2017

Para além da sexualidade: Foucault e a liberdade como autopertencimento

por Vladimir Safatle

Resumo

Em dado momento do século 20, a filosofia começou a se preocupar com sexo. Uma preocupação de caráter político, já que parecia haver algo de fundamental na experiência política e em suas expectativas de emancipação social que só pudesse ser pensado ao voltar as atenções para o sexo. De fato, há uma dimensão de acontecimento na experiência do sexual que esperou o século 20 para ser reconhecida em sua extensão. É ela que, de formas distintas, está presente nos pensamentos de Marcuse, Bataille, Freud, Lacan, Reich, Lyotard e, principalmente, Michel Foucault.

Vem de Foucault a estratégia de abordar o problema político do sexo a partir do esforço em compor uma genealogia da sexualidade. Esse esforço ainda é decisivo, isto é, ele ainda marca profundamente a forma de pensar as potencialidades imanentes ao campo da sexualidade. Leve-se em conta também que, para além de sua dimensão propriamente crítica, as estratégias de Foucault apontarão para um horizonte no qual uma ética renovada poderia surgir do questionamento sobre a noção de liberdade como autopertencimento, sem com isso a reduzir à liberdade como propriedade de si. Isso porque há que se considerar como as relações de propriedade e sua racionalidade imanente constituem a forma disciplinar por excelência das sociedades capitalistas, seja através da generalização da forma-mercadoria, seja através da generalização da forma-empresa.

Enfim, é a afirmação de uma singular individualidade não liberal que anima o trabalho de Foucault, sobretudo em sua última fase.


O dandismo, que é uma instituição para além das leis, tem leis rigorosas às quais todos seus sujeitos estão estritamente submetidos.

CHARLES BAUDELAIRE

SEXUALIDADE COMO DISCIPLINA

Em um dado momento do século XX, a filosofia começou a se preocupar com sexo. Uma preocupação inserida em estratégias de redimensionamento do que entendemos por política. Pois tudo se passava como se algo de fundamental em nossa experiência política e em suas expectativas de emancipação social só pudesse ser pensado se voltássemos nossos olhos ao sexual. De fato, há uma dimensão de acontecimento na experiência do sexual que esperou o século XX para ser reconhecida em sua extensão. É ela que, de formas distintas, está presente nos pensamentos de Marcuse, Bataille, Freud, Lacan, Reich, Lyotard e, principalmente, Michel Foucault. Vem de Foucault a estratégia de abordar o problema político do sexual a partir do esforço em compor uma genealogia da sexualidade. Esse esforço ainda nos é decisivo, ainda marca de maneira consistente nossa forma de pensar as potencialidades imanentes ao campo do sexual. Levemos também em conta que, para além de sua dimensão propriamente crítica, as estratégias de Foucault apontarão para um horizonte propositivo no qual uma ética renovada poderia emergir e cuja configuração

gostaria de discutir ao final.

Foucault quer mostrar que falar sobre sexo a partir da perspectiva de alguém que é sujeito de uma sexualidade específica, que vê sua identidade definida a partir da sexualidade que lhe é própria, é sujeitar-se a discursos sociais que procuram legitimar formas diversas de intervenção. Uma genealogia da sexualidade procurará, pois, entender como tais discursos foram formados, como eles demonstram a natureza produtiva de um poder capaz de produzir individualidades. Isso nos permitirá pensar o poder não apenas como um modo de coerção imposto que nos coage de fora, mas principalmente como maneira de produzir formas de vida, de moldar nossos desejos, sejam nossos desejos de normas, sejam nossos desejos de transgressões. Assim, sexo será um acontecimento a ser pensado pela filosofia na medida em que explicita uma nova modalidade de poder que paulatinamente ganhou hegemonia no interior das formas de vida no Ocidente[1].

A respeito dessa nova forma de poder, lembremos de irúcio que sexualidade é, principalmente, um termo utilizado para designar uma qualidade individualizadora. Normalmente dizemos: “tenho a minha sexualidade”, como quem tem um modo de ser que pretensamente expressa uma individualidade a ser reconhecida. De modo sintomático, não dizemos, por exemplo: “tenho meu erotismo”. Ao centrar suas reflexões sobre o aparecimento da “sexualidade”, Foucault aproveitava essa qualidade individualizadora para mostrar como certo regime de organização, de classificação e de descrição da vida sexual sistematizado no interior do discurso médico, ou seja, sistematizado a partir da distinção ontológica entre normal e patológico, foi fundamental na constituição dos indivíduos modernos[2]• Se sexualidade é aquilo produzido por um discurso de aspirações científicas, seja vindo normalmente da psiquiatria, da psicologia, seja vindo da medicina, então sua normatividade será, entre outras coisas, fortemente regulada a partir de padrões estritos de normalidade.

A compreensão dessa experiência social própria aos indivíduos modernos será importante para responder a uma questão propriamente política, a saber: ter uma sexualidade seria expressão de uma liberação do meu corpo em relação às pretensas amarras repressivas do poder? A sociedade ocidental teria assumido a importância da sexualidade na definição das individualidades a partir do momento em que o poder teria perdido suas amarras repressivas? Ou a sexualidade seria uma forma insidiosa de sujeição que demonstraria como a natureza do poder não é exatamente repressiva, como se estivesse a reprimir uma natureza sexual, uma energia libidinal primeira e selvagem, mas produtiva, como se ele produzisse os sujeitos nos quais o poder opera? Ou seja, ao dar importância decisiva a tais perguntas, Foucault apenas era fiel a sua afirmação de que: “o que me interessa é muito mais a moral do que a política ou, em todo caso, a política como uma ética[3]“. Não a política como atividade que se submete a princípios morais gerais, mas a política como éthos, como aquilo cujo campo real são as construções de modos singulares de ser. Daí a importância de compreender o sentido do que está em jogo na sexualidade.

A partir desse problema da produção da individualidade, Foucault defendia que a sexualidade era um modo de assujeitamento a estruturas do poder disciplinar. A hipótese do poder disciplinar fora desenvolvida para mostrar como devíamos compreender o poder presente de maneira hegemónica nas sociedades modernas. Diferente do poder soberano, hegemónico em sociedades pré-modernas, o poder disciplinar tinha um conjunto de características próprias. Primeiro, ele não era um poder que vinha de um centro no qual encontrávamos a vontade do soberano. Antes, era desprovido de centro e disseminado por parecer vir de todos os lugares, operar em várias instâncias e níveis; um poder horizontal. Por não ter centro, ele apareceria como impessoal, como não exercido em nome de alguém, mas em nome de “saberes” que fundamentam sua legitimidade na força irresistível do que se coloca como discurso científico ou prática social necessária. Um poder de estruturas que submetem todos, como o poder que se exerce nos hospitais, nas escolas, nas prisões, nas empresas, na burocracia estatal.

Segundo ponto, esse poder era individualizador. Através do seu exercício, individualidades eram constituídas, o que nos levava a uma fórmula

importante: ser indivíduo é sujeitar-se a um conjunto de disciplinas que legislam sobre meu modo de organizar o tempo, de hierarquizar meus desejos e vontade, de regular minhas paixões, de proibir e desqualificar certos pensamentos, de determinar minha identidade e interesses.

Tal poder disciplinar era composto de uma anátomo-política dos corpos e de uma biopolítica das populações, ou seja, ele visava regular os corpos e seus regimes de desejos e afetos, assim como regular os fenômenos populacionais de crescimento, de saúde social e de reprodução de costumes. Por isso, a sexualidade podia aparecer como um dispositivo central do poder disciplinar, já que dizia respeito tanto à experiência dos corpos quanto a questões de gestão populacional (como aquelas questões ligadas à análise da taxa de natalidade, à idade do casamento, aos nascimentos legítimos e ilegítimos, à precocidade e à frequência das relações sexuais, ao efeito do celibato e das interdições, à incidência de práticas contraceptivas). Nesse sentido, a reflexão filosófica sobre a sexualidade expunha a maneira com que determinado regime de poder teria produzido um acontecimento maior, a saber, a transformação disciplinar da vida. Foucault procurou mostrar como essa transformação disciplinar da vida foi o resultado da sobreposição de vários discursos, como o discurso científico, o jurídico-moral e o religioso. A esse respeito, ele era sensível à maneira com que os saberes científicos que fundamentam práticas disciplinares nos levavam a “falar de sexo”. A fala ouvida pelas ciências da sexualidade não era apenas quantificadora, ela também era exaustiva. Este era seu ponto central: a ciência da sexualidade produzida no Ocidente nos levou a falar de sexo de forma tal a procurar, através dessa fala, a linha de partilha entre o normal e o patológico, a exaurir tal fala no interior de um sistema classificatório capaz de escutar cada fantasia, capaz de incitar confissões e, com isso, nos levar a nos inscrever no interior de uma gramática, escolher histórias possíveis, controlando assim toda produção possível de identidades.

Por isso, se Foucault se voltava contra a hipótese repressiva, que vincula a força política da sexualidade à revolta contra a repressão da pretensa naturalidade de nossa energia libidinal, era por perceber como nenhuma sociedade falou tanto de sexo quanto a nossa. Mais do que sociedades repressivas, as nossas foram sociedades marcadas por uma peculiar incitação à constituição do sexo como discurso. Pois nessa vontade de falar, ou antes, nessa vontade de saber tudo sobre sexo, encontrávamos a incitação a acreditar que falar sobre sexo seria a condição para nossa liberação e emancipação. Nada mais falso, dirá Foucault.

Mas ficamos aqui com uma questão maior. Pois se somos todos indivíduos constituídos no interior de sociedades disciplinares, de onde vem o mal-estar que sentimos no interior da vida social e que nos leva à crítica do que nos tornamos? De onde vem o mal-estar com esse regime de fala que constitui nossa sexualidade, assim como a esperança de outra forma de relação entre discurso, verdade e sexo? Pois Foucault vincula a força crítica ao desvelamento desses “momentos nos quais nossas identificações parecem de uma contingência e de uma violência das quais não tínhamos consciência”. Por isso, “a experiência subjetivante do pensamento crítico nascerá desses momentos nos quais não se trata mais de nos ‘descobrir’, mas de ‘ultrapassar o limite’ em direção a uma identidade nova e improvável[4]“. Ou seja, se há crítica social, para Foucault, é porque nossas iden­ tidades aparecem, em certos momentos, como dotadas de uma violência da qual não tínhamos consciência. Mas por que elas aparecem assim?

Como não podemos fazer apelo a algum nível de experiência que resistiria à sua codificação integral pela administração dos corpos e regulação das populações (saída adotada, por exemplo, por Deleuze ao falar de um corpo sem órgãos, por Freud ao falar de um corpo pulsional, por Bataille ao trazer a biologia para fundamentar sua teoria do dispêndio e da parte maldita, entre tantos outros), como o campo biológico não tem para Foucault uma normatividade ontologicamente própria, mesmo que suplementada pela normatividade social (como em Canguilhem e seu vitalismo), como Foucault também não quer apelar a uma fundamentação ontológica para o mal-estar que sentimos na vida social presente (fazendo, por exemplo, uma ontologia do ser em chave heideggeriana), então só podemos encontrar o fundamento da crítica social na história. Nem ontologia, nem reflexão sobre a natureza, mas o recurso a uma dimensão materialista propriamente histórica.

Aqui, a estratégia se complexifica. Pois, para tanto, faz-se necessário ser possível mostrar como podemos ter acesso a experiências históricas outras do que as nossas. Ter acesso não apenas no sentido de saber de sua existência, desvelar a prova documental da ocorrência, mas de compreender seu sentido e permitir que a partilha desse sentido tenha a força transformadora capaz de reconfigurar nossas experiências presentes. Foucault não aceita uma orientação teleológica e finalista para sua reflexão histórica, como se estivéssemos no interior de uma marcha do progresso em direção a um télos. Por isso, ele precisa explicar como poderíamos recorrer à história para reorientar o presente. Nesse sentido, não basta saber que outras épocas produziram outros modos de relação a si através do desejo, não basta construir aquilo que Foucault chamou um dia de história do homem do desejo. Maneira de falar de uma história das técnicas de si, técnicas através das quais, por meio de formas de autogoverno e de cuidado de si, nos transformamos em sujeitos reconhecidos.

Se essa história quer servir de fundamento para a crítica do presente, Foucault precisa mostrar como seu sentido nos é acessível, como o uso dos prazeres e o cultivo de si que determina a especificidade de momentos perdidos dessa história encontram lugar como potencialidade latente do presente. Pois a genealogia não é apenas a reconstituição do processo histórico de formação do que aparece a nós como necessário. Ela é a recuperação das alternativas que permaneceram esquecidas no interior da formação de campos hegemônicos. Se assim não fosse, a genealogia não poderia aspirar consolidar-se como um pensamento crítico. Tendo isto em vista e seguindo uma estratégia que não deixa de nos remeter a Bataille, Foucault distinguirá a sexualidade dos modernos do erotismo das sociedades pré-modernas. Ou seja, haveria ao menos duas formas de falar de sexo, e esta vinculada ao erotismo poderia permitir ao sexual encontrar sua força política. Há que saber abandonar os esteios identitários da sexualidade e encontrar as dimensões do erotismo inexploradas pela modernidade. Dimensões estas que poderiam nos fornecer a potência de produzir formas de vida distantes dos limites do indivíduo moderno.

De fato, o esquema é profundamente batailliano, mas as peças não são as mesmas. Bataille faz uma certa antropologia das sociedades nas quais o sagrado e o erotismo aparecem como fatos sociais totais, insistindo que eles produzem experiências de fusão que teriam o valor de expor a natureza ontológica do ser como continuidade e de fornecer as bases normativas para a crítica das sociedades capitalistas do trabalho[5]• Tal continuidade teria a força de construir um espaço comum no qual a coesão nasce da indistinção e da abertura ao que me é completamente heterônomo, fazendo assim com que as determinações individualizadoras da pessoa entrem em colapso.

Não há nada disso em Foucault, nem recurso ao sagrado, nem ontologia da continuidade. Antes, o erotismo que lhe interessa encontrará seu paradigma nas modalidades de usos dos prazeres nas sociedades grega e romana. Mas, para transformar tal erotismo em fundamento para a crítica da estrutura disciplinar da sexualidade dos modernos, é necessário que algo de sua lógica esteja, de uma maneira ou de outra, presente entre nós, prestes a novamente emergir dentro do nosso universo da sociedade dos indivíduos.

BAUDELAIRE E OS GREGOS

A esse respeito, lembremos como o conceito foucaultiano de era his­ tórica baseava-se no primado de epistemes que definiam o padrão geral de racionalidade dos discursos científicos de uma época. Assim, por exemplo, a modernidade baseava-se no primado de uma episteme específica carac­ terizada, entre outras coisas, pelo pensar representativo e pela duplicação empírico-transcendental do sujeito, pela constituição de um conjunto de saberes que tomam o que condiciona o homem (na dimensão do trabalho, do desejo e da linguagem) como objeto da ciência. No entanto, não há época que não seja polarizada pela tensão entre discursos que se submetem à episteme hegemônica e aqueles que a ela não se submetem. Esta é apenas a aplicação de uma ideia importante de Foucault a respeito do fenômeno do poder, a saber:

Se não houvesse resistência, não haveria relações de poder. Pois tudo seria simplesmente uma questão de obediência. Desde o momento em que o indivíduo está em situação de não fazer o que ele quer, ele deve utilizar relações de poder. A resistência vem, pois, primeiro, e permanece superior a todas as forças do processo, obriga, sob seu efeito, à mudança nas relações de força. Considero, pois, o termo “resistência” como a palavra mais importante, a palavra-chave dessa dinâmica[6].

Essa resistência que aparece no nível individual, aparece também no nível estrutural da circulação e produção de discursos. Por isso, é importante lembrar que a episteme moderna fora sempre acompanhada de uma espécie de contraepisteme, um contradiscurso no interior do qual se aloja aquilo que terá força crítica em relação à estrutura de saberes e experiências do presente. No caso da modernidade, tal contraepisteme seria representada principalmente pela literatura[7]• Nesse sentido, a literatura aparece como a latência de possibilidades de pensamento e forma de vida que não encontram lugar no interior dos regimes de saberes e poderes próprios à nossa época.

Assim, para a estratégia genealógica de Foucault funcionar, é necessário que experiências históricas identificadas como portadoras de força crítica em relação ao presente estejam, à sua maneira, ainda em estado de reverberação no interior do paradigma literário modernista. Pois se a literatura é a contraepisteme fundamental da era moderna, então toda experiência crítica da modernidade deverá, à sua maneira, encontrar seu modelo nas produções literárias. E isso Foucault fará através de uma reflexão sobre o conceito baudelairiano de modernidade.

O que de fato interessa a Foucault é a maneira com que Baudelaire vincula tal experiência a uma certa estilização de si, à definição dos regimes de uma forma possível de vida. Por isso, o que realmente lhe interessa são as defesas baudelairianas do dandismo, que o filósofo francês compreende como uma forma possível de desdobramento das expectativas modernas de autonomia, mas que não passa pela compreensão da autonomia a partir da internalização da forma jurídica da lei pela consciência moral. O dandismo, essa “instituição para além das leis[8]“, permite compreender a vida como um trabalho singular sobre si a partir das leis de uma estética. Um ascetismo (no sentido de ascese que nos submete a uma prova) que faz do corpo, do comportamento, dos sentimentos e das paixões uma obra de arte. Em suma, “uma ginástica própria a fortalecer a vontade e disciplinar a alma[9]“. Daí por que “O homem moderno não é aquele que parte à descoberta de si mesmo, de seus segredos e de sua verdade escondida; ele é esse que procura inventar-se a si mesmo. Essa modernidade não libera o homem em seu ser próprio; ela o restringe à tarefa de elaborar a si[10]“.

Notemos nesse caso que o dandismo aparece como a capacidade não apenas de produzir obras de arte, mas de fazer da vida o exercício de uma produção estética. O que é uma maneira peculiar de realizar o projeto modernista de “superação da arte na práxis da vida[11]“, como afirmará Peter Bürger a respeito do projeto das vanguardas. Peculiar porque não é uma abertura a uma comunidade por vir baseada na emergência de uma nova sensibilidade estética; não há algo como uma comuni­ dade de dândis. Antes, o dandismo nos fornece a expressão da possibilidade de novos campos da agência individual.

Ao generalizar um dispositivo modernista para fora do campo da produção de objetos, Foucault pode levar a modernidade a não aparecer apenas como tempo de um sujeito que só pode relacionar-se a si através de uma verdade interior a ser extraída por uma vontade de saber que se aloja em discursos científicos que posteriormente prescreverão práticas disciplinares. Vontade hermenêutica de descoberta, de revelação de segredos e de verdades escondidas. Nas mãos da experiência disruptiva da vanguarda literária, ela aparece como trabalho consciente de elaboração de si através de uma singularização que encontra nas linguagens literárias que portam em si mesmo seu próprio código seu ponto natural de chegada. Lembrem, a esse respeito, do que Foucault dirá sobre Mallarmé, outro autor fundamental para seu conceito de modernidade estética:

Antes de Mallarmé, escrever consistia em estabelecer sua palavra no interior de uma língua dada, de maneira que a obra de linguagem seria da mesma natureza que qualquer outra linguagem, aos signos aproximados da retórica, do sujeito ou das imagens. No final do século XIX (na época do descobrimento da psicanálise ou quase), a literatura se transformou em uma palavra que inscrevia nela seu próprio princípio de decifração ou, em todo caso, ela supunha, sob cada uma de suas frases, sob cada uma de suas palavras, o poder de modificar soberanamente os valores e as significações da língua à qual, apesar de tudo, ela pertencia; ela suspendia o reino da língua em um gesto atual de escritura[12].

Esse poder de modificar soberanamente os valores e as significações da língua, essa palavra que inscreve nela seu próprio princípio de decifração pode ser vista como a expressão mais bem-acabada desse “homem moderno que procura inventar-se a si mesmo” tão bem descrito pelo desejo baudelairiano de modernidade. Ou seja, creio que isso deixa claro como a autonomia estética fornece, a Foucault, o paradigma de crítica à autonomia moral e de construção de novos modos de relação a si.

Nesse sentido, a autonomia estética, em sua capacidade de singularização e suas temáticas de autolegislação, é o paradigma por excelência da experiência política, ao menos para Foucault, ganhando paulatinamente prevalência sobre uma certa estilização da transgressão que parecia animar Foucault nos anos 1960, em especial através das discussões sobre Sade e sobre a relação entre literatura e loucura (Nerval, Roussel, entre outros)[13]. Tal problema da singularização ganha essa importância principalmente se aceitarmos que: “Não há outro ponto, primeiro e último, de resistência ao poder político do que a relação de si a si[14]“. Maneira de defender que a invenção de novas formas de relação de si a si é a condição para toda resistência ao poder político. Assim, o passo inusitado de Foucault consistirá em dizer que a experiência da modernidade estética foi capaz de reverberar uma experiência histórica que lhe é aparentemente estranha, a saber, o erotismo dos gregos. Do ponto de vista estratégico, haveria uma peculiar linha de continuidade entre modernidade literária e as práticas de cuidado de si greco-romanas[15].

SER SOBERANO DE SI MESMO

Nesse sentido, lembremos como Foucault compreende a especificidade histórica da experiência grega referente à relação dos sujeitos aos prazeres. Trata-se de

uma maneira de viver cujo valor moral não está vinculado à sua conformidade a um código de comportamento, nem a um trabalho de purificação, mas a certas formas, ou melhor, a certos princípios formais gerais no uso dos prazeres, na distribuição que deles fazemos, nos limites que observamos, na hierarquia que respeitamos[16].

Tal como a experiência literária moderna, os gregos desconheceriam a conformidade a um código geral, a determinação das condutas através de códigos gerais que definem a norma dos atos, descrevendo exaustivamente o proibido e o permitido, como se toda a criação no campo dos prazeres estivesse esgotada e normatizada. Por isso, ao invés de interdições e tabus, a moral dos gregos se preocuparia com as intensidades e com a maneira de definir os melhores momentos, circunstâncias, idades para o uso dos prazeres. Mesmo as práticas de abstinência não seriam justifi­ cadas a partir da desqualificação dos prazeres, mas como um exercício, uma prática de fortalecimento de si. Seu verdadeiro propósito é: “fazer da vida uma obra de arte[17]“. Daí a definição de tal erotismo como uma arte da existência composta por “práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens não apenas fixam para si mesmos regras de conduta, mas procuram se transformar, modificar-se em seu ser singular e fazer de suas vidas uma obra que porta certos valores estéticos e responde a certos critérios de estilo[18]“.

O que há de estético nessa maneira de pensar o uso dos prazeres é o tratar a vida como uma obra que se submete não apenas a valores estéticos, como harmonia, equilíbrio e simetria, mas também e principalmente a critérios estéticos de produção, como a ideia de que a ação não é expressão imediata de si, mas relação agonística e singular com materiais (impulsos, inclinações) com os quais devemos negociar, que devem ser conformados sem serem totalmente negados. Essa ideia da singularidade dos modos de relação a impulsos e inclinações é o que aproxima tais práticas de uma estilística individualizadora ligada ao cálculo do momento, da situação, do contexto, e as afasta da normatividade do direito. É nesse ponto que Foucault pode agir como quem aproxima a moralidade greco-romana e a estilística de si presente no dândi moderno.

Tal estética greco-romana de si nos explica por que a virtude principal no uso dos prazeres é a temperança. A imoralidade nos prazeres do sexo não é ligada a objetos proibidos ou a práticas sexuais impossíveis. Ela é sempre da ordem do exagero, do excesso e da passividade. Pois a atividade sexual “porta em si uma força, uma energeia que é, por ela mesma, dirigida ao excesso[…] a questão moral consistirá em saber como afrontar tal força, como dominá-la assegurando uma economia conveniente[19]“. O sexo é o mais violento de todos os prazeres, mais custoso do que a maioria das atividades físicas e sempre referindo-se ao jogo da vida e da morte. No ato sexual, o sujeito pode ser levado passivamente pelos mecanismos do corpo e pelos movimentos da alma. De onde se segue a necessidade de ele restabelecer seu domínio, exercendo sobre os prazeres “um domínio sufi­ cientemente completo para não se deixar nunca levar-se pela violência[20]” do desejo. Por isso, o sexo é o lugar privilegiado para a formação ética do sujeito.

A insistência neste tópico é compreensível se lembrarmos como, para os gregos, a liberdade estará profundamente associada ao domínio que os indivíduos serão capazes de exercer sobre si mesmos[21]• Nesse contexto, a temperança aparece como modo de elaboração a si em direção à virilidade, já que a ausência de temperança diria respeito à passividade e (construção misógina clássica) à feminilidade: “o que constitui, aos olhos dos gregos, negatividade ética por excelência, não é evidentemente amar os dois sexos, nem é preferir seu sexo ao outro, é ser passivo em relação aos prazeres[22]“. Nesse sentido, a verdade em relação ao sexo não é uma questão de conhecimento, de classificação exaustiva e de descrição minuciosa, mas de instauração do indivíduo como sujeito caracterizado pela temperança. A verdade está ligada não à certeza, mas à beleza. Por isso, é possível dizer que o critério de verdade é mais estético do que epistêrnico. Trata-se de “estilizar uma liberdade[23]“.

Nesse contexto, aparece um peculiar conceito de soberania, vinculado à leitura que Foucault faz dos estoicos e de sua askesis, assim como à sua crítica ao cuidado de si tal como aparece no Alcebíades, referido a Platão. Foucault recusa essa submissão do cuidado de si, tal como vemos no Alcebíades, à condição de prolegômeno para o aprendizado do governo da cidade e à condição de exercício ligado a uma metafísica da alma.

Alcebíades deve governar a si mesmo para poder governar os outros; seu exercício de cuidado de si é por isso submetido a uma práxis gestionária. No entanto, contrariamente a tal posição, há uma “autonomia” do cuidado de si nos estoicos que claramente interessa a Foucault e que já aparece em outro diálogo de Platão, Laques[24]. Tal autonomia permite o cultivo de uma “soberania do indivíduo sobre si mesmo” que aparece como horizonte ético ligado exclusivamente à capacidade de estilizar a liberdade, de compreender que a liberdade se realiza como afirmação da dimensão estética da existência. Esse caminho nos levaria a uma “história da estilística da existência, uma história da vida como beleza possível[25]“. Por outro lado, tal soberania de si forneceria um horizonte do uso dos prazeres que nos levaria a “um gozo sem desejo e sem transtorno [trouble][26]“. Soberania que nos livra do fantasma do excesso, que permite o aparecimento da liberdade como regulação singular dos corpos sem transtornos, que é intensificação do cuidado a si.

A força política desse processo se encontra em uma aposta nas possibilidades de singularização. Atualizado, ele nos permitirá, por exemplo, abandonar o discurso da sexualidade, deixar de ter uma sexualidade fortemente identitária regulada entre o normal e o patológico, para praticar um erotismo sem identidades previamente definidas, capaz de produzir formas inesperadas de relação, preocupado apenas em agenciar o jogo de forças que nos configura, fornecendo aos jogos de força sua mobilidade imanente. O que não poderia ser diferente para alguém, como Foucault, para quem as relações de poder nunca foram exatamente o problema, mas sim a degradação do poder em formas de coerção, degradação esta vinculada à supressão da dinâmica móbil das forças, isto em uma chave tipicamente nietzschiana.

Mas há que perguntar sobre o que devemos entender por soberania nesse contexto e que, a meu ver, está pressuposto no horizonte do pensamento de Foucault. Notemos inicialmente como, expulsa da condição de qualidade de quem detém o poder do Estado, a soberania aparece aqui como uma qualidade que pode ser exercida por todo sujeito em emaneipação, como já encontrávamos em Bataille[27]• Quando falar sobre a vida dos cínicos, Foucault mais uma vez sublinhará seu caráter de soberania, de “vida soberana”. Nesse momento, ele não deixará de salientar algumas de suas características maiores:

Na filosofia antiga a vida soberana é geralmente uma vida que tende à instauração de uma relação a si que é da ordem do gozo, nos dois sentidos da palavra: ao mesmo tempo como possessão e como prazer. A vida soberana é uma vida em possessão de si mesma, vida na qual nenhum fragmento, nenhum elemento escapa ao exercício de seu poder e de sua soberania sobre si. Ser soberano é acima de tudo ser seu, pertencer-se a si mesmo[28].

AUTOPERTENCIMENTO

Notemos a incidência fundamental da temática da liberdade como possessão de si, como autopertencimento no interior do projeto de Michel Foucault, isso graças à construção das relações de gozo-possessão e de gozo-prazer. Muito haveria a ser dito a respeito desse ponto, mas gostaria de me restringir a indicar um foco de tensão desse projeto. Pois tais temáticas da possessão de si e do prazer como orientação da conduta podem parecer à primeira vista procurar reconstruir um conceito de indivíduo que, em vários pontos, recuperaria temas da individualidade liberal. Não foram poucos os comentadores que aludiram a uma espécie de guinada liberal no pensamento tardio de Foucault[29]. No entanto, essa leitura é equivocada.

De fato, há indicações textuais que poderiam parecer nos levar a tal caminho. Por exemplo, lembremos, inicialmente, como Foucault compreende claramente o contexto histórico no qual sua ideia de soberania aparece. As transformações políticas do mundo greco-romano e a paulatina decadência da estrutura institucional do mundo romano levaram a um fortalecimento da dimensão individual:

No espaço político no qual a estrutura política da cidade e as leis das quais ela se dotou certamente perderam sua importância, ainda que não tenham desaparecido, e no qual os elementos decisivos estão cada vez mais nas mãos dos homens, em suas decisões, na maneira com que eles desempenham sua autoridade, na sabedoria que manifestam no jogo de equilíbrios e transações, parece que a arte de se governar advém de um fator político determinante[30].Ou seja, o colapso da noção de poder comum apareceria enquanto condição para a consolidação da soberania como governo de si. O que poderia parecer uma saída de compressão do laço social a partir de uma perspectiva individualista. Dada a impossibilidade de um espaço comum geral, nos restaria a estilização de dimensões relacionais restritas. Levando em conta que Foucault desenvolve esse aspecto de sua teoria no início dos anos 1980, no momento da retração final dos horizontes de transformação global (as últimas revoluções populares ocorrem no final dos anos 1990) e emergência de lutas localizadas de reconhecimento que darão a tônica das ações políticas no interior da consolidação de sociedades multiculturais, a tentação é grande de construir um amálgama.

Notemos, porém, como tal conceito de soberania de si é recuperado não apenas como resistência a toda e qualquer forma de poder estatal, mas principalmente como crítica aos regimes de individualização que o próprio poder estatal é capaz de produzir. Ou seja, a crítica não é feita através da contraposição liberal entre poder estatal e liberdade individual. Ela é feita através do reconhecimento da solidariedade profunda entre indivíduo e aparelhos disciplinares que convergem para o Estado. Uma solidariedade que o discurso liberal tenta sistematicamente não tematizar. Daí uma afirmação esclarecedora como:

Não creio que devamos considerar o “Estado moderno” como uma entidade que se desenvolveu a despeito dos indivíduos, ignorando quem eles são e até suas existências, mas, ao contrário, como uma estrutura muito elaborada, na qual os indivíduos podem ser integrados a uma condição: que forneçamos a essa individualidade em forma nova que a submetamos a um conjunto de mecanismos específicos[31].

Sendo o Estado compreendido como um modo genérico de individualização, com formas e mecanismos específicos juridicamente totalizados, já que ele fornece o quadro institucional necessário para as outras instituições sociais operarem, não haveria outra tarefa política do que “nos liberar do Estado e do tipo de individualização que a ele se vincula[32]” a fim de promover novas formas de subjetividade ou, ainda, de “criar um novo direito relacional que permitiria a todos os tipos possíveis de relação existirem e não serem impedidos, bloqueados ou anulados por instituições relacionais empobrecedoras[33]“. Não encontraremos proposições liberais que caminhem no sentido dessa decomposição das determinações dos indivíduos e dessa deposição da regulação biopolítica do Estado através da afirmação de uma plasticidade do direito contra as próprias instituições, em especial contra a família e o Estado.

Mas há um ponto que merece maior problematização. Tal criatividade é compreendida por Foucault a partir da temática do redimensionamento do espaço dos prazeres. Liberados das amarras jurídicas de nossa identidade estatal, poderíamos nos abrir à construção contínua de novos espaços de prazeres. A esse respeito, dirá Foucault: “devemos trabalhar não exatamente para a liberação de nossos desejos, mas permitir que nós mesmos sejamos infinitamente mais suscetíveis aos prazeres[34]“. Ou ainda quando ele afirma que deveríamos inventar, com o corpo, um erotismo não disciplinar[35]. Foucault chega a dar como exemplo a dissociação entre prazer e sexo própria da ritualização das formas de prazer nas subcul-

turas s/ M, seguindo uma via aberta por Deleuze em seu estudo sobre o masoquisma[36]• Nesse sentido, apareceria aqui uma via para uma “sexualização outra do corpo”, assim como o uso do que Foucault chama de ‘boas drogas” poderia abrir o espaço a uma dessexualização do prazer[37]• Em todos esses casos, temos reconfigurações da experiência sensível, reconfigurações de suas velocidades, intensidades e dinâmicas através de práticas muitas vezes relacionais que aparecem como condição para a emancipação em relação a formas de repetição de formas hegemónicas de vida. A ideia pressuposta parece apontar para uma dimensão propriamente sensível da experiência que só pode ser modificada através da própria sensibilidade e que teria a força de reinstaurar formas renovadas de laços sociais, mesmo que laços inicialmente restritos.

O PRAZER E O FORA

Isso talvez nos explique uma das razões para a recorrência de um tópos várias vezes sublinhado por Foucault: haveria uma desvalorização do prazer que é constante entre nós, principalmente devido ao impacto social da literatura psicanalítica. Por isso, seríamos a civilização na qual o problema do desejo teria sobrepujado a temática do uso dos prazeres. Isso significa: uma civilização para a qual a decifração de si sobrepujou esse cuidado de si que nos abre ao trabalho de cultivo das intensidades e da produção dos prazeres. Daí por que conheceríamos de forma tão evidente a hegemonia das scientia sexualis sobre a ars erotica. Daí também por que as estratégias do “conhece-te a ti mesmo” (gnôthi seauton) foram capazes de sobrepujar a injunção “ocupe-te de ti mesmo” (epimeleia heautou).

Não é difícil perceber como Foucault compreende tal decifração do desejo enquanto técnica fundamental de constituição de um sujeito submetido às estruturas de regimes de objetividade próprios a saberes de forte teor disciplinar. A decifração do desejo seria, na verdade, estratégia de submissão do sexual a um fazer falar que aparece como conformação da experiência a uma gramática da sexualidade fortemente representacional e normativa. Disso a psicanálise não estaria livre. Ao contrário, ela seria atualmente um dos mais claros representantes e um dos alvos implícitos mais importantes do pensamento foucaultiano.

No entanto, é sintomático que Foucault insista na distinção entre prazer e desejo, pensando seguramente em Lacan, a quem deve ser creditada a introdução dessa estratégia de desqualificação dos prazeres nos discursos contemporâneos de emancipação em circulação no pensamento francês da segunda metade do século XX. No entanto, há que lembrar como Lacan não contrapõe exatamente as estruturas fantasmáticas do princípio do prazer ao desejo. Sua contraposição mais fundamental é entre prazer e gozo. Na verdade, isso demonstra como o real embate de Foucault está em outro lugar. Pois não é a redução do sexual a uma hermenêutica do desejo e de sua decifração que realmente coloca problemas aqui, mas a irredutibilidade entre prazer e gozo, um conceito e uma problemática que Lacan toma, em larga medida, emprestado de Bataille, autor cujas relações de Foucault são mais ambíguas do que alguns estariam dispostos a aceitar.

Talvez a melhor maneira de colocar a questão seja perguntar-se se a estratégia de reconfiguração da experiência sensível através do cultivo e uso dos prazeres pode ter, de fato, forte potência na atual política de transformação, como apostava Foucault no início dos anos 1980. Nesse sentido, há um ponto que deve ser explorado. Pois a temática do cuidado de si e do uso dos prazeres pressupõe a possibilidade de reconstituição de relações de autopertencimento, tão presentes na análise foucaultiana dos es­ toicos e dos cínicos[38]. O que não poderia ser diferente, já que o prazer é o índice fundamental do pertencimento de si, do estar sob a jurisdição de si mesmo em uma confirmação de sua própria potência. Dissociado da relação com a lei, o que a temática da transgressão assim como a problemática do desejo parecem incapazes de fazer, o uso dos prazeres poderia aparecer como uma heterotopia não mais socialmente restrita à dimensão da anormalidade, mas à dimensão de uma autoprodução de si singular.

Pode parecer estranho que um conceito de liberdade como autopertencimento apareça nas mãos de um filósofo que se notabilizou por pensar o fora (penser le dehors). Como lembra Deleuze, a respeito de Foucault: “O apelo ao lado de fora é um tema constante em Foucault e significa que pensar não é o exercício inato de uma faculdade, mas deve suceder ao pensamento. Pensar não depende de uma bela interioridade a reunir o visível e o enunciável, mas se dá sob a intrusão de um lado de fora que aprofunda o intervalo e força, desmembra o interior[39]“.

Mas há que lembrar que a temática do fora é, em larga medida, dependente de uma defesa da transgressão que Foucault relativizará com o passar do tempo ou que, ao menos, terá que conviver com o problema da instauração de uma dimensão de relação a si que se funda na possibili­ dade de se pertencer a si mesmo, constituindo um circuito de imanência instaurada, ou ainda constituindo um “poder de se afetar a si mesmo[40]“. Ou seja, poder que não sai de si mesmo, que é a instauração de um espaço no qual a força se dobra sobre si mesma, sendo sua própria causa e efeito. No entanto, no caso de Foucault, não há como deixar de notar que vemos a emergência de uma ipse vinculada à dimensão das práticas e do cultivo dos prazeres, ipse que é resultado de uma subjetivação que determina o nome para a constituição de procedimentos de imanência. Se essa subjetivação é um cultivo, se é um cuidado, é porque instaura um espaço no qual não se pensa mais o si sob a forma do conflito e do descentramen­ to. Subjetivação na qual a ipse se funda sobre o espaço possível de uma decisão ou mesmo, se quisermos, de um projeto voluntário e refletido, o que nos permite nos perguntar que tipo de agência voluntária é esta, o que ela implica, se não exigiria estruturas da subjetividade que o próprio Foucault gostaria de recusar.

No entanto, se é verdade, como dirá Balibar, que Foucault procura constituir uma “ética da ultrapassagem de uma individualidade normal e normalizada através de uma ‘sobreindividualidade’ que a supera (como Nietzsche falava do ‘sobre-humano’ que superava o humano)[41]“, então há que reconhecer que ela se desdobra a partir das possibilidades de fazer valer formas de autopertencimento que não sejam imediatamente compreendidas como internalização de relações de propriedade, tão próprias do indivíduo moderno ao qual Foucault não cessa de criticar. Pois não poderia se tratar de procurar uma reinstauração contemporânea da noção de liberdade como afirmação da propriedade de si, pois há que levar em conta (e Foucault nunca foi insensível a este ponto) como as relações de propriedade e sua racionalidade imanente são a forma disciplinar por excelência das sociedades capitalistas, seja através da generalização da forma-mercadoria, seja através da generalização da forma-empresa. Ou seja, é a afirmação de uma singular individualidade não liberal que anima o trabalho de Foucault, em especial em sua última fase.

Aqui, a questão central pode enfim se apresentar: é possível, nas condições históricas que são as nossas, afirmar o projeto de uma ética fundamentada na noção de liberdade como autopertencimento, sem com isso sermos reconduzidos ao princípio liberal da liberdade como propriedade de si? Essa questão é, a meu ver, decisiva para discutir a atualidade possível das estratégias de Michel Foucault. O que nada tem a ver com a acusação equivocada de um certo liberalismo do filósofo francês, mas com a reflexão sobre a possibilidade ou não de realizar, nas condições históricas atuais, um conceito de liberdade como autopertencimento que tenha forte potencial emancipatório e crítico em relação às dinâmicas reificadas do capitalismo contemporâneo[42]. É certo que Foucault assumiu essa possibilidade, nos deixando a questão de saber se ela é a melhor estratégia conceitual para pensar o problema da liberdade no interior de nossa condição histórica. Pois poderíamos dizer que, com a consolidação hegemônica das formas de liberdade como propriedade de si, na esteira da generalização das relações de propriedade nas sociedades capitalistas, todas as formas outras de autopertencimento ficam impossibilitadas, obri-

gando o pensamento a determinar as possibilidades da liberdade a partir de outras estratégias.

ESTÉTICA DOS PRAZERES, ESTÉTICA DO GOZO

Para finalizar, notemos como esse problema se complexifica para Foucault, já que ele não tem conceitos para uma ação heterônoma, mas no entanto não redutível à reiteração de condições de submissão e servidão. Ação que me retira da condição de autopertencimento, embora não me leve à resignação de uma situação da submissão de minha vontade à vontade de um outro. Essa era, no seu sentido mais forte, a função ética do conceito de gozo em Lacan, assim como do conceito psicanalítico de pulsão[43]• Por isso, podemos dizer que estes são conceitos sem ipse, capazes de produzir no máximo uma “subjetivação acéfala[44]“, ou seja, uma subjetivação que é a descrição de processos de implicação com o que me destitui e me despossui de minha individualidade, pois radicalmente submetida a processos inconscientes.

Contrariamente à discussão de Foucault sobre gozo e vida soberana, o conceito de gozo em Lacan não é caracterizado pela disposição jurídica da possessão e do uso. Daí por que Lacan falará não de singularizações, mas de destituição subjetiva como horizonte de emancipação. E há que notar a maneira sintomática com que a noção de inconsciente desaparece da reflexão ética final de Foucault. Mesmo que ela ocupasse um papel central em sua arqueologia, encontrávamos lá um inconsciente de normas, regras e leis de As palavras e as coisas classicamente estruturalista e, por isso, pouco afeito à reflexão sobre as relações entre gozo e sujeito que ganharão prevalência no pensamento lacaniano sobre o inconsciente em sua fase tardia.

No entanto, é certo que para Foucault o conceito de pulsão seria uma construção dependente da naturalização das relações do desejo e da submissão da experiência do prazer à expressão de uma substância não tematizada enquanto tal (como seria o caso da libido como energia psíquica), enquanto o conceito de gozo, nesse contexto, seria indissociável de sua condição de transgressão (já que ele ressoa sua matriz batailliana, da qual Foucault procura se afastar por não acreditar mais que ela poderia ser politicamente produtiva). Isso significaria necessariamente perpetuar a ação na referência à lei, mesmo que a uma lei negada. Por não ter à sua disposição elaborações conceituais que abrissem o debate sobre a liberdade à afirmação de modalidades de heteronomia desprovidas de servidão, Foucault precisará realizar a difícil tarefa de sustentar a força emancipatória do autopertencimento em condições históricas, como a nossa, adversas a tanto.

Notemos ainda que estamos, na verdade, diante de duas formas de constituir as bases de uma estilística da existência. Foucault compreende que a melhor maneira de criticar a substancialização da psique que parece atravessar momentos decisivos do pensamento ocidental criando a ilusão substancial do sujeito moderno (ainda pretensamente presente em práticas clínicas como a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise) e o desconhecimento da produtividade das relações de poder, é através da recuperação da ipse como uma experiência estética, objeto de práticas que são “um cuidado de beleza, de brilho [éclat] e perfeição, um trabalho contínuo e continuamente renovado de dar forma[45]“. Uma estética de si que fora esquecida pela temática da estética das coisas e das palavras.

Nesse sentido, o prazer não aparece como um conceito econômico (a economia utilitarista do cálculo de maximização do prazer e do afastamento do desprazer), muito menos como um conceito funcional (ligado às astúcias das funções de reprodução biológica), mas como um conceito estético, talvez o mais importante de todos os conceitos estéticos. Mas deveríamos nos perguntar que regime estético Foucault tem em vista, qual sua especificidade. Ou seja, que tipo de estética os prazeres, tal como compreendidos por Foucault, são capazes de fundar?

Essa é uma questão relevante porque a contraposição à noção de gozo deve ser compreendida, nesse contexto, como a contraposição a outro conceito estético. Pois, de fato, não seria difícil mostrar as matrizes estéticas do conceito de gozo de Bataille a Lacan, assim como mostrar seus desdobramentos contemporâneos[46]• Através dele, o julgamento de beleza talvez seja sobrepujado pelas temáticas ligadas a uma estética do sublime presente no coração de certas estratégias de reconstrução do conceito de sujeito. Algo aparentemente ausente do horizonte do pensamento de Foucault. Sempre vale a pena salientar, essas decisões estéticas têm consequências morais, assim como consequências a respeito do que entendemos por agência emancipada.

É nesse ponto sobre as configurações da agência emancipada a partir do desdobramento de uma estilística da existência que o recurso final de Foucault aos cínicos ganha importância e mostra algumas dificuldades inerentes ao seu projeto. Foucault insiste em que o cinismo antigo estaria vinculado à relação entre instauração de formas de vida e dizer da verdade (parresia), ou seja, “a vida como escândalo da verdade ou o estilo de vida, a forma de vida como lugar de emergência da verdade[47]“. Emergência da enunciação da verdade como condição da afirmação de uma liberdade como autopertencimento. No entanto, o dizer da verdade como escândalo implica a discussão sobre formas de crítica, formas estas que parecem se organizar a partir de dinâmicas de desvelamento. Isso leva Foucault a afirmar, por exemplo, que a arte moderna seria “o veículo do cinismo”, já que: “É a ideia de que a própria arte, quer se trate de literatura, de pintura, de música, deve estabelecer uma relação ao real que não é mais da ordem da ornamentação, da ordem da imitação, mas da ordem do desnudamento, do desmascaramento, da escavação, da redução violenta ao elementar da existência[48]“..

Há que avaliar a hipótese de essa compreensão da forma estética como desnudamento, de essa compreensão da crítica como desvelamento ser uma recaída inesperada em uma certa hipótese repressiva por exigir a figura de um poder que vela, que mascara, poder que instaura uma realidade capaz de impedir à vida bruta emergir. Não é certo que esse regime de poder seja o nosso, pois ele pressupõe um modo de funcionamento da ideologia como falsa consciência a ser desvelada em sua inverdade que não responde às coordenadas históricas de nossa experiência social.

Por outro lado, a crítica cínica era feita em nome de um naturalismo que inexiste e não pode existir no pensamento de Foucault, ao menos sem provocar uma tensão no interior de seu próprio projeto[49]. Tal naturalismo que, no caso do cinismo grego, visava inclusive naturalizar a relação entre palavras e essência (lembremos da teoria de Antístenes sobre o lógos próprio a cada coisa)[50], fornece o fundamento para uma expectativa de agência emancipada. Foucault mesmo lembra da vida cínica como “vida correta que deve ser indexada à natureza[51]“. Mas é o colapso desse naturalismo, a melancolia de sua impossibilidade, que será responsável pela interversão histórica do cinismo, de força crítica a modelo de conservação de realidades sociais em crise aberta de legitimidade, como é o caso no cinismo moderno (que se lembre aqui, por exemplo, de O sobrinho de Rameau). As decepções sociais produzidas pela consciência de um naturalismo impossível de ser realizado como fundamento de orientação da agência individual levam ao colapso de toda ideia efetiva de transformação. Esse é um problema com o qual Foucault precisa se confrontar.

  1. Pois: “O sexo não é uma inscrição biológica primeira, mas o elemento que permite sistematizar os afetos e as intensidades do corpo. Ele impõe a esse mesmo corpo a estrutura de uma subjetividade atra­ vessada por uma hermenêutica do desejo e constrói nossa identidade como esse segredo que é preciso dizer” (Arianna Sforzini, Michel Foucault: une pensée du corps, Paris: PUF, 2or4, p. 67).
  2. Para esse ponto, ver, principalmente, lan Hacking, Historical Ontology, Cambridge: Harvard University

    Press, 2004; e Arnold Davidson, The Emergence of Sexuality, Cambridge: Harvard University Press, 2004.

  3. Michel Foucault, Dits et écrits II, Paris: Gallimard, p. 1405. [Ed. bras. Ditos e escritos, vol. 2, Rio de Janeiro:

    Forense Universitária, 2013.]

  4. Apudjohn Rachjman, Érotique de la vérité: Foucault, Lacan et la question de l’éthique, Paris: PUF, p. 22. [Ed. bras.: Eros e verdade: Foucault, Lacan e a questão da ética, Rio de Janeiro: Zahar, 1994.]
  5. Lembremos, por exemplo, de uma afirmação como: “O que está em jogo no erotismo é sempre uma dissolução das formas constituídas. Repito-o: dessas formas de vida social, regular, que fundam a ordem descontínua das índividualidades definidas que somos […]. Trata-se de íntroduzir, no ínterior de um mundo fundado sobre a descontinuidade, toda a continuidade que esse mundo é capaz[…]. A própria paixão feliz acarreta uma desordem tão violenta que a felicidade de que se trata, antes de ser uma felicidade de que seja possível gozar, é tão grande que se compara a seu contrário, ao sofrimento” (Georges Bataille, O erotismo, Belo Horizonte: Autêntica, pp. 42-3).
  6. M. Foucault, op. cit., p. 1560.
  7. Tomo a liberdade de remeter a Vladimir Safatle, “Literatura como contraepisteme: o lugar da experiência literária em Michel Foucault”, in: Salma Muchail; Márcio Fonseca, O mesmo e o outro: cinquenta anos de A história da loucura, Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
  8. Charles Baudelaire, Critique d’arr, suivi de critique musicale, Paris: Gallimard, 2012, p. 369.
  9. Ibidem, p. 371.
  10. M. Foucault, op. cit., p. 1390.
  11. Peter Bürger, Teoria da vanguarda, São Paulo: Cosac e Naify, 2008, p. 18.
  12. M. Foucault, op. cit., p. 447.
  13. A esse respeito, ver principalmente Ernani Chaves, “Corações a nu: coragem da verdade, arte moderna e cinismo em Baudelaire, segundo Foucault”, Viso Cadernos de estética aplicada, nº II, jan-jun 2012. É provável que uma das razões dessa secundarização da temática da transgressão tenha a ver com os desdobramentos de maio de 1968, ao menos segundo a ótica de Foucault. Se nos fiarmos em Didier Eribon (Michel Foucault, São Paulo: Companhia das Letras, 1994), uma das razões do distanciamento entre Deleuze e Foucault estaria ligada a interpretações distintas da guinada de maio de 1968 em direção à ação direta. É possível que tal horizonte tenha influenciado a procura de Foucault por um modelo de transformação que não seja mais a estetização violenta de uma ação transgressora.
  14. M. Foucault, L’hermeneutique du sujet, Paris: Gallimard/ Seuil, p. 241. [Ed. bras : A hennenéutica do sujeito,

    São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.]

  15. Foucault precisará que não se trata exatamente de retornar à ética greco-romana: “Mas nós sabemos que é possível fazer uma pesquisa em ética, construir uma nova ética, dar lugar ao que chamaria de imaginação ética, sem referência alguma à religião, à lei e à ciência. É por tal razão que a análise da ética greco-romana como estética da existência pode ter interesse” (M. Foucault, Qu’est-ce que la ctitiquef’ Suivi de La culture de soi, Paris: Vrin, 2015, p. 143).
  16. M. Foucault, Histoire de la séxualité II, Paris: Gallimard, p. 120. [Ed. bras.: História da sexualidade, vol. 2,

    São Paulo: Paz e Terra, 2014.]

  17. Idem, Qu’est-ce que la critique! Suivi de La culture de soi, op. cit., p. 154.
  18. Ibidem, p. 18.
  19. Ibidem, p. 69.
  20. Ibidem, p. 93.
  21. Que um leitor de Nietzsche, como Foucault, tenha chegado a tal configuração da ética como trabalho de si não nos deveria estranhar completamente. Pois há que lembrar de colocações de Nietzsche como: “No fundo é a mesma força ativa, que age grandiosamente naqueles organizadores e artistas da violência e constrói Estados, que aqui, interiormente, em escala menor e mais mesquinha, dirigida para trás, no ‘labirinto do peito’, como diz Goethe, cria a má consciência e constrói ideais negativos, é aquele mesmo instinto de liberdade (na minha linguagem, a vontade de poder): somente que a matéria na qual se extravasa a natureza conformadora e violentadora dessa força é aqui o homem mesmo, o seu velho Eu animal – e não, como naquele fenômeno maior e mais evidente, o outro homem, outros homens. Essa oculta violentação de si mesmo, essa crueldade de artista, esse deleite em dar uma forma, como a uma matéria difícil, recalcitrante, sofrente, em se impor a ferro e fogo uma vontade, uma crítica, uma contradição, um desprezo, um Não, esse inquietante e horrendamente prazeroso trabalho de uma alma voluntariamente cindida, que a si mesma faz sofrer, essa ‘má consciência’ ativa também fez afinal – já se percebe -, como verdadeiro ventre de acontecimentos ideais e imaginosos, vir à luz uma profusão de beleza e afirmação nova e surpreendente, e talvez mesmo a própria beleza” (Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 76).
  22. M. Foucault, Qu’est-ce que la critique? Suivi de La culrure de soi, op. cit., p. 116.
  23. Ibidem, p. 29.
  24. A esse respeito, ver M. Foucault, Qu’est-ce que la critique? Suivi de La culture de soi, op. cit., p. 140.
  25. Idem, Le courage de la vérité, Paris: Gallimard/Seuil, 2009, p. 149. [Ed. bras.: A coragem da verdade, São

    Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.]

  26. Idem, Histoire de la séxualité m, Paris: Gallimard, p. 94 ou ainda p. .316.
  27. Ver Georges Bataille, “La souveranéité”, in: G. Bataille, Oeuvres completes, tome VIII, Paris: Gallimard,1976.
  28. M. Foucault, Le courage de la vérité, op. cit., p. 245.
  29. Ver, por exemplo, lsabelle Caro, Foucault, Deleuze, Althusser et Marx: la politique dans la philosophie, Paris: Démopolis, 2011 ; ou Geoffroy de Lagasnerie, A última liçãode Foucault, São Paulo: Três Estrelas, 2013.
  30. M. Foucault, Histoire de la séxualité III, op. cit., p. [2J. O que não signitica que o cuidado de si seja uma mera resposta à desagregação da estrutura política da cidade. Como o próprio Foucault dirá: “Foi dito às vezes que a cultura de si na sociedade greco-romana estava ligada à degradação das velhas estruturas políticas e sociais[…]. Minha hipótese. no entanto, é de que esses processos históricos. se eles realmente ocorreram, conseguiram produzir certas modificações na cultura de si, mas não são eles mesmos a razão do grande valor atribuído ao cuidado de si” (M. Foucault. Qu’est-ce que la critique! Suivi de La culture de soi, op. cit., p. 88).
  31. Idem, Dits et écrits II, op. cit., p. 1049.
  32. Ibidem, p. 1051.
  33. Ibidem, p.1129.
  34. Ibidem, p. 984. Ou ainda: “Contra o dispositivo da sexualidade, o ponto de apoio do contra-ataque não deve ser o sexo-desejo, mas o corpo e os prazeres” (M. Foucault, Histoire de la séxualité I, Paris: Gallimard, 1976, p. 208).
  35. A esse respeito, ver Phillipe Sabot, “Foucault, Sade e as luzes”, Redisco, vol. 2, nº 2, 2013, pp. 111-21.
  36. Ver Gilles Deleuze, Présentation de Sacher-Masoch, Paris: Minuit, 1965. [Ed. bras.: Apresentação de Sacher­ Masoch, Rio de Janeiro: Taurus, 1983.]
  37. Ver Sophie Mendelsohn, “Foucault avec Lacan: le sujet en acte”, Filozoftki Vestnik, vol. 31, nº 2, 2010,

    p. 147.

  38. Dentre vários exemplos, quando Foucault fala de Sêneca: “Esta relação é pensada normalmente sob o modelo jurídico da possessão: se está ‘a si’, se é ‘seu’ (suttm_fieri, suum esse são expressão que aparecem constantemente em Sêneca), só dependemos de nós mesmos; se é sui juris, exerce-se sobre si um poder que nada limita ou ameaça, detém-se a potestassui” (M. Foucault, Histoirede la séxualité m, op. cit., p. 90).
  39. G. Deleuze, Foucault, São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 94.
  40. Ibidem. p. 108. Foucault, de fato, compreende esse poder de se afetar a si mesmo dentro de uma chave nietzschiana que reverbera a temática do amor fati. Basta lembrar de afirmações como: “esta soberania [cínica] se manifesta na felicidade deste que aceita seu destino e não conhece, por consequência, nenhuma falta, nenhum remorso e nenhum medo. Tudo o que é dureza de existência, rudo o que é privação e frustração, tudo isso se retorna em um exercício positivo da soberania de si sobre si” (M. Foucault, Le courage de la vérite, op. cit., p. 282).
  41. Etienne Balibar, “L’Anti-Marx de Foucault”, in: Christian Lavai et al., Marx et Foucault: Lectures, usages,

    confrontations, Paris: La Decouverte, 2015.

  42. Lembraria, inclusive, como toda a tradição marxista que pensa a superação da alienação sob a forma da apropriação possessiva do trabalho pelo proletariado ou mesmo como constituição da consciência histórica de classe, não escapa do horizonte da emancipação como autopertencimento. A esse respeito, remeto ao capítulo V de Vladimir Safatle, O circuite d”s afetos: carpas políticos, desampara e o fim do indivíduo, Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
  43. Sobre esse ponto, ver principalmente Jacques Lacan, Le séminaire vu; L’Ethique dela psychanalyse, Paris: Seuil, 1986. [Ed. bras.: O seminário, livro7: ética da psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1988.]
  44. Jacques Lacan, Leséminaire XI; Les quatreconcepts fondamentaux dela psychanalyse, Paris: Seuil, p. 169. [Ed.

    bras.: O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1985.]

  45. M. Foucault, Lecourage de la vérité, op. cit., p. 150.
  46. Ver, por exemplo, Hal Poster, The Return of the Real, Cambridge: MIT Press, 1995, e Bad New Days: Art,

    Criticism, Emergency, London: Verso, 2015.

  47. M. Foucault, Le courage de la vérité, op. cit., p. 166.
  48. Ibidem, p. 173.
  49. É tendo em vista um problema semelhante de recurso não rematizado a certo naturalismo que leva Judith Butler a criticar a leirura de Foucault a respeito do caso Herculine Barbin. Ver J. Butler, Gender Trouble: Feminism and the Subversion of ldentiry, New York: Routledge,1999.
  50. Tomo a liberdade de remeter a V. Safatle, Cinismo e falência da crítica, São Paulo: Boitempo, 2008, pp.

    156-7.

  51. M. Foucault, Le courage de la vérité, op. cit., p. 244.

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