderna” nem sempre seguiu – do seu pensamento. A respeito disso, Heidegger observa com razão que “a consciência histórica da questão autêntica deve esforçar-se por pensar o sentido que Descartes mesmo tencionou para suas proposições e conceitos, mesmo quando para tanto se torne necessário traduzir os enunciados dele mesmo para outra ‘língua”‘.[42]

Tendo isso em mente, examinemos a comparação que Foucault faz da espiritualidade com o momento cartesiano ou a modernidade. Como vimos, segundo ele, por um lado a espiritualidade parte do postulado de que a verdade não é dada ao sujeito como simples ato cognitivo, de modo que, para ter acesso a ela, o sujeito precisa se transformar – se converter – através de um longo trabalho de ascese; por outro, a modernidade parte do postulado de que o que dá acesso à verdade é o conhecimento, e somente o conhecimento.

A presença de Nietzsche no modo de pensar de Foucault se manifesta tanto no fato de que essas descrições são claramente valorativas quanto no de que desvalorizam a modernidade. Esta é por ele descrita como uma perda: a perda da espiritualidade. A modernidade é desvalorizada também ao ser apresentada como apenas um momento particular da história entre outros: o “momento cartesiano”. Aliás, a história dos equívocos de Foucault em relação a Descartes é bem conhecida. Lembro as duas mais importantes. Em Histoire de la folie, ele erroneamente supõe que, ao considerar as razões que tinha para duvidar, Descartes houvesse a priori excluído a possibilidade de estar louco: o que marcaria a cesura, constitutiva da episteme clássica, entre razão e não razão.[43] Como se sabe, Derrida mostrou de tal modo o erro dessa suposição (na verdade, evidente para qualquer um que tenha lido seriamente Descartes) que as réplicas de Foucault, como não podia deixar de ser, foram inteiramente insati sfatórias.[44] Mais tarde, em As palavras e as coisas, ele admite que o cogito pressupõe a urdidura entre representação e ser, característica da episteme clássica. De novo, basta a leitura cuidadosa da Segunda meditação de Descartes para ver que nenhuma conexão entre representação e ser é por ela implicada.[45]

Pois bem, Foucault fala do mesmo modo do “postulado” da modernidade e do “postulado” da espiritualidade. Postulados são, na tradição filosófica, premissas não universalmente admitidas, em oposição a axiomas, que são premissas universalmente admitidas. Foucault pressupõe, assim, que tanto a modernidade quanto a espiritualidade se baseiam igualmente em premissas não universalmente admitidas. Ora, supor que, para ter acesso à verdade – isto é, para conhecer a verdade -, o sujeito precisa se transformar ou se converter é certamente um postulado, pois não se trata de algo universalmente admitido. Por outro lado, supor que é o conhecimento que dá acesso à verdade, isto é, que a conhece, é uma tautologia, logo, um axioma. É até possível supor­se que não há conhecimento, ou que não há conhecimento de verdade, mas, caso se suponha que há tal conhecimento, trata-se daquilo que dá acesso à verdade. Mesmo quem supõe que o sujeito precisa se transformar ou se converter para conhecer a verdade necessariamente supõe que é o conhecimento – obtido através dessa transformação ou conversão – que lhe dá acesso à verdade.

Ao contrário do que Foucault sugere, a modernidade filosófica se funda em Descartes justamente com o questionamento radical de todos os postulados através da dúvida hiperbólica. Curiosamente, ao citar apenas Aristóteles e a gnose como exceções à espiritualidade dos antigos,[46] Foucault se esquece do ceticismo. Sextus Empiricus, por exemplo, não é sequer citado em L’Herméneutique du sujet. Pois bem, é com essa tradição antiga que Descartes e, com ele, a modernidade mais claramente reatam.

O que Descartes fez foi radicalizar o ceticismo – já existente no cruzamento espaço temporal que foi a Europa do século XVI, ocasionado pela observação do choque e da erosão recíproca das diferentes crenças – e transformá-lo em método para superar o próprio ceticismo. Pensemos no sentido do cogito, levado às últimas consequências. Antes do cogito vem a “dúvida hiperbólica”, o dubito. Resolvo – seja quem eu for – livrar-me de todas as opiniões de que possa ter a mais leve razão para duvidar, a fim de ver se, ao cabo desse procedimento, resta alguma certeza de que absolutamente não consiga duvidar. Caso seja possível consistentemente (isto é, sem incorrer em autocontradição) negar a verdade de alguma opinião, então ela é capaz de não ser verdadeira: logo, é incerta. Pois bem, metodicamente experimento negar a verdade de todas as minhas opiniões. A dificuldade disso é que seria uma tarefa infinita submeter cada uma das minhas opiniões ao teste da negação. Em vez de fazê-lo, porém, posso tomar um atalho. Uma vez que, “solapados os fundamentos, rui espontaneamente o que quer que sobre eles se encontre edificado”,[47] basta-me questionar os juízos existenciais. “A dúvida”, como explica Lévy-Bruhl, “atinge todas as proposições que afirmam algo fora do nosso pensamento; ela não diz respeito às essências, mas somente às existências”.[48]

Assim, seja quem eu for, sou capaz de consistentemente negar a existência de Deus, a existência do mundo, a existência de cada uma das coisas que se encontram no mundo, a existência do meu próprio corpo. Posso consistentemente negar a existência de qualquer positividade que se apresente à minha consideração. Com efeito, é analiticamente verdadeira a proposição segundo a qual é possível consistentemente negar a existência de qualquer objeto definido ou determinado. Isso não significa necessariamente que esses objetos determinados não existam, mas que tanto é possível que existam quanto que não existam. A existência de tais objetos é contingente e relativa. Contudo, o cogito, como se sabe, estabelece um limite à negação. Se nego ou duvido, penso: e se penso, sou.

A certeza absoluta quanto ao ser do pensamento corresponde à certeza absoluta quanto à incerteza do ser de todos os objetos determinados do pensamento. Essa segunda certeza – a certeza da incerteza – obriga o homem moderno a reconhecer o caráter contingente e relativo de todo conhecimento positivo. Pode dizer-se que o homem moderno é o homem que viu desabarem, ao sopro da razão, todos os castelos de cartas das crenças tradicionais: o homem que caiu em si. Em última análise, é isso que o obriga a instaurar, por exemplo, a ciência e os procedimentos jurídicos modernos como processos abertos à razão crítica, públicos, e cujos resultados estão sempre, em princípio, sujeitos a serem revistos ou refutados.

Voltemos ao cogito. Lembro mais uma vez que não estamos interessados no que Descartes fez do cogito, mas na tendência mais profunda do pensamento que foi capaz de pensá-lo. Penso, logo sou. Mas quem – ou o que – sou eu que, ao cabo da dúvida hiperbólica, penso logo sou? Depois de dúvida tão radical, não tenho certeza de absolutamente nada de determinado sobre mim. Quando digo “penso, logo sou”, não é nem o meu corpo, nem a minha personalidade, nem o meu caráter, nem os meus pensamentos particulares, nem positividade alguma que tenho certeza de ser. Como todas as demais positividades, elas foram por mim negadas, junto com todos os objetos contingentes, condicionados e relativos. Por isso, reconheço o caráter contingente de mim mesmo enquanto sujeito dos meus pensamentos particulares, das minhas emoções, dos meus medos, das minhas esperanças, das minhas sensações, do meu caráter, da minha personalidade, da minha psicologia, da minha situação no mundo; reconheço o caráter contingente de tudo, enfim, que constitui aquilo que efetivamente sou para mim e para os outros; de tudo o que, tornando-me diferente dos outros, faz de mim o que sou; de tudo o que vem a ser o meu estar aí, no mundo.

Só não posso negar de mim o próprio ato de negar, a própria negação negante, pois a afirmo justamente ao tentar negá-la. Sendo assim, reduzo-me, enquanto resultado do dubito, a pura negatividade em dois sentidos: primeiro, no sentido de nada conter de determinado ou positivo; segundo, no sentido de ser a própria negação de tudo o que é determinado ou positivo. Enquanto tal, porém, não tenho nenhuma propriedade que me individualize, que me diferencie de nenhuma outra pessoa. O que me individualizava, o que me diferenciava das outras pessoas era exatamente o que eu tinha de positivo e determinado, o que tinha, portanto, de contingente, condicionado e relativo. Depois do dubito, o que fica é a pura razão.

dubito me trouxe, portanto, ao reconhecimento de uma cisão epistemológica radical. De um lado, pus o que é determinado e positivo, que é também contingente, condicionado e relativo; de outro, pus o que é indeterminado e negativo, que é também necessário, incondicionado e absoluto. Naquele polo encontra-se o mundo inteiro; neste, encontro-me eu, mas somente na medida em que, não sendo mais nada do que era antes, identifico-me com a pura razão. A razão se afirma exatamente ao negar tudo o que não é a razão: ao negar inclusive o que foi produzido a partir da intervenção da própria razão naquilo que não é razão: ao negar, portanto, os produtos objetificados da própria razão. Ora, uma razão não objetificada só pode dar-se na primeira pessoa.

Chamo a cisão epistemológica radical constitutiva da modernidade de apócrise. Pois bem, as consequências da apócrise são devastadoras em relação aos mundos tradicionais. Por exemplo, em relação a Deus, temos duas possibilidades. A primeira é considerá-lo infinito, eterno, absoluto, essencial, necessário, etc.; mas, nesse caso, ele será idêntico à razão, de modo que, não se dando senão na primeira pessoa, para si próprio, não existirá como terceira pessoa. Desse modo, ele é destituído não só de personalidade, mas de qualquer positividade. A segunda é considerá-lo positivo e pessoal, corno o Deus da Bíblia: mas nesse caso ele não poderá deixar de ser finito, temporal, relativo, acidental, contingente, etc., como os deuses do paganismo.

Junto com a religião, a apócrise aniquila toda pretensa legitimidade divina das instituições ideológicas e políticas do ancien régime. Todas elas se revelam como contingentes, logo, discutíveis. Historicamente, isso se dá principalmente por meio da recuperação e do desenvolvimento do conceito estoico do direito natural. Para os estoicos, a lei natural consistia basicamente na lei puramente racional.

A ambiguidade da palavra natura, porém dá margem a que a lei natural possa ser interpretada como a lei ditada por uma natureza particular personificada. É o que acontece quando Tomás de Aquino, por exemplo, retomando uma fórmula de Ulpiano, afirma pertencerem à lei natural as coisas que a natureza ensinou a todos os animais.[49] A expressão direito natural, diz com razão Hegel,

que se tornou habitual para a doutrina filosófica do direito, contém uma ambiguidade pela qual o direito se determina ora pelo modo natural imediato, ora pela natureza do assunto, isto é, pelo conceito… Na verdade, porém, o direito e todas as suas determinações se fundamentam somente na personalidade livre, uma auto­determinação, que é antes, o oposto da determinação natural. O direito da natureza é, pois, o ser do forte e a imposição da violência, e uma condição natural, uma condição de violência e injustiça, da qual nada mais verdadeiro pode ser dito do que: deve-se abandoná-la.[50]

A partir do século XVII, entretanto, para Hugo Grotius, por exemplo, o direito natural tenta reassumir o seu caráter puramente racional, logo negativo, opondo-se ao direito positivo. O direito natural, diz, no século seguinte, Diderot, admite somente aquilo que concorda com a razão sã e a equidade.[51] Como se sabe, no final do século XVIII, tanto os revolucionários franceses quanto os americanos se inspiram em teorias do direito natural, que é explicitamente mencionado tanto na Declaração da Independência destes quanto na Declaração dos Direitos Humanos daqueles.

Aplicada ao direito, a apócrise significa que não há nenhuma lei positiva que seja absoluta. Isso mesmo, porém representa uma lei negativa absoluta. Não sou obrigado a limitar a minha liberdade por imposição de lei positiva alguma. Digo isso enquanto me identifico com a pura razão. Isso significa que o digo não apenas em nome deste ou daquele ego empírico, isto é, não em virtude de ser contingentemente Antonio, Joana, Marcelo ou Graça; ou de ser contingentemente português, francês, grego, chinês ou brasileiro; ou de ser contingentemente católico, budista, taoísta, judeu ou muçulmano, mas em nome de qualquer ego concebível. Seja quem eu for, minha liberdade de agir não é limitável racionalmente – logo com minha aquiescência – senão em virtude da necessária concessão de liberdade igual aos demais egos empíricos que contingentemente eu poderia ter sido. Segundo Kant, que primeiro formulou a filosofia moderna do direito, este consiste no “conjunto das condições pelas quais o arbítrio de um pode estar de acordo com o arbítrio de um outro segundo uma lei universal da liberdade”.[52] Sendo assim, “é justa toda ação de acordo com cuja máxima a liberdade do arbítrio de qualquer um pode coexistir segundo uma lei universal com a liberdade de qualquer pessoa”.[53]
Mas a justiça assim concebida de modo puramente negativo e racional é, como observa Bobbio, a justiça enquanto liberdade. Segundo essa concepção, “é necessário, para que brilhe a justiça com toda a sua luz, que os membros da associação usufruam a mais ampla liberdade compatível com a existência da própria associação, motivo pelo qual somente seria justo aquele ordenamento em que fosse estabelecida uma ordem na liberdade”.[54] Do mesmo modo, agir de maneira injusta é “interferir na esfera da liberdade dos outros, ou seja, colocar obstáculos para que os outros, com os quais eu devo conviver, possam exercer sua liberdade na própria esfera de liceidade”.[55]

Assim, a lei e o Estado de direito não têm um fim próprio. Isso quer dizer que não compete nem ao direito nem ao Estado buscar, por exemplo, a felicidade dos homens. Com relação à felicidade, diz Kant, com toda razão,

não é possível formular princípio algum válido universalmente para fazer leis porque tanto as condições do tempo quanto as representações contrastantes e sempre mutáveis daquilo em que uma pessoa coloca a sua felicidade (e ninguém pode prescrever onde deve colocá-la) tornam impossível qualquer princípio estável e, por si mesmo, apto para ser o princípio de uma legislação. A máxima salus publica suprema civitatis lex est permanece em sua validez imutável e em sua autoridade; mas o bem público, que acima de tudo deve ser levado em consideração, é precisamente a constituição legal que garante a cada um a sua liberdade através da lei; com isso continua lícito para cada um buscar sua própria felicidade por meio do caminho que lhe pareça melhor, sempre que não viole a liberdade geral em conformidade com a lei e, portanto, o direito dos outros consorciados.[56]

Longe de unificar os diversos fins e meios dos homens, a função da lei é, portanto, assegurar o desenvolvimento pacífico de todos os antagonismos.[57] Nesse sentido, ela significa a possibilidade da maximização da diversificação de formas contingentes de vida, criação e cultura e (por que não?) espiritualidade, tanto no sentido tencionado por Foucault quanto em outros.

É evidente que os direitos humanos estão longe de estarem plenamente implementados em qualquer lugar do mundo; e que, em grande parte do mundo, estão longe de estarem sequer minimamente implementados. Como diz Amartya Sen, levados às últimas consequências, eles não implicam apenas direitos políticos, mas direitos à segurança social, ao trabalho, à educação, à proteção contra o desemprego, à sindicalização e mesmo a uma remuneração justa e favorável.[58]

De todo modo, resolve-se a aparente aporia em que nos encontrávamos, quando reconhecemos a inexistência de uma natureza humana positiva. Parecia-nos então que seria necessário ou bem abrir mão dos direitos humanos (o que reconhecíamos que seria catastrófico), ou bem prescindir da sua fundamentação (o que, como vimos no exemplo de Foucault, leva tanto a autocontradições performativas quanto à aceitação da negação efetiva desses direitos, na prática política). Restava a terceira possibilidade, que era encontrar outra fundação para os direitos humanos. Acabamos de encontrá-la na pura razão negativa e crítica. Não sendo dependentes de nenhuma característica positiva do “homem”, de nenhuma “natureza humana”, os direitos humanos são, como queria Kant, universais.

É verdade que isso não resolve o único problema real, prefigurado primeiro por Nietzsche e depois por Fukuyama: o de que a engenharia genética será capaz de criar diferenças hereditárias entre os seres humanos. Mas creio que, nesse ponto, é a partir dos próprios direitos humanos que é possível lutar para universalizar e maximizar as conquistas, e minimizar os efeitos colaterais danosos não só de engenharia genética mas de toda a medicina e, afinal de contas, de toda ciência.

Notas

  1. MAISTRE, J. “Considérations sur la France” (1797). Œuvres complètes. Lyon: Librairie Générale Catholque et Classique, 1884, vol. 1p. 74. 
  2. FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Lisboa: Portugália, 1968, p. 501. 
  3. HEIDEGGER, M. “Die Zeit des Weltbildes”. Holzwege. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1952, p. 81. 
  4. Ibid., p. 82. 
  5. NIETZSCHE, F. “Aus dem NachlaB der Achtzigerjahre”. Werke in drei Bänden. Karl Schlechta (org.). München: Hanser Verlag, 1954, Bd. 3 p. 504. 
  6. Ibid. Bd. 2. p. 279. 
  7. Lembro que Fukuyama é conhecido sobretudo graças a seu livro O fim da história e o último homem, título cuja primeira parte, “o fim da história”, alude, como se sabe, à filosofia da história de Hegel, mas cuja segunda parte se refere ao “último homem” de que fala o Zaratustra de Nietzsche: o que não deixa de ser o produto de uma espécie de engenharia genética. 
  8. FUKUYAMA, F. Nosso futuro pós-humano. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. 
  9. Ibid., p. 165. 
  10. Ibid., p. 166. 
  11. Ibid., p. 94. 
  12. Ibid., p. 113. 
  13. Ibid., p. 112. 
  14. Ibid., p. 180. 
  15. Ibid., p. 130. 
  16. ARISTÓTELES. “Política”. Opera. Berlin: W. de Gruyter, 1960, p. 1254ª35. 
  17. MONTAIGNE, M. Essais. Paris: Garnier, 1948, vol. 2, p. 435. 
  18. FUKUYAMA. Op. cit., p. 164. 
  19. Ibid., 136. 
  20. CHOMSKY, N.; FOUCAULT, M. “De la nature humaine”. Sur la nature humaine. Bruxelas: Aden, 2006, p. 56. 
  21. FOUCAULT, M. “La naissance d’un monde”. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 2001, vol.1, p. 816. 
  22. Ibid, “Foucault”. Op. cit., p. 1-452. 
  23. Ibid., “Qui êtes vous, professeur Foucault?”. Op. cit., vol. 1, p. 629. 
  24. Ibid., “Il faut défendre la société “. Op. cit, vol. 2, p. 124 
  25. Ibid., “Cours du 14 janvier 1976”. Op. cit., vol. 2, p. 178. 
  26. Para o que segue, vide: FOUCAULT, M. L’hermeneutique du sujet. Cours au collège de France, 1981-1982. Paris: Gallimard/Seuil, 2001. 
  27. Ibid., p. 19. 
  28. Ibid., p. 20. 
  29. Ibid., “Entretien avec Michel Foucault”. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 2001, vol. 2, p. 898. 
  30. Ibid., “À quoi rêvent les Iraniens?”. Op. cit., vol. 2, p. 694. 
  31. Ibid. 
  32. Ibid., “Le chef mythique de la révolte de l’Iran”. Op. cit., vol. 2, p. 716. 
  33. Cit. p. AFARY, J. e ANDERSON, K. “The seduction of lslamism. Revisiting Foucault and the Iranian Revolution”. New Politics, vol. 10, n. 1, n. 37, 2004. 
  34. Ibid. “Vérité, pouvoir et soi “. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 2001, vol. 4, p. 778. 
  35. FOUCAULT, M. “L’esprit d’un monde sans esprit”. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 2001, vol. 2, p.753. 
  36. Ibid., “Entretien avec Michel Foucault”. Op. cit., vol. 2, p. 158. 
  37. SAVIGNY, F. K. von. Vom Berufe unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft. Heidelberg: Mahr und Zimmer, 1814, p. 5. 
  38. FOUCAULT, M. “Vérité, pouvoir et soi”. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 2001, vol. 2, p.1598. 
  39. Sobre os direitos humanos, vide FOUCAULT, M. “l’expérience morale et sociale des Polonais ne peut plus être effacée “. Op. cit., vol. 2. p. 1168. 
  40. Outras autocontradições performativas de Foucault são examinadas por HABERMAS, J. “Aporien einer Machttheorie”·. Die philsophische Diskurs der Modernität. Frankfurt: Suhrkamp, 1985. 
  41. HEIDEGGER, M. “Die Zeit des Weltbildes”. Holzwege. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1952, p. 80. 
  42. Ibid. Nietuche II. Pfüllingen: Neske, 1961, p. 163. 
  43. FOUCAULT, M. Histoire de la folie à l’âge classique. Paris: Gallimard, 1972, p. 56-59. 
  44. DERRIDA, J. “Cogito et histoire de la folie”. L’écriture et la différence. Paris: Seuil, 1967, p. 51. 
  45. A esse respeito vide, por exemplo, BURKE, S. The death and return of the author. Edimburgo: Edinburgh University Press, 1998, p. 68-71. 
  46. FOUCAULT, M. L’hermeneutique du sujet. Cours au collège de France, 1981-1982. Paris: Gallimard/Seuil, 2001, p. 19 e 18, respectivamente. 
  47. DESCARTES, René. Meditationes de prima philosophia. Paris: Vrin, 1968, vol. I. p.19. 
  48. Cit. p. GILSON, Étienne. “Commentaire” ln: DESCARTES, René. Discours de la méthode. Paris: Vrin, 1976, p.287. É verdade que, no Discours de la méthode, Descartes diz que, como é possível que nos enganemos em questões de geometria ou lógica, tomaria como falsas também “as razões que antes tomara como demonstrações”. Mais tarde, nas Méditationes de prima philosophia, o fundamento último dessa desconfiança quanto às verdades lógicas é a possibilidade de que estejamos permanentemente a ser enganados por um gênio maligno. Só o cogito permaneceria indubitável, pois, mesmo para ser enganado, é preciso ser. Contudo, não é possível, de modo logicamente consistente, afirmar a inconsistência das verdades lógicas. Contra Descartes, hoje sabemos que, nesse ponto, a dúvida simplesmente não é admissível. Do mesmo modo, é claramente inadmissível a tentativa de Descartes de recuperar as certezas lógicas através da prova (de toda maneira sofística) da existência de um ser que, sendo perfeito, não seria capaz de nos enganar. Trata-se de uma petição de princípio, uma vez que pressupõe as próprias certezas que pretende fundamentar. 
  49. AQUINO, Tomás de. Summa Theologica. Paris: Migne, 1859, Prima Secundae Partis, Quaestio XCIV, De Lege Naturali, Articulus II. 
  50. HEGEL, G. W. F. “Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften”, vol. III. ln: Werke in Zwanzig Bänden, Bd.10. Frankfurt: Suhrkamp, 1970, p. 503. 
  51. DIDEROT, D.; D’ALEMBERT, J. (orgs.). Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers. Paris, 1750, verbete “Droit”, parágrafo “Droit de la nature”. 
  52. KANT, I. “Metaphysik der Sitten, Rechtslehre”. ln: Werke. B. 7. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft,1983, p. 337. 
  53. Ibid. 
  54. BOBEIO, N. Direito e Estado no pensamento de Emmanuel Kant. Brasília: UnB, 1969, p. 73. 56 Ibid., p. 74. 
  55. Ibid., p. 74. 
  56. Cit. p. BOBBIO, N. Op. cit., p. 134. 
  57. Ibid., p. 157. 
  58. SEN, A. “The power of a declaration”. The New Republic, 04/02/2009. 

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