Primeira missa e invenção da descoberta
por Jorge Coli
Resumo
A Primeira Missa no Brasil de Victor Meirelles (1859) instalou o Descobrimento de modo definitivo em nossa cultura, ao recriar o “ato fundador” da Carta de Pero Vaz de Caminha. E, como esta foi publicada pela primeira vez somente em 1817, pode-se dizer que a Descoberta do Brasil é uma invenção do romantismo do século XIX. Foi a “visão do Paraíso” da Carta de Caminha, destacando a união de índios e portugueses, que levou Araújo Porto Alegre, então mentor do jovem Victor Meirelles, a escrever-lhe estes versos: “Já que o céu te chamou Victor na terra, / lê Caminha, pinta e então caminha”. Meirelles inspira-se na Première Misse en Kabilie de Horace Vernet que, em 1853, celebrara o domínio colonial da França na África do Norte. Mas a maneira de conceber e de pintar a cena é muito diferente entre os dois. Enquanto Vernet narra com precisão um episódio histórico, Meirelles põe a cena principal mais ao longe, num clima espiritualizado e um pouco onírico que reúne os participantes numa espécie de útero. Não há a imposição do vetor missionário de “mão única” como em Vernet. Em 1948, Portinari também pintará uma Primeira missa, mas rejeitando a integração entre índios e europeus. Um novo mito, crítico desta vez, revê a história. Mas o modelo é sempre a Missa de Meirelles, com seus valores pictóricos adequados, sem brilhos excessivos nem rigidez simétrica. A convergência rara de formas, intenções e significados faz de seu quadro uma imagem do Descobrimento que dificilmente poderá ser apagada ou substituída.