1986

TV à Chateaubriand

por Inimá F. Simões

Resumo

É num tempo tormentoso que Assis Chateaubriand profere seu discurso na cerimônia de inauguração da TV Tupi de São Paulo, emissora dos Diários Associados, que, na época, é o mais poderoso conglomerado jornalístico do continente. Recorre então às palavras de Bismarck – “A preocupação das coisas de fora deve predominar” –, pois nelas encontra ressonância para sua postura de empresário dinâmico, que confia na entrada de seu país no circuito das inovações técnicas, a despeito do comodismo que caracteriza as “discussões estéreis e pueris” que predomina entre os brasileiros.

Ao final de sua fala, em seguida aos agradecimentos de praxe e depois de obsequiar o público com um relatório detalhado e didático sobre a trajetória de viabilização de seu projeto, ele encerra, aludindo à esperança de que as imagens da Tupi iluminem o povo brasileiro.

Estava inaugurada oficialmente — em 18 setembro de 1950 — a televisão no Brasil. Estava no ar a PRF-3, TV Tupi-Difusora, Canal 3. A primeira emissora da América do Sul.

Sob o peso da mística do pioneirismo, a TV Tupi vive uma trajetória plena de sobressaltos até sucumbir, em 1980, ao texto de uma portaria governamental que lhe cassa a concessão (ou a torna perempta, como se diz no jargão das telecomunicações). Um final talvez demasiado prosaico para um patrimônio não só físico mas também de natureza sentimental, exemplar único de um período da vida brasileira em que pontificava Assis Chateaubriand, “o velho capitão”. Quando a Tupi vai para o espaço (30 anos depois de ir ao ar), está enterrado em definitivo o império jornalístico montado por Chateaubriand a partir da compra de O Jornal, em 1924.

Comenta-se que, quando pensou seriamente na possibilidade de instalar a televisão no Brasil, Chateubriand contratou os serviços de uma agência de publicidade para fazer o levantamento minucioso das condições mercadológicas do país. Queria saber se o mercado publicitário tinha condições efetivas para absorver e sustentar um veículo tão caro, dispendioso e complexo. Os pesquisadores, americanos ao que parece – pois tal ramo de atividade funcionava de forma incipiente em nosso país –, andaram pelas principais cidades e concluíram, segundo depoimento de Paulo Pontes, que ainda não era tempo de instalar a TV, que talvez fosse melhor esperar a sua consolidação definitiva nos Estados Unidos, para então, conforme os resultados, montá-la no Brasil, adotando os métodos bem-sucedidos.

Argumentos razoáveis, para dizer o mínimo. Afinal, era ainda na década de 1940, quando se contava com um mercado publicitário acanhado (a população do país não alcançara os 50 milhões de habitantes e, em sua maior parte, vivia no campo) e, ainda por cima, a TV engatinhava no exterior, e poucos países europeus a viam funcionando regularmente. Mas Chateaubriand era um pioneiro e, contando com o respaldo do império jornalístico sob seu comando – os Diários e Emissoras Associadas –, encomenda à RCA americana o equipamento para duas emissoras de televisão.

O show de inauguração da TV Tupi quase não acontece. Câmaras pifam, o nervosismo é generalizado, obrigando a improvisação total. Mesmo assim, as imagens vão ao ar e chegam aos poucos aparelhos instalados em São Paulo.

Nos anos de supremacia absoluta das Associadas, sob liderança inconteste da TV Tupi paulista, não se antevê qualquer tipo de problema. Podem existir alguns obstáculos ocasionais decorrentes do despreparo da mão-de-obra exigida, das limitações técnicas existentes ou, mesmo, de uma estrutura social nem sempre estimulante da expansão da TV.

As especulações relativas ao futuro da TV brasileira passam invariavelmente pela ampliação de seus horizontes físicos, do raio de ação de suas imagens, visto desde já como fundamento para o seu pleno êxito comercial.

Em 1956 existem em funcionamento aproximadamente 250.000 televisores nas três capitais, o que representa mais de um milhão de telespectadores. “Aquele ano marcou o inicio da penetração da TV pelo Brasil afora, e nesse particular coube um destaque especial ao trabalho pioneiro desempenhado pelas Associadas.” Decidido a implantar uma antena transmissora em cada grande cidade, Assis Chateaubriand adquiriu, nos EUA, de uma vez só, nada menos do que nove estações. Destinavam-se a Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém e Goiânia. Depois viriam Vitória e Brasília. Estavam lançados os alicerces; treze anos depois a Embratel completaria a estrutura.

Em 1960, estreia o videoteipe. As profundas alterações que provoca na sistemática interna das emissoras vão credenciá-lo como divisor de águas na história da televisão brasileira. “Antes do VT e depois do VT”, ouve-se falar; assim como mais tarde se dirá assim: “antes e depois do satélite”. O fato inegável é que o VT muda a lógica operacional da televisão, multiplicando a sua rentabilidade e tornando-a apta a disputar novos mercados publicitários.

Com o VT é possível levar as imagens a pontos diferentes do país, quase simultaneamente. O “quase” deve-se ao tempo gasto em transporte, no deslocamento de aeroporto a aeroporto, o que é sem dúvida muito mais econômico do que as iniciativas desenvolvidas nos anos anteriores, que obrigavam as emissoras a grandes investimentos para implantação de torres de transmissão. O otimismo começa a tomar conta dos empresários do setor. Comenta-se, por exemplo, que um programa de São Paulo poderá ser visto no Recife e vice-versa; já se esboça uma antevisão do “país unido e informado pelo milagre da televisão”.

Os novos recursos técnicos permitem um melhor acabamento aos programas, enquanto se promovem reformulações internas nas emissoras, mudanças destinadas a atender aos novos padrões de operacionalidade.

O desconforto é menor. Agora, quando a câmara pifa, pode-se gravar de novo. O ator se esqueceu de determinada passagem do texto? Repete-se a cena. A consequência imediata é a alteração do ritmo interno da TV, de sua pulsação.

Naturalmente, as emissoras logo descobrem que estão diante de algo que, além de ser mais rentável que o teleteatro, contribui para consolidar uma média de audiência para o canal onde é apresentada. Raciocina-se que, na hipótese de a telenovela cair no agrado geral, é possível prever que, de segunda a sexta, naquele horário especifico, a luta pela audiência está vencida por meses a fio. Não são necessários exercícios mirabolantes para demonstrar como tudo isso se apresenta atraente, se comparado à instabilidade crônica do teleteatro, que numa semana alcança grande audiência para, em outra apresentação, despencar para números irrisórios.

A repercussão alcançada pelas telenovelas, a venda de aparelhos em grande escala, como resultado das facilidades de crediário, e o surgimento da TV Globo em 1965 estão certamente entre os fatos que determinarão os rumos da TV nesse interregno que vai até as primeiras transmissões via satélite. Empenhada em ocupar o seu lugar no mercado, a Globo adota uma estratégia que lhe facilita a trajetória rumo à liderança na década seguinte. Em vez de se lançar com as mesmas armas das concorrentes numa luta renhida e imediata pela audiência, ela opta por uma programação de cunho popularesco, e com isso alcança o novo público televisivo. Um público formado por largo contingente recém-incorporado à audiência, e que não merecera até o momento a devida atenção por parte das emissoras em funcionamento. Explica-se. O perfil da audiência mudou, as estimativas citam milhões de brasileiros presos ao vídeo, abandonando velhos hábitos de lazer em troca da permanência em frente ao aparelho. Já não se trata daquela audiência seleta dos primeiros anos, formada por pessoas de alto poder aquisitivo que faziam do ato de assistir TV um sucedâneo da ida ao teatro, gesto caracterizado, por exemplo, nos telefonemas dados ao elenco (é o que contam antigos funcionários da Tupi) ao final da transmissão do teleteatro. Na impossibilidade de ir aos camarins, vale o telefonema… Enfim, o círculo da audiência se amplia e não está mais restrito às capitais.

É no período de transição — da audiência local para a regional e em seguida nacional — que entra a Globo. A sua programação incide no que se convencionou chamar de popularesco, algo sem perfil definido, e que na prática se baseia num sistema consolatório, que distribui justiça a varejo, oferece prêmios, localiza parentes perdidos, arranja casamentos, arbitra litígios entre vizinhos etc., assemelhando-se a uma “televisão-despachante”, a alternativa encontrada, para alcançar as faixas menos privilegiadas da sociedade. Ainda que o populismo tenha sido combatido, quase erradicado, isso não significa que não perdure através da TV. Dessa forma, que ele só se difunde.

Em 1980, agrava-se a crise interna da TV Tupi de São Paulo, devido ao atraso de salários dos funcionários. O ambiente é de melancolia e quando por fim é anunciado o pagamento, a decepção é ainda maior, pois há uma distribuição de cheques sem fundo. Já não é possível sequer exibir regularmente as novelas, porque está quase impossível gravá-las.

É o fim. Os funcionários estão em greve há meses, e um grupo desloca-se para Brasília acampando no Congresso Nacional, e há ainda quem imagine – dado o retrospecto Associado e o currículo dos principais dirigentes do Grupo – que uma saída é possível. Mas dessa vez nem os condôminos – que sabem estar as Associadas completamente exauridas –, nem as autoridades federais – que injetaram generosos recursos públicos numa rede falida – estão dispostos a acreditar na sobrevivência, tanto que nos bastidores outros grupos já se lançam à conquista do espólio.

Em julho de 1980 – dois meses antes de completar 30 anos de existência –, a TV Tupi de São Paulo, um dos marcos do pioneirismo de Assis Chateaubriand, é extinta. Com ela, várias outras emissoras são consideradas peremptas, conforme a nota oficial emitida em Brasília. São elas a TV Tupi do Rio de Janeiro, TV Itacolomi de Belo Horizonte, TV Piratini de Porto Alegre, TV Marajoara de Belém do Para, TV Rádio Clube de Recife e TV Ceará de Fortaleza. É o fim da Rede Tupi de Televisão.

Mas significa o final das empresas Associadas? Ao que parece, isso não acontece, pois passados já alguns anos as empresas continuam funcionando normalmente em vários pontos do país. E mesmo aquelas fechadas pelo governo – cuja autorização de funcionamento passou a outros grupos –, ainda permanecem nas listas dos maiores devedores junto à Previdência Social e outros órgãos oficiais. Em outras palavras, ninguém – à exceção dos funcionários das emissoras – foi penalizado pelo acúmulo de erros cometidos ou pela dilapidação do capital de um conglomerado de empresas que chegou a ser o maior da América Latina.


Índice

Os primórdios da TV

Os anos 60

A TV se moderniza

TV em cores e a visão cor-de-rosa da cúpula associada

A agonia associada

Os primórdios da TV

Os dogmas do tranquilo passado são inadequados para o presente tormentoso. As circunstâncias são extremamente difíceis e por isso nos deveremos colocar à altura das circunstâncias. Como defrontamos uma situação nova, cumpre pensar de novo para agir em termos de iniciativas.

Abraham Lincoln

A frase de Lincoln transborda os limites do século XIX, atravessa a primeira metade do século atual e vai alcançar, com muito fôlego e atualidade, o discurso que Assis Chateaubriand profere na cerimônia de inauguração da TV Tupi de São Paulo, emissora dos Diários Associados, então o mais poderoso conglomerado jornalístico do continente. Chateaubriand recorre às palavras do presidente norte-americano com a mesma determinação com que se utiliza de uma frase de Bismarck (“A preocupação das coisas de fora deve predominar”), pois em ambas encontra ressonância para sua postura de empresário dinâmico, que confia na entrada de seu país no circuito das inovações técnicas, a despeito do comodismo que percebe nas “discussões estéreis e pueris” que jamais sacodem a alma dos brasileiros. Imbuído de missão dessa natureza, com tarefa tão grandiosa pela frente, Chateaubriand invoca seus personagens históricos prediletos, em busca de inspiração. Ao final de sua fala, em seguida aos agradecimentos de praxe e depois de obsequiar o público com um relatório detalhado e didático sobre a trajetória de viabilização de seu projeto, ele encerra, aludindo à esperança de que as imagens da Tupi iluminem o povo do Brasil.

Estava inaugurada oficialmente — em 18 setembro de 1950 — a televisão no Brasil. Estava no ar a PRF-3, TV Tupi-Difusora, Canal 3. A primeira emissora da América do Sul. PIONEIRA!

Sob o peso da mística do pioneirismo, a TV Tupi vive uma trajetória plena de sobressaltos até sucumbir, em 1980, ao texto de uma portaria governamental que lhe cassa a concessão (ou a torna perempta, como se diz no jargão das telecomunicações). Um final talvez demasiado prosaico para um patrimônio não só físico mas também de natureza sentimental, exemplar único de um período da vida brasileira em que pontificava Assis Chateaubriand, “o velho capitão”. Quando a Tupi vai para o espaço (ela foi ao ar em 1950), está encerrado/enterrado em definitivo o império jornalístico montado por Chateaubriand a partir da compra de O Jornal, em 1924.

Mais que os métodos pouco ortodoxos empregados, o traço marcante na trajetória empresarial do “velho capitão” sera, sem dúvida, o pioneirismo,[1] qualidade que nele ou em outros (vale citar Maud) sempre se define em termos operacionais. O pioneiro só tem existência a partir daquilo que faz. Ou melhor, daquilo que faz antes dos outros, o que em países periféricos como o Brasil ganha importância especial, uma vez que ele se torna o agente introdutor de técnicas em vigor nos centros adiantados. Nesse caso, o pioneiro seria de certa forma o antecipador do inevitável, aquele que nos impulsiona em direção a um futuro já dado, “irreversível”, um futuro que se almeja. Ponte entre o nosso atraso e o desenvolvimento alcançado por outros países, o pioneiro retira dos obstáculos, da falta de condições reais para a implantação de seus projetos, o carisma de sua existência.

Foi o que aconteceu com a TV Tupi. Comenta-se que, quando pensou seriamente na possibilidade de instalar a televisão no Brasil, Chateaubriand contratou os serviços de uma agência de publicidade para fazer o levantamento minucioso das condições mercadológicas do país. Queria saber se o mercado publicitário tinha condições efetivas para absorver e sustentar um veículo tão caro, dispendioso e complexo. Os pesquisadores, americanos ao que parece — pois tal ramo de atividade funcionava de forma incipiente em nosso país andaram pelas principais cidades e concluíram, conforme depoimento de Paulo Pontes nos debates do Teatro Casa Grande, em 1976, que ainda não era o tempo de instalar a TV, que talvez fosse melhor esperar a sua consolidação definitiva nos Estados Unidos, para então, conforme os resultados, montá-la no Brasil, adotando os métodos bem-sucedidos[2].

Argumentos razoáveis, para dizer o mínimo. Afinal, estávamos ainda na década de 40, contando com um mercado publicitário acanhado (a população do país não alcançara os 50 milhões de habitantes e, em sua maior parte, vivia no campo) e, ainda por cima, a TV engatinhava no exterior, e poucos países europeus a viam funcionando regularmente. Mas Chateaubriand era um pioneiro e, contando com o respaldo do império jornalístico sob seu comando — os Diários e Emissoras Associadas —, encomenda à RCA americana o equipamento para duas emissoras de televisão[3].

Quando a PRF-3 TV Tupi-Difusora de Sao Paulo é inaugurada em 1950, os Diários e Emissoras Associadas compunham uma vasta rede de empresas jornalísticas, cuja montagem se iniciara 26 anos antes, quando Assis Chateaubriand adquiriu O Jornal (no Rio de Janeiro) com o auxílio de Epitácio Pessoa, Alfredo Pujol e Virgílio de Melo Franco, sob o beneplácito de Artur Bernardes. Começou firme e solidamente. Quatro anos mais tarde, lança O Cruzeiro, revista semanal e ilustrada que obterá repercussão suficiente para lançar uma edição em espanhol para a América Latina, “invadindo território da Life”. No Brasil, obtém recordes de vendagem jamais igualados posteriormente, registrando a marca de 750 mil exemplares em algumas ocasiões excepcionais. Em 1929, Chateaubriand chega a São Paulo com o Diário de São Paulo — inovando nas táticas para atrair leitores, através da distribuição gratuita, por período limitado, aos assinantes em potencial —, que defenderá a causa da Aliança Liberal. E a Associadas, como o público a chamará com intimidade, estarão a partir desse período presentes em todas as grandes campanhas e temas nacionais. Entre elas, conta Nelson Werneck Sodré na sua História da Imprensa no Brasil, estava aquela que pretendia impedir a Central do Brasil, em fase de eletrificação, de ter uma usina própria para suprir-se de energia A campanha comandada por Chateaubriand, para que se pagasse energia à Light (que teria financiado a campanha, segundo Werneck), termina vitoriosa: a Central tornou-se cliente da concessionária, e a expansão de sua eletrificação estagnou logo adiante. Na questão do petróleo, as Associadas se alinham contra o monopólio estatal e as teses nacionalistas. E na tumultuada questão do favorecimento de créditos oficiais para instalação do jornal Última Hora, juntou-se quase toda a imprensa para criticar violentamente Getúlio Vargas, num episódio que serviu, ao seu final, para revelar aspectos até então pouco conhecidos sobre as relações entre as empresas jornalísticas e os órgãos oficiais de financiamento. O escândalo deflagrado pelo suposto favorecimento de Getúlio a Samuel Wainer torna público que outras empresas jornalísticas — os Diários Associados e o jornal O Globo, entre elas — ter-se-iam aproveitado mais dos estabelecimentos de crédito do governo que a própria Última Hora:

“[…] O que a Última Hora fizera era pratica comum, natural, rotineira. Enquanto a empresa levantara cerca de 156 milhões de cruzeiros, as organizações comandadas por Assis Chateaubriand deviam mais de 162 milhões ao Banco do Brasil e outras instituições […] Instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, não foram consideradas as denúncias de dividas dos Srs. Assis Chateaubriand e Roberto Marinho, nunca saldadas no Banco do Brasil nem nas Caixas Econômicas. Neste ano de 1953, quando as emendas nacionalistas da Petrobras eram votadas sob regime de urgência na Câmara, o total de publicidade distribuída por companhias americanas nos jornais e no radio e outros veículos de propaganda oposicionista foi de 3 bilhões, 506 milhões e 200 mil cruzeiros […] Deste total, um bilhão, 197 milhões foram dados aos jornais e 869 milhões as emissoras radiofônicas […].” [4].

Curiosamente, como se verá a seguir no discurso de inauguração da TV Tupi de São Paulo, no ano de 1950, Chateaubriand agradece aos grupos e empresas da iniciativa privada que contribuíram para a concretização do feito Associado, ao mesmo tempo que omite qualquer referência colaboração oficial ao empreendimento. Agradecerá, de passagem, ao Banco do Estado de São Paulo, apenas pela cessão do topo do edifício-sede para instalação da antena. Nada mais. Curioso porque, apesar de sua fala não lembrar a contribuição mais íntima do banco, esta teria existido de fato.

Antes de inaugurar a emissora de televisão pioneira em toda a América Latina — a PRF-3 TV Tupi-Canal 3 de São Paulo —, os Diários e Emissoras Associadas se envolveram numa incursão rápida pela produção cinematográfica. Em 1948, dois anos antes da inauguração da TV, os estúdios Tupã produziram, sob direção de Oduvaldo Viana (que dirigira um grande sucesso das telas: “Bonequinha de seda”), “Alegria” e, em seguida, “Chuva de Estrelas”, em 16mm, onde aparecia todo o cast (nessa época o jargão radiofônico e cinematográfico não fora ainda traduzido; falava-se no original: Broadcasting, cast, speaker, break, take etc.) das rádios Tupi e Difusora, concorrentes em popularidade e audiência com a Radio Record, da família Machado de Carvalho. A ideia de rodar um filme com o elenco (cast!) tinha como base uma incrível funcionalidade: apresentava-se a imagem dos ídolos — de quem se conhecia principalmente a voz —, eliminando a compulsoriedade dos deslocamentos custosos e cansativos até cidades distantes. Em 1948, O Sumaré, porta-voz dos bastidores Associados, registrava Teleteatro Paulista nas Décadas de 50 e 60, de autoria de Flavio Luiz Porto e Silva, publicada pela Secretaria de Cultura do Município de Sao Paulo, lemos: “periodicamente, com uma mensagem cordial aos seus assinantes, o Diário de São Paulo enviava As cidades do interior a famosa Brigada da Alegria, o alegre conjunto de artistas da Radio Tupi e da Rádio Difusora. Este ano, para variar, o grande matutino fez rodar, ainda em colaboração com as Emissoras Associadas, o filme “Chuva de Estrelas”, que percorreu todo o Estado com os aplausos entusiásticos de plateias superlotadas. “Chuva de Estrelas”, um musical de Oduvaldo Viana, contou com a participação de todos os componentes da Brigada e, em vista do seu sucesso, ocasionou a fundação de mais uma empresa associada, destinada A. indústria cinematográfica com sede em São Paulo (nº 1, outubro de 1948)”.

Se a nota, publicada no “boletim” Associado, chegou a virar notícia na imprensa da época, não vem ao caso. Na verdade, tratava-se de mero exercício de aquecimento, enquanto Chateaubriand desenvolvia as preliminares de seu projeto mais ambicioso e ousado. De início com alguma discrição e, a partir de meados de 1950, já com certa ênfase, as publicações Associadas anunciam que esta para chegar o “cinema a domicílio”, expressão eleita a mais didática para explicar ao leitor o que seria a tal televisão. Para contrabalançar um certo alheamento demonstrado pela imprensa em geral, os diversos órgãos do Grupo oferecem demonstração de coesão interna, trazendo a público, com frequência, informações sobre a novidade. As bases do pioneirismo já estão mais claras: de um lado, a inegável habilidade de Assis Chateaubriand no levantamento de recursos e mobilização do empresariado e órgãos públicos e, de outro, a capacidade operacional das Associadas para despertar curiosidade na opinião pública, até aquele instante totalmente ignorante sobre as características da televisão.

Segundo suas próprias palavras, publicadas nos jornais do grupo, Chateaubriand argumenta que, ao sentir que a TV estava madura nos EUA e Inglaterra, tratou logo de “convidar” alguns anunciantes a demonstrarem um pouco mais de confiança na potencialidade dos Associados. Com ordens de inserção publicitária, teria então se dirigido aos bancos, descontando essas autorizações por antecipação para, com a colaboração do Banco Moreira Salles, acertar a compra dos equipamentos com a RCA americana. Testemunhas da época, que acompanharam a instalação da TV Tupi, garantem que nessas operações estava envolvido também o Banco do Estado de São Paulo, o mesmo que em 1954 se tornará o credor-mor da falida Companhia Cinematográfica Vera Cruz que tentara materializar o sonho de fazer um cinema industrial no Brasil.

Para Alvaro Moya, que esteve presente desde que as primeiras imagens foram ao ar, a televisão brasileira começou, um pouco antes da época por causa da “loucura” de Chateaubriand. “A televisão americana”, observa ele, “começou em 1941, mas só em 47, foi que ela teve um desenvolvimento que lhe assegurou a total viabilidade comercial. A televisão americana absorveu Hollywood, que começou a produzir filmes para a TV assim como a TV consumia filmes de Hollywood. Aqui, a primeira tentativa de cinema industrial foi a Vera Cruz, que se deu no mesmo ano em que nascia a televisão. A televisão então não tinha o cinema para se alimentar e foi obrigada a fazer toda a programação ao vivo.”[5]

Ainda que a implantação da TV tenha se calcado no apoio de empresas solidamente instaladas e bancos particulares (e oficiais), isso não bastou para afastar a total improvisação que marca toda a fase preparatória. A população pouco sabia. A indústria eletrônica, incipiente, não tinha condições de produzir os componentes para a fabricação dos aparelhos, restando importar tudo. Esse é o outro lado do pioneirismo. Mas nesse caso, há um detalhe que favorece: a ausência, nas condições adversas, de quaisquer concorrentes. Uma situação mais favorável, por exemplo, que a encontrada no setor cinematográfico, que assiste na mesma época à montagem da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que se lança em meio a um universo definido, num jogo de cartas marcadas, dominado pela indústria cinematográfica internacional.

Em junho de 1950 (no dia 10), antes portanto da tragédia do Maracanã, o Diário da Noite, vespertino Associado da capital paulista, estampa uma foto da mesa de controle. “Logo mais, televisão no Brasil.” Antes do fim do ano, nas eleições gerais, Getúlio Vargas é eleito presidente da República. “Breve, televisão, uma realidade.” “Você já ouviu falar, agora vai ver televisão.” Mas o que seria a televisão? Parece com o rádio? Com o cinema? Ou com o teatro?

No discurso proferido quando da primeira transmissão oficial, no dia 18 de setembro de 1950, Assis Chateaubriand afirma: “O empreendimento da televisão no Brasil, devemo-lo a quatro organizações que logo, desde 1946, se uniram aos Rádios e Diários Associados para estudá-lo e possibilitá-lo neste país. Foram a Companhia Antarctica Paulista, a Sul América de Seguros de Vida e suas subsidiárias, o Moinho Santista e a organização F. Pignatari… Esse transmissor foi erguido, pois, com a prata da casa, isto é, com os recursos de publicidade que levantamos, sobre a Prata Wolff e outras não menos maciças pratas da casa; a Sul América que é o que pode haver de bem brasileiro, as lãs Sams, do Moinho Santista, arrancadas ao coiro das ovelhas do Rio Grande, e mais que tudo isso, a guaraná Champagne Antártica, que é a bebida dos nossos selvagens. O cauim dos bugres do pantanal matogrossense e de trechos do vale amazônico. Atentai e vereis como é mais fácil do que se pensa alcançar uma televisão: com Prata Wolff, lãs Sams bem quentinhas, Guaraná Champagne borbulhante de bugre e tudo isso bem amarrado e seguro na Sul América, faz-se um buque de aço e pendura-se no alto da torre do Banco do Estado, um sinal da mais subversiva máquina de influir na opinião — uma máquina que dará asas à fantasia mais caprichosa e poderá juntar os grupos humanos mais afastados.” Palavras proféticas. Estilo inconfundível!

O show de inauguração da TV Tupi quase não acontece. Câmaras pifam, o nervosismo é generalizado, obrigando a improvisação total. Mesmo assim, as imagens vão ao ar e chegam aos poucos aparelhos instalados em São Paulo. Apresentam-se Hebe Camargo, Wilma Bentivegna, Walter Forster, Lia de Aguiar, Lima Duarte, Romeu Feres, Lolita Rodrigues e outros nomes do cast Associado. O diretor artístico era Dermival Costa Lima, com assistência de Cassiano Gabus Mendes — filho de Otávio Gabus Mendes —, que vinha de uma época grandiosa do rádio paulista. O espetáculo tinha as características de um show radiofônico de variedades. Homero Silva, de gravata borboleta, naturalmente, foi o apresentador. Uma cantora interpreta a música composta especialmente para a ocasião: A Canção da TV, melodia de Marcelo Tupinambá e letra de Guilherme de Almeida, “o príncipe dos poetas brasileiros”, que descreve os sentimentos do momento:

A canção da TV[6]

“Vingou, como tudo vinga

no teu chão Piratininga

A cruz que Anchieta Plantou

pois dir-se-á que ela hoje acena

por uma altíssima antena

em que o Cruzeiro pousou,

e te dá, num amuleto,

o vermelho, branco e preto

das contas do teu colar,

e te mostra num espelho

o preto, branco e vermelho

das penas do teu cocar.”

Meses antes, no dia 4 de julho, em transmissão não-oficial, Frei Mojica, ex-galã de cinema, canta alguns hinos religiosos mas sua imagem não ultrapassa os limites do saguão e só pode ser vista nos poucos aparelhos instalados ali mesmo, nos Diários Associados, na Rua 7 de abril, bem no centro da cidade. Essa transmissão, de caráter experimental, já conta com patrocínio — provavelmente o primeiro da história da televisão brasileira —, e o “prestigio” corre por conta das goiabadas marca Peixe, muito populares na época[7]. O detalhe é que o frei-galã pediu, por motivos religiosos, que enquanto estivesse cantando não se colocasse no ar letreiros de propaganda comercial de qualquer ordem. Como se percebe, a televisão, antes mesmo de seu parto oficial, já sugere suas possibilidades comerciais. E o reverso da medalha: a primeira tentativa de estabelecer normas de convivência.

Intervalo comercial

“TELEVISÃO, uma nova modalidade do radio, apenas entrou em seu período de desenvolvimento. Por isso, agora é o tempo indicado para que adquira os conhecimentos de uma carreira brilhante e próspera, numa indústria que não tem semelhante no que diz respeito ao seu rápido desenvolvimento. Talvez não volte a se apresentar em sua vida uma oportunidade semelhante. Se a televisão não chegou ainda ao lugar onde reside, pode ter certeza de que ai chegará mais rapidamente do que supõe.

PENSE E OBRE AGORA MESMO!”

VOCÊ QUER OU NÃO QUER A TELEVISÃO?

Para tornar a Televisão uma realidade no Brasil, um consórcio rádio-jornalístico investiu milhões de cruzeiros! Agora é a sua vez — qual sera a sua contribuição para sustentar tão grandioso empreendimento? Do seu apoio dependerá o progresso, em nossa terra, dessa maravilha da ciência eletrônica…

Bater palmas e aclamar admirativamente é louvável, mas não basta — seu apoio só sera efetivo quando voce adquirir um Televisor!

RETRATA O MUNDO EM SEU LAR”
Esses anúncios, publicados nos jornais e revistas nos meses seguintes à inauguração das emissoras em São Paulo e Rio, procuram motivar setores diferenciados da população. No primeiro caso, divulga-se um curso por correspondência que mobiliza as expectativas de melhora na vida, no sentido de acompanhar o provável sucesso da televisão, símbolo da vida moderna, da técnica anunciada. Precavidamente, o anúncio explica que, se a TV ainda não chegou até o lugar onde reside quem o lê, isso é apenas uma questão de tempo. Enquanto isso, o outro anúncio volta-se para o comprador do aparelho, atraindo-o para as rebarbas do pioneirismo, convidando-o a participar mais ativamente da saga Associada, do empreendimento modernizador num país que caminha inexoravelmente para o futuro. Em outras palavras: é preciso dar a sua contribuição. Como? Simples: COMPRANDO. De qualquer forma, um e outro compõem parte dos esforços de consolidação na fase da primeira infância da TV, que, ao final de 1951, um ano após o show inaugural, é vista em aproximadamente 7 mil aparelhos, entre Sao Paulo e Rio a maioria instalada na primeira capital.

A inauguração, em janeiro de 1951, da TV Tupi do Rio consolida a dianteira das Associadas em direção à hegemonia no setor, o que não significa muito, já que a TV na sua primeira década de existência alcançara público muito reduzido. Em vez de se criarem condições, através da formação de público, da preparação do mercado publicitário e de estímulos à indústria eletrônica, a TV brasileira acontece na base do “cheguei”. Os pesquisadores contratados por Chateaubriand tinham razão. Os dados do censo de 1950 só vão confirmar as condições estruturais pouco favoráveis à instalação de veículo tão sofisticado, que demanda infraestrutura complexa e amplos mercados. Nesse ano do censo, a população do país é de 51 944 400 habitantes, 63,8 % vivendo na zona rural, restando aos centros urbanos menos de 20 milhões, magnetizados pelo sucesso do radio e pelo carisma do cinema, que nessa época arrastava multidões às salas de exibição. O cacife Associado não é desprezível, mas o fato é que a estrutura socioeconômica do país, por si, não contribui para o êxito do empreendimento. De qualquer maneira, fato é que logo depois se inicia a fabricação de aparelhos de TV Invictus, a princípio precariamente, mas já competindo no mercado com as tradicionais marcas estrangeiras. Por sua vez, convocados a colaborar no esforço de modernização dos nossos meios de comunicação, alguns grandes anunciantes acionam agencias de publicidade, que mobilizam seus funcionários, principalmente os que atuam na mídia radiofônica, para desenvolver um trabalho junto As novas emissoras de TV. As agências, destacadamente a McCann Erikson e a J. W. Thompson (que importam o know-how de suas matrizes norte-americanas), terão papel significantes, assumem também a responsabilidade na criação, redação e até mesmo produção de programas, dada a insuficiência de recursos humanos e falta de experiência reinantes.

São Paulo, 1950. Comenta-se com orgulho que só na capital vende-se mais ingressos de cinema que em toda a Suécia. O paulistano frequenta assiduamente as salas de exibição, seja para torcer pelos pioneiros do oeste americano ou para acompanhar as armadilhas que o destino intrepõe entre o galã e a heroína, nascidos, obviamente, um para o outro. Um comentário jocoso, feito na época, fala do encontro de duas mulheres: “Foi ao cinema ontem?”, pergunta a primeira, “Fui, um filme muito bom, chorei tanto…” Folclore à parte, o que se quer salientar é a fascinação exercida pelo cinema junto à população, influenciando seus hábitos e comportamentos, inclusive.

PAULISTANO PREFERE O CINEMA COMO DIVERSÃO. Com esse título, o jornal O Tempo publicava, na sua edição de 22 de junho de 1952, os resultados de uma pesquisa feita entre 763 paulistanos situados na faixa entre 13 e 45 anos, com os resultados mostrando que mais da metade das pessoas consultadas preferia o cinema como primeira opção entre as modalidades de entretenimento da cidade.

DIVERSÃO SEXO MASCULINO SEXO FEMININO TOTAL PORCENTAGEM
Cinema 185 207 392 51,38
Leitura 14 25 39 5,11
Baile 19 44 63 8,26
Passeios 12 10 22 2,88
Convescotes 8 8 1,05
Viagens 13 10 23 3,01
Futebol 47 47 6,16
Esportes 54 12 66 8,65
Música 4 9 13 1,7
Teatro 11 7 18 2,36
Natação 18 5 23 3,01
Automobilismo 4 1 5 0,66
Não tem preferências 3 3 6 0,79
Diversas 28 10 38 4,98
 
TOTAL 412 351 763 100
  54% 46% 100% 100

Explicando os resultados, o professor Authos Pagano observa, na mesma reportagem, que as pessoas explicam sua preferência em função de dois motivos. O primeiro é que o cinema “distrai e instrui” e, logo em seguida, se coloca o argumento irrefutável do divertimento barato e acessível para a maioria dos orçamentos.

E a televisão? Não aparece?

Por enquanto não. Uma vez que não é possível saber as técnicas empregadas na pesquisa, resta supor que a TV não foi sugerida nem citada pelo menos o suficiente para merecer destaque individual. Os resultados, em que pese o desconhecimento sobre os métodos, são perfeitamente aceitáveis para aquele ano, menos de dois anos após a inauguração da primeira emissora de TV.

“Em 1951 surgiam na praça os primeiros televisores marca Invictus. Não teve dificuldade em concorrer com os importados porque, além da grande demanda, tinha boa qualidade e o melhor preço, cerca de 9 mil cruzeiros na época. Entusiasmado com o resultado, Bernardo Kocubej partiu para outro projeto não menos “louco” para a época: nacionalizar o produto, fabricando ele mesmo o maior número possível de componentes.”[8]

E o que viam os poucos privilegiados? A julgar pela programação, quase nada.

PROGRAMAÇÃO DE 02.05.1951:

17h30 As 18h30 — programa dedicado às donas-de-casa e às crianças, com desenho animado, shorts, documentários, etc.

A partir das 20h:

  1. Paisagem, com Glória Zumbano
  2. Telefilme
  3. Rancho Alegre, com Mazzaropi
  4. Desenho Animado
  5. Maracas e bongôs, com Rayito de Sol (programa que provoca as primeiras reclamações de telespectadores atentos para a indumentária ousada e os requebros da artista)
  6. Telefilme
  7. Teatro de Walter Forster
  8. Imagens do dia, reportagem de Rui Rezende e Paulo Salomão

Fonte: História do Teleteatro Paulista nas décadas de 50 e 60. SMC/SP, 1981.

Até a segunda metade da década, com programação precária ou não, o crescimento do número de aparelhos de TV se di em ritmo constante, ainda que moroso. De início, o televisor é uma atração para a vizinhança, um símbolo de prestígio e diferenciação social. A plateia seleta que se refine volta do aparelho age à altura. Frequentemente — é o que contam antigos funcionários da Tupi —, ao terminar a transmissão de um teleteatro, o telespectador discava para parabenizar o desempenho dos intérpretes. Uma adaptação possível do comparecimento aos camarins após o espetáculo… Mas já se percebe que a televisão terá um papel importante na modificação dos hábitos, dai a expressão: “Com Henry Ford, a família saiu de casa. Com a TV, a família voltou para casa”. A TV é fator de reunião dentro de um espaço delimitado. De reunião e não de unido. De coexistência e não de convivência.

Luiz Augusto Milanesi, que avalia em Paraíso via Embratel, a influencia da TV nos hábitos de uma comunidade do interior paulista, observa: “por mais fortes que sejam os estímulos externos, eles não podem alterar uma situação sem alguma resistência ou sem deixar marcas. Se o hábito de visitar e conversar há muito se estabelecera, não poderia ser mudado sem deixar herança, pelo menos temporária. Uma cena observada numa noite de calor pode exemplificar isso: um cidadão e respectiva família colocaram as suas cadeiras fora de casa, como se fazia antigamente, e de costas para a rua, como não se fazia antigamente, assistiram aos programas de televisão que estava no interior da casa. Essa composição híbrida entre o antigo e o novo, composição mais nova que velha, foi uma opção para o calor apenas, já que estando a TV ligada seria impossível a interação entre as pessoas. Talvez seja esse o motivo que levou um entrevistado a afirmar: ‘Visita? Esta fora de moda’”.[9]

Os hábitos de vizinhança, os passeios familiares, as cadeiras na beira da calçada, vão cedendo lugar na paísagem urbana brasileira destacadamente nas grandes cidades – a novas práticas e sistemas de relacionamento, e nesse contexto a televisão tem papel importante, uma vez que contribui para a atomização, para o enclausuramento das pessoas em suas casas. Mas enquanto o receptor de TV não se torna eletrodoméstico acessível aos grandes contingentes populacionais, surgem as situações e personagens típicos de momentos de transição. O televizinho, por exemplo; é uma dessas “composições híbridas entre o antigo e o novo”, que surgem nos anos 50 para desaparecer na década seguinte, quando a aquisição do aparelho receptor é incentivada e facilitada.

“No início da televisão, em 1950, possuir um televisor era sinal de status e sucesso na vida, e, ao mesmo tempo, de casa cheia de visitas. Parentes e amigos iam ver televisão, logo batizados de televizinhos. E lá ficavam duas ou três horas, olhos fixos no vídeo, assistindo a alguns programas bastante improvisados. Os anúncios ainda eram poucos, geralmente simples cartazes. De vez em quando informava-se sobre um problema técnico e entrava a imagem-padrão. Volta e meia o daqui a pouco prometido não vinha, mas ninguém desistia. Esparramado em sua poltrona favorita, o felizardo reinava sobre os plebeus televizinhos espalhados pela sala. Apesar do incômodo senta-levanta para eventuais reajustes na imagem, insistia em ser o único a mexer nos botões. No dia seguinte fazia questão de comentar entre os colegas de trabalho tudo o que vira na véspera.’”[10]

Com o tempo, o televizinho começa a inspirar personagens da própria programação. Alguns sketchs humorísticos ironizam a sua figura, identificando-o com a sogra, com o camarada chato ou mesmo com o pão-duro que, querendo economizar, faz triste figura. O televizinho perde a inocência e, nesse sentido, a publicidade tem papel fundamental através de anúncios veiculados que provocam constrangimento ao insinuar que o televizinho traz mais problemas do que se imagina. Ele cria problemas para a esposa, para os filhos e, por fim, para si próprio, à medida que sua auto-imagem se deteriora. A solução vem através da ampliação do crédito ao consumidor para facilitar a compra do aparelho. No Rio, ao que consta, um comercial de TV se dirigia diretamente ao televizinho, concitando-o a refletir sobre a condição de inferioridade de seu filho perante as outras crianças. A solução? Só uma: comprar o receptor de TV.

I — “No início era o chamamento à participação na saga pioneira: ‘Não basta aclamar.., é preciso comprar’ diziam os anúncios. Com o passar dos anos, a questão é atingir uma clientela mais ampla, setores não alcançados na etapa pioneira. A questão agora é vender para o público já seduzido pelo charme televisivo mas que ainda não possui o seu receptor. Mais tarde, já nos anos 70, a motivação é outra. Chega a vez do segundo aparelho em casa, instrumento decisivo para a harmonia familiar. Enquanto o marido assiste ao jogo de futebol, a esposa pode acompanhar as emoções de sua telenovela predileta.

II — Outro sinal evidente do crescente prestígio da TV como elemento de diferenciação social está no fato de que muitas famílias, na virada dos anos 50, mesmo não tendo aparelhos em casa, já cuidam da instalação da antena externa. A antena é o índice da presença da TV — para os que passam na rua, para os vizinhos etc. —, mesmo na sua ausência…”

Supremacia Tupi

A década de 50 é o tempo da hegemonia Associada no campo da Comunicação Social. E são os programas da TV Tupi os mais comentados e conhecidos. “TV de Vanguarda” (SP), “Grande Teatro Tupi” (SP), “Teatro Cássio Muniz” (RJ), “Clube dos Artistas” (SP/RJ), “Almoço com as Estrelas” (RJ/SP), “Alô Doçura” (SP), “Sitio do Picapau Amarelo” (SP), “Câmera Um (RJ), “O Céu é o Limite” (SP/RJ), além das transmissões esportiva desde 1951[11].

O “TV de Vanguarda” (inicialmente Teatro de Vanguarda) concede prestigio à emissora e se tornará para muitos a própria definição da televisão dos anos 50, assim como a novela será sem dúvida a sua expressão mais completa nas décadas seguintes. Em geral, diante da “TV de Vanguarda” percebem-seduas posturas básicas: a primeira, mais frequente, considera o programa como algo irretocável e vê com nostalgia o alto nível conseguido nas encenações, que levaram ao ar autores como Brecht, Goethe, Dostoievsky, Pirandello, Steinbeck, Maughan, Shakespeare, Lorca. Sem falar das adaptações de filmes de sucesso, aí já contando com o know-how proveniente do rádio, a partir de soluções aplicadas com extremo êxito nas transmissões radiofônicas. “E o Vento Levou…”, encenado em 1956, possibilitava ao telespectador comparar a performance de Maria Fernanda a de Olivia de Havilland, como Scarlett O’Hara, enquanto a Lima Duarte cabia o mesmo papel de Clark Gable. Durst (Walter George) trazia a experiência radiofônica aplicada em “Cinema em Casa” (“a mais perfeita tela no éter”), e adaptava roteiro tentando inculcar nos atores uma representação mais cinematográfica. Dupla influência, portanto: a representação cinematográfica e a aplicação da voz radiofônica. São tentativas como a de Durst que contribuem para o desenvolvimento de algo que mais tarde se chamará linguagem televisiva. Enquanto no “TV de Vanguarda” os atores eram orientados a falar baixo, conscientes da presença do microfone, aumentando com isso as possibilidades, as nuanças vocais, no outro programa (“O Grande Teatro Tupi”) o que se ouvia era a mesma impostação, a maneira de falar do teatro, onde é necessário ser ouvido até a última fileira da plateia. Alvaro Moya contribui também, sua maneira, para criar uma linguagem específica para a TV. Desenha, faz planta-baixa, bola planos que mostra para os cameramen, descobre o plano americano para a TV e faz experimentação usando as câmaras em função da montagem simultânea do programa.

Em 1956, o “TV de Vanguarda” encena Calunga, de Jorge de Lima, e o resultado empolga Guilherme de Almeida. No seu comentário publicado na coluna “Ontem, Hoje, Amanhã”, do Diário de São Paulo, em 8 de março, se lê:

“Bem no centro de um triângulo equilátero e, pois, equidistante dos três ângulos — teatro, cinema e rádio — que o formam, está a televisão narrativa. Assim dividido, seu tríplice campo sujeita-se — é evidente — a inevitáveis limitações. Tem que faltar-lhe, por exemplo, a comunicativa proximidade entre palco e plateia, com que conta o teatro, a incomensurável liberdade de cenários e movimento, de que dispõe o cinema; e a capacidade de provocar excitantemente a imaginação, pela falta da imagem material, de que se serve o rádio. Apesar de tais reduções e sendo embora uma arte apenas recém-nascida, a televisão narrativa já é capaz de revestir-se das insignias da consagração: alto nível artístico e aceitação geral. Pelo menos entre nós (não conheço ainda os congêneres estrangeiros) muitos espetáculos televisionados tem reclamado e merecido o mais caloroso aplauso. Não tenho escrúpulo, acanhamento, vergonha, pudor (ou que outro nome se queira dar a certa espécie de covardia) de confessar que algumas realizações de teledrama ou telenovela, a que tenho assistido, são, por enquanto, para mim muito, muitíssimo superiores a tudo o que tem feito o teatro e o cinema nacional. Citarei, por exemplo, a pep, oferecida, na noite de domingo último, pelo “TV de Vanguarda” do Canal 3. Que comovedor esforço! E que consolador triunfo!

Transposição para o video do romance Calunga (1936), de Jorge de Lima, redundou esse admirável trabalho num espetáculo do mais vigoroso poder emotivo. Uma naturalidade (como é difícil ser natural) interpretativa, de jogo cênico, dialogação e dicção, que o nosso teatro ainda não conseguiu. Uma síntese dramática, uma “continuidade e uma iluminação” que o nosso cinema nunca alcançou. Uma técnica de som (fundo musical, arte dos ruídos, transmissão vocal etc.) de que o nosso rádio se pode plenamente orgulhar. A verdade tremenda que encerra violenta a substanciosa história nordestina contada pelo esplendido Jorge de Lima e inspirados e heróicos responsáveis — todos eles — pela sua realização ante as objetivas da TV, estão a afirmar e provar que já existe, no Brasil, uma arte de vanguarda. Calunga é o seu porta-estandarte.”

O entusiasmo do poeta reflete a constatação de que a TV pode ser “artística”. Como se o veículo — à procura de sua própria afirmação em meio à popularidade do cinema (estrangeiro) e do rádio — se impregnasse, a cada encenação de Shakespeare, Lorca ou Jorge de Lima, de uma positividade alvissareira. Nada demais, entretanto, se for considerado que a TV é inaugurada em Sao Paulo ao mesmo tempo que inúmeras iniciativas culturais lideradas pela burguesia industrial paulista: TBC, Vera Cruz, as Bienais, os Museus, numa época em que a cultura burguesa vigora como “a cultura”. E nenhum programa terá significação tão destacada, em termos de identidade com a TV dessa primeira fase (anos 50), como o “TV de Vanguarda”, levado ao ar-pela TV Tupi-Difusora.[12]

Nesses anos de supremacia absoluta das Associadas, sob liderança inconteste da TV Tupi paulista, não se antevêem problemas de qualquer natureza nos seus horizontes.[13] Podem existir alguns obstáculos ocasionais decorrentes do despreparo da mão-de-obra exigida, das limitações técnicas existentes ou, mesmo, de uma estrutura social nem sempre estimulante da expansão da TV. Mas, de qualquer forma, a situação é confortável se comparada àquela em que se encontra o cinema nacional, cujo sonho de implantar uma produção de nível industrial se esfacela com a quebra da Vera Cruz nas mãos do Banco do Estado de São Paulo. Em outras palavras, enquanto a Vera Cruz tivera que atravessar um campo minado, ostensivamente ocupado pelo cinema estrangeiro, a televisão encontra um terreno virgem, aberto à conquista e desocupado.

No caso da televisão, para usar uma expressão já convertida do folclore nacional, o país não esta preparado para que ela exerça a sua potencialidade. A começar pelo próprio perfil de distribuição da população, que, de acordo com os números obtidos no censo de 1950, está em sua maioria habitando o campo, e o país se definindo como essencialmente agrícola. O setor fundamental da economia brasileira é o agropecuário, e esse quadro só vai se alterar na segunda metade da década; quando o setor industrial supera o setor primário na participação da renda nacional, culminando uma etapa do processo de industrialização que ganhara notável impulso a partir da instalação de Volta Redonda ao final da segunda Guerra Mundial. O projeto econômico — estamos em 1956 — é converter a indústria no polo dinâmico da economia nacional, o que trará consequências amplas, entre as quais a rápida urbanização do país e a formação de novos contingentes sociais alheios ao controle do velho poder das oligarquias rurais.

O Programa de Metas de Juscelino Kubitscheck (“crescer 50 anos em 5”) assinala um novo padrão de acumulação capitalista que estabelece, entre as novas prioridades, a produção de bens de consumo duráveis: “o automóvel nacional é o orgulho da nação!”. O automóvel, junto com o aparelho de TV será o índice mais claro da modernidade, do progresso social, impondo comportamentos aparentemente esdrúxulos, como o de adquirir a antena muito antes da aquisição do aparelho, mas reveladores das motivações e valores colocados como primordiais. O que importa é as pessoas, ao passarem na rua, atentarem para um lar bem-sucedido.

Na primeira fase, sob liderança absoluta, como já disse, das Associadas, inauguram-se até a posse de JK, em 1956, seis emissoras. Três em São Paulo, duas no Rio e uma em Belo Horizonte. Provavelmente, o governo federal, sempre, desde o início, tenha considerado seriamente a ideia de instalar suas emissoras. Assim como já existia a Radio Nacional, líder de audiência em todo o país, nada mais natural do que imaginar uma correspondência no campo da TV. Mas isso não acontece. E curiosamente a segunda emissora o Rio (TV Rio, canal 13) funciona em canal concedido à Rádio Mauá, emissora oficial do Ministério do Trabalho. Não restam dúvidas de que o governo enfrentou a pressão das empresas detentoras ou interessadas na concessão, pois a iniciativa privada no setor sempre considerou desleal a concorrência do Estado. Veja-se, como exemplo, o caso da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Esse é um tema que sempre suscita tensão no relacionamento, a ponto de, quando Victor Costa surge à frente da TV Paulista (Canal 5, depois ocupado pela Globo), ele que fora colaborador próximo de Getúlio e diretor da Rádio Nacional, ser visto como ameaça, não mais um concorrente.

Com a posse de Juscelino, o relacionamento, ao menos no plano mais superficial, se distende, diminuindo as tensões presentes durante o governo Getúlio[14]. Ao ser escolhido embaixador do Brasil em Londres, Chateaubriand deixa a cadeira no Senado e se torna homem do governo, embora afastado fisicamente do país. Mesmo assim, sob o signo conciliador desse governo, a TV dá o ar de sua graça: exatamente no primeiro aniversário do 11 de novembro de 1955, o General Juarez Távora, contrariando recomendações do General Lott, Ministro da Guerra, ataca o governo pela televisão, obtendo imediata punição e séria ameaça de crise no governo. (Existem em funcionamento, em 1956, aproximadamente 200 mil aparelhos de televisão em todo o país. Vista por uns poucos privilegiados, se levarmos em consideração a população global, mesmo assim a TV já se encontra no centro dos acontecimentos politicos.)

Uma vez que apenas uma faixa privilegiada da população tinha acesso às imagens da TV, através de algumas dezenas de milhares de aparelhos em funcionamento no triângulo São Paulo — Rio de Janeiro — Belo Horizonte, não é difícil concluir pelo caráter elitista dos programas levados ao ar. O artigo de Guilherme de Almeida confirmaria tal impressão. Mas talvez não seja bem assim. Explica-se: primeiro, porque não o número de aparelhos ou o público atingido que define o caráter seletivo ou aristocrático de qualquer forma de expressão. Em segundo lugar, é preciso lembrar que a TV surge no momento de transição rumo à sociedade de massas, contribuindo para a idealização de um país desenvolvido e industrializado. A TV poderia assumir caráter elitista mas apenas circunstancialmente, poi não é de sua índole, como diria qualquer apresentador de auditório. Trata-se de mera contingência, inclusive ditada por questões técnicas.

Alvaro Moya, em depoimento, observa: “[…] quando a TV surgiu era difundida por um sistema de transmissão que atingia um raio de 100 quilômetros, e por isso havia uma televisão em Paris que era para o público de Paris, uma televisão de Nova Iorque para o público da cidade e, consequentemente, uma televisão em São Paulo só para a cidade e cercanias. Então a televisão refletiria o meio ambiente, ou seja, a TV nova-iorquina era evidentemente voltada para a Broadway, o New York Times, a 5º Avenida, o Central Park, a Harlem; quando a TV passou a ser coast-to-coast, aí muda tudo. O que se podia mostrar sobre preconceito racial para a população da cidade seria provavelmente insuportável para o espectador da Geórgia”[15]. Nesses termos, a lógica comercial, que não suporta contradições ameaçadoras à rentabilidade dos negócios, contribui para transformar a televisão. E o que explica, segundo Moya, o afastamento de escritores de prestígio, como Sidney Lumet, John Frankenheimer ou Woody Allen, entre outros, para longe da TV.

Encontramos situação análoga na TV brasileira. Não ao acaso que muitos profissionais presentes à fase inicial da TV consideram a existência de uma história de televisão no Rio, outra em São Paulo, outra em Belo Horizonte e assim por diante, a despeito das características comuns. Existem as peculiaridades que só serão contornadas com o processo de desenvolvimento da TV em direção a um sistema de difusão nacional, que impor, na prática, um dialeto televisivo único, exprimindo uma ordem supra-regional.

Voltando à fala de Alvaro Moya, em que observa o fato de a TV vista nos primeiros anos ser concebida para os habitantes da cidade onde se localiza a emissora, ou para um público situado num raio máximo de 100 quilômetros, conforme a disposição topográfica, não é de estranhar então que, para a televisão paulistana, o teleteatro tenha tamanha relevância. A TV Tupi, além dos clássicos da literatura mundial, oferece a seu distinto público imagens de balés, concertos, refine gente elegante para conversas amenas (“Clube dos Artistas”) e, finalmente, traz as imagens do futebol.

Tomemos o “Clube dos Artistas” como ilustração do processo evolutivo da TV. De início, ele foi concebido para divulgar as artes plásticas e reunir intelectuais e artistas da cidade. O apresentador Homero Silva, que mais tarde se definirá pela carreira política (como muitos outros profissionais da TV Tupi), se apresenta invariavelmente vestido a rigor. Quando muito, faz concessões ao summer. Ele corporificava a própria imagem da distinção e do prestígio, não só pela roupa impecável mas também pela desenvoltura social e voz de impostação radiofônica. Não seria o caso, e talvez, de dizer que a TV Tupi, Canal 3, tem muito a ver com o espírito paulista? Com o jornal O Estado de S. Paulo? Ou com o PSP? Com o espírito bandeirante, arrojado, empreendedor?

O “Clube dos Artistas” não passou nunca da versão paulistana-televisiva-urbana-industrial do velho sarau brasileiro, o que ficará cada vez mais evidente com o correr do tempo e transferência da batuta para as mãos de outro apresentador: Airton Rodrigues. Sob a orientação de Airton & Senhora, o programa fica no ar até desaparecer sob os escombros da Rede Tupi. Na sua trajetória de quase três décadas, o programa passa por várias fases, da difusão local à rede nacional, do público restrito aos vastos contingentes, definidos a partir de noções vagas a respeito de um “brasileiro médio” a quem se dirigiria a programação de TV.

Com o passar do tempo, o “Clube” vai perdendo o tom inicial, de reunião de gente elegante, para alcançar um outro, que lhe vai garantir a longevidade suficiente para motivar arroubos ufanistas que chegam a compará-lo ao “Ed Sullivan Show” da TV americana. O que ocorre é simples. O “Clube” deixa de ser um programa de Sao Paulo, dirigido ao público paulistano, para definir-se como programa gerado na capital paulista para todas as principais cidades do país. Segundo o Diário da Noite, vespertino Associado de SP, o programa conseguia, em 1973, até 80 pontos de audiência em Belém do Park e marcas aproximadas em outras cidades do sul. Agora, em vez do apresentador em traje a rigor, pretensamente culto e sofisticado, vemos o traje passeio (terno) e outro protótipo. “O protótipo perfeito do homem absolutamente médio, de sex-appeal limitadíssimo, gosto discutível e uma certa inexpressividade congênita, como se ele não se propusesse a passar senão pelo que é de fato, e o que ele é não coloca ninguém, nenhum telespectador, em estado de inferioridade, nem sequer o supostamente menos dotado”[16]. O telespectador vê glorificado e condecorado oficialmente, como autoridade nacional, o retrato de seus próprios limites. Airton Rodrigues é um tipo bonachão, meio acaipirado, que nunca faz mal a ninguém; nem aos convidados (aos quais sempre recebe com carinho e hospitalidade à brasileira) nem ao telespectador, a quem nunca feriu com observações mais críticas ou agressivas. Em ambiente de reunido rotaryana de qualquer cidade do interior, ele se deslumbra com a descrição de viagens ao exterior, ocasião em que se emitem comentários à altura desse decantado brasileiro médio, coisas do tipo: “Airton, imagine você que na Suíça não há ladrões!”.

“Em 1973 ainda, ele afirmava a um jornal que o prestígio alcançado pelo programa se devia ao fato de ele não ser um mundo-cão e que sua linha de moderação é que possibilitou ser o programa que maior número de cardeais (da igreja) apresentou na TV brasileira […] Airton e Lolita têm apenas simplicidade, humildade, espontaneidade para oferecer, embora isso não o impeça de provocar algumas situações no mínimo hilariantes, como no caso da apresentação do cantor Morris Albert, confundido por ele com a fábrica de cigarros Phillip Morris. Mas, nesse caso, o aspecto anedótico, ao invés de prejudicar, serve mais como ajuda e confirmação da imagem de espontâneo e simples do apresentador”[17].

Comparado ao “TV de Vanguarda”, o “Grande Teatro Tupi” é convencional, pois não avança os limites da transposição, do palco para o video, de peças exibidas nas salas da cidade, sem observância da especificidade do novo veiculo. A inadequação entre narrativa teatral e expressividade televisiva aproxima, frequentemente, o trágico do grotesco. No “TV de Vanguarda”, para sempre considerado um dos momentos em que a TV Tupi obtém maior prestigio junto à elite intelectualizada, os profissionais envolvidos com sua execução, muitos deles provenientes do radio paulistano, obtém resultados por vezes surpreendentes, como que enunciando algumas virtualidades da TV. Walter G. Durst, que anteriormente trabalhara numa emissora da cidade, adaptando sucessos cinematográficos à linguagem radiofônica, onde se via obrigado a transmitir a dramaticidade de um filme usando só os recursos da fala e dos efeitos sonoros (UM FILME SEM IMAGEM!), mostra aos atores que falando baixo perto do microfone eles criam maiores possibilidades e nuanças dramáticas. Alvaro Moya também contribui, à sua maneira, para criar numa linguagem específica para a TV. Utilizando seus conhecimentos em história em quadrinhos e cinema, prepara as cenas previamente decupadas, utiliza enquadramentos e planos que the parecem menos deformantes na pequena tela, “descobre” a funcionalidade do plano americano para a TV e desenvolve uma série de experimentações, usando as câmaras em função da montagem simultânea.

Muito daquilo que se atribuía à ignorância e ao despreparo dos profissionais de TV talvez deva ser creditado à própria precariedade técnica de uma televisão que se instala sob o signo da improvisação. Comentários sobre o ritmo lento de algumas telepeças talvez mereçam reparação, se levarmos em conta que, na ausência do video-teipe (ele é utilizado só a partir de 1962), tudo é feito no exato instante de ir ao ar, agravado pelo fato de uma câmara pesar mais ou menos 70 quilos (contra menos de 10 das atuais) e não ter lente zoom, de onde a necessidade de deslocamentos difíceis em meio aos fios, atores, cenário…

Nesse ambiente, onde as coisas se resolvem à base do jeitinho, em que os cenários são concluídos em cima da hora e reutilizados exaustivamente por medidas de economia, não é de admirar que diálogos de Macbeth tenham ao fundo uma pirâmide egípcia. Ou então que, num episódio tornado folclórico na televisão brasileira, quando se torna impossível queimar Joana D’Arc na fogueira, não se estranha muito que alguém grite em cena que ela deve ser enforcada.

A televisão a que se assiste nos anos 50 — e a Tupi é a expressão mais significativa — vai se desenvolvendo na base do empirismo, tateando em busca de uma identidade própria, uma linguagem especifica em meio ao prestigio do teatro e popularidade do cinema estrangeiro e rádio brasileiro. Alguns dos programas vistos na TV já eram conhecidos através do rádio. Outros vêm direto das fórmulas consagradas na TV americana: “Divertimentos Ducal”, “Essa é a sua Vida”,

“Gincana Kibon”, “Sabatinas Maizena”, “O Céu é o limite” e outros. Marcas como a Kolynos, que patrocinava programas na Radio Nacional do Rio de Janeiro (“Honra ao Mérito”), se voltam rapidamente para a TV, exigindo das agencias adaptação/formação de profissionais para as novas tarefas.

Assim, desde os primeiros meses de funcionamento, as agências estão ligadas ao novo veículo. A J. W. Thompson e a McCann Erikson chegam mesmo a produzir programas, e para isso mantem redatores que colocam em ação fórmulas bem-sucedidas na CBS ou NBC, restando basicamente a tarefa de adaptá-las ao gosto brasileiro. O prestígio da “civilização americana”, na fase do pós guerra, é imenso entre nós, e é inevitável que sua influência alcance os meios de comunicação e expressão artística. A própria todo-poderosa Rádio Nacional do Rio de Janeiro irradia, entre os seus grandes sucessos, inúmeros programas de evidente inspiração em originais americanos. Não há então por que esperar da televisão brasileira, carente de recursos humanos e materiais, um comportamento diverso, que dispense a adoção de conceitos consagrados e passíveis de serem operacionalizados graças à contribuição das agências.

Citamos dois grandes programas que marcaram época na TV Tupi, para se ter uma ideia mais clara das influências. “Esta é a sua Vida” e “O Céu é o Limite”. O primeiro é a tradução literal de “This is your Life”, no original uma cerimônia de consagração onde o homenageado é aquele que expressa em sua trajetória pessoal a exemplaridade (e toda emocionalidade) do american way of life. Deve ser, para todos os fins, a expressão das possibilidades de ascensão social em meio a um conjunto de ideias e concepções gerais. Aparecem a primeira professora, o amigo de infância, os colegas de futebol da adolescência, e assim por diante, numa sequência de personagens que dão àquela vida em pauta a confirmação de que tudo deu certo, e que os obstáculos foram superados graças às qualidades do indivíduo, o outro programa, O Céu é o Limite, foi sem dúvida (e ainda é!) um dos programas mais bem-sucedidos da televisão brasileira, levado ao ar simultaneamente em São Paulo (sob o comando de Aurélio Campos, outro funcionário da Tupi que abraça a carreira política) e no Rio de Janeiro, onde era apresentado por J. Silvestre. O programa recebe candidatos que respondem os mais variados temas e a cada semana, caso acertem as questões, vão acumulando prêmios até chegar a quantias muito grandes. O apresentador sempre pergunta se o candidato continua ou desiste. A opção fica entre a segurança de um bom prêmio consolatório e o risco de tentar a fortuna e perdê-la por uma falha da memória. O programa propõe uma noção de cultura e conhecimento francamente limitada ideia de acúmulo aritmético; a cultura como saber exótico recheada de fatos extraordinários. Assim, o candidato que responde sobre Freud, por exemplo, deve saber que número calçava o criador da psicanálise. Caso o assunto verse sobre insetos é preciso que a pessoa decline o titulo científico de uma rara espécie só encontrada nas florestas da Tailândia. O elemento de excitação se configura através da possibilidade de o candidato conseguir com sua “cultura” obter a fortuna da noite para o dia. A cultura do ponto de vista adotado pela TV só ganha sentido se conversível em dinheiro vivo.

Nessa primeira fase são exibidos telefilmes (cedidos por consulados ou órgãos culturais) e alguns seriados que obtêm ampla repercussão. O destaque é sem dúvida “Rin Tin Tin” (“Screem Gems”), o cachorro que sorri no final de cada episódio a seu fiel amigo, o cabo Rusty, e vai desencadear a invasão dos enlatados. Além dos programas já citados anteriormente, outros como “Almoço com as Estrelas” (em SP e no Rio, paralelamente), “O Sitio do Picapau Amarelo” (SP), “Alô Doçura” (SP), “Clube Papai Noel” (SP), contribuem para a popularidade da TV Tupi.

Obviamente, algumas empresas estrangeiras participam decisivamente na sustentação comercial da televisão. A Kibon, ligada A. General Foods, patrocina vários programas: “A Grande Gincana Kibon”, “Carrossel Kibon” e “Sitio do Picapau Amarelo”, todos dedicados ao público infantil, provavelmente exprimindo uma linha de atuação que procura aproximar os produtos das situações pedagógicas e divertidas. Esse esforço publicitário da Kibon corresponde, provavelmente, a uma investida da marca no mercado de alimentos, difundindo a imagem do sorvete nutritivo e higiênico pela TV, instrumento eficiente de divulgação e criação de novos hábitos. Deve-se levar em conta que o anúncio — pelo alcance limitado das imagens da televisão — custa barato e nem se cogita ainda da aplicação de tabelas, oferta de “pacotes” ou descontos para os horários vespertinos, sistemas modulares etc. etc., práticas correntes na moderna televisão brasileira, surgidas com a TV Excelsior e aperfeiçoadas na TV Globo. Quando a Kibon escolhe a TV para anunciar seus novos produtos, ela deve entender que assim está atingindo um público situado nas faixas de maior poder aquisitivo, composto de pessoas desde já identificadas com o padrão de vida das grandes cidades; em outras palavras, com o padrão norte-americano de conforto e, portanto, distante da média vigente no país[18].

O público da televisão pode ser reduzido ao minoritário, mas é sem dúvida muito atento. Tudo que se anuncia, vende. As lojas Isnard, muito populares na Capital paulista, ao prepararem o lançamento do carpete, se defrontam com um problema: um grande estoque de jogos de linóleo muito antigos. Era preciso escoar rapidamente todo aquele material para fora de seus depósitos. Anuncia no domingo e na segunda vende tudo![19] E através da TV que se inicia, para valer, a escalada na venda dos eletrodomésticos até então acessível a poucos brasileiros. Anunciam-se automóveis, carpetes, brinquedos e sorvetes industrializados, móveis funcionais como sofás-camas, perfeitos para as dimensões dos apartamentos que se multiplicam rapidamente nas grandes cidades.

Durante o período que constitui o que se chama a primeira fase da televisão brasileira, o sistema de relações entre as emissoras e os anunciantes é submetido à inevitável ingerência destes através das agências ou não. O interessado aluga o horário, paga as despesas reina soberano sobre os eventuais interesses do prefixo. Caso desista de patrocinar determinado horário, a emissora corre a procurar outro que se interesse em bancar os custos, caracterizando uma política de loteamento.

A antítese do conceito de programação.[20] Os programas são orientados por políticas diversas e eventualmente conflitantes, daí o índice de continuidade muito baixo. Só com a entrada no ar da TV Excelsior, no início dos anos 60, quando surge apoiada em bases empresariais inovadoras, a relação entre a emissora e o anunciante muda de qualidade, e este tende a anunciar durante os intervalos, se restringindo, no caso dos programas, a fornecer apoio comercial, mas agora subordinado ao que é definido nos departamentos especializados das emissoras.

Antes dessa primeira “revolução” empresarial por que passa a televisão brasileira, em vista da participação intensiva dos anunciantes na definição dos programas, estes frequentemente levavam o nome do patrocinador: “Gincana Kibon”, “Teleteatro Cássio Muniz”, “Divertimentos Ducal”, “Repórter Esso”, “Sabatina Maizena”, “Concertos Matinais Mercedes Benz”, “Grander Teatro Monções” etc. Mas ha exceções que sugerem até mesmo um certo nível de sofisticação insuspeitado para uma fase que se identifica pelo aleatório e pelo improviso. “O Sítio do Picapau Amarelo” (TV Tupi-SP), conduzido por Júlio Gouveia e Tatiana Belinky, obtém em 1953 o patrocínio da Kibon e retribui a atenção inovando em matéria de divulgação publicitária. No primeiro episódio sob novo patrocínio, o assunto em pauta se baseava no livro de Monteiro Lobato. Emília no País da Gramática, e para introduzir a marca escolheu-se a letra K. Dessa forma, o nome do patrocinador seria divulgado sem a necessária interrupção para o comercial[21]. “A veiculação publicitária através do programa revelou-se tão eficaz que, quando o ‘Sítio do Picapau Amarelo’ estava sendo apresentado sob os auspícios do Complexo Puritas, uma espécie de chocolate maltado para ser misturado ao leite, a fábrica, nova ainda, viu-se obrigada a suspender o patrocínio da série por não dar conta dos inúmeros pedidos que recebia.”[22]

Os anúncios podiam até ser eficientes, mas de forma geral eram muito toscos. O que disfarça e contorna a precariedade é a presença da garota-propaganda. Inúmeras se tornaram figuras populares, garantindo sua presença no vídeo, mesmo após a extinção dessa categoria especificamente televisiva. Entre as que mais se destacaram figuram Idalina de Oliveira, Meire Nogueira, Wilma Chandler, Odete Lara, Maria Rosa, moças que brejeiramente (e desastradamente) anunciavam os produtos. De qualquer forma, um colírio para os olhos do telespectador, As voltas, nos tempos heroicos, com constantes problemas de falta de nitidez da imagem. A garota-propaganda passa à posteridade enquanto sinônimo de “trapalhona”, de colaboradora assídua do folclore televisivo, algo bem conforme a sua imagem de mulher pouco inteligente mas bonita. Mas deve-se lembrar sempre que muitos dos “pecados” cometidos — e não só pelas moças — não passam da ilustração perfeita para uma televisão as voltas com a precariedade técnica, se comparada com a atual. Na falta de video-teipe e de infra-estrutura que possibilite a realização de filmes publicitários para suprir a demanda, a presença da garota-propaganda é a saída mais criativa. Daí o risco, inerente à qualquer transmissão direta, de se cometer deslizes, que serão contabilizados à conta de incompetência pessoal. O mesmo impulso que minimiza as limitações técnicas intensifica o deslize humano. Para entrar no anedotário basta qualquer falha: “A garota propaganda falava do sofa-cama Probel, que facilmente transformava seu sofá em cama e vice-versa. Quando ela foi demonstrar o produto, o sofá-cama acabou emperrando e não se transformou em cama. A garota forçou, forçou até que apareceu um bombeiro para ajudá-la a abrir o tal sofá que facilmente se transformava em cama”[23].

Ainda que dados sobre investimentos de publicidade por veículo só se conheçam de forma sistemática a partir de 1962, é razoável supor que por volta de 1957 as verbas destinadas aos três canais de TV funcionando na capital paulista já superam o montante arrecadado pelas doze ou treze emissoras de rádio em funcionamento.[24] O crescimento da participação da TV no bolo publicitário sofrerá considerável reforço com o advento do video-teipe VT, que instrumentalizará as emissoras para obter maior rentabilidade e, em consequência, aumentar seu poder junto aos anunciantes. Com o VT, e a inauguração da TV Excelsior, montada em termos empresariais, surge, como resultado, algo que transformará o perfil da TV brasileira, configurando um marco deflagrador de uma nova fase. Trata-se da novela diária, a expressão e a aplicação mais acatada de novos conceitos que mudarão a sistemática de relacionamento entre as emissoras e os anunciantes: a programação horizontalizada e verticalizada.

Para os atores que participaram de uma década de teleteatros, em que as diferenças com o palco já eram visíveis e muitas vezes traumáticas, com o VT e a telenovela, a mudança é ainda mais radical. No teatro, os ensaios duram meses a fio, o que possibilita ao elenco aprofundar os personagens, impregnar-se de sua psicologia até chegar o momento da estreia. No teleteatro, um texto deve ser decorado rapidamente, e os ensaios se resumem com frequência a uma repassada geral antes de ir ao ar. Trata-se de uma das primeiras indicações do ritmo de trabalho na televisão. A necessidade de aproveitar o tempo ao máximo impossibilita a elaboração do ator. Com a telenovela diária, as condições de trabalho para o ator sofrem outras mudanças. Agora, ele grava sua participação e o personagem pode ficar no ar por meses seguidos, flutuando sobre as conveniências da audiência e da simpatia obtida junto ao público. Como fica a relação ator-personagem, se este pode ser morto por mudanças de orientação da emissora? Ou é obrigado a permanecer mais tempo no ar, se o departamento comercial considerar oportuno? Eugênio Lyra Filho escreve:

“A TV SE ESTENDE”

Estão de parabéns os telespectadores do Rio e de São Paulo. Depois da experiência bem-sucedida da TV Rio, que formou rede com a TV Record de São Paulo, seguem agora as Associadas o bom exemplo e realizam, com êxito, o programa inaugural da rede Rio-São Paulo. É a TV que se estende, que amplia seu campo de ação, que reafirma seu prestígio — e que se credencia ainda mais como veículo de publicidade, começando a derrubar o grande obstáculo comercial sua expansão: a relativa pequenez do seu raio de cobertura.

As transmissões em rede, Rio-São Paulo, são ainda incipientes. As imensas dificuldades técnicas que se opõem a essa realização oneram, evidente e inevitavelmente, a qualidade técnica das transmissões. Tais dificuldades e tais ônus, entretanto, não foram, no caso da TV Rio, como não são no caso da TV Tupi, de molde a prejudicar fundamentalmente o sentido artístico dos programas — e muito menos de anular a vitória comercial que eles representam. Não tivemos, em ambas as ocasiões uma imagem firme, nítida e bem contrastada — estágio a que já atingiu a Tupi e para o qual o Rio caminha firme, mas ainda assim pudemos assistir a bons programas e, no caso mais recente da Tupi, a produção de Cassiano Gabus Mendes, “História e Música”, vale por um exemplo do que se pode fazer em televisão, utilizando seus amplos recursos com disposição para um trabalho cansativo, boa planificação, inteligência e bom gosto.

Quando chegaremos às transmissões, senão normais, pelo menos habituais, Rio-São Paulo, ainda não se sabe. É uma satisfação sabermos, entretanto, que a formação diária dessa rede uma cogitação permanente, uma preocupação constante. O intercâmbio de produções Rio-São Paulo enriquecerá sobremaneira a programação das nossas telemissoras e consolidará o prestígio da televisão com a conquista das grandes verbas de publicidade, que necessitam situar suas campanhas sobre um mercado mais amplo, promoverá virtual supressão dos programas tipicamente ‘enche-linguiça’ que por dificuldades de ordem técnica e por conveniência econômica encontram espaço nas TV cariocas para comentar apenas o campo que está mais frequentemente sob as nossas vistas.

Saudemos com efusão a chegada a São Paulo dos programas cariocas e a presença, no Rio, dos programas paulistas. Isso não representará simplesmente uma permuta comercial — mas um intercâmbio de ideias, de inteligência, de bom gosto e, sobretudo, de ação. A ação de que o radio e a televisão — como qualquer outro setor da vida nacional — tanto necessitam para obter o aprimoramento e o progresso.”[25]

As especulações que se fazem em relação ao futuro da TV brasileira passam invariavelmente pela ampliação de seus horizontes físicos, do raio de ação de suas imagens, visto desde já como ponto-chave para o seu pleno êxito comercial. A expressão “relativa pequenês de seu raio de ação” não poderia ser mais explicita quanto à natureza do diagnóstico elaborado sobre o veículo e sua potencialidade. As primeiras experiências de transmissão à distância estimulam o otimismo que impregna o artigo, num momento em que apenas três capitais sediam emissoras – São Paulo, Rio e agora Belo Horizonte, com sua recém-inaugurada TV Itacolomi do Grupo Associado -, e o número de receptores em funcionamento ainda é ínfimo.[26]

De mais significativo nessas tentativas pioneiras de transmissão a distancia, restritas ainda ao eixo São Paulo-Rio, é o papel das próprias emissoras. Uma vez que não se fala ainda de uma política oficial, de comunicação (só em 1962, no período Goulart, sera votado o Código Brasileiro de Telecomunicações), que sera implantada nos governos militares pós-64, cabe as emissoras arcar com o ônus total da iniciativa. O que se traduz, em termos práticos, na tarefa de implantar as torres de transmissão situadas a 40, 50 quilômetros umas das outras, em toda a extensão entre as duas capitais.

Em 1956 existem em funcionamento aproximadamente 250000 televisores nas três capitais, o que representa mais de um milhão de telespectadores. “Aquele ano marcou o início da penetração da TV pelo Brasil afora, e nesse particular coube um destaque especial ao trabalho pioneiro desempenhado pelas Associadas. Decidido a implantar uma antena transmissora em cada grande cidade, Assis Chateaubriand adquiriu. nos EUA, de uma vez só, nada menos que nove estações. Destinavam-se a Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém e Goiania. Depois viriam Vitória e Brasilia. Estavam lançados os alicerces; treze anos depois a Embratel completaria a estrutura.”[27]

Mas por enquanto o cinema é a coqueluche, como se dizia na época. Em São Paulo, que se aproxima dos 3 milhões de habitantes, existem 166 salas de exibição em funcionamento, que recebem nesse ano (1956) 59 715 965 espectadores, o que se traduz numa frequência per capita equivalente a 19 idas ao cinema por ano.[28]

Três anos mais tarde, um programa — “Paulistas e Cariocas” —, levado ao ar pela TV Tupi, era apresentado simultaneamente nas duas capitais, estimulando o tradicional bairrismo, em gincana comandada por Murilo Nery (Rio) e Walter Forster (SP). Mas a experiência marcante no campo das transmissões à distância vai ser mesmo a inauguração de Brasília, em abril de 1960. Com um detalhe: muito provavelmente, devido ao interesse do governo federal em levar ao maior número possível de brasileiros as imagens da grande obra da gestão JK, dessa vez as Associadas obtém franco apoio oficial para transmitir o programa inaugural. Mas o que fica na memória, através de depoimentos, são os relatos de bravura e heroísmo na epopeia de desbravamento de sertões, no esforço de transportar equipamentos e instalar torres de transmissão, para o que teria sido necessário enfrentar índios, doenças, animais selvagens. De qualquer forma, na data festiva, as imagens chegam a São Paulo, Rio e Belo Horizonte[29].

Mas outro episódio seria, pelo menos para as Associadas, muito mais importante que a transmissão a longa distância. O fato acontece no dia 21 de setembro de 1959, na presença do poeta e tabelião Menotti Del Picchia, quando Assis Chateaubriand assina uma escritura doando 49% de suas ações e cotas das empresas Associadas a 22 funcionários de sua total confiança. Como garantia para a preservação do império que ele criara, deixa determinado em cartório, através de artifícios jurídicos encontrados ‘para a ocasião, a perpetuidade do Condomínio, e determina-se a cada um dos condôminos que as cotas são inalienáveis e impenhoráveis. Era a saída encontrada para garantir a continuidade e preservação do maior conglomerado de comunicação do Brasil e da América do Sul, que até então vivera sob a tutela e autoridade absoluta de um único homem: Assis Chateaubriand[30].

Pouco tempo depois, em 1962, quando já estava preso a uma cadeira de rodas em consequência de uma dupla trombose cerebral, Chatô completa a doação, cedendo os 51% restantes aos mesmos colaboradores, com uma única exceção: exclui seu filho, Gilberto, que é substituído por Paulo Cabral de Araújo. Dizia Chateaubriand, justificando a criação do Condomínio: “Eu seria um perfeito idiota se quisesse entregar os Diários Associados apenas a meus filhos. Os Diários escapam de tal forma ao controle de minha família natural que o seu comando só poderia caber à minha família cívica, constituída pelos meus companheiros de trabalho.”[31]

Os anos 60

O advento do VT e seus efeitos na programação

O video-teipe faz o seu debut na virada da década, mas só será utilizado regularmente a partir de 1962. As profundas alterações que provoca na sistemática interna das emissoras vão credenciá-lo como divisor de Aguas na história da televisão brasileira. “Antes do VT e depois do VT”, ouve-se falar; assim como mais tarde se dirá: “antes e depois do satélite”. O fato inegável é que o VT muda a lógica operacional da televisão, multiplicando a sua rentabilidade e tornando-a apta a disputar novos mercados publicitários. Trata-se de um novo tempo em que não há mais lugar para a gafe cometida pela garota-propaganda, porque passa a vigorar (e a inauguração da TV Excelsior é decisiva nesse sentido) um padrão de acabamento formal e de organização técnica que diminui o imponderável ao seu grau mínimo.

Com o VT é possível levar as imagens a pontos diferentes do país, quase simultaneamente. O “quase” fica por conta do tempo gasto em transporte, no deslocamento de aeroporto a aeroporto, o que é sem dúvida muito mais econômico que as iniciativas desenvolvidas nos anos anteriores (como aquela comentada no artigo de Radiolândia), que obrigavam as emissoras a grandes investimentos para implantação de torres de transmissão. O otimismo começa a tomar conta dos empresários do setor. Comenta-se por exemplo, que um programa de São Paulo poderá ser visto no Recife e vice-versa; já se esboça uma pré-visão do “país unido e informado pelo milagre da televisão”.

Os novos recursos técnicos permitem um melhor acabamento aos programas, enquanto se promovem reformulações internas nas emissoras, mudanças destinadas a atender aos novos padrões de operacionalidade. Para se ter uma ideia mais clara, basta recorrer ao depoimento de um profissional da TV, testemunha dos fatos ocorridos: “[…] Chamava “O Crime Perfeito”. Era uma história de meia hora, e a ação tinha que ser toda emendada como se fosse peça de teatro. Se o ator tinha que entrar em duas cenas seguidas com roupas diferentes, tinha de se criar uma cena que às vezes nada tinha a ver com a história, para dar tempo dele trocar de roupa. O sujeito tinha que entrar como médico numa cena de hospital e já na seguinte comparecer numa recepção vestindo o smoking. Então, entrava de jaleco de médico debaixo do smoking para, rapidamente, num canto do estúdio, fora do alcance das câmaras, tirar a roupa de cima e surgir de jaleco. Daqui a pouco voltava a cena anterior e ele tinha que voltar correndo e colocar de novo o smoking. E como no teatro de revista, onde as coisas se passam nos bastidores quando as mulheres têm que mudar de roupa no meio de cabos, ao lado do maquinista que trabalha, junto ao carpinteiro. A TV antes do VT era assim […]”[32]

Na fase anterior ao VT, não há praticamente possibilidade de correção, e tudo fica por conta da presença de espírito dos profissionais. Tendo que enfrentar — no teleteatro por exemplo, longas horas em cena, os atores recorrem a expedientes diversos para contornar prováveis escorregões. Um deles consistia em colocar papéis como texto em determinados pontos do cenário, sempre ao alcance da vista mas fora do campo da câmara. Mas o resultado nem sempre é o esperado…[33]

De qualquer forma, o desconforto tende a acabar. Agora, quando a câmara pifa, pode-se gravar tudo de novo. O ator se esqueceu de determinada passagem do texto? Não é o fim do mundo. Repete-se a cena. A consequência imediata é a alteração do ritmo interno da TV e de sua pulsação advento do VT e as implicações do seu uso intensivo (o conceito de programação, a horizontalidade/verticalidade) assestam um golpe poderoso no teleteatro, gênero absoluto nos anos 50. A decadência do gênero se acelera e, em seu lugar, surge o folhetim, ou melhor, a telenovela, que desde 1951, com “Sua Vida me Pertence” (TV Tupi/SP), estiveram hibernando num plano secundário, transmitida duas vezes por semana (e a cada oportunidade sendo necessário montar de novo todo o cenário, convocar o elenco, a equipe técnica etc.), sem maior repercussão. Sob a vigência das inovações técnicas principalmente pelo uso do video-teipe — a telenovela diária se torna atraente, pois é possível a gravação antecipada de inúmeros capítulos.

Naturalmente, as emissoras logo descobrem que estão diante de algo que, além de ser mais rentável que o teleteatro, contribui para consolidar uma média de audiência para o canal onde é apresentada. Raciocina-se que, na hipótese de a telenovela cair no agrado geral, é possível prever de antemão que, de segunda a sexta, naquele horário específico, a luta pela audiência (restam os outros horários) esta vencida por meses a fio. Não são necessários exercícios mirabolantes para demonstrar como tudo isso se configura atraente, se comparado à instabilidade crônica do teleteatro, que numa semana alcança grande audiência para, em outra apresentação, despencar para números irrisórios.[34] Estão no ar os argumentos decisivos para a mobilização dos anunciantes porventura recalcitrantes a uma participação maior no veículo. E procura-se demonstrar que a telenovela, além da audiência que obtém para si, cria uma outra, residual, que beneficia os programas adjacentes, pois se definem desde já alguns hábitos e tendências de comportamento, que mostram o telespectador geralmente ligando o aparelho antes do horário previsto para a novela, e desligando-o após algum tempo terminado o programa escolhido, assistindo, dessa maneira, mesmo com relativo interesse, a outros programas e anúncios.

A receptividade alcançada pela telenovela contribui para alterar a correção de forças entre as emissoras e os anunciantes, estabelecendo um novo arranjo, em que a televisão sairá fortalecida. A telenovela é um verdadeiro ovo de Colombo! Percebe-se que a aplicação de um sistema de produção intensiva, baseado no emprego do VT vai torná-la muito mais atraente pelo menos em termos comerciais — que o tele-teatro. Apesar de os custos iniciais de produção serem “pesados”, ao final da temporada está garantido um retorno altamente compensador em relação ao que foi investido originalmente. E que, além de tudo, a telenovela tem o dom da flexibilidade — pode ser esticada por meses (ou até anos) a fio, ultrapassando de muito as normas tradicionais da razoabilidade ficcional, e assim atender à orientação dos departamentos comerciais das emissoras[35].

Mas havia também outros fatos a considerar. Em 1964, por exemplo, a TV Excelsior apresenta “A Moça que Veio de Longe”, encerrada apoteoticamente em noite festiva no estádio do Pacaembu em São Paulo, em meio à vibração do público pela presença dos heróis e heroinas que durante meses emocionaram a cidade. Estava começando um novo período, e o acontecimento é significativo para marcar o surgimento do estrelato televisivo, da superação do ator — ainda absoluto no teleteatro — pelo personagem que interpreta.”2-5499 Ocupado” mostrava o drama de uma presidiária (Glória Menezes) que trabalha como telefonista na própria prisão e se apaixona pela voz de um desconhecido — nada menos que Tarcísio Meira —, totalmente ignorante de sua condição de detenta. Em seguida a esta novela, ocorrem vários títulos lúgubres sugerindo muita lágrima e sofrimento, até que vai ao ar “A Moça que Veio de Longe” e, finalmente, “O Direito de Nascer”, na TV Tupi paulista, um dos maiores acontecimentos na história da televisão brasileira e passo decisivo para sua transformação em veiculo de formação/informação mais poderoso do país.

O ciclo da telenovela diária se abre com “2-5499 Ocupado” (TV Excelsior), em 1963, momento que coincide com o pleno emprego do VT nas emissoras paulistas e cariocas.

“A TV Excelsior descobriu a programação horizontal, e a primeira coisa que apareceu fui eu quem trouxe dos EUA: o ‘Late Show’, ou seja, todas as noites passava um filme de longa metragem. Depois inventaram até o late-late-show. Era o cinema em casa. Essa ideia de programação horizontal depois foi adaptada às novelas. A telenovela já existia desde o começo da televisão. A Tupi fez a primeira, só que era ao vivo e então tinha que montar às terças, quintas e sábados ou então às segundas, quartas e sextas. Isso significava complicações operacionais para a emissora, sem dúvida, ao mesmo tempo que era um problema para a dona de casa e, portanto, inibia também os grandes anunciantes do gênero (Colgate-Palmolive, Gessy Lever etc.). Eles tinham interesse em que se desenvolvesse a telenovela, e com o VT tudo se resolveu. Você pode montar o cenário e num só dia gravar todos os capítulos e depois passar, exibir horizontalmente, na semana. No momento em que a telenovela entrou de segunda a sexta-feira, às 8 horas da noite, foi um estouro no primeiro momento. Do ponto de vista da dona de casa, ela sabia que todos os dias, à mesma hora, tinha novela, então ela não tinha o seu raciocínio complicado. Era igual a levar a criança para a escola ou fazer o almoço. Entrou para o cotidiano. Aí a Excelsior colocou a verticalidade da programação, ou seja, colocou um tipo de programação em que nos intervalos comerciais apareciam os bonequinhos da Excelsior, coisa que lembra a TV americana e, mais proximamente, a TV argentina da época […] Nos EUA, por exemplo, você chegava num hotel, ligava a televisão e lá estava um emendado que te prendia o dia inteiro, e foi isso que a Excelsior fez, quer dizer, montou essa malha, essa programação horizontal (todos os dias as 8 da noite tem novela) e uma programação verticalizada que começa pelo programa infantil, continua com a novela do início da noite, passa pelo telejornal, pelo show, filme de longa metragem etc. Essa malha, esse cruzamento é aplicado até hoje e a Globo é quem melhor se utiliza desse sistema, é quem o desenvolve ao máximo. A Excelsior foi a síntese dos primeiros dez anos da televisão brasileira e uma antevisão do futuro”[36].

O ano é 1964. Em abril, quando ocorreram os fatos que conduzem à queda de João Goulart, a TV Tupi está mostrando a seus telespectadores a dupla personalidade de uma mulher que é freira durante o dia e dançarina — sim, dançarina! — à noite. Ana Rosa, jovem atriz do elenco Associado, fazia em “Alma Cigana”, a moça atormentada entre o bem e o mal. Uma representação melodramática, maniqueísta, ao que parece adequada ao momento histórico vigente. A atmosfera política e a ficcional estão ambos dominadas pela rígida relação binomial. A 1º de abril, o então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, surge no video para comunicar-se o povo paulista:

“[…] venho lembrar-lhes de que há um ano eu previa o rumo dos acontecimentos e dizia-lhes, como fiz em vários pontos da Pátria, que iriamos atravessar dias difíceis. Falava-lhes num sentido parabólico, discreto, e hoje devo falhar-lhes claramente que chegamos ao limiar de sérios acontecimentos […] Quero dizer-lhes, contudo, uma palavra de paz, de tranquilidade, de conforto, de carinho e de ânimo. Nós que somos filhos espirituais da Virgem Maria, que temos por padroeira Nossa Senhora da Conceição Aparecida, reafirmamos a nossa fé cristã e o nosso propósito inabalável de envidar os maiores e melhores esforços no sentido de garantir família, à sociedade e aos trabalhadores o direito às liberdades fundamentais […]”[37].

Ao mesmo tempo que o governador aparecia na televisão, os Diários e Emissoras Associadas ampliavam seu apoio “jornalístico” ao movimento armado, organizando uma campanha (nos moldes daquela encetada por ocasião da revolução de 32), sediada no saguão do edifício-sede, à Rua 7 de abril, em que se conclamava toda a população — os ricos, os pobres, as crianças, os velhos, todos, enfim — para contribuir no esforço de recuperação das finanças nacionais. Com o slogan: “Dê ouro para o bem do Brasil”, arrecadaram-se milhões de cruzeiros numa clara demonstração do poder de mobilização das Associadas, que ainda patrocinaram, principalmente através de seus jornais e revistas, uma “campanha esclarecedora” sobre o comunismo.

É o que se lê na mesma edição de O Diário da Noite, de 1º de abril de 1964, à página 10:

“PORQUE O COMUNISMO É CONTRA VOCÊ

O comunismo é contra a sua liberdade de locomoção; pois você nunca pode sair da cidade em que mora sem o salvo-conduto da polícia política, que só o concede depois de meses de investigação dos motivos da viagem.

O comunismo é contra sua liberdade de morar: você só pode morar onde lhe determinarem que more; e o Estado (o Partido) é que indica quem deve morar com você nos cômodos da mesma casa ou apartamento, pois há uma ‘Cubagem’ de moradia determinada pelo Estado, de acordo com a ‘hierarquia partidária’.

O comunismo é contra a sua liberdade de opinião: você nada pode dizer contra os erros, os abusos, as violências ou as desonestidades de governantes ou chefes comunistas, inclusive dos capatazes de fábricas ou ‘donos’ dos sindicatos;

O comunismo é contra sua liberdade política: pois não existe outro partido a não ser o Partido Comunista, cujos chefes limitam deliberadamente o número de ‘sócios’, para não dividir o poder com o povo e, portanto, com você.

O comunismo é contra a sua liberdade de trabalhar: pois você só pode ter o emprego que o Estado (o Partido Comunista) ‘se dignar’ a lhe dar. Você não tem direito de escolha.

O comunismo é contra a sua liberdade de progredir: pois você só pode produzir aquilo que o mandaram fazer. O que você criar por si pertence ao Estado (o Partido Comunista) e pode levá-lo à cadeia ou mesmo ao ‘paredão’ se vender diretamente.

O COMUNISMO BASEIA-SE NUMA DOUTRINA POLÍTICA OBSOLETA E ULTRAPASSADA, FRAGOROSAMENTE DESMENTIDA, PELO PROGRESSO TECNOLÓGICO E PELA DEMOCRACIA.

Uma campanha dos Diários Associados”

O Direito de Nascer” e outras emoções

A “doutrina obsoleta e ultrapassada” encontra a sua contrapartida no imaginário televisivo da época. Principalmente nas telenovelas, onde tudo que a tal doutrina interdita o impede explicitamente está liberado para ser usufruído vicariamente. Nos domínios da telenovela, ocorrem grandes aventuras individuais, a fortuna persegue os audazes e corajosos, as possibilidades de ascensão social tornam-se concretas (não há quaisquer conflitos entre classes, mas sim entre indivíduos) e, finalmente, são realizadas grandes jornadas até pontos distantes e exóticos. Em 1964, o gênero está agradando tanto que a TV Tupi paulista, mesmo jogando na certeza do sucesso, é surpreendida com a repercussão alcançada pela novela “O Direito de Nascer”. Em pouco tempo, o país inteiro discute a trajetória acidentada mas bem-sucedida do Dr. Albertinho Limonta[38].

“SINOPSE (ALGO ARBITRÁRIA)

Maria Helena vai ser mãe solteira. Um rapaz, também de família tradicional, a seduzira, provocando uma situação inaceitável para os rígidos padrões morais da sociedade cubana do inicio do século. Uma moça em situação tão embaraçosa passa inevitavelmente por maus apuros. O pai dela não pode aceitar que se lance a vergonha sobre a família e, assim, ordena a uma empregada que logo após o nascimento elimine o bebe. Mamãe Dolores não pode executar tamanha crueldade e foge levando a criança para longe do patrão. Educa o menino e protege-o até a fase adulta, quando se forma em medicina. E é a medicina que involuntariamente vai colocá-lo de novo em contato com a família original, no momento em que atende a um velho orgulhoso e enfermo, que não é outra pessoa senão o seu avô. Daí ao encontro com a mãe verdadeira é apenas uma questão de tempo. Ela vive num convento. Ela é uma freira…”

De maneira idêntica ao que ocorre com os heróis da literatura popular, os personagens das telenovelas destacam-se da origem literária para adquirir validade de personagens históricos. A participar nesse processo — pelo menos no caso da TV — estão as publicações especializadas e a imprensa em geral, que contribuem para tornar o ambiente mais confuso e acentuar o mimetismo. Amilton Fernandes passa a ser o Dr. Albertinho Limonta, filho bastardo que obtém a redenção ao se tornar médico. No caso de “O Direito de Nascer”, os atores são reconhecidos na rua, tornam-se ídolos populares. Conta-se que Amilton Fernandes foi levado, nessas condições, à casa de um homem que queria a toda força que ele atendesse a sua mãe. O ator dizia. “Eu não sou médico, sou ator!” Mas o homem estava convicto, acreditava piamente que ele conseguiria bons resultados. Tanto implorou e tão dramática ficou a situação que ele se viu obrigado a examinar a mulher, auscultar como se fosse médico, como faria o próprio Dr. Albertinho Limonta. Em Belo Horizonte, quando chegava para um show, foi abordado ainda no aeroporto por um oficial da Aeronáutica que o transportou de avião até Brasilia, onde alguém no Palácio queria conhecê-lo pessoalmente[39]. Tais manifestações surpreendem até mesmo os artistas, que se dão conta de que estão diante de algo novo e assustador. Simplesmente inusitado!

“A penetração de “O Cara Suja” foi tão grande que um organizador de viagens internacionais mudou o rumo de sua rota para passar onde havia nascido Ciccilo, na Calabria. Fiquei inquieto, pois o original era mexicano e o personagem nascera na Espanha. A transposição foi feita por eu ter mais facilidade de escrever sobre italianos que os espanhóis. Acabava de perceber que a telenovela é um negócio sério demais, tem implicações que vão muito além do que a gente pode imaginar”[40].

Nas primeiras telenovelas diárias, os dramas mostram príncipes europeus do fim do século passado, aristocratas mexicanos, milionários que empobrecem mas que, em compensação, obtêm a felicidade, que decorre das coisas simples, crianças desamparadas (na verdade, herdeiras de fortunas incalculáveis) e justiceiros mascarados. A função da trama é colocar, ao seu final, as coisas nos seus devidos eixos, no lugar em que se encontravam antes de os primeiros capítulos ir ao ar. A telenovela é o próprio efeito-demonstração da providência divina, a justiça do destino. O telespectador acompanha as peripécias e os incidentes em direção à justiça fatal, em direção à entropia zero (afinal, qual a graça depois do encontro final?) e testemunha a vitória dos justos e a desgraça dos maus sob rigorosa aplicação salomônica. A cada final de capítulo resta ao proprietário de um aparelho receptor ficar na expectativa do que irá acontecer em seguida, quando o herói com certeza enfrentará novas armadilhas que se interpõem entre ele e a justiça definitiva. Igualzinho ao seriado cinematográfico, a mesma estrutura do folhetim de Eugène Sue ou da novela radiofônica. Sem novidades.

O bem e o mal dividem claramente os personagens das telenovelas. Em “Alma Cigana”, o bem esta representado pela freira e o mal fica por conta da dançarina cigana. A ideia central das telenovelas, o fundamento irreversível é que o ser humano traz dentro de si o bem e o mal. O problema do mal portanto não é politico nem econômico, mas moral. Assim sendo, de que valeria modificar o mundo exterior e o conjunto das relações que regem a humanidade se a miséria esta dentro do ser humano? E o indivíduo quem se faz. Um exemplo? O próprio Albertinho Limonta, que, a despeito das condições adversas, chegou à posição relevante na sociedade. Outras citações não se restringem apenas ao universo da telenovela. Pode ser o menino negro e pobre que responde num programa de prêmios sobe o Barão do Rio Branco ou Rui Barbosa. A ficção televisiva, seja no drama, no show, no documentário ou mesmo no jornalismo, invariavelmente aponta para o indivíduo que se destaca por seus méritos próprios, estando acima das determinações sociais e, portanto, preso ao destino de vitorioso.

As publicações especializadas alimentam e vendem sem parcimônia o estrelato que se implanta.

Hélio Souto, galã de telenovela, impressiona tanto uma menina de cinco anos que ela impõe o nome do personagem — Dr. Raul — para o irmãozinho que vai nascer. E exige ainda que o próprio ator seja o padrinho de batismo. Os pais, depois de algum tempo, se esquecem do “acordo” e por ocasião da cerimônia de batismo a menina começa a definhar sem que se encontrem os motivos e muito menos a solução. Consultado, o médico, termina por aconselhar: “Chamem o Hélio Souto”. Aceito o convite, marcada a data da cerimônia, tudo devidamente anunciado pela imprensa, lá se encontra uma multidão para ver de perto, e ao vivo, o ídolo da TV. No final, só resta ao ator confessar à reportagem: “Experimentei hoje um novo momento em minha vida. Sinto-me feliz por fazer a felicidade dos outros”[41]

Se as pessoas desmaiavam à passagem de Albertinho Limonta (perdão: Amilton Fernandes), não significa que as emoções desencadeadas confluíssem sempre para o contato amistoso. Geórgia Gomide, em 1965, andando pelo centro de São Paulo, chegou a ser agredida porque seu personagem na novela Teresa (TV Tupi), era uma figura sórdida, arrivista, que buscava a fortuna através de um casamento de interesse. Para obtê-la, acaba traindo sua melhor amiga, a mocinha humilde e sonhadora. A cena de quase agressão foi diligentemente registrada por um fotógrafo dos Diários Associados que “por coincidência” passava por ali.[42]

O sucesso alcançado pela campanha “Dê ouro para o bem do Brasil” estimula outras iniciativas Associadas. Uma delas em apoio Cruzada Pró-Infância texto da reportagem, novamente de SP na TV (especializada, como diz o título, somente em assuntos de televisão, assim como sua concorrente Intervalo), diz: “[…] cuja sede está instalada no sagão dos Diários Associados. Artistas se revezam num trabalho contínuo, estendendo a mão ao povo de São Paulo para que a aperte, num gesto cordial e solidário. Os nomes mais famosos do video brasileiro estão diariamente, na Rua 7 de abril dando o seu estímulo e colaboração. Senhoras da sociedade, aliadas aos profissionais da televisão, batalham incessantemente. São milhares de crianças que pedem em coro uníssono, repetindo sempre, com a inocência que lhes é peculiar: Nossa vida está em suas mãos… Salve-nos, salve-nos’. Novamente a televisão, e em especial a Tupi, proporciona o congraçamento harmonioso, irmanando senhoras da sociedade, artistas famosos, crianças carentes e o povo em geral.”[43]

É nesse clima que vai terminando “O Direito de Nascer”.[44] Amílton Fernandes só atende a casos de emergência, quando o Dr. Albertinho Limonta é requisitado. Em agosto de 1965 ao final da novela o elenco sai pelas ruas da capital paulista, percorre um trecho da cidade até aportar no Ginásio do Ibirapuera, local de uma festa de encerramento que superou, de acordo com alguns jornais dá época, todas as expectativas. Por onde o elenco passa, a recepção é grandiosa. Recebidos com a pompa reservada aos chefes políticos, não falta sequer a entrega da chave da cidade em várias capitais do país. A novela comove multidões e desperta os empresários para o fenômeno, tanto que num curto prazo a telenovela se torna peça fundamental na programação de todas as emissoras.[45]

É evidente que a televisão não inventou o folhetim, a novela em capítulos. Ela apenas se apropria do gênero, que se aclimata admiravelmente ao veículo. Desde os primeiros instantes, percebe-se que a telenovela, ainda que mais custosa que o teleteatro, era mil vezes mais rentável para a emissora em razão da diluição dos custos em meio ao número de horas de programação cobertas. A novela cria hábitos — o que era impossível antes de sua transmissão e sua audiência implica a imediata majoração dos preços dos intervalos comerciais. Dessa forma, aumenta a sua participação no bolo publicitário, fomentando a expectativa de negócios extraordinários.

O público parece irremediavelmente atraído pelas imagens da TV e nem mesmo a imprensa tradicional — que se manterá por muito tempo numa postura distante e superior — consegue desconhecer a sua existência. O telespectador abre os jornais e 18 diariamente a programação dos canais. Caso queira se informar mais a fundo, basta-lhe compulsar as páginas das revistas semanais, onde certamente encontrará um noticiário copioso sobre o mundo dos artistas. Colunas e seções, do tipo “Mexericos da Candinha”, são frequentes e divulgam o que acontece nos bastidores. Questões curiosas são levantadas: “Aquela cena do beijo, foi exceção de realismo ou há mesmo alguma coisa entre a jovem estrela e aquele ator famoso?”. Resta ao leitor espicaçado em sua curiosidade conferir com seus próprios olhos, ou seja, vendo TV.

Não faltam nessas publicações, principalmente nas especializadas (SP na TV, Intervalo etc.), algumas análises iracundas, que se pretendem rigorosas, mas que na verdade rejeitam qualquer proposta mais inovadora (“Móbile”, criação de Fernando Faro na TV Tupi paulista, é considerado mal feito, meio sem pé nem cabeça) na mesma proporção em que aplaudem velhas fórmulas e nomes consagrados. Uma crítica de SP na TV chama Flávio Cavalcanti de “O Leporace carioca” (denotando o provincianismo da publicação), antes de elevá-los às alturas, devido a eterna vigilância que exerce sobre eventuais ameaças à moral pública e à música popular brasileira: “[…] onde ele, separando o joio do trigo musical, ensina um pouco de intransigência tão escassa nos nossos espíritos, mas tão necessária quando se quer recompensar o bom, o legitimo, e se quer punir, com a nossa desaprovação, o mau, o espúrio e o estúpido […] Resta a cada um de nós transformar-se num pequeno Flávio Cavalcanti doméstico e fazer no lar o que ele faz na televisão: quebrar os discos estúpidos que porventura venham a entrar pela nossa porta. Quem sabe quebrando-os, estaremos prestando um bom serviço aos nossos filhos, essa geração que aceita com excessiva facilidade tudo o que os mercadores da ‘arte’ colocam sob os seus narizes inocentes”.[46]

Ainda que voltada exclusivamente para o dia-a-dia da televisão, ou talvez por isso mesmo, a revista SP na TV não percebe as profundas transformações que a sociedade atravessa no momento, e o papel relevante da TV nesse sentido. Se não fosse assim, o que então explicaria o artigo de Flávio Pedroso sob o titulo “Berros, cabeleiras e juventude”?

“[…] mas não há meio, de maneira alguma consigo assistir a esses programas de juventude que empesteiam nossas TV sem ficar com raiva. Como é que pode, gente? Então aqueles cabeludos (que nos dão a impressão de que não tomam banho), com roupas folgadas, blusões espalhafatosos, representam a nossa juventude? Não, não acredito. Nossa juventude não pode estar assim tão degenerada. Deve ser minoria. Espero! […] Falam “uma brasa, mora”, “tamos aí”, “legal as pampas”. Está certo que entre amigos, na rua ou em reuniõezinhas, a gíria seja empregada. Mas na TV, sabendo que o som e a imagem estão chegando em diversos lares e que a formação dos jovens é coisa importante […] Homens com botinhas de salto alto, que se vistos de costas são confundidos com mulheres […]”.[47]

Esses jovens, “confundidos com mulheres”, e que provocam a ira do comentarista, expressam a nova mentalidade empresarial que se afirma no mundo dos negócios e, mais explicitamente, na televisão. E não é ao acaso que os cabeludos proporcionam um dos maiores índices de audiência da TV no ano de 1965: “Jovem Guarda”, programa vespertino como convém ao público que procura alcançar, marca a estreia em grande estilo do culto à juventude como fenômeno de massa, à semelhança do que já ocorrera nas sociedades desenvolvidas. Escorado por um esquema publicitário preparado pela agência Magaldi, Maria & Prosperi, o programa e os novos ídolos são sucesso em toda linha, aliás, em toda a linha Calhambeque: botinhas, chaveiros, bonés, calças, anéis, blusões etc., um cardápio de quinquilharias prontamente adotado pelos jovens em sua indumentária na busca de identificação com seus ídolos musicais (e da TV) e com isso marcar a diferença em relação ao mundo adulto.

A essa altura, depois dos sucessos das campanhas, das telenovelas, dos lançamentos de novos valores obtendo fulminante aceitação, não resta a menor dúvida de que a televisão já deu provas suficientes de seu poder. E incomoda cada vez mais o radio, o jornal e, principalmente, o cinema.

As Associadas reagem à concorrência

Há ainda outras ocorrências a serem consideradas na primeira metade da década, alguns fatos que nunca aparecem no video e que, portanto “não interessam ao público”. E certo que a televisão vive um período auspicioso (as Associadas já se instalaram em várias capitais), mas a harmonia, a convivência tranquila entre as emissoras entra em declínio. Daqui para a frente, os eventuais períodos estáveis apenas intercalarão situações pelo menos potencialmente conflituosas.

A inauguração da TV Excelsior é um acontecimento que abala a mornidão reinante. A nova emissora é expressa de uma mentalidade diversa, resulta de uma estratégia onde o conceito de programação é apenas o produto mais evidente. Para se impor no mercado, ela precisa formar seu corpo técnico e elenco artístico, daí partindo para oferta de salários mais elevados que os do mercado, conseguindo com esta estratégia atrair gente de outros canais, quebrando um “acordo de cavalheiros” em vigor, justamente para manter uma política salarial livre das reivindicações do pessoal assalariado.

Com a entrada da Excelsior (Canal 2 em SP, Canal 2 no Rio), começam a perigar os métodos paternalistas, que funcionavam eficientemente. A concorrência já deixa entrever que a placidez dos anos 50 não se renovará na década em curso. De um lado, sempre ficará a possibilidade de “novas Excelsior”, a estabelecerem pânico no precário equilíbrio, e de outro o governo federal, que também constitui uma ameaça, à medida que discute a adoção de legislação específica que estabeleça normas ao funcionamento da televisão no país.

No efêmero governo Jânio Quadros, acena-se com a redução para três anos do tempo de validade das concessões, e a grita é mais ou menos geral, provocando apreensão no setor. E a motivação suplementar para aproximar, no governo Goulart, grupos tradicionalmente rivais em torno de seus interesses ameaçados, primeiro passo para a criação, em 1962, da ABERT — Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão, o canal de expressão organizada (“lobby”) que irá interferir em inúmeras medidas tomadas dali em diante. O momento marcante desse enfrentamento entre as teses do governo, que procurava estabelecer normas reguladoras para a TV brasileira (vistas como tentativas de controle dos meios de comunicação pelo Estado), e o empresariado se dá no Congresso Nacional em 1962, como explica João Calmon, que representava as Associadas.

“No governo de João Goulart, quando ainda não exercia o mandato de federal, tomei a iniciativa de convocar os meus colegas de rádio e televisão para uma reunião aqui em Brasília, numa tentativa de derrubada de 52 vetos que o então Presidente da República havia aposto ao Código Brasileiro de Telecomunicações. Como o Congresso Nacional se mostrou receptivo às nossas ponderações, nós conseguimos, em duas noites históricas, uma façanha que não me parece muito comum: a derrubada de todos os 52 vetos, sem nenhuma exceção. Todos foram derrubados em duas memoráveis sessões do Congresso Nacional. A partir daquele momento, o radio e a televisão compreenderam que seria preciso dispormos de uma entidade nacional. Esta entidade, que é a ABERT, foi fundada aqui e eu fui eleito o seu primeiro presidente”[48].

As emissoras de rádio e televisão, e principalmente sua entidade, saem fortalecidas do episódio. Imagine-se que, em vez dos três anos de duração do prazo das concessões como se anunciara no governo Jânio Quadros, as concessões vigoram a partir de 1962 por 15 anos. Como resultado dessa mobilização em torno do novo Código, restam as inevitáveis sequelas que nunca serão sanadas no período Goulart. Tanto que o seu afastamento em 1964 será aplaudido entusiasticamente pela ABERT e seus membros, alguns se destacando no apoio ao movimento armado.

Superada a desconfiança entre o empresariado e o governo federal, espera-se que tudo reflua para a paz e a tranquilidade. Comenta-se entre outras coisas, a possível anistia fiscal, concedida às Associadas, índice do novo clima político “conciliador” que impera a partir de 1954. O único grupo, detentor de concessão para canal de TV que parece não se afinar com o novo status político é a família Simonsen, tradicionalmente ligada à exportação e que mantém o controle da Excelsior, que enfrenta dificuldades crescentes que interferem no funcionamento das empresas até o fechamento definitivo das emissoras.

Parece que tudo esta novamente nos eixos (pelo menos para a Tupi), e a normalidade volta à televisão brasileira. Mas a trégua dura pouco e nem mesmo o estrondoso sucesso das telenovelas consegue abafar os protestos gerados por uma nova crise que se avizinha. Agora é a vez da TV Globo, que entra em cena apoiada, segundo sua direção, num acordo operacional com o grupo norte-americano Time-Life. Com tal acordo, apresentado como “meramente operacional”, a emissora, de propriedade de Roberto Marinho, fere um dispositivo básico da legislação brasileira, que impede a presença de grupos estrangeiros em empresas de comunicação social.

A repercussão é grande, envolvendo órgãos da imprensa — notadamente dos Associados —, a Universidade e o Congresso, que institui uma CPI para investigar as constantes denúncias sobre a participação de capital estrangeiro nos meios de comunicação. Instalada a CPI, João Calmon, representante do Condomínio Associado (a esta altura já deputado federal), se destaca nas denúncias do acordo Globo-Time-Life.

DEPOIMENTO ESCLARECEDOR

Calmon revela na Camara dos Deputados

O Senhor Joao Calmon afirmou, na tribuna da Câmara dos Deputados, em discurso proferido no grande expediente da sessão do dia 9 de fevereiro, que, apesar de ser inimigo mortal da estatização, esta disposto a votar a favor do monopólio estatal do rádio e da televisão no Brasil, caso venha a ser esta a alternativa para evitar que as nossas emissoras passem para o controle de grupos financeiros internacionais. Além de abordar novos aspectos da sua campanha contra a invasão de capitais alienígenas no campo proibido pela Constituição e pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, o deputado João Calmon respondeu à nota mandada divulgar pelo Sr. Roberto Marinho (Time-Life — TV Globo), e revelou que este já tinha uma revista pronta para ser lançada em sociedade com Life.

Estava iminente o lançamento de uma revista de O Globo em sociedade com Life.

O deputado João Calmon iniciou o seu discurso referindo-se à campanha que vem fazendo contra a onda estatizante que ganhou novo alento com a compra, pelo Governo, do acervo da Companhia Telefônica Brasileira, e prometeu voltar ao tema em outra oportunidade. Em seguida, passou a tratar da segunda campanha que desenvolve, contraria invasão estrangeira no campo proibido da imprensa, do rádio e da televisão. Frisou que, utilizando o instrumental de que dispõe, conseguiu, ‘sem falsa modéstia’, garantir a essa campanha ‘uma extraordinária repercussão nacional’.

‘Foi esse o meu pequeno mérito’ — assinalou — ‘porque se deve, na realidade, a outros cidadãos a iniciativa de chamar a atenção do país para o grave perigo que nos ameaça.’

Lembrou, então, que antes da Revolução de março, o deputado João Dória, que depois teve o seu mandato cassado, pedira a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a extensão e a profundidade da infiltração estrangeira no campo das revistas, secundando a campanha encetada pela revista PN, dirigida pelo Sr. Genival Rabelo. Lembrou também a denúncia feita, em junho de 1965, pelo ex-governador Carlos Lacerda ao Ministro da Justiça da época, em torno do acordo entre o grupo Time-Life e a TV Globo, do grupo Roberto Marinho. A seguir, historiou as demarches que, na qualidade de presidente do Sindicato das Empresas de Radiofusão da Guanabara, fez junto ao Sr. Roberto Marinho, ‘por sinal, chanceler da Ordem Nacional do Mérito’, para que exibisse aquele contrato.

Por duas vezes os Sr. Marinho me fez a promessa de exibir os contratos e por duas vezes deixou de cumpri-la’ — afirmou. ‘Na nota divulgada anteontem’ — prosseguiu o Sr. João Calmon — ‘ele confirma que, realmente, deixou de cumprir o seu compromisso e alegou haver me comunicado que não poderá mostrar-me esses contratos porque se trata de assunto sigiloso.’

INVERDADE

Numa resposta peremptória A. nota divulgada pelo Sr. Roberto Marinho, disse o Sr. João Calmon:

‘Evidentemente, a alegação não é verdadeira, porque contratos de assistência técnica que devem ser examinados pelo Banco Central da República e pelo Contel não têm e não podem ter o caráter sigiloso de acordos atômicos. A verdade é outra. O ilustre, o eminente chanceler da Ordem Nacional do Mérito afirmou-me que o Banco Central da República lhe havia solicitado novas cópias dos contratos, porque as existentes apresentavam rasuras, e acrescentou que havia pedido novas cópias de Nova Iorque.’ Aludiu, em seguida, o representante espírito-santense a reclamações da TV Rio, filiada à ABERT e ao Sindicato das Empresas de Radiofusão contra a TV Globo, e mencionou a entrevista que concedera, a convite do Canal 13, no dia 6 de janeiro último, na qual revelou tudo o que sabia a respeito do problema.

INTERESSES

Voltando à nota do grupo Roberto Marinho, declarou o deputado João Calmon:

‘Na nota que divulgou, pelos jornais do Rio e de São Paulo, o diretor-presidente da TV Globo procura insinuar que defendo, nesta campanha, apenas o interesse das empresas nas quais trabalho. O eminente chanceler da Ordem Nacional do Mérito não admite que eu esteja empenhado numa campanha em defesa dos interesses nacionais. Não compreendeu, ainda, a excepcional transcendência desse movimento de opinião pública, em que me alistei como soldado raso, como obscuro combatente. Na realidade, todos sabemos que, se perdermos o controle da opinião pública, se a opinião pública do nosso pais sofrer influências de grupos alienígenas, a existência do Brasil como pais soberano estará ameaçada.’

MONOPÓLIO

Destacou, em prosseguimento, que vinha atuando até o momento como presidente do Sindicato das Empresas de Radiodifusão, mas que agora falava como deputado federal, como representante do povo brasileiro, da tribuna da Câmara. Mais adiante, afirmou com toda a ênfase:

‘Se esses contratos realmente lesarem a Constituição e o Código Brasileiro de Telecomunicações, eu, como representante do povo, apresentarei projeto ou votarei a favor de projeto oriundo do Executivo, estabelecendo o monopólio estatal do rádio e da televisão.’

DEFESA

‘Em face dessa grave ameaça’ — frisou —, ‘não hesitarei um momento. Desta tribuna e através do rádio e da televisão, vou empenhar-me numa luta sem tréguas contra os maus brasileiros, que estão querendo alienar canais que pertencem ao Governo e ao povo e que não podem estar a serviço de capitais alienígenas.’

Recordou então, o deputado João Calmon, aos seus colegas que deve ser dado um crédito, nesta batalha, a um, companheiro, o deputado Eurico de Oliveira, dos mais assíduos e combativos, que desde novembro do ano passado, apresentou pedido de constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, sobre os acordos da TV Globo, pedido que se concretizará, dentro de alguns dias, com a indicação, pelos novos partidos, dos membros desse Órgão.

IMPRESSIONANTE

O deputado Evaldo Pinto, em aparte, confessou-se impressionado com as revelações feitas pelo deputado Joao Calmon, a respeito das ameaças do Sr. Paulo Barbosa, vice-presidente da Esso Brasileira de Petróleo, e aduziu:

‘Eu lembraria também que o assunto que V. Excia. com tanta oportunidade e com tanto vigor traz à tribuna teve uma tentativa de esclarecimento há dois anos, quando foi considerado subversivo aquele desejo de apuração: considerado manobra anti-americana, suspeita e subversiva. Agora, depois do impressionante manifesto dos jornais e emissoras de São Paulo, a questão ficou bem situada e o seu propósito é, realmente, a defesa do patrimônio nacional.’

Agradecendo ao aparte, o deputado João Calmon reforçou:

‘Se através do Congresso e do movimento de opinião pública, não conseguirmos torpedear estes acordos, depois da invasão no campo das revistas, do rádio e da televisão — até porque em São Paulo uma organização americana já comprou 29 estações de rádio —, os capitais estrangeiros vão procurar controlar também a imprensa diária.’

REVISTA

Revelou em seguida, o Sr. João Calmon:

‘O eminente chanceler da Ordem Nacional do Mérito, diretor-presidente da organização O Globo, confessou-me que deve a mim uma decisão que tomou. Essa declaração muito me honra porque, logo após a assinatura dos acordos entre o grupo Time-Life e TV Globo, ele cogitou do lançamento de uma revista em sociedade com Life. Graças às minhas declarações, ele desistiu do plano de lançar em sociedade com aquele grupo americano, uma revista do tipo de O Cruzeiro ou Manchete.

APELO

O deputado João Calmon formulou apelo ao Presidente Castelo Branco para que o Chefe do Governo não condicione a sua decisão em relação aos acordos Time-Life-TV Globo ao término dos trabalhos da Comissão de Investigação, pois órgão constituído de homens da mais alta categoria não tem prazo para encerrar os seus trabalhos’. ‘Ora’, continuou o orador —, ‘esse processo do Time-Life-TV Globo já se arrasta há cerca de dois anos. O próprio Sr. Roberto Marinho acentuou que, desde 5 de fevereiro do ano passado, dirigiu carta ao Presidente Castelo Branco, expondo-lhe as linhas gerais do acordo. Portanto, tendo decorrido tanto tempo, impõe-se uma decisão rápida e patriótica do governo revolucionário, sob a liderança do Presidente Castelo Branco.’

E acrescentou:

‘Já começa a criar-se nova área de atrito, por mais incrível que pareça, entre os Estados Unidos e o Brasil. No passado, logo depois da vitória da Revolução, essas áreas de atrito teriam surgido em virtude da compra da AMFORP e dos planos da Hanna. O problema AMFORP foi resolvido com a aquisição, pelo governo, da empresa, porque o ex-presidente João Goulart havia assumido, nos Estados Unidos, um compromisso nesse sentido. Em relação ao caso Hanna, o desfecho foi ainda mais feliz. Definida a nova política de minérios pelo Presidente Castelo Branco, essa organização americana nem sequer chegou a executar seus planos no Brasil. Um grupo brasileiro majoritário, liderado pelo Sr. Augusto Azevedo Antunes, assumiu o controle desse complexo de mineração e siderúrgica. Agora surge uma nova área de atrito porque outros grupos americanos, o da ABC e o da CBS, cada um com um capital de 2 bilhões de dólares, estão reivindicando do governo brasileiro o mesmo direito dispensado ao grupo Time Life, isto é, direito de participar de um empreendimento de televisão em nosso pais, direito que não lhes é assegurado nem pela Constituição nem pelo Código Brasileiro de Telecomunicações. Aqui deixo, portanto, meu apelo ao Presidente Castelo Branco.’

AUTÊNTICO

O deputado João Calmon encerrou sua oração, reafirmando:

“Desejo deixar bem claro que não admito nenhuma confusão entre a minha tese, autenticamente nacionalista — que não permite a participação do capital estrangeiro, venha ele de onde vier, em áreas proibidas pela Constituição —, com qualquer hostilidade indiscriminada aos recursos provenientes do Exterior, ao capital estrangeiro essencial, indispensável, àquele que se destina aos setores que verdadeiramente interessam ao desenvolvimento do nosso País. Considero-me um nacionalista autêntico. De forma nenhuma posso enquadrar-me na categoria daqueles a quem o nosso eminente Ministro da Justiça, Senador Mem de Sá, qualifica, com tanta felicidade, como nacionalisteiros.”[49]

As Associadas topam a “briga” e lideram, através de seus principais órgãos de informação, uma cruzada contra o acordo assinado pela TV Globo. Mas aquilo que parece primeira vista um apego aos preceitos e dispositivos legais, e/ou atitude rigorosa em defesa da iniciativa privada nacional, queda relativizado ante a presença de outros ingredientes no conflito em questão. Só para citar um: a ascensão rápida da Globo que, em prazo de um ano ou pouco mais após a sua inauguração, consegue uma audiência no Rio de Janeiro que ameaça o equilíbrio de forças existente no setor (em São Paulo a Globo só vai funcionar em 1967, com a compra da TV Paulista, Canal 5, de Victor Costa) e, principalmente, a estabilidade das Associadas.

A Globo entra em cena bem instrumentalizada. Afinal, os acordos fornecem recursos e know-how sofisticados para a montagem de uma empresa moderna, em flagrante contraste com o panorama local, onde ainda circulam empresários apegados a esquemas familiares, com métodos situados a anos-luz da lógica do capitalismo moderno, como exigiria a complexidade da mídia eletrônica e os padrões adotados para o seu funcionamento.

O impacto causado pela entrada no ar da nova emissora é mais estrondoso que o ocorrido com a Excelsior alguns anos ails. Mas ambos os episódios tern em comum um efeito causal (e não casual) que ilumina a cena e revela por um instante a mecânica obsoleta em que se apoia a televisão brasileira: confusão administrativa, contabilidades disparatadas, conflitos entre administradores etc. etc., configurando um vasto painel de iniqüidades onde se destaca sem muito esforço o perfil das Associadas.

Exemplos sobram. “O Direito de Nascer”, o maior sucesso da temporada, é produção da TV Tupi de São Paulo, donde se deduz seja automaticamente transmitida no Rio pela TV Tupi, Canal 6, também das Associadas. Mas o que seria óbvio e natural não acontece. E a novela chega aos telespectadores via TV Rio, Canal 13, principal concorrente da emissora da Urca, ganhando de presente uma audiência garantida.

O que permite esse feito excêntrico é a situação interna do Grupo Associado, dominado por disputas internas onde se sobressaem o núcleo carioca (João Calmon) e o paulista (Edmundo Monteiro). Daqui para a frente, os sintomas de desagregação Associada se tornarão mais frequentes, até a implosão definitiva do Condomínio, sem que nada obstasse a trajetória empresarialmente suicida.

Quando o Condomínio Associado dá mostras inequívocas de enfraquecimento, a grande imprensa está justamente comentando o avanço da TV sobre os outros veículos de informação e a sua penetração e popularidade junto à comunidade: “[…] fenômeno da alienação do público frequentador dos cinemas pela TV — fenômeno comprovado e exaustivamente estudado nos Estados Unidos, onde a queda de frequência as casas exibidoras chegou a criar uma séria crise para a indústria cinematográfica, forçando-a a adaptar parte ponderável de sua produção à TV — coincide em São Paulo com o início da produção maciça de receptores pela indústria nacional. Hoje, o número de receptores de televisão no município alcança quase 600 mil. Tomando-se por base o índice de quatro telespectadores por receptor de TV nos horários dos programas noturnos de maior audiência, chegar-se-ia à conclusão de que 2 milhões e 400 mil pessoas entre as quais estariam centenas de milhares de frequentadores em potencial do cinema permanecem em casa, deixando de comparecer as casas exibidoras”[50].

Coincidente ao período de ascensão da TV Globo, já se observam também sinais de exaustão da TV Excelsior, às voltas, desde 1964, com problemas entre a família Simonsen e os novos detentores do poder. Nem mesmo a família Machado de Carvalho, tradicional no ramo das comunicações, e instalada há décadas, pode se colocar em posição de tranquilidade indiscutível. E certo que, em comparação com as Associadas e Excelsior, sua posição é confortável mas há, como veremos, alguns nós que impedem a evolução pacifica de seus negócios. Em resumo, à medida que a Globo entra no mercado, quase todas as outras emissoras enfrentam dificuldades.

No âmbito da TV Record (e de sua co-irmã, a TV Rio) a situação como já disse é relativamente confortável. Ambas são lucrativas, pelo menos. Ambas mantém afinidades por laços de parentesco. João Batista “Pipa” Amaral, o principal executivo da emissora carioca, é genro do patriarca Paulo Machado de Carvalho, da Record, fazendo parte portanto do clã, e em função dessa relação familiar espera-se uma integração entre as emissoras, o que lhes daria supremacia absoluta no eixo Rio-São Paulo. Mas isso acontece em proporção insuficiente. “A Família Trapo”, grande sucesso em São Paulo, é apresentada no Rio pela TV Tupi, deprimindo a audiência da TV Rio, Canal 13.[51]

Por entre todos esses fatos se aplica cotidianamente o VT, recebido como sinônimo de uma nova etapa, como introdutor da televisão na era moderna. O seu uso nos primeiros vai apenas revelar o quanto está conturbado o universo da televisão brasileira. As Associadas, com todas as condições para estabelecer de vez sua supremacia no setor — a partir de suas inúmeras emissoras espalhadas por todo o país —, são a expressão mais acabada de um potencial não cumprido.

O que acontece na prática? As emissoras do Condomínio Associado, situadas em outros Estados, adquirem indiscriminadamente teipes da Globo, Excelsior ou Record, deixando de lado, muitas vezes, os programas gerados na Tupi do Rio ou SP. Por volta de 1967, vários programas já são exibidos nas principais capitais do pais, ainda que na base do transporte aéreo, uma vez que a Embratel, apesar de criada em 1965, só passa a funcionar dois anos depois.. Em dezembro, alguns dos programas vistos são: “Um Instante Maestro” em Belo Horizonte (sexta), Curitiba (sábado), Recife (sábado), em Porto Alegre (quinta), Salvador (sexta), além, obviamente, das duas principais praças do pais: SP e Rio. “A Família Trapo” e mostrada em SP, Rio, Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Salvador, “Hebe” alcança Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Rio e SP.

A consequência imediata da difusão desses programas produzidos nas duas principais cidades do país é o declínio das produções locais, pois essas sofrem desde já a séria concorrência de núcleos mais bem aparelhados e desenvolvidos. O velho sonho de permutar programas, de exibir trabalhos produzidos no nordeste para o público sulino, por exemplo, está praticamente encerrada. O máximo que pode suceder são as adaptações locais feitas em cima dos sucessos do “sul”. A “Jovem Guarda” é reproduzida em várias capitais. Em Belo Horizonte, o Canal 4, TV Itacolomi (Associada), vai produzir “Brasa 4”; no Recife será, “Barra Limpa” e assim por diante, requentando com sabor e tempero locais as fórmulas consagradas.

Duas tendências já são percebidas claramente. A primeira diz respeito à simultaneidade na incorporação do satélite. A outra, decorrente desta, confirma a centralização, o fluxo de mão única, acabando de vez com algumas ilusões que porventura ainda prevaleçam acerca da permuta de programas entre as diversas regiões do país. Cada vez mais São Paulo e Rio de Janeiro determinam o que sera visto nos aparelhos receptores de todo o país.[52]

A TV se moderniza?

A repercussão alcançada pelas telenovelas, a venda de aparelhos em grande escala, como resultado das facilidades de crediário, e o surgimento da TV Globo em 1965 estão certamente entre os fatos que determinarão os rumos da TV nesse interregno que vai até as primeiras transmissões via satélite. Empenhada em ocupar o seu lugar no mercado, a Globo adota uma estratégia que lhe facilita a trajetória rumo liderança na década seguinte. Em vez de se lançar com as mesmas armas das concorrentes numa luta renhida e imediata pela audiência, ela opta por uma programação de cunho popularesco, e com isso alcança o novo público da televisão. Um público formado por vasto contingente recém-incorporado à audiência, e que não merecera até o momento a devida atenção por parte das emissoras em funcionamento. Explica-se. O perfil da audiência mudou, as estimativas citam milhões de brasileiros presos ao video, abandonando velhos hábitos de lazer em troca da permanência em frente do aparelho. Já não se trata daquela audiência seleta dos primeiros anos, formada por pessoas de alto poder aquisitivo que faziam do ato de assistir a TV um sucedâneo da ida ao teatro, gesto caracterizado, por exemplo, nos telefonemas dados ao elenco (é o que contam antigos funcionários da Tupi) ao final da transmissão do teleteatro. Na impossibilidade de ir aos camarins, vale o telefonema… Enfim, o circulo da audiência se amplia e não está mais restrito às capitais.[53]

É no período de transição — da audiência local para a regional e em seguida nacional — que entra a Globo. A sua programação incide no que se convencionou chamar de popularesco, algo sem perfil definido, e que na pratica se baseia num sistema consolatório, que distribui justiça a varejo, oferece prêmios, localiza parentes perdidos, arranja casamentos, arbitra litígios entre vizinhos etc., assemelhando-se a uma “televisão-despachante”, a alternativa encontrada, para alcançar as faixas menos privilegiadas da sociedade. Ainda que o populismo tenha sido combatido, e tentada a sua erradicação da cena política brasileira a partir de 1964, isso não significa que ele não perdure — e em nova formulação eletrônica através da TV.

O que, para a Globo, é uma sacada para alcançar o seu lugar ao sol ganha foros de lei, vira regra básica, aceita e adotada pelas outras emissoras. Daí o panorama entrevisto no final da década. A Globo leva ao ar, em 68, “Dercy de Verdade” (RJ), “Casamento na TV” e “SOS Amor”, ambos apresentados por Raul Longras, que algum tempo depois cairá em desgraça junto ao público quando são revelados seus problemas conjugais; “O Homem do Sapato Branco” (SP), “Programa Silvio Santos” (SP) e outros tantos no mesmo diapasão. A TV Record, emissora musical por excelência, promotora dos mais bem-sucedidos festivais de MPB, não resiste aos novos padrões estabelecidos (num momento em que sua audiência está em queda livre), e lança ao ar “Quem Tem Medo da Verdade”, em plena alvorada do AI-5. O programa — arremedo de tribunal —, sob a presidência de Carlos Manga, recebe artistas conhecidos que são julgados (recebem cachê para isso) em meio a acusações mútuas, crises de choro, lances piedosos. Mas o que é levado a julgamento? Fatos da vida particular dos “réus”, um cheque sem fundos aqui, uma pequena traição conjugal ali, um escorregão acolá. Em resumo: questões e problemas que no máximo podem satisfazer a face mais obscura e mórbida da curiosidade popular. E nada mais.

A Tupi (TV Tupi RJ/TV Tupi SP) não fica atrás. Em 1968, a emissora carioca mantém “Domingo de Verdade”, com J. Silvestre no comando de um programa que não dispensa a presença de um júri. Este escolhe entre vários dramas apresentados aquele que contém o maior quociente de desgraça e dor. O escolhido — estamos na TV lembrem-se! — recebe um prêmio. Na mesma emissora, Alcino Diniz surge frente de “Os Sete Samurais”, que sem qualquer parentesco com o filme homônimo de Kurosawa procura vestir seus profissionais — pelo menos no título — com a fantasia de justiceiros prontos a agir através das câmaras e microfones da Tupi.

Se por um lado adota essas novidades e incorpora o jargão popularesco, isso não significa, por outro, que a Tupi reoriente seus programas em nova direção. Inclusive porque não há uma direção. As Associadas carecem de uma orientação centralizada, de uma filosofia empresarial que lhe defina uma programação,[54] ou, antes, uma linha de atuação que traduza alguma coerência interna. As Associadas, como sempre ocorre no decorrer de sua trajetória, adotam as fórmulas que dão certo em outras empresas, e que significam pontos na audiência.

Mas, paradoxalmente, é essa falta de unidade interna — decorrência da proliferação de feudos regionais que determinam para si as prioridades e interesses — que permite o surgimento de algumas brechas por onde eventualmente se insinua um pouco de inovação, doses de uma TV não convencional, pelo menos para o período. Nesse sentido, o que se pode dizer é que se a Tupi contasse com estrutura empresarial semelhante à da Globo, o espectador nunca teria visto certos programas que foram transmitidos pela emissora Associada paulista. Vale citar aqui a linha desenvolvida por Fernando Faro e, pelo menos, uma novela — “Beto Rockfeller” —, ao final da década de 60.

Os programas bolados por Fernando Faro, a pedido d Cassiano Gabus Mendes, então na TV Tupi paulista, ocuparam rigorosamente os horários de final de transmissão, já início de madrugada, quando os anunciantes rareiam e os encargos de produção recaem sobre a emissora. Por isso são poucos ou quase nulos os recursos disponíveis. Mas Faro, rejeitando o que chamava “tradição radiofônica da televisão”, procura desenvolver pesquisa de linguagem e, assim, vai exercendo seu papel subversivo dentro dos padrões vigentes na televisão brasileira. Ele improvisa, mas agora é para revelar e não o contrário, como de hábito. Procura a surpresa, a espontaneidade, caracterizando um hiato, uma descontinuidade em meio à presença maciça e desmobilizadora das imagens convencionais[55].

E com isso, mandou ver. Desinibiu-se. Às vezes, durante a apresentação de uma cantora, “apagava” sua imagem do vídeo, provocando reações diversas, entre as quais alguns telefonemas solícitos avisando a emissora de um suposto problema técnico. “Móbile”, lançado em 1962, foi o programa inicial da série e, já no título, afloram suas intenções: um programa sem contornos definidos, sem forma acabada; um móbile que se modifica, que se torna outra coisa, sem roteiro pré-determinado. Aparecem no programa Márika Gidali, Chico Buarque, filmes experimentais canadenses, textos de Genet, Joyce e Eliot. Promovem-se jogos durante a transmissão e outros são completados pelo telespectador em casa.

(Apesar do prestigio cultural que o programa traz para a TV Tupi os ventos nem sempre lhe são favoráveis. Vez por outra, algum diretor ou representante da cúpula sugere que aquilo não está dando certo, que pode até comprometer.)

Na sequência, depois de “Móbile”, vem “Poder Jovem” e “Divino Maravilhoso”, para onde confluem algumas experiências musicais do momento, e de repente surge o maestro Rogério Duprat regendo um conjunto de liquidificadores. E, finalmente, “Colagem”, quando outros nomes — Abujamra, Avancini, Lima Duarte — além do próprio Faro assinam os créditos do programa. Mas agora já estamos em 1968/69, e a censura está mais rigorosa e começa a prestar atenção redobrada naquelas “loucuras”. “Teve um programa em que colocamos um ratinho numa mesa de sinuca e uma ratoeira com queijo ali perto, uma ratoeira da Tupi; o ratinho teve fome, foi lá e não aconteceu nada. Foi pela segunda vez e como a ratoeira era da Tupi, e portanto meio velha, ele ficou lá imprensado e a câmara registrando tudo. No dia seguinte, apesar de toda a cobertura que a imprensa dava à violência na guerra da Argélia, todo mundo só falava da violência com o ratinho.”[56]

Ainda nesse programa ocorreu o episódio envolvendo uma lesma. Num vidro transparente, colocou-se o gastrópode e foi jogado sal sobre ele. O efeito, naturalmente, foi registrado. No dia seguinte, os responsáveis estavam na Polícia Federal, convocados a explicar direitinho o significado daquilo tudo. Para o zeloso censor, a lesma seria o governo e o sal, o povo…

Beto Rockfeller e seus contemporâneos

“Beto Rockfeller” é de 1968. Estreia em novembro sua importância indiscutível resulta de vários ingredientes: do texto de Bráulio Pedroso, da interpretação “natural” dos atores, da ausência de diálogos empolados, da ambientação urbana que introduz personagens identificáveis nas ruas, da trilha sonora articulando personagens & músicas (sucessos do momento: “Sentado à beira do caminho”; “I started the joke” etc.). Para avaliar o papel exercido por “Beto”, vale a pena dar uma girada no seletor e ver o que é apresentado nesse período:

“A Cabana do Pai Tomás” — TV Globo; horário das 19 h; de 7.69 a 2.70. Sérgio Cardoso interpreta o Pai Tomás. Segundo Ismael Fernandes, no seu livro Memória da Televisão Brasileira, “sua estreia foi tumultuada com o movimento liderado por Plínio Marcos, que não concordava com o fato de ator branco fazer personagens negros […]”.

“Demian, o Justiceiro” — TV Globo, horário das 19 h 30. Novela de Glória Magadan em que o ator Carlos Alberto, então galã no gênero, e transformado numa espécie de Zorro. Por onde passa deixa escrito “Demian esteve aqui”; exibida de 2.68 a 5.68.

“Redação” — TV Excelsior. Horário das 19 h. Acaba em 1968, depois de 596 capítulos, tornando-se provavelmente a telenovela mais longa de toda a história da televisão brasileira.

“Sangue e Areia” — TV Globo. Horário das 20 h. Novela de Janete Clair. Conta a ascensão, poder e queda de Juan Galhardo, interpretado por Tarcísio Meira, dividido entre o amor de duas mulheres: a simples e a sofisticada, sendo que esta última, como prova de amor, arranca os olhos. De fevereiro a setembro de 1968.

“Antônio Maria” — TV Tupi. Horário das 19 h. Segundo Geraldo Vietri, que escreveu a novela, a ideia de Cassiano Gabus Mendes era fazer uma novela baseada na devoção por Nossa Senhora Aparecida, em consideração profunda religiosidade do povo brasileiro. Acidentalmente, por sugestão de Sérgio Cardoso, surge “Antônio Maria”, que Vietri escreve sem saber muito das coisas de Portugal, o que exige correções frequentes. Ao final, o sucesso é tanto que o autor e o ator principal (Sérgio Cardoso) vão para Lisboa, onde recebem a Comenda do Infante Dom Henrique.

“A Gata de Vison” — TV Globo. Horário das 20 h. De setembro de 68 a março de 1969. Escrita por Glória Magadan e ambientada na Chicago dos anos 20. Meg Parker (Ioná Magalhães) oscila entre o gangster Falconi (Geraldo del Rey) e o detetive Bob Ferguson (Tarcísio Meira). Metralhadoras cuspindo fogo e uma mulher interpretada por Karin Rodrigues — tendo seu rosto desfigurado com ácido.

“Rosa Rebelde” — TV Globo. Horário das 20 h. De março a novembro de 1969. Tarcísio Meira no papel de um oficial do exército napoleônico, participa das tropas de ocupação na Espanha. Lá, ele cruza com uma mulher que lidera os rebeldes espanhóis.[57]

Em meio a essa proliferação desenfreada de dramalhões, muitos deles provenientes dos laboratórios de Miami, importados por “deferência” da Colgate-Palmolive, que mantém um departamento especializado em novelas, dirigido por Glória Magadan, surge então “Beto Rockfeller”, o anti-herói que passa a ocupar o lugar dos personagens íntegros, monolíticos, absolutamente sensatos, absolutamente honestos, absolutamente puros, absolutamente tudo, e que se coloca mais próximo das pessoas comuns. As frases feitas e grandiloquentes, que marcavam até então os diálogos, ficam substituídas por expressões coloquiais. O resultado foi o melhor possível em termos de audiência. Trouxe para a frente da TV gente que até então permanecia totalmente alheia ao aparelho. Interessou os setores mais jovens mas nem por isso escapou da derrapagem comprometedora: foi alongada demasiadamente e, com isso ficou menos interessante. De qualquer forma, o fato não chega a diminuir a sua importância como marco decisivo, como instante de superação de uma tradição bolorenta, cultivada inclusive pelos anunciantes.

Muitas vezes se perguntou por que a Tupi não se valeu desse feito deflagrador para ampliar sua vantagem sobre as emissoras concorrentes. Por que ela, a emissora do “Beto” não continuou nesse rumo, aproveitando a fórmula consagrada/consagradora? Bem que a Tupi tentou. Depois do “Beto” veio “Superplá”, também escrita por Bráulio Pedroso, mas o tratamento farsesco, a origem vinculada às histórias em quadrinhos, não caiu no gosto do público. Era talvez radical demais para a televisão do momento. A emissora voltaria a insistir ainda, dessa vez com “Toninho on the rocks” (Antônio Marcos no papel-título) e, finalmente, a tentativa derradeira — “A Volta de Beto Rockfeller”. “Superplá” durou, com muito esforço, cerca de seis meses. “Toninho…” permaneceu no ar por três.[58]

Como se observa, a Tupi não descuidou. Pelo contrário, insistiu em varias oportunidades na mesma tecla, naquilo que considerava a trilha mais acertada. Algum viés, ou erro de interpretação sobre os motivos da consagração de “Beto”, conduziram a emissora a uma sequência de equívocos e insucessos. “Superplá” era uma novela difícil para a clientela das oito, demonstrando que a intuição da emissora falhou por não levar em consideração as inúmeras variáveis que consubstanciam um sucesso de público. Melhor sorte teve a Globo que, ao perceber o esgotamento das fórmulas identificadas com a Sra. Magadan e a receptividade alcançada por “Beto”, redefiniu toda a sua linha de telenovelas para ir ao encontro da nova demanda.

A diferença entre as duas emissoras talvez esteja aí. A Tupi, como digna representante das Associadas, demora para obter um diagnóstico da situação e, quando o consegue, sua interpretação é incompleta ou, na melhor das hipóteses, a ação desencadeada é ineficiente. A Globo, muito mais organizada, contando com departamento de pesquisas e se valendo de métodos eficazes de apuração do gosto popular e suas determinantes, desenvolve critérios e prioridades que reduzem sua margem de erro pelo menos no que concerne às telenovelas — a uma taxa ínfima.

Perdida a oportunidade de firmar uma liderança no setor das telenovelas, a Tupi dá meia volta, como que assustada com sua própria ousadia e se reencontra de certa forma com o velho padrão melodramático, adicionado com algumas pitadas de atualidade, garantindo para si uma vice-liderança até o final de sua conturbada existência.

Esse é o quadro imutável que vamos encontrar na década de 70: liderança cada vez mais sólida da Globo e um segundo lugar — em audiência e faturamento — confortável para as Associadas.

A televisão é um sucesso

Outro fato marcante, também relacionado à TV brasileira, não está exatamente no video: trata-se da venda de aparelhos receptores, que em 1968 chega a 678 mil unidades (os dados são da ABINEE), 47% a mais que no ano anterior. O salto nas vendas que vem crescendo à taxa média de 10% ao ano desde 1963 — eleva o número de aparelhos em funcionamento para 4 366 000 em 1969.[59]

“A maior contribuição a um aumento tão substancial correu por conta das novas facilidades de crédito, abrindo as comportas para um considerável fluxo de consumidores, até então marginalizados e aguardando uma oportunidade para comprar seus primeiros aparelhos. Satisfeita tal demanda até então reprimida, a taxa de crescimento nos anos seguintes voltou à normalização, mantendo porém o mercado em evolução, evidentemente graças continuidade da política creditícia. Deste modo o mercado chegou a 1971, às vésperas do lançamento da TV em cores, fechando o ano com mais de 900 mil aparelhos vendidos.”[60]

O estimulo As vendas ocorre sob os efeitos de medidas tomadas dentro de uma nova etapa na política de desenvolvimento econômico adotada para o pais, cuja prioridade incide na expansão da demanda de bens e serviços de luxo, no rumo de transformar nossa paisagem social, impregnada de arcaísmos, numa moderna sociedade de consumo. Em apoio a essa política, os setores estatal e privado realizam investimentos maciços em grandes obras urbanas, na publicidade, nas telecomunicações etc.

No campo das telecomunicações, a situação é clara. Desde que a Embratel entrou em operação, vem-se implantando a toque de caixa o Plano Nacional de Telecomunicações que, em pouco mais de quatro anos, instala 18 mil quilômetros de enlances de microondas. Em 1969 é inaugurada a Estação de Itaboraí (estação de comunicações via satélite), com a recepção direta de uma mensagem do Papa Paulo VI. Mas o frisson ocorre mesmo com a transmissão via satélite da chegada dos primeiros astronautas americanos à Lua, e as imagens, recebidas em vários pontos do território nacional, provocam reações de absoluta incredulidade em alguns segmentos da população, defasados em relação à modernidade tecnológica.[61]

Está pronta a infra-estrutura para o estabelecimento das redes nacionais de TV, culminância de um processo de evolução que se iniciara com a chegada do video-teipe no inicio dos anos 60. As emissoras situadas fora do eixo Rio-SP foram pouco a pouco substituindo suas produções locais por gravações compradas nos grandes centros. Tal prática, porém, não configurava ainda a constituição de redes. As emissoras continuavam independentes para alugar VTs de quem desejasse. Entre a introdução do VT e a implantação das redes, ainda se acreditava num troca-troca televisivo, em que programas gravados no Recife, por exemplo, seriam exibidos no sul-sudeste, e vice-versa. Um raciocínio que se demonstrou ingênuo, por desconhecer os efeitos da introdução de inovações tecnológicas que exigem produção centralizada, dada a complexidade e alto custos dos equipamentos. São Paulo e Rio absorvem quase totalmente a produção dos programas, restando para os outros centros urbanos o direito (ou possibilidade?) de recepção.

A trajetória ascendente da televisão se confirma com a verificação do que lhe cabe na distribuição do investimento publicitário: em 1968, a TV obtém 44,5% das verbas (24,7% em 1962), canalizadas através de agencias, situando-a em posição de supremacia incontestável perante as outras mídias.[62] A televisão é um sucesso! Identifica-se com as transformações modernizantes que se operam no país — mobiliza os grandes anunciantes e amplia cada vez mais os círculos de audiência. Para o telespectador, a televisão oferece vantagens que lhe parecem óbvias. Ele só tem que ligar o aparelho e receber em casa o cinema, o futebol, o humor das antigas chanchadas, os programas de auditório que fizeram fama no rádio, o jornalismo etc. etc., sem gastos adicionais além do investido na compra de um aparelho. E sem sair de casa! A ida ao cinema, para tomarmos um exemplo, implica o deslocamento compulsório, enfrentar filas, pagar pelo ingresso e, ainda por cima, o risco sempre presente de não se gostar do filme. O mesmo se aplica, com as devidas peculiaridades, ao teatro, ao show musical, ao futebol. Para completar, uma linha argumentativa em favor da TV começa a ganhar eco nas grandes cidades: falta de estacionamento, dificuldades de trânsito, violência… e a TV está ali, ao alcance das mãos, num canto da sala, para trazer, sem riscos nem perigos, o mundo exterior para dentro de casa. Sem transtornos. Sem trânsito. Sem custar nada.

Essa concepção atinge o telespectador. O que ele não percebe talvez é que as coisas não correm bem assim, pelo menos segundo essa perspectiva tão favorável. Isso porque, na verdade, a televisão se vincula, a partir de seu ordenamento jurídico-formal, a um intermediário fundamental que é o patrocinador — a empresa ou instituição que investe naquele horário e, assim, permite a emissão das imagens. O anunciante pode se apresentar em aberto, sem véus, principalmente na área varejista (alimentos, vestuários, eletrodomésticos) ou de maneira suavizada e eufemística (“sob os auspícios de”, “sob o patrocínio de”), sugerindo uma postura de quase doação ao telespectador.

Em qualquer hipótese, o público paga pelo que vê. Simplesmente porque, ao oferecer o seu “prestígio” a determinado horário, o anunciante esta repassando os custos publicitários para o preço final do produto e, portanto, para o consumidor. Ainda que obliquamente, a televisão contribui com certeza para a criação de efeitos inflacionários, mesmo que seja pelo acréscimo na demanda de alguns produtos.

Na composição dos gastos em publicidade, os filmes teipes e outros recursos audiovisuais disponíveis acusam participação crescente. À medida que os filmes têm acabamento cada vez mais sofisticado, exigindo esquemas e técnicas inéditas no pais, o cinema publicitário se coloca em posição de concorrer, a partir da segunda metade da década passada, nos festivais internacionais do gênero.

Resta saber até que ponto isso é vantajoso. Se entendermos que a maior parte do público não tem sequer acesso ao consumo de muitos produtos veiculados, talvez surpreenda saber o quanto pode custar urn filme publicitário, desses a que se assiste na TV. Nesse caso, a comparação com o longa metragem nacional, exibido nos cinemas, torna-se inevitável:

Um filme de longa metragem, com padrão médio de produção (em cujos gastos se incluem a compra de material virgem, aluguel de equipamentos, pagamento de salários e outros encargos sociais etc etc.), custa, aos preços de março/83, por volta de 100 milhões de cruzeiros. Como, de maneira geral sua duração é de uma hora e meia ou pouco mais, uma simples operação aritmética mostra-nos que ele sai por 1 milhão de cruzeiros o minuto. Por sua vez, um filme publicitário considerado à altura de competir em festivais internacionais dura trinta segundos e pode custar também 100 milhões. Aplicando a mesma operação anterior, o resultado é o seguinte: nesse filme publicitário o minuto custa 200 milhões.

Mas não termina aí. O filme precisa ser exibido o que requer o pagamento dos preços estabelecidos pelas emissoras de TV na razão direta de sua audiência.[63] Permanece de qualquer maneira uma contradição: se os bilhões investidos na propaganda contribuem para a elevação dos custos dos produtos anunciados, isso não acaba por penalizar adicionalmente o já pauperizado telespectador?

O júbilo provocado pela venda de centenas de milhares de aparelhos (em tudo semelhante as arrepios de emoção cívica provocados pelo boom da indústria automobilística) escamoteou o perfil real da distribuição geográfica desses receptores. De acordo com os dados obtidos a partir do censo de 1970, e citados em Televisão e capitalismo no Brasil, de Sergio Caparelli, 75% dos milhões e milhões de televisores estão concentrados no eixo Rio-SP.

Em face do entusiasmo que invade o país nesse momento, essa concentração excessiva não incomoda nem preocupa. O que vale mesmo é a ideia de unir todo o território nacional através das imagens da TV. Coincidentemente (ou não), assiste-se à multiplicação dos cursos e faculdades de comunicação pelo país afora, misturando-se confusamente certa compulsão a um estilo idealizado de vida com a absoluta penúria bibliográfica. Infelizmente, a explosão dos cursos de comunicação e os especialistas formados não conduzem muito adiante as discussões sobre o papel da televisão, pois o que está em primeiro plano nas análises criticas, nas monografias e mesas-redondas acadêmicas é um desprezo indisfarçado pela TV, identificada como lugar que privilegia a diversão (vista como antagônica da informação), a “baixa cultura”, cumprindo, de acordo com esse ponto de vista, uma performance negativa à medida que deseduca, desinforma e assume função meramente escapista. Além disso, para a intelligentzia nacional, sempre existem tarefas mais prementes a serem tocadas ou temas mais nobres a merecerem a atenção do que a “sub cultura” eletrônica. Na primeira metade da década passada, referir-se à TV ou ir além e confessar-se telespectador, provoca de imediato, junto às elites culturais do país, um olhar reprovador. Quern assiste à TV são “eles”, “os outros”, a massa ignara… E o que explica, por exemplo, o constrangimento enfrentado por um jornal como O Estado de S. Paulo, quando da morte de Érico Verissimo em Porto Alegre. O escritor, que se declarara fã das telenovelas (era amigo de vários autores), teria morrido enquanto assistia a uma delas, em pleno horário nobre. Na reportagem, descrevendo as circunstâncias em que ocorre o falecimento, o jornal prefere registrar que ele esperava alguns amigos em casa, preservando-o (?) assim do estigma de vir a ser lembrado também como telespectador.[64]

Enquanto esse arremedo de debate se dá em termos binomiais, isto é, entre o bloco “o meio é a mensagem”/”o mundo é uma aldeia global” versus “a televisão aliena”, questões fundamentais passam ao largo sem merecer a devida atenção. Só para citar uma: que interesse representa para a televisão o cidadão que mora no interior das Alagoas? A resposta é uma só: quase nenhuma. Sua contribuição se resume em participar das estatísticas brasileiras do setor. O indivíduo não consome, e se não consome não há por que reconhecer-lhe cidadania plena, lembrar-se dele no momento de definir prioridade ou programações. Ele é, no máximo, um “penetra”, e como tal uma figura meramente suportada.

De acordo com os critérios aplicados pelos institutos de pesquisa e aceitos pelas emissoras, cerca de 70% da audiência é constituída pelas classes C e D, cuja renda familiar não supera os quatro salários mínimos, e, portanto, grande parte dos produtos anunciados está fora de seu alcance. Seguindo por esse raciocínio, conclui-se que a televisão se satisfaz, então, para manter-se em níveis, ótimos de operacionalidade, com uma faixa bem menor de público que aquela contabilizada nas estatísticas.

Mas é preciso observar que se esse “penetra” não é considerado para efeito de programação, por exemplo, ele não de todo desprezado, uma vez que representa o consumidor potencial, alcançado pelas mensagens publicitárias que induzem o público não só ao consumo ‘de produtos mas também ao desejo genérico de consumir, de acumular. Em outras palavras, é fundamental — para a manutenção do projeto desenvolvimentista em questão — que a própria mentalidade consumista seja formada.

Nesse contexto, assistimos ao aprimoramento do padrão visual desenvolvido pela TV Globo, que em sua “magnificência” reforça no cotidiano nacional a impressão — grata ao poder central — de que o país atravessa estágio de desenvolvimento acelerado em direção a um futuro radioso e redentor. As imagens glamurizadas e ascépticas projetam a receita audiovisual gob medida para o conceito imperativo de “Brasil Grande”. Nos shows e telenovelas, os ambientes são modernos, arejados, confortáveis e funcionais, acompanhando pari passu as oscilações do gosto internacional. No ambiente de sala onde transcorre a ação da telenovela em andamento, há o momento do acrílico, substituído na sequência pela madeira branca e mais recentemente é a chance das samambaias a denotar a tomada de uma consciência ecológica. Tudo é efêmero, como se diz. A cigarrilha de hoje poderá ser o cigarro lights de amanhã.[65]

Os cenários e paisagens à disposição do telespectador fornecem o balizamento visual para as aspirações dos setores médios da sociedade, em sua busca de afirmação e segurança através do sucesso individual e bem-estar material. Nada mais razoável se considerarmos que o pais — pelo menos é o que alardeiam os boletins oficiais e oficiosos — é um sucesso em todas as frentes. Sobretudo nas telenovelas se observam quase de imediato algumas mudanças notáveis. Não que sejam profundas ou de estrutura. Apenas o afastamento de cena de alguns personagens e situações, que cedem lugar a novos tipos e conflitos. Pais carrancudos, nobres despóticos, mocinhas virginais e indefesas, duelos em defesa da honra, vão se aposentando porque não garantem mais um quantum mínimo de emoções. Há uma nova galeria de personagens, mais ajustados aos novos padrões de vida na metrópole, onde a mulher e o jovem participam ativamente do mercado de trabalho, tornando-se não só consumidores como também agentes desestabilizadores do controle familiar e, dentro dele, da autoridade da figura paterna.

No mundo em que a mulher ocupa gradativamente espaços exteriores ao lar (e a telenovela é dirigida preferencialmente a ela), fica difícil aceitar os estereótipos tradicionais bem e o mal absolutos, polarizados nas telenovelas na figura da freira e da dançarina cigana, por exemplo, ficam inviabilizados. A mocinha virginal, discreta, passiva, bondosa, suave, vira uma chata. Por outro lado, herói não é mais Demian, justiceiro que na calada da noite deixa escrito. “Demian esteve aqui”. Nada disso. Agora ele chega no seu possante automóvel personalizado e dá três buzinadas, o sinal combinado para que uma moça vestida esportivamente saia correndo do saguão do edifício em direção ao carro. A polarização, relativizada, se dá entre o bem-sucedido e o malsucedido. E entre os últimos estão os negros, os índios, que só aparecem para dançar e brincar; quase nada de gente feia, suja ou pobre. Uma redundância, pois se excluem das imagens os já socialmente excluídos, cuja aparição fica na dependência de expressarem alguma exceção ou exemplaridade tipo operário-padrão.

A maneira pela qual a Globo elabora a representação visual desse período mais recente da vida brasileira tem um contraponto involuntário nas imagens mostradas pelas outras emissoras, entre elas a Tupi, que ao retornar as novelas pré-Beto Rockfeller, descobre acidentalmente uma alternativa ao rolo compressor da Globo. E indiscutível que a meia volta da Tupi no campo das novelas traz várias consequências, entre elas a de estar se presenciando algo já visto e mastigado até virar bagaço. “A selvagem”, telenovela de 1971, não passa de uma reciclagem de outra já levada ao ar sete anos antes, sob outro título, onde a atriz Ana Rosa fazia papel duplo: freira e dançarina cigana.

Em resumo: enquanto a Globo se engaja aparatosamente na mitologia desenvolvimentista, a Tupi, enfrentando como de hábito suas crises internas e o caos administrativo, segue por uma vertente tradicionalista, se assim podemos dizer, que lhe rende uma audiência estável, fiel, a demonstrar, sem dúvida, que uma parcela enorme da audiência não absorve as formulações modernizantes em curso. Há quem diga que vendo a Tupi e depois a Globo fica a impressão de duas emissoras, situadas em países diferentes.

Quando se diz que a Tupi retomou o velho chavão melodramático, isso não significa obrigatoriamente que estão de volta à cena os sheiks, aristocratas ibéricos e princesas desamparadas. O sucesso de “Antônio Maria” (com Sérgio Cardoso no papel-título) comoveu o público e, de tabela, angariou imensa simpatia entre os comendadores e dirigentes das Casas de Portugal pelo Brasil afora, indicando uma saída que vai pautar o “ciclo Vietri”. Nessa novela, um motorista particular, eficiente e sábio, oculta sua identidade de aristocrata português e o esquema de inversão (o empregado na verdade um aristocrata, um homem de berço) funciona como mecanismo de reparação dos constrangimentos eventualmente causados pelo “folclore” e repertório de piadinhas que correm sobre a comunidade lusa. Em seguida (69/70) é a vez dos italianos. “Nino, o Italianinho” mostra a paisagem humana do Bixiga, bairro tradicional e boêmio da capital paulista onde moram os representantes da colônia. O sucesso foi mais uma vez amplo e irrestrito. Em meio à ação dramática, surgem emoções nobres e positivas, muita solidariedade e o tragicômico habitual. Houve até quem falasse — numa aplicação excessivamente elástica do termo — em influência neo-realista. Em “A Fábrica” (1971), o personagem principal é um operário. E “Meu Rico Português” (74/75), segundo Ismael Fernandes, homenageava não só a colônia portuguesa como também a alemã.

Se por um lado a Globo procura uma ruptura radical com o passado de um país pobre e atrasado, através de um processo de identificação total com o modelo econômico vigente, fundado na circulação de bens sofisticados, a Tupi responde com a conciliação possível entre o velho e o novo, daí decorrer a impressão de que a Emissora Associada é conservadora (profissionais da Tupi e o próprio Vietri, em depoimento, também observam que a Globo contribui para a “degradação” dos costumes, enquanto as Associadas, com seus personagens mais íntegros…), é paulista, ao passo que a Globo é moderna e carioca.[66]

Como já foi dito, a Tupi não está em má situação no campo das telenovelas. “Mulheres de Areia”, “A viagem”, “Ídolo de Pano”, “O Machão”, “O Profeta” e outras alcançam índices de audiência elevados e, em certos casos, o primeiro lugar em inúmeras pragas. Mesmo em São Paulo e Rio, considerados os centros mais avançados do país, os resultados às vezes surpreendem e avançam sobre a audiência global. Vez por outra a Globo passa por sobressaltos, quando uma novela, um show, ou programa humorístico (Os Trapalhões foram durante muito tempo uma pedra no sapato, até serem contratados) obtém repercussão além da “admitida” pela principal emissora do país. Nessas horas, a emissora do Jardim Botânico, como se diz na terminologia regionalista, age de maneira objetiva e direta: contrata os profissionais da Tupi.

“O grande impulso para a consolidação das redes veio por conta da implantação do Sistema Nacional de Telecomunicações, permitindo transmissões diretas. As Associadas já possuíam o maior número de emissoras espalhadas pelo país, aguardando apenas os enlaces da Embratel para interligá-las, ao mesmo tempo que afiliavam estações regionais para cobrir novas áreas. A Globo, única com possibilidades de fazer frente a tal expansão em prazo relativamente curto, tinha poucas estações próprias e partiu para a afiliação das demais. Estas, por uma questão de sobrevivência, tiveram que optar entre aquelas duas redes ou continuarem autônomas, porém agrupadas, daí nascendo a REI. Formadas as redes e interligadas as estações de cada uma através de enlaces próprios ou da Embratel, a consequência natural seria a programação nacional. A princípio, os programas diretos ficavam restritos àqueles ao vivo (‘Flávio Cavalcanti’, ‘Silvio Santos’) e aos noticiários (‘Jornal Nacional’). Porém, em 1974, a Rede Tupi lançou a programação nacional seguida pela Rede Globo no início deste ano.”[67]

Um pouco antes, exatamente em 1972, em data predeterminada pelas autoridades governamentais, estreia a televisão em cores, anunciada desde 1963, pelo menos. A sua implantação ocorre após o desenvolvimento de estudos exaustivos e avaliações detalhadas, que levam a optar pelo sistema PAL adaptado. No Brasil, o sistema PAL-M.[68] Do lado das questões rigorosamente técnicas, tudo corre a contendo (o sistema escolhido para o Brasil não mantém similaridade com o de outros países, e isso desestimula a importação de aparelhos receptores, entre outras consequências), sem provocar manifestações contrárias. Mas há um senão. A implantação da TV em cores representa, para a maioria das emissoras, um investimento compulsório que está muito além de suas modestas programações orçamentárias. O volume de investimentos para ‘colorir’ as imagens onera demasiadamente as emissoras, à exceção da Globo, que a essa altura já esta plenamente consolidada. Para se ter uma ideia, uma câmara B e P se custa, digamos, 4 mil dólares no mercado, ainda será 30 vezes mais barata que sua similar para transmissões em cores.

Dom Pedro I ou Flávio Cavalcanti?

“A TV é o meio audiovisual que atua mais demoradamente sobre as pessoas. Essa insistência repetitiva, a forma como é transmitida, dá aos telespectadores a possibilidade de retenção das informações de maneira muito mais completa que o próprio ensino sistemático das escolas públicas. Tudo que se refira à programação de TV é do conhecimento geral. Inclusive as pessoas que ainda não compraram o seu aparelho receptor dão respostas às perguntas sobre o horário dos programas, nomes dos animadores, artistas de novelas. Já as questões relativas ao aprendizado escolar criam embaraço, observa Luiz Milanesi no seu livro Paraíso via Embratel, de onde se retirou, também, o próximo exemplo:

Quem diz: “nossos comerciais, por favor”?

acertos — 83,3%

erros —16,7%

Logo em seguida foi feita a pergunta básica, cuja resposta está em qualquer manual escolar:

Quem foi que disse: “Independência ou morte”?

acertos — 70,0%

erros — 30,0%
A primeira questão se referia ao programa de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi, líder de audiência não só em Ibitinga, onde foi feita a pesquisa, mas provavelmente em todo o interior.

Em 1971/72, época em que realiza sua coleta de informações, Luiz Milanesi observa que o animador é muito acatado no interior de SP (e isso pode ser extrapolado para o resto do Brasil), figura intíma do telespectador e identificado apenas por Flávio. “Flávio Cavalcanti de terno, assumindo o papel de honrado, culto, equilibrado, defensor dos oprimidos e opressor dos corruptos, com seus discursos às vezes fortemente emocionais, era ouvido com atenção e quase sempre acatado. Isso mostra a possibilidade de controle sobre o público, principalmente o da cidade pequena.”[69]

E é o Flávio Cavalcanti, a essa altura dos acontecimentos todo colorido e transmitido para o país inteiro, quem vai merecer, alguns meses após a adoção da cor, as primeiras páginas dos jornais. SUSPENSO 60 DIAS! O programa, embora transmitido pela Tupi, era feito num esquema que agradava sobremaneira aos Associados. Por um lado, garantia um terço do faturamento na linha de shows da empresa e, por outro, e aqui esta a vantagem, a produção era toda feita pela produtora do próprio apresentador, com intervenção mínima da emissora. Ao contrário do Globo, que procura centralizar em seus núcleos de produção tudo que vai para o ar, a Tupi mantém sua política comodista de alugar horários a quem se habilitar.

Flávio foi pego na armadilha que ele mesmo e os outros animadores alimentaram, e o que ocorreu a ele poderia ter alcançado qualquer outro. A concorrência desmedida entre Chacrinha e Silvio Santos levou Flavio a procurar cada vez mais atrações sensacionais. Tão sensacionais que semanas antes da punição, no início de 1973, ele havia apresentado o depoimento de um português que vivia na ilha de Marajó com um harém, assim como a filha deste, proibida de casar, pois já estava reservada ao próprio pai.

A revista Veja (21.3.1973) anuncia matéria com o titulo irônico: “Sessenta dias, maestro” (em outras palavras, isso significava o seguinte: o programa não seria visto em 13 estados do Brasil por um contingente aproximado de 10 milhões de telespectadores). O que vai deflagrar a punição, a gota d’água que entorna o copo, é a apresentação de um triângulo mineiro em que o marido empresta a esposa (ele estava impotente) para um amigo. Conversa vai conversa vem, a moça diz que gostaria de ficar com os dois. Flávio Cavalcanti recomenda, ao final, que a esposa retorne ao marido para o bem da família brasileira. Mas o mal já estava feito. O intransigente separador do joio e do trigo, como o chamou um crítico, dessa vez não soube manter-se nos limites permitidos para a televisão, não percebeu as nuanças. Daí a suspensão de 60 dias, agravada com boatos de que a Tupi seria suspensa, ameaça que se concretizada, significaria o baque definitivo. Mas tudo se limitou aos prejuízos causados com a diminuição das verbas publicitárias, obtidas através do programa de Flávio Cavalcanti.

A Folha de S. Paulo, de 22 de março do mesmo ano, publica matéria enviada pela sucursal de Brasília, em que se relata o diálogo entre o senador mineiro José Augusto (Arena), e o presidente da República, general Médici:

“Presidente, como representante de Minas, quero agradecer, em nome da família mineira, a decisão que V. Exa. tomou, a conselho de dona Scila, mandando suspender o programa Flavio Cavalcanti.”

O presidente da República interrompeu-o:

“O senhor está enganado. Eu mesmo assisti ao programa e fiquei horrorizado com o quadro.” E prosseguiu:

“Por falar em televisão, os noticiários que acompanho regularmente, no fim da noite, são verdadeiros tranquilizantes para mim. Vejo tanta notícia desagradável sobre a Irlanda, o Vietnã, os índios americanos, e no que respeita ao Brasil está tudo em paz.”

Se o general, originário do órgão máximo de informações (SNI), considera seriamente a existência de um hiato, de uma ilha de tranquilidade no mundo conturbado, imagine-se então qual sera a opinião do telespectador limitado a assistir ao que passa pelo crivo rigoroso da censura, pelo controle do Estado. “[…] Esse mesmo Estado vai adiante e determina os padrões dos programas, estabelece o que pode ser dito e o que não pode ser visto; classifica os programas mediante critérios subjetivos de moralidade, civismo e interesses de segurança nacional, subordina as emissões a esse tripé, cujo conteúdo só é permitido aos censores; paternalisticamente assume a defesa do cidadão brasileiro, que jamais adquire maturidade psicológica, e se dá ao luxo de graduar a moralidade, os bons costumes, o civismo e a segurança. Segundo essa graduação, algumas coisas são permitidas às 12 horas, outras às 15, outras às 19, outras às 20, outras às 22, outras ao final da noite, outras nunca, assim como antes já disciplinara o que é permitido ao jornal e proibido à televisão. O que é permitido à televisão e proibido ao radio e vice-versa, assim como o que é permitido ao teatro e proibido ao cinema, o que é permitido e proibido ao radio e à televisão.

Tem-se, assim, uma moral topográfica e uma moral cronológica.”[70]

Flávio Cavalcanti, no afã de ganhar pontos na audiência sobre seus concorrentes, derrapou, perdeu o equilíbrio. Não foi porque os programas de auditório, as mulheres de maiô, a distribuição de prêmios através da venda de carnês ou exibição de figuras insólitas desagradasse o governo federal. Pelo contrário, “quem não comunica se (es) trumbica, é o slogan gritado pelo país inteiro, e suas manifestações invadem todos os setores da atividade, inclusive a TV nos termos verde-abacate e outras padronagens da nova elegância. No caso específico da censura, entregue aos setores menos oxigenados das forças armadas, o limiar costuma ser mais baixo. Flávio Cavalcanti não sofreu punição de ordem moral ou demonstração de desapreço pela sua linha de atuação. Foi, antes por que ele errou na dose. Excedeu-se.[71]

Na fase posterior a 1968, seria até razoável que as emissoras afastassem da programação todo e qualquer telejornal. Mas a legislação impede: no mínimo 5% da programação diária deve ser destinada aos informativos. Um canal que fique no ar do meio-dia à meia-noite precisa transmitir um pouco mais de meia hora, um abacaxi que as emissoras menos aparelhadas têm que descascar, dispensando em geral as questões fundamentais ao exercício jornalístico, perguntas do tipo, quem? onde? por que? quando?, ausentes do noticiário. Mesmo os noticiosos da Globo e da Tupi, que contam com maior volume de recursos e de profissionais especializados, não conseguem manter a dignidade da notícia na TV. Mudam a forma, inventam cenários mas continuam impedidas de promover mesas-redondas, comentários mais aprofundados. Sem interpretação e comentário, como fazer jornalismo, como informar? A Tupi, que durante vários anos manteve no ar o programa de debates mais assistido — “O Pinga-Fogo”, prefere extingui-lo dada a conjuntura adversa (ele voltará em 76 ou 77). Justamente ele, que inúmeras vezes avançava pela madrugada, com altas temperaturas permeando as discussões e situações memoráveis. De imediato, duas pelo menos: a presença do então diretor de trânsito de Sao Paulo, Coronel Fontenelle, e outra onde quase se atracam a deputada arenista Conceição da Costa Neves e o dramaturgo Plínio Marcos.

Durante a Semana de Estudos de Televisão, patrocinada pela Escola de Comunicações e Artes (USP), em 1976, Fernando Pacheco Jordão, jornalista ligado TV Globo, apresentou um levantamento mostrando que o “Jornal Nacional” tinha na época uma audiência em torno dos 7 milhões e 500 mil telespectadores. O “Factorama”, exibido na Tupi, somava 2 milhões e 700 mil, e o de menor audiência, “Os Titulares da Notícia” (Bandeirantes), cerca de 700 mil, o que significa uma percentagem pouco acima dos 5%. Se compararmos essa audiência conjunta — apenas para o Estado de São Paulo —, com a tiragem dos principais diários (que não ultrapassam os 350 mil), justifica-se aos olhos do governo federal o fator “psicosocial” que motiva a vigilância estreita da censura.

Os obstáculos colocados ao pleno exercício do jornalismo televisivo estão tanto na distribuição das prioridades internas das emissoras (que devotam seus cuidados as telenovelas, muito mais rentáveis e menos problemáticas) quanto nos fatores externos que impedem, em última análise, o uso da informação jornalística como fator de barganha política. O profissional fica prejudicado porque sua área não é rentável. O público, por seu lado, recebe uma massa de press releases, matérias pautadas fora dos limites da redação e patrocinadas por grandes empresas, órgãos oficiais e agências internacionais. A coisa chega a tal ponto de sofisticação que mesmo a ausência de repórteres em determinados eventos não compromete o telejornal noturno, porque haverá alguém que cederá as imagens e o áudio.

Quando a Tupi, já nos seus estertores, enfrenta a derradeira greve dos seus funcionários, ficando seriamente ameaçada de paralisação total, sem condições técnicas para colocar seus telejornais em rede, o governo do Estado de São Paulo, através de vários órgãos e Fundações, socorre a emissora. E o que conta Humberto Mesquita em Tupi, a Greve da Fome:

“Aqui em São Paulo, o departamento de jornalismo, que funcionava apenas com Heitor Augusto e Aldo Madureira, tinha uma única incumbência: apanhar os filmes distribuídos pelo Serviço de Imprensa do Palácio dos Bandeirantes e levá-los ao aeroporto para serem transportados para o Rio de Janeiro e exibidos no telejornal que estava sendo feito ali. O governador Maluf era presença obrigatória, mesmo nos estertores da Tupi. A operação depois foi simplificada. Por uma ordem do Sr. Sérgio Martins Farrajóta, da divisão comercial da Fundação Padre Anchieta, a Televisão Cultura, Canal 2, que pertence ao governo do Estado, autorizou a Embratel a abrir canal para os estúdios da TV Tupi do Rio de Janeiro, para transmissão desse material jornalístico. E bom lembrar que os custos da canalização foram debitados à Secretaria de Informação e Comunicações do Estado de Sao Paulo.”[72]

TV EM CORES E A VISÃO COR-DE-ROSA DA CÚPULA ASSOCIADA

REDE TUPI DE TELEVISÃO

Há quase um ano, em junho de 1974, a Rede Tupi de Televisão consolidou-se com a transferência para São Paulo de toda a geração de programação e o comando da Rede.

De inicio, uma sensível melhoria no nível de toda a programação foi notada; ampliamos o mercado de trabalho e agregamos ao nosso elenco quase a totalidade dos artistas que trabalhavam na TV Tupi do Rio de Janeiro; aprimoramos a qualidade técnico-artistica, com a contratação de novos talentos.

Assim, podemos sintetizar nossa posição nacional:

Programação

A unificação da Rede Tupi em Sao Paulo, permitiu substancial redução nos custos de produção e melhor controle de qualidade da programação.

Pontos Básicos

A — Colorização da programação

Desde outubro de 74, passamos a gerar toda nossa programação, de horário nobre (19 h as 24 h) em cores, inclusive as novelas, passando a ser a (mica Rede com tal volume de cores de produção nacional.

B — Simultaneidade da programação

Utilizando as facilidades oferecidas pela Embratel, nossa programação passou a ser enviada para todas as emissoras componentes da Rede Tupi, através do ‘horário REDUZIDO’ da Embratel.

O que é horário reduzido? A Embratel colocou A disposição das redes de televisão um horário mais barato, da meia noite As 6 h. Produzimos toda a nossa programação e, na madrugada que antecede o dia da emissão, passamos, através das microondas da Embratel, a produção para toda a rede nacional. Assim, um capitulo de novela exibido em São Paulo e no Rio de Janeiro, hoje, estará sendo exibido também em todas as nossas emissoras no Brasil […] a simultaneidade da programação em toda a Rede do Amazonas ao Rio Grande do Sul, proporcionando, em qualquer parte do pais, uma exibição coerente com os modernos meios de comunicação em disponibilidade.

C — Nível de programação

A partir da centralização da Rede, procuramos eliminar de nossa programação programas com nível de maior apelo popular e com pseudo-informações culturais (Chacrinha, Flávio Cavalcanti e outros programas desse tipo).

Em contrapartida, estamos lançando campanhas institucionais […] visando A. preservação de nossas riquezas, bem como enviamos nossa mensagem de cultura e informações em todas as datas significativas de nossa história pátria, através de um calendário promocional já elaborado.

D — Jornalismo

Esse setor da Rede Tupi de Televisão passa, atualmente, por uma série de modificações, avaliações e renovações que, em rápidas palavras, procuraremos sintetizar:

1. Programação normal

a) Noticiário

Nossos noticiários normais são compostos de três edições, constando de três partes distintas: nacional, internacional e local.

A simultaneidade dessa transmissão, feita através da Embratel, em cores, promove a integração entre todos os Estados, pois funciona como elemento catalisador desse informativo, proporcionando a todo o telespectador uma visão panorâmica dos problemas nacionais, locais e internacionais.

2. Programa especial

a) Aconteceu

Programa jornalístico, realizado aos domingos. As 23 h, reunindo as principais noticias e fatos da semana, com maior destaque, seguindo a filosofia do jornal e da empresa, para as noticias nacionais.

E — Programação insertada

Estamos procurando reduzir ao mínimo a programação insertada, especialmente naqueles horários de grande audiência infantil. Dentro do prazo máximo de 60 (sessenta) dias, lançaremos uma nova programação para o horário diurno, totalmente produzido no Brasil pela Rede Tupi de Televisão. A partir de então, 80% (oitenta por cento) de toda nossa programação sera totalmente gerada pela própria Rede Tupi, utilizando apenas mão-de-obra e talentos nacionais, transformando-se numa nova fonte de empregos que possibilitará, a médio e longo prazos, a renovação de novos talentos artísticos e técnicos.

Conceito de Programação

A tônica de nossa programação é constituída de um trinômio básico e suas divisões:

  1. Educação
  2. Informação
  3. Entretenimento

a) Educação

Exibimos diariamente programas produzidos pela TV Educativa de São Paulo, bem como nos concentramos na realização de programas de utilidade pública, e, presentemente, estamos exibindo 6 (seis) filmes, como abaixo:

  1. Lixo: e versões, didáticas, com ensinamentos de higiene coletiva;
  2. Poluição: duas versões = marítima e ambiental;
  3. Ecológica: Queimada indiscriminada;
  4. Museu de Arte ‘Assis Chateaubriand’: mostrando o Museu e sensibilizando a opinião pública no sentido de ‘vá visitá-lo’ e a todos os demais.

b) Informação

  1. Produzimos um jornal vespertino, local e, às 21 h, geramos para todo o Brasil um grande jornal dividido em três partes: nacional, internacional e local, em cores.
  2. Domingo, As 23 h, produzimos e geramos nacionalmente um programa informativo, do formato ‘resenha’, com 30 minutos de duração.

c) Entretenimento

Dentro desse item e nos horários de maior audiência (18 h As 24 h), estão enquadrados uma novela com temática infantil, levando uma mensagem de fraternidade, três novelas para o público infanto-juvenil e adulto, bem como um espetáculo musical e/ou humorístico-musical, diariamente.

Também apresentamos filmes importados em número bastante inferior, comparativamente.

ÍNDICE DE PRODUÇÃO NACIONAL
2ª feira 18h30 às 22h15 225′ 83,33% P.N
3ª feira 18h30 às 22h15 225′ 83,33% P.N
4ª feira 247’5″ (superstar) 91,67% P.N
5ª feira 18h30 às 23h00 270′ 100%
6ª feira 18h30 às 23h00 270′ 100%
Sábado 18h30 às 23h00 270′ 100%
Domingo 19h00 às 23h00 120′ 44,44%
Média 86,11%

A — 18h30 As 23h00 = 270 minutos

A partir das 21 horas, exibimos um filme e retornamos a um programa de mais uma hora, também.

Para finalizar, falarei sobre programação em cores.

A Rede Tupi gera em média 7horas diárias de programação colorida, sendo 4h30 de programação própria representada por três novelas, dois noticiosos noturnos, um programa de entretenimento e 2h30 de programação filmada.

Mantemos no horário noturno 80% de programação em cores. Não raro ouvimos crÍticas por exibirmos ainda alguns programas importados; não procuram no entanto, os críticos, dados que os convençam que a televisão brasileira é a que mais produz programação própria em todo o mundo, com exceção dos Estados Unidos que consideram os filmes apresentados como programação própria no que […]

Na Europa, a produção própria de uma estágio de TV como a RAI (Radio e Televisão Italiana) não atinge a duas horas diárias, enquanto a Rede Tupi de Televisão atinge, de acordo com o dia da semana, de sete a oito horas diárias de produção própria. Considerando que a televisão brasileira ainda não tem apoio de produção, quer do cinema nacional quer do nosso teatro, achamos que o volume de produção nacional chega até a ser um milagre, principalmente em se falando de produção em cores. As referências que faço ao cinema e ao teatro não possuem nenhum caráter restritivo. Pelo contrário, mantemos a esperança de que o cinema nacional possa oferecer produção em cores em quantidade e qualidade suficiente para o aproveitamento das emissoras de televisão, e que o teatro nacional também ganhe maiores amplitudes de produção, pois deles já utilizamos grandes valores que tern sido de grande significado no contexto artístico para nossa produção própria.”[73]

O depoimento de Edmundo Monteiro — do qual acabamos de transcrever alguns trechos — é peça fundamental para se apreender algo da mentalidade que gerencia a televisão brasileira. No caso aqui, quem fala não e só o presidente da Rede Tupi de Televisão,[74] mas também o superintendente da area paulista do Condomínio Associado, justamente o setor mais deficitário e problemático do conglomerado.

Alguns pontos são destacáveis em seu relatório à Comissão de Comunicações da Câmara Federal:

1. “Há quase um ano, em julho de 1974, a Rede Tupi de Televisão consolidou-se com a transferência para Silo Paulo de toda a geração de programação e comando da Rede.”

Uma afirmação discutível. Em principio porque as evidências não indicam que a decantada transferência para São Paulo resulte de qualquer esforço no sentido de implementar medidas que minorem a crise Associada e terminem por lançá-la num patamar de eficiência operacional em que seja possível competir com a Globo em pé de igualdade E muito mais provável que as mudanças expressem mais um round na luta que se trava internamente entre os condôminos e não — conforme chegou a ser alardeado — uma tentativa de racionalização organizacional. A desmobilização do núcleo carioca não é a solução, como se veil no acompanhamento da trajetória seguida pelas Associadas, e serve de qualquer outra coisa para fortalecer as posições de Edmundo Monteiro entre seus pares. Além disso, a mudança ocorre — e não se trata de coincidência — em seguida a uma greve dos funcionários da Tupi carioca, um movimento mal digerido pela cúpula diretiva. Esse sim é um dos estímulos básicos a mudança, que ao final acaba premiando o núcleo paulista que, um ano antes, confirmando os sintomas de anemia financeira, havia vendido emissoras de radio e TV do Paraná para cobrir os déficits, contrariando as diretrizes tragadas por Chateaubriand ao conceber o Condomínio.

2. “Ampliamos o mercado de trabalho e agregamos ao nosso elenco quase a totalidade dos artistas que trabalhavam na TV Tupi do Rio de Janeiro.”

Outra afirmação que não resiste A análise, pois é difícil aceitar que a transferência para São Paulo contribua para a ampliacão do mercado de trabalho. O resultado é o inverso. A Tupi carioca desmantela departamentos, desmobiliza equipes inteiras e demite em massa:

“Há pouco mais de um ano a sede da TV Tupi mudou-se para São Paulo, onde hoje é realizada a maior parte (quase 80%) da programação. O que aqui se faz diariamente é um milagre desabafa Gontijo Teodoro, o ex-famoso Repórter Esso e diretor do Departamento de Telejornalismo da Tupi no Rio, porque tudo é feito sem condições. Os poucos funcionários que continuam a trabalhar, apesar da demissão em massa, acumulam duas ou três funções. Como Gontijo, que é diretor, locutor e até datilógrafo. Às vezes, prossegue Gontijo, ficamos numa situação tal, que se ocorresse um fato muito importante aqui em frente, na praia da Urca, a gente ia ficar de braços cruzados, porque temos câmeras, temos cinegrafistas, mas não temos o principal, que são os filmes.”[75]

3. No item C — Nível da programação — o Sr. Edmundo Monteiro afirma: “procuramos eliminar da programação programas com nível de maior apelo popular e com pseudo-informações culturais (Chacrinha, Flavio Cavalcanti e outros programas desse tipo)”

Dispensa comentários. Basta observar que a Rede Tupi transmite, em 1976, programas de Chacrinha e Sílvio Santos. No mesmo item, ainda completa: “[…] em contrapartida estamos lançando campanhas institucionais […] visando preservação de nossas riquezas, bem como enviamos nossa mensagem de cultura e informações em todas as datas significativas de nossa história pátria, através de um calendário promocional já elaborado”.

Uma incrível coincidência! A Rede Globo pensou na mesma coisa. Aliás, surpreendentemente, todas as emissoras tiveram o impulso único em direção ao “educativo”, divulgação de datas significativas. Do que se deduz o seguinte: a ideia não é original como sugere o depoente, e em segundo lugar, um projeto de aplicação tab generalizada só leva a concluir por alguma “sugestão” oficial, por um chamamento, a que todas as emissoras acorrem pressurosamente, sem delongas. Afinal o Estado, além de ser o grande anunciante da TV, é também o detentor das concessões para o seu funcionamento, estando portanto entre suas prerrogativas o poder de cassá-las. Nessa perspectiva, quem há de contrariá-lo?

4. No item D — jornalismo diz ele: “[…] A simultaneidade dessa transmissão, feita através da Embratel, em cores, promove a integração entre os Estados, pois funciona como elemento catalisador desse informativo, proporcionando a todo telespectador uma visão panorâmica dos problemas nacionais, locais e internacionais.”

A descrição rápida do cotidiano jornalístico, fornecida pelo jornal Opinião, dá-nos uma amostra do grau de iniquidades que assolam esse setor da TV Tupi. Faltam condições e recursos materiais mínimos para o desempenho da atividade jornalística (como fazer uma reportagem se não há filme?), mas isso não é o mais grave. Sistematicamente a empresa demite jornalistas — individualmente ou em massa — sem motivos aparentes, estabelecendo uma política de terror que se torna a marca registrada nessa “sobrevida” da Tupi. A oscilação da linha editorial, às vezes nitidamente comprometida com os poderes locais (Humberto Mesquita conta em Tupi: a greve da fome que urn funcionário era especialmente destacado para anotar o número de vezes que determinada autoridade paulista era citada nos telejornais da emissora), cria uma barreira insuperável ao jornalismo que não o louvaminheiro. O somatório comprova que o telejornalismo da Tupi — à exceção de alguns breves períodos — está comprometido na base, seja pela impossibilidade frequente de realizar reportagens, seja pela intromissão de “pauteiros” ou mesmo pela ausência compulsória do trabalho interpretativo. Nessas condições, fica difícil imaginar um padrão mínimo de qualidade nos boletins da Rede, e o resultado evidente é que os telejornais são rarefeitos, informam pouco ou quase nada, tornando-se cada vez mais dependente do material fornecido pelas agências internacionais e assessorias de imprensa/relações públicas dos órgãos oficiais. Nesses termos se pergunta: de que vale a simultaneidade orgulhosamente anunciada pelo presidente da Rede Tupi de Televisão?

5. Índice de produção nacional: Os indices apresentados sugerem um esforço de produção digno dos maiores encômios, mas aqui também ocorre alguma manipulação dos dados, no sentido de oferecer o quadro mais favorável possível da situação. Os cálculos são feitos sobre um horário especifico, das 18h30 às 23h, tradicionalmente reservado às telenovelas e programas musicais/humorísticos, daí a porcentagem elevada (86,11%) de produção nacional. Tomada a programação no seu todo, obter-se-iam outros índices, bastante inferiores, desmotivando a citação em relatório.

Rebatendo as críticas feitas à importação de programas (geralmente filmes e seriados), o presidente da Rede Tupi de Televisão defende a TV brasileira que, na sua opinião, juntamente com a americana, é a que mais produz programação própria, terminando por citar a RAI (Rádio e Televisão Italiana), para obter um saldo ainda mais favorável à Tupi, como se desconhecesse que a TV europeia funciona em bases totalmente diversas. Mesmo aceitando que produzir a totalidade da programação traz vantagens, porque no mínimo fortalece a emissora, tal trunfo não garante a presença de bons programas no vídeo. E não se trata aqui de discutir conceitos absolutos ou de ir contra o esforço de produção própria, inclusive porque essa questão nem sempre está bem situada, como veremos a seguir.

Conforme a política adotada pela maioria das emissoras (a exceção é a Globo) e que consiste em alugar os horários, a discussão sobre produção própria fica deslocada. Tomemos o caso da TV Tupi, por exemplo. O “Programa Flávio Cavalcanti”, o mesmo que foi suspenso por determinação direta do General Médici, pode ser definido como produção nacional, mas não é produção própria da emissora. Casos dessa natureza são rotineiros, tanto nas Associadas como nas demais emissoras, que têm como mais assíduos clientes as seitas religiosas (nacionais e estrangeiras) e as colônias árabe, japonesa, portuguesa e italiana, pelo menos no que diz respeito capital paulista.

Sendo assim, referir-se à alta taxa de produção nacional ou própria (os termos são deliberadamente confundidos) não contribui para o exame concreto das condições em que funciona a TV brasileira. Aliás, essa é a conclusão única que se tem ao final do depoimento do Sr. Edmundo Monteiro Comissão de Comunicações da Camara Federal. Discute-se o acessório, apresentam-se dados manipulados e reproduzem-se “conceitos” inconsistentes.

De acordo com suas palavras, a Rede Tupi de Televisão está solidamente estabelecida em todo o território nacional e preparada para lutar pela audiência com sua maior concorrente. O padrão da programação melhora dia a dia. Aumenta a oferta de emprego para os profissionais do setor. Concentra-se o núcleo de produção para aumentar a eficiência. Tudo esta melhor; vivemos no melhor dos mundos e não há do que reclamar, e quem o faz são os “criticóides”, como diz Edmundo Monteiro. Enfim, temos uma mistura perfeita de Pangloss com Omar Cardoso.

Nessa conjuntura tão favorável, em que se anuncia a arrancada das Associadas rumo consagração, é de se esperar um desempenho em curva ascendente. Mas o que se testemunha, até 1980, é justamente o contrário, é a trajetória para o caos. que o relatório e o depoimento de Edmundo Monteiro não tem compromisso com os fatos reais da realidade Associada.

A agonia Associada

O deputado Aurélio Campos, membro da Comissão de Comunicações e ex-funcionário da Tupi, comenta, a certa altura dos debates uma cena que viu na novela “O Sheik de Ipanema” (levada ao ar pelas Associadas), revelando sua estranheza por ter ouvido um dos autores “empregar a palavra comum para designar bolo fecal…”. Edmundo Monteiro responde prontamente e garante já ter tomado as medidas punitivas, “porque”, diz ele, “sou rigoroso nessas coisas”. Enquanto se discutem questões acessórias e detalhes secundários, o comovente drama vivido pelas Associadas não alcança nenhum IBOPE naquele fórum privilegiado.

E já que o assunto não vem à baila no decorrer da sessão, não sera certamente o “rigoroso” Edmundo Monteiro quem irá fazer qualquer referência à crise, à situação absolutamente caótica vivida pelo núcleo paulista, nem falará sobre as acusações que pesam sobre ele, entre as quais a de ter alienado parte do patrimônio (com a venda das emissoras de TV e radio do Paraná, sob sua jurisdição), sem a concordância unânime do Condomínio, como rezam as normas de funcionamento do conglomerado. Em 1974, quando Gilberto Chateaubriand, filho do “velho capitão”, entrara com uma ação requerendo a extinção do Condomínio Associado por decurso de prazo, alegando que não havia unanimidade dos participantes (e ele era a garantia disso) para a prorrogação do prazo da sociedade, inúmeras irregularidades vieram à tona.[76] Seu gesto, qualificado por outros acionistas como desestabilizador (a situação paulista o seria muito mais para o conjunto das empresas), serviu para revelar um pouco da paisagem interna: descalabro administrativo, a instituição de feudos regionais (cada um adotando processos próprios) e certas características “congênitas”, que com certeza passaram despercebidas no momento de criação do Condomínio e que terminaram por criar uma situação paradoxal, comentada publicamente: impossibilitados de passar suas quotas aos descendentes, alguns membros do condomínio se sentem estimulados a trocar a estabilidade financeira das empresas pelo interesse particular e imediato de cada um.

Não foi a ação impetrada por Gilberto Chateaubriand que gerou ou mesmo intensificou a instabilidade das Emissoras Associadas, que se mantêm, durante toda a década de 70, como a segunda rede de televisão em faturamento e audiência chegando mesmo a alcançar a liderança em inúmeras praças pelo país afora.[77] E é nesse contexto de vice-liderança “vitalícia” que se deve entender a sobrevida desse Condomínio, administrado por notáveis da República, uma vez que a presença da Rede Tupi de Televisão representava uma alternativa ao crescimento desmesurado da Globo, motivo de muitas reuniões de autoridades federais, entre elas o Ministro das Comunicações do Governo Geisel — Euclides Quandt. Se não fosse assim — percebida como instrumento para enfrentar a posição quase olímpica da Globo -, o que estaria motivando os órgãos oficiais de crédito a fazerem vistas grossas para as dívidas incomensuráveis das Associadas e, ainda mais, mantendo um fluxo continuo de verbas publicitárias?

Em 1975 o juiz da 5ª Vara Cível do Rio de Janeiro considera improcedente a ação impetrada pelo condômino dissidente, restando a Gilberto Chateaubriand o recurso de apelação, que é acolhido no ano seguinte pela 8ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do RJ, tornando assim o Condomínio praticamente extinto e obrigando as Associadas a emitir nota oficial garantindo que nada mudou em termos de funcionamento das empresas, ao mesmo tempo que anuncia um imediato recurso a instâncias superiores.

Um balanço geral do Condomínio Associado mostra que ele dá lucro. Segundo a revista Visão, em 1976 a performance de todas as empresas deixou um lucro de 150 milhões de cruzeiros, lucro proveniente principalmente de Brasília, Minas Gerais e Pernambuco. Em Brasilia, o condômino Edilson Cid Varella cuida das empresas locais – entre elas o Correio Brasiliense – e outras situadas em Goiás, RN, Maranhão e Mato Grosso. O que conta de fato é o jornal situado na capital federal, e sua condição de órgão preferido pelos altos escalões da República para “plantar” .notas ou sugerir pautas para reportagens de ocasião. Camilo Teixeira da Costa dirige a feudo mineiro, onde se localizam algumas das empresas jornalísticas mais sólidas do pais, como o tradicional O Estado de Minas. E Nereu Gusmão Baston é o homem que tem sob sua administração as empresas localizadas em Pernambuco, Alagoas e Sergipe, destacando-se o tradicional Diário de Pernambuco, o jornal mais influente do nordeste, com tiragem que alcança os 75 mil exemplares aos domingos.

A crise, como se vê, não está disseminada por todo o organismo Associado. Ao contrário, ela é localizada, está bem no centro de uma situação que envolve principalmente os núcleos paulistas e carioca. Nessas duas cidades, os principais jornais e revistas do grupo estão fechando (0 Jornal e a revista O Cruzeiro no Rio e, logo depois, O Diário de São Paulo e o Diário da Noite na capital paulista) ou enfrentam situação precária, impossibilitados de se manterem num mercado que se revela cada vez mais competitivo. De qualquer forma, a crise fica mesmo é com as emissoras de TV, principalmente em São Paulo, que sedia a rede e que portanto detém grande parcela de poder politico dentro do conglomerado. E preciso observar, também, que o segredo dos lucros assinalados há pouco está no mecanismo dos “vasos comunicantes”, em que as empresas lucrativas repassam recursos para as deficitárias, injetando dinheiro para cobrir os buracos financeiros do núcleo paulista, principalmente. Mas esse esquema é perigoso, pois pode oferecer uma face reversa e, portanto, o processo simbiótico pode concorrer para inviabilizar empresas em boa situação.

No início de 1977, Edmundo Monteiro e Armando de Oliveira, respectivamente Diretor-Presidente da Rede Tupi de Televisão e Superintendente para São Paulo, se afastam dos postos de chefia; o grupo de João Calmon se aproveita para tomar pé da situação, designando um homem de sua confiança – Rubens Furtado – para ocupar a superintendência, até os estertores da rede em 1980. Alguns meses depois de Furtado assumir o cargo, a direção do Condomínio adota uma medida de grande impacto: no dia 8 de novembro, em Brasilia, diante de uma plateia selecionada, constituída de empresários e inúmeros ministros de Estado o presidente do Condomínio apresenta Mauro Salles como o principal executivo do grupo, o homem que chega com a difícil missão de trazer a Tupi para os métodos administrativos do século XX. João Calmon faz um discurso de fé: “[…] Tomei a iniciativa de procurar um jovem empresário para assumir a responsabilidade da vice-presidência executiva dos Diários Associados, integrando uma nova estrutura que se caracterizará pela preocupação de distinguir nitidamente as linhas de ação dos proprietários e dos administradores. Ownership e management nem sempre se confundem, mas se harmonizam e se completam […]”[78]. Dessa vez parece que vai!

O prestigio de Mauro Salles como administrador renova as esperanças dos funcionários e artistas voltas com salários atrasados e outros problemas trabalhistas. Algumas novelas da TV Tupi alcançam bons índices de audiência, e na gestão de Mauro Salles a média geral tende a subir mais um pouco. O novo vice-presidente entra em contato com fornecedores, banqueiros, ativa novos projetos e nomeia um grupo de assessores de confiança no sentido de recuperar a Rede, a partir de São Paulo, ponto nevrálgico da crise.[79] Carlos Augusto “Guga” de Oliveira é nomeado para a superintendência de produção e programação, e Sérgio de Souza ocupa a direção do setor de jornalismo. Mas a fase de reerguimento Associado efêmera, e logo os planos são definitivamente soterrados. Guga e Sérgio de Souza são demitidos por João Calmon, e Salles, que nunca chegou realmente a tomar pé da situação, nem viu a promessa de constituição de uma “holding” ser concretizada, também se afasta em março de 1978. Meses depois assumirá uma vice-presidência da Globo.

Durou pouco a tentativa de atualizar os métodos, de colocar ordem na casa, visando aos momentos mais delicados da transição política, que se avizinhava a partir da escolha do novo presidente da República, e que poderia ter significado uma redenção ao conglomerado. No plano interno não deu certo porque as empresas funcionavam ainda em nome dos métodos utilizados por Chatô, só que na ausência do líder supremo os métodos “eficientes” foram substituídos pelo caos administrativo. Como um organismo doente, vivendo à base de sedativos para combater os sintomas mais imediatos, as Associadas apresentaram forte rejeição ao novo tratamento.

Na sequência acidentada dessa fase terminal, onde se alternam períodos cada vez mais efêmeros de otimismo com fracassos crescentemente retumbantes, voltam, depois da saída de Mauro Salles, as promessas de regularização. O salvador de plantão agora é Camilo Teixeira da Costa, o superintendente mineiro — e também condômino –, que traz a aura de administrador austero e eficiente. Mas austeridade e eficiência talvez não bastem, a essa altura, para levantar a Rede Tupi.

Em julho de 1978, como a ilustrar a nova estratégia implantada, a Tupi leva ao ar “O Direito de Nascer”, tentando na base da reciclagem de material antigo (fora um sucesso em 1964!) empurrar a crise para a frente. Em outras palavras, as Associadas em curto prazo cometem uma guinada de 180 graus, e a imagem que permanece é a de um barco à deriva, com óbvias repercussões junto aos anunciantes e opinião pública em geral. Na sequência imediata a um esforço de renovação/recuperação que não se pode sequer avaliar pela exiguidade do tempo que durou, surge uma volta ao passado como se o país — e principalmente o telespectador — não tivesse mudado.

Mas com a Tupi foi sempre assim, a convivência entre o novo e o arcaico. De um lado entra “O Direito de Nascer” e, de outro, vai ao ar “Abertura” (domingo à noite, 22 horas depois de terminado o “Fantástico” da Globo), lançado em janeiro de 1979, uma produção independente sob direção de Fernando Barbosa Lima, cujo patrocinador — a Caixa Econômica Federal — provavelmente influi na escolha da Tupi. O programa revela no título que está afinado com a estratégia de um sistema politico que tenta se renovar para permanecer. Mas é inovador, sem dúvida: dividido em quadros, apresenta entrevistas inteligentes, documentários, música e a estrela maxima — Glauber Rocha, verborrágico e exuberante, arrasando o bom-mocismo das imagens televisivas com seu tom informal e agressivo.

Estamos já nos últimos capítulos da novela Associada. Fecha o Diário da Noite em São Paulo e sai Camilo Teixeira da Costa para dar lugar a Rubens Furtado, como novo diretor geral, que convida Walter Avancini para ocupar o cargo de diretor superintendente de programação. Em almoço oferecido pela ADVB (Associação dos Dirigentes de Venda do Brasil), no mês de julho de 1979, é tentada uma nova injeção de ânimo, e Rubens Furtado diz: “[…] temos que tentar plantar uma televisão com compromisso social, com compromisso com o país. Um país que marcha para a conquista da justiça social precisa ter uma televisão com essa preocupação. Por isso fomos buscar talentos, entre eles o Avancini, mas não tentaremos vencer os concorrentes imediatamente”. Mas adiante ele reitera: “Estou pagando para ver insisto. Faremos uma Rede Tupi renovada, com inteligência, mas sem elitização. Podemos até fracassar, mas tendo feito uma televisão decente, com responsabilidade social e brasileira”.[80]

Belas palavras, mas que não encontram ressonância na realidade. A Rede Tupi está adernando rapidamente; enquanto isso vai loteando seus horários para inúmeras seitas (inclusive estrangeiras e de respeitabilidade duvidosa), empresas e grupos étnicos, num verdadeiro leilão que desmente completamente as boas intenções apregoadas por Rubens Furtado. O ano de 1980 se inicia com o agravamento da crise interna em São Paulo, devido ao atraso de salários dos funcionários. O ambiente é de suprema melancolia e quando por fim é anunciado o pagamento, a decepção é ainda maior: os cheques da Tupi não tem fundos! Já não é possível sequer exibir regularmente as novelas, porque está quase impossível gravá-las.

É o fim. Os funcionários estão em greve há meses e um grupo se desloca para Brasília acampando no Congresso Nacional, e há ainda quem imagine — dado o retrospecto Associado e o currículo dos principais dirigentes do Grupo que uma saída será encontrada. Mas dessa vez nem os condôminos — que sabem estar as Associadas completamente exauridas — nem as autoridades federais que injetaram generosamente recursos públicos numa rede falida — estão dispostos a acreditar na sobrevivência, tanto que nos bastidores outros grupos já se lançam à conquista do espólio.

Em julho de 1980, um ato governamental extingue a Rede Tupi de Televisão.

Óbito

Em julho de 1980 — dois meses antes de completar 30 anos de existência —, a TV Tupi de São Paulo, um dos marcos do pioneirismo de Assis Chateaubriand, é extinta. Com ela, várias outras emissoras são consideradas peremptas, conforme a nota oficial emitida em Brasília: TV Tupi do Rio de Janeiro, TV Itacolomi de Belo Horizonte, TV Piratini de Porto Alegre, TV Marajoara de Belém do Pará, TV Rádio Clube de Recife e TV Ceará de Fortaleza. E o fim da Rede Tupi de Televisão.[81]

Mas significa o final das empresas Associadas? Ao que parece, isso não ocorre pois passados já alguns anos as empresas continuam funcionando em vários pontos do país, funcionando normalmente. E mesmo aquelas fechadas pelo governo — cuja autorização de funcionamento passou a outros grupos —, ainda permanecem nas listas dos maiores devedores junto à Previdência Social e outros órgãos oficiais. Em outras palavras, ninguém — à exceção dos funcionários das emissoras — foi penalizado pelo acúmulo de erros cometidos ou pelo malbaratamento de um conglomerado de empresas que chegou a ser o maior da América Latina.

OBRAS CONSULTADAS

Debates, Casa Grande, Coleção Opinião. Rio de Janeiro, Inúbia, 1976.

Ávila, Carlos Rodolfo A. A Teleinvasão (A participação estrangeira na televisão do Brasil). São Paulo, Cortez/Unimep, 1982.

Caparelli, Sérgio. Comunicação de Massa sem Massa. São Paulo, Cortez, 1980.

_____Televisão e Capitalismo no Brasil. Porto Alegre, L&PM, 1982.

Carvalho, Elisabeth et alii. Anos 70: Televisão. Rio de Janeiro, Europa, 1980.

Carvalho e Silva, Luís Eduardo P. de. Estratégia Empresarial e Estrutura Organizacional nas Empresas de TV Brasileiras. São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, 1983. (Dissertação de mestrado).

Costella, Antonio F. O Controle da Informação no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1970.

Eco, Umberto. Diário Mínimo. Barcelona, Península, 1973.

Fernandes, Ismael. Memória da Televisão Brasileira. Sao Paulo, Proposta Editorial, 1982.

Mesquita, Humberto. Tupi: A greve da fome. São Paulo, Cortez, 1982.

Milanesi, Luiz Augusto. O paraíso Via Embratel. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.

Porto e Silva, Flávio Luiz. O Teleteatro Paulista nas Décadas de 50 e 60. São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura — Idart, Cadernos n° 4, 1980.

Sodré, Muniz. A Comunicação do Grotesco. Petrópolis, Vozes, 1971.

_____O Monopólio da Fala. Petrópolis, Vozes, 1981.

Sodré, Nelson Werneck. A História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.

Tinhorão, José Ramos. Música Popular — Do gramofone ao rádio e TV. São Paulo, Ática, Coleção Ensaios (nº 69), 1981.

INIMA F. SIMÕES

Assisto TV desde garoto, quando minha avó ganhou um aparelho e a vizinhança vinha correndo assistir “O céu é o Limite” na minha casa. Mais tarde, na adolescência, mudei para o interior e lá em Tupã me dedicava mais a curtir os Beatles e Rolling Stones, inclusive porque as imagens da Tupi (a única que chegava em Tupã) eram um chuvisco total, e os telespectadores locais não conseguiam ver mais do que algumas sombras. Mesmo assim, a rapaziada já batalhava a sintonia para enxergar as maluquices que o Fernando Faro mostrava nos seus programas (“Móbile”, “Colagem” etc.) e mais tarde já em 68, todos nós éramos fãs do “Beto Rockfeller”.

Quando entrei na USP, em 1970, soube que três áreas do meu interesse pessoal não eram bem aceitas. Futebol (era a época do tri) televisão e pornochanchada. Foram dois professores, Dante Moreira Leite, no Instituto de Psicologia, e Paulo Emilio Salles Gomes, na Escola de Comunicações, os responsáveis diretos pela manutenção dos meus interesses. Melhor: eles me estimularam a continuar estudando e pesquisando esses temas “pouco nobres”. Daí saiu uma tese sobre a pornochanchada, defendida na USP (e a espera de alguém que se interesse em editá-la).

Andei trabalhando como jornalista. Passei pelo Movimento e pelos primeiros tempos da Isto É. Fiz alguns documentários em cinema, escrevi alguns ensaios sobre erotismo e cultura brasileira, até que, por intermédio na Funarte, fiz esta pesquisa sobre a Tupi, da qual eu guardo muitas recordações da minha infância, inclusive um dos primeiros seriados cinematográficos — o “Rin-tin-tin”, aquele em que o cachorro ria para a câmera. A essa altura, aos 36 anos, trabalho na Secretaria da Cultura em São Paulo, fazendo pesquisas na área de cinema, e estou tentando publicar um trabalho exaustivo sobre os cinemas da cidade de São Paulo.

Só falta mesmo é resolver a minha ligação com o futebol. Talvez alguém me de uma chance de ser comentarista de futebol.

PS: Tenho um trabalho publicado, O Imaginário da Boca, a respeito do cinema erótico paulista dos anos 70. Pouca gente conhece, mas como consolação vários brasilianistas vieram me procurar para discutí-lo.

Notas

  1. Chateaubriand foi pioneiro em inúmeras frentes. Algumas delas: introduziu novas espécies bovinas no país, batalhou pela multiplicação dos aeroclubes e teve participação decisiva na formação do Museu de Arte de São Paulo.
  2. Pontes, Paulo. In: Debates Casa Grande, Rio de Janeiro, 1976. (Coleção Opinião) Editora Inúbia, p. 129.
  3. Pioneirismo é o que não falta na história das Associadas. As palavras-chave eram pioneirismo e progresso (que antecedem o termo desenvolvimento). Engajados nesses slogans, os órgãos do conglomerado criado por Chateaubriand invariavelmente carregam no tom, e não havia nos primeiros anos da década de 50 um jornal, emissora de radio ou revista que não ressaltasse tal elemento. O Cruzeiro, por exemplo, chegou a manter uma seção destinada a destacar os municípios brasileiros de maior progresso, lançando concursos do tipo: “terra roxa hoje, cidade pujante amanhã”.
  4. Sodré, Nelson Werneck. In: A História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1966. p. 461-3.
  5. Alvaro Moya. Depoimento à FUNARTE. 1982.
  6. “Será entregue oficialmente ao público paulista a Estação Televisora, das Emissoras Associadas.” Diário de São Paulo, 16.09.1950 — 2 seção, p. 1.
  7. “O Teleteatro Paulista nas Décadas de 50 e 60” — Secretaria Municipal de Cultura. S.P., 1981.
  8. Suplemento do Centenário. O Estado de S. Paulo, 4.10.1975.
  9. Milanesi, Luiz Augusto. Paraiso via Embratel, Ed. Paz e Terra. 1978.
  10. Idem à nota 8.
  11. Mantendo uma programação quase 100% ao vivo (pela inexistência do video-. teipe), a Tupi, para apresentar programas idênticos em SP e no Rio, via-se obrigada a manter esquemas semelhantes de produção nas duas cidades. Em outras palavras, com as inevitáveis adaptações locais nos estúdios do Sumaré e da Urca. Assim, “O Céu é o Limite”, por exemplo, mantinha no setor paulista o apresentador Aurélio Campos (que vai inspirar personagem semelhante no filme “Absolutamente Certo”, dirigido por Anselmo Duarte e produzido por Oswaldo Massaini), enquanto no Rio a função era desempenhada por J. Silvestre. Com os outros programas, a “duplicação” exigia o mesmo esforço.
  12. Será por esse motivo (pelo “TV de Vanguarda”) que a palavra elitismo surge de imediato, quando a referência recai sobre os primeiros anos de funcionamento da televisão no Brasil?
  13. Algumas nuvens surgem de vez em quando. Por exemplo, no episódio de compra da TV Paulista, em Sao Paulo, por Vitor Costa, ex-diretor da Rádio Nacional do Rio e homem muito próximo a Getúlio Vargas. O clima de mútua desconfiança que sempre cercou as relações entre Chateaubriand e Getúlio despertou suspeitas no primeiro quanto a alguma trama que estaria sendo articulada. Até 1955 são as seguintes as emissoras em funcionamento: TV Tupi (SP) — 18.9.1950, TV Tupi (RJ) — 20.1.1951, TV Paulista (SP) — 14.3.1952, TV Record (SP) — 27.9.1953, TV Rio (RJ) — 15.7.1955, TV Itacolomi (BH) — 8.9.1955
  14. As relações entre Chateaubriand e Getúlio, durante o governo constitucional deste, nunca foram harmoniosas. Entre os inúmeros atritos pode-se citar o episódio da Ultima Hora e os acontecimentos que culminaram com a morte do presidente. A oposição que as Associadas exerciam contra o governo vai provocar, na morte de Getúlio, uma violenta reação popular, que destrói suas instalações em Porto Alegre. Ironicamente, a revista — O Cruzeiro batia recorde de vendas na cobertura do desenlace da crise.
  15. Idem a nota 5.
  16. As palavras são de Umberto Eco ao se referir a Mike Bongiorno, apresentador da TV italiana. Interessante notar que cabe A perfeição ao nosso exemplo. Umberto Eco. Diário Mínimo, Ed. Peninsula, Barcelona, 1973. p. 93.
  17. “O programa da família Brastelim”, Movimento, 11.8.1976, p. 17.
  18. Vale lembrar, a pretexto de especulação descompromissada, que até os anos 50 sorvete, a despeito do fascínio invariavelmente exercido sobre adultos e principalmente crianças, era em geral visto como agente provocador de gripes, resfriados e outras doenças do peito, credenciado por histórias assustadoras. E nesse contexto que a Kibon deve ter investido recursos abundantes em publicidade, e o seu alvo inicial só poderia ser o público das grandes cidades, mais receptivo às inovações e, por conseguinte, menos sugestionável pelas explicações supersticiosas. Não é à toa que lembro isso. Afinal, quando a Coca-Cola entrou no mercado brasileiro, na década de 40, teve a “sensibilidade” de sugerir que o refrigerante fosse servido “fresco”. Só mais tarde os anúncios sugerem: “beba gelada”.
  19. Idem à nota 8.
  20. Introduzido pela TV Excelsior, o conceito de programação sera aprimorado pela TV Globo nos anos subsequentes, o que não significa, de forma alguma, que outras emissoras adotarão os mesmos princípios. Ao contrario, até os estertores da TV Tupi, vigora de fato o aluguel de horário, em que os “concessionários” produzem muitas vezes a totalidade de seus programas.
  21. Vale lembrar que, numa reforma ortográfica ocorrida antes, a letra K foi varrida do alfabeto.
  22. Idem a nota 7.
  23. Revista Briefing. n° 25, set. 1980, p. 10.
  24. Segundo a J. W. Thompson e o Grupo de Mídia, a televisão detinha, em 1962, 24,7% das verbas de propaganda, contra 18,1% em jornal; 27,1% em revista; 23,6% em radio; 6,4% em out-door e 0,1% em cinema. A partir dai a televisão só faz crescer a sua participação. 32,9% em 1963, 43% em 1967, 51,1% em 1974, para chegar em 1979, ainda de acordo com a mesma fonte, a 55,9%, enquanto o jornal fica com 20,1%, 13,007o para revista, 8,5% para o rádio (a queda mais flagrante), 1,5% em out-door e 0,6% em cinema.
  25. Radiolândia, nº 121, p 54, 28.07.1956, Rio de Janeiro. A revista, dirigida por Henrique Pongetti e Moysés Weltman, é publicação da Rio Gráfica e Editora, de propriedade de Roberto Marinho, também diretor de O Globo e futuramente da TV Globo. Surgida em 1953 para concorrer com a popular Revista do Rádio, Radiolândia vai ampliando gradativamente o espaço dedicado aos assuntos de TV até criar seções fixas. Só na virada da década, surgem as primeiras publicações inteiramente dedicadas à cobertura da televisão.
  26. O comentário de Eugenio Lyra Filho é ilustrativo de uma tendência predominante nas análises que se fazem sobre a contribuição social da TV no Brasil, em que ela é vista sob o prisma da evolução tecnológica. Dai vem sua capacidade de imantar a nação, de trazer o conforto doméstico já experimentado nos lares da Europa Ocidental e EUA. Em outras palavras, de nos colocar A altura dos países desenvolvidos. Quando a TV ainda tateia, já se imaginam as benesses da transmissão A distância; logo mais se anuncia pesarosamente: “pena que não seja em cores”. Depois vem a ideia de uma rede nacional e, por último, o video-cassete fornecendo aval A TV. De qualquer forma, repete-se a história da miragem no deserto. Ao se chegar ao oasis (tecnológico), percebe-se que a água e as palmeirinhas não estão ali, e sim mais adiante.
  27. O Estado de S. Paulo. Suplemento do Centenário, 4.10.1975.
  28. O Estado de S. Paulo: “Cinema perde a primazia em São Paulo”. 18.07.1965. Os dados utilizados no artigo foram fornecidos pelo Departamento de Estatística do Estado de São Paulo.
  29. Apesar das contradições entre os vários depoimentos, é provável que tenha ocorrido uma transmissão à distância em que um avião — em vôo cumpria função idêntica à das torres de transmissão.
  30. Em 1959, o Império Associado já havia chegado, segundo a maioria das fontes disponíveis, a 58 empresas, entre jornais, emissoras de rádio e TV, revistas, editoras, agencia de noticias, agencia de publicidade, fazendas, gráficas etc.
  31. Os condôminos: Armando de Oliveira, Belarmino Austregésilo de Athaide, David Nasser, Edmundo Monteiro, Edilson Cid Varella, Epaminondas Correia Barahuma, Ernesto Correa, Francisco Braga Sobrinho, Gilberto Chateaubriand, Bandeira de Mello, Joao Calmon, João Napoleão de Carvalho, José Pires de Sabóia Filho, Leão Gondim de Oliveira, Manoel Eduardo Pinheiro Campos, Nereu Gusmão Bastos, Odorico Montenegro Tavares da Silva, Paulo Cabral de Araújo, Renato Dias Filho, Osório Monteiro, Camilo Teixeira da Costa, Pedro Aguinaldo Fulgêncio, Manuel Gomes Maranhão e Martinho de Luna Alencar.
  32. Depoimento de Moysés Wellman à FUNARTE, 1982.
  33. O já falecido ator Fregolente foi protagonista de uma passagem memorável e ilustrativa dos tempos pré-VT. Acostumado a ler suas falas durante a encenação, ocorre-lhe num determinado dia, em meio ao teleteatro que está no ar, desaparecerem-lhe os lembretes, que estariam, conforme combinação acertada, no meio de algumas flores. Não se dando por achado ele simplesmente gritou: “Minhas dálias! Onde estão minhas dálias?”
  34. Além de exigir grande esforço de produção para confeccionar cenários a cada teleteatro, este gênero de programa demanda um conjunto extenso de tarefas a cada transmissão, envolvendo mobilização de quase totalidade dos recursos humanos e materiais disponíveis. Por fim, levado ao ar, há o risco permanente de não cair no agrado do público e do patrocinador, além do desgaste que se acumula com a renovação de todo o empenho para a transmissão seguinte. Em nome da racionalização que se vai impondo à TV brasileira, não surpreende que o teleteatro entre em processo de franca agonia. Com o VT a telenovela é gravada antecipadamente, e os capítulos são apresentados diariamente, sem que seja necessário o exercício de mobilização intensa que vigora no caso do teleteatro. Além das inúmeras vantagens quanto a rentabilidade, audiência, valorização do tempo publicitário etc., o sistema de produção da telenovela desafoga a produção da emissora.
  35. O que leva evidentemente a exageros. Novelas com 400, 500 ou até mais capítulos, que duravam tanto tempo que, no seu transcurso, ocorriam mudanças na direção da emissora, rescisões de contrato de artistas famosos (com inevitáveis reflexos na mortes repentinas para contornar a ausência de personagens, a mudança na orientação, a redução do elenco ou coisa que o valha. Virou regra se afirmar que uma novela tem de ter no mínimo 100 capítulos. A partir dai, afirmam os homens de TV, tudo é lucro.
  36. Depoimento de Alvaro de Moya à FUNARTE, 1982.
  37. Diário da Noite, 1.4.1964. .1A nessa época os governantes e politicos reconhecem o valor da mídia eletrônica no seu contato com o público. Quem melhor soube explorar as possibilidades dramáticas do veículo foi com certeza, Carlos Lacerda, cujo pronunciamento na TV, as vésperas da renúncia do Presidente Jânio Quadros, ficou registrado na história política recente do país.
  38. “O Direito de Nascer” já fora sucesso radiofônico nos anos 50, através de emissoras do Rio e SP. Naquela ocasião, como agora na TV, o patrocinador é o mesmo: a Colgate-Palmolive, que mantém um departamento especializado para adaptação de títulos de lingua espanhola apresentados em toda a América Latina com a apoio publicitário da mesma empresa. Dessa equipe da Colgate-Palmolive, duas pessoas pelo menos se destacam: Pola Vartuck, que mais tarde sera crítico de cinema no Estado de S. Paulo, e Glória Magadan, até o final da década o nome mais reverenciado no campo das telelágrimas.
  39. Depoimento de Lima Duarte à SMC (Secretaria Municipal de Cultura de SP — Idart) em 1980
  40. Durst, Walter G. In: Memória da Televisão Brasileira, de Ismael Fernandes. Proposta Editorial, SP, 1982, p. 43.
  41. São Paulo na TV, nº 347, 6.12.1965
  42. Ibid.
  43. Num ambiente em que impera a harmonia, a caridade e os bons sentimentos, não se estranha que os próprios profissionais se “contaminem” com as qualidades. É o que se lê em SP na TV nº 345, do mesmo ano de 65: “Gilberto Salvio é inimigo incontestável das injustiças, é sempre uma voz a se erguer quando a dignidade humana é ferida, não importando o grau de ascendência da pessoa atingida… Emociona-se diante das mínimas coisas, quer diante do desabrochar de uma flor, quer de um pôr-do-sol ou do sorriso de uma criança. Tem uma filha com a qual é extremamente carinhoso, passando horas ao seu lado diariamente. Para quem o conhece mais, sabe que ele é um jovem simples, de uma simplicidade simplória (sic) para quem a glória e a fama é consequência de um idealismo sem barreiras… Tímido, corando ás mais leves insinuações (?), não aprecia muito as aparições públicas, embora dedique às suas fãs um carinho todo especial”. O ator assume o lugar do herói — do herói impoluto e sem mácula.
  44. Aproveitando-se da popularidade da telenovela, Blecaute gravou O Direito de Nascer, sucesso do carnaval de 1966:”Ai, Dom Rafael
    eu vi ali na esquinao Albertinho Limontabeijando a Isabel Cristina

    A mamãe Dolores falou:

    Albertinho não me faça sofrer

    Dom Rafael vai dar a bronca,

    E vai ser contra ‘O Direito de Nascer’…”

  45. E preciso notar que as vendas de aparelhos receptores vêm praticamente dobrando de ano a ano a partir da segunda metade da década de 50, para atingir cerca de 200 mil em 1960. “A partir de 1960, a evolução do mercado retrata as políticas de crédito executadas pelos diversos governos. Começando pela euforia inflacionária que culminou com a festança verificada em 1962 (300 mil aparelhos). Já no ano seguinte, uma tentativa de contenção de crédito colocou água na fervura, salvando-se todos, mortos e feridos, graças à reação do segundo semestre. A instabilidade político-financeira do país, no início de 1964, e a terapêutica que em seguida começou a ser aplicada às finanças nacionais fizeram daquele ano um longo período de dificuldades, daí o pequeno acréscimo verificado nas vendas (de 330 mil para apenas 340 mil aparelhos). Era porém uma simples amostra grátis do tratamento de choque que estava por vir, e naquele apagar das luzes de 1964, os votos de feliz ano novo entre os fabricantes de televisores não surtiram o menor efeito. Pelo menos quanto aos quatro primeiros meses de 1965, marcados pela talvez maior crise por que já passou o mercado, felizmente atenuada em tempo com uma substancial redução do então imposto de consumo. A reação no segundo tempo provocou uma demanda nunca antes verificada, compensando com juros as dificuldades iniciais, a ponto de as vendas terem totalizado 370 mil unidades, 9% acima do ano anterior. Para que se tenha uma ideia, o nível de estoques ao final do ano era suficiente para apenas três dias de vendas! Em 1968 aconteceria o maior salto do mercado em todos os tempos, quando, graças à instituição do crédito direto ao consumidor, as vendas aumentaram em cerca de 47% relativamente ao ano anterior, totalizando 700 mil aparelhos. A maior contribuição a um aumento tão substancial correu por conta das novas facilidades de crédito, abrindo as comportas para um considerável fluxo de consumidores, até então marginalizados e aguardando uma oportunidade para comprar os seus primeiros aparelhos.” (Suplemento do Centenário, O Estado de S. Paulo, 4.10.1975).
  46. Na sua missão de separar o joio do trigo musical, Flávio Cavalcanti participou de inúmeros julgamentos controvertidos. Em seu programa (TV Tupi) “Um Instante Maestro”, perpetrava análises severas, analisava com seu júri os novos lançamentos, quebrava discos; discorria sobre a imoralidade campeando nas letras e a falta de rimas bonitas. Na vez de Alegria, Alegria, o apresentador se dirige ao júri/telespectador e pergunta, entre chocado e incrédulo: “Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento… nada no bolso ou nas mãos, mas isso… vamos, me respondam… é poesia???”
  47. SP na TV, dez. 1965.
  48. Depoimento do deputado João Calmon, então deputado federal, prestado no Congresso Nacional no dia 13.4.1966 durante a CPI que investigava o acordo Time-Life. (In: Televisão e Capitalismo no Brasil, Sérgio Caparelli, Ed. LPM, p. 176, Porto Alegre, 1982).
  49. Transcrito de O Cruzeiro, 5.03.1966. In: O Capital Estrangeiro na Imprensa Brasileira, Genival Rabelo, Ed. Civilização Brasileira, 1966.
  50. Cinema perde a primasia em S. Paulo”. O Estado de S.Paulo, 18.07.1965.
  51. “O Fino da Bossa”, “Bossaudade” e “Papai Sabe Nada”, três programas que em 1965 comandam a teleaudiência (como se dizia na época) da Record, são relegados no Rio a um plano secundário, ocupando horário vespertino dos domingos, quase ignorado pelo público. Mas a TV Record dava o troco. E “Rio Hit-Parade” da TV Rio, apresentado aos cariocas no horário nobre, era visto em SP no período do almoço!
  52. A EMBRATEL é constituída em 1967 (foi criada em 1965) com a função de prestar serviços no setor das comunicações nacionais, implantando, mantendo, explorando e expandindo o sistema nacional. Apesar de tão recente, em 1971 a empresa já alcança — segundo a revista Visão , o 9º lugar entre as 200 maiores empresas do país.
  53. Desde o início da década de 60, as imagens da Tupi avançam gradativamente em direção ao interior do estado de São Paulo, provocando mudanças radicais no comportamento e nos hábitos da vida das pequenas cidades, como demonstra Luiz Milanesi em Paraíso Via Embratel. A TV torna-se símbolo máximo do progresso, tanto que os políticos e candidatos a cargos eletivos incluem invariavelmente, em suas plataformas eleitorais, promessas relacionadas recepção de imagens da TV em suas comunidades. Televisão e curso superior — principalmente Letras, Direito e Educação Física — tornam-se ambição máxima das cidades médias (com cerca de 30 mil habitantes) do interior paulista.
  54. O termo, programação é aqui aplicado sem qualquer rigor, significando, em geral, o conjunto dos programas apresentados numa emissora. Na verdade, somente a Globo (e anteriormente a Excelsior) adota e desenvolve o conceito de programação em toda a sua extensão, enquanto as outras, entre elas as Associadas, permanecem presas it política de aluguel de horários (eufemisticamente chamados de “espaços”), resultando um conjunto heterogêneo quando não, confuso.
  55. A televisão brasileira se manteve a parte de toda a discussão e efervescência cultural-artística que ocorre no país nos anos 60, que nos renderam obras marcantes no cinema, no teatro e na música popular. Por isso mesmo, tentativas como as levadas a efeito por Faro, e o surgimento do anti-herói numa telenovela têm o gosto do inusitado, ainda que essas imagens agora vistas na TV estivessem até certo ponto banalizadas em outros meios de expressão. No contexto em que se apresentam, a revelação dos meios empregados para fomentar o ilusionismo ou a presença de Beto Rockfeller tem importância garantida. E ocorreram na TV Tupi!
  56. Depoimento de Fernando Faro ao autor, em junho de 1982.
  57. Parte das informações obtidas está em Memória da Telenovela Brasileira, de Ismael Fernandes. Proposta Editorial. São Paulo. 1982.
  58. “A Volta de Beto Rockfeller” é de 1973 e também não conseguiu, nem de longe, reeditar o sucesso original.
  59. Fonte: ABINEE (Associação Brasileira da Indústria Eletro-Eletrônica) citado em relatório Denison.
  60. Suplemento do Centenário. O Estado de S. Paulo; p. 2, 4.10.1975.
  61. Como contraponto à incredulidade de muitos telespectadores, que preferiam acreditar numa encenação (“onde já viu, um homem na Lua !?”; “É pecado !”), testemunhou-se a adesão eufórica traduzida na voz do locutor de uma emissora de TV, que durante a transmissão, entre abraços, dizia: “Finalmente, chegamos à Lua!” O que nos faz recorrer à velha piada e perguntar: “Nós quem, cara-pálida?”
  62. Fonte: Grupo de Mídia. Citado em relatório Denison. Aqui uma observação complementar: as estatísticas não revelam o montante da publicidade acertada diretamente, sem intervenção das agencias aquela que se da principalmente no interior do país, envolvendo emissoras de rádio, jornais locais, circos, feiras, etc. etc., o que, supõe-se, não é nada desprezível.
  63. De acordo com relatório da Denison, uma inserção publicitária de 30 segundos, no horário das 20 horas, em qualquer dia da semana, menos domingo, custava na TV Globo de Sao Paulo (segundo semestre de 1980) Cr$ 424.170, e no Rio, na mesma emissora, Cr$ 241.380. Observe-se que, a essa altura, as emissoras Associadas já se encontram fora do ar.
  64. Citado num debate sobre televisão brasileira realizado na BCA/USP, em 1976.
  65. Quem não se lembra dos cigarros (ou cigarrilhas?) More, fumadas pelo Kojak e que viraram moda no Brasil via mãos/pulmões de executivos e granfinos em geral? A promoção foi bem orquestrada e não demorou muito para o lançamento de um sucedâneo nacional — marca de Maurier —, comprado nos fins de semana por trabalhadores de baixa renda.
  66. Essa impressão não é de todo absurda, pelo menos por um motivo: a produção de telenovelas esta toda centralizada em São Paulo, no caso Associado (a Tupi carioca Produz e gera shows musicais, programas humorísticos etc.), e o núcleo de produção da Globo está no Rio. Em 1974, a Tupi desmobiliza sua unidade carioca e passa quase exclusivamente a transmitir só de Sao Paulo.
  67. Idem, nota 29.
  68. O Brasil mudou. Nada de pioneirismos ou improvisações como na inauguração do primeiro canal, em 1950.
  69. Paraíso via Embratel, Luiz Milanesi, Paz e Terra, 1978.
  70. Seminário Latino-americano de Telecomunicações. Porto Alegre, de 21 a 25 de novembro de 1977. Intervenção apresentada por R. A. Amaral Vieira.
  71. O programa Flavio Cavalcanti transmitido aos domingos lidera a audiência Associada em todo o país, o que obriga a TV Globo a lançar, no mesmo horário, sua versão elegante de revista semanal — “Fantástico — O Show da Vida”
  72. Tupi: A greve da fome. Humberto Mesquita. Cortez Editora, 1982, p. 68-9.
  73. Trechos do relatório apresentado por Edmundo Monteiro A Comissão de Comunicações da Câmara Federal — junho/julho 1975.
  74. Em 1975, a Rede Tupi de Televisão contava com 15 emissoras próprias: Tupi (SP e RJ), Itacolomi e Alterosa (ambas em Belo Horizonte), Brasilia (Distrito Federal), Marajoara (Belém), Borborema (Campina Grande), Paraná (Curitiba), Ceará (Fortaleza), Piratini (Porto Alegre), Radio Clube (Recife), Itapoan (Salvador), Goiânia, Uberaba e Vitória (nas cidades do mesmo nome). As afiliada eram nove então: Bare (Manaus), Esplanada (Ponta Grossa), Cultura (Florianópolis), Atalaia (Aracaju), Coroados (Londrina), Morena (Campo Grande), Centro America (Cuiabá), Cidade Branca (Corumbá) e Rio Preto (São José do Rio Preto). No Estado de Sao Paulo, a Tupi possuía 17 retransmissores e utilizava 104 particulares (geralmente vinculados As prefeituras) e operava dois enlaces de microondas de sua propriedade. A Central da Rede, no Bairro do Sumaré, em SP, dispunha de sete estúdios, cinco unidades móveis (duas para cores), uma unidade móvel de video-teipe, 22 cameras de estúdio, 14 câmeras quadruplex de VT, três telecines, uma mesa extra de switch e sete de produção, além de uma central de áudio. (Dados extraídos do Suplemento do Centenário — O Estado de S. Paulo, 4.10.1975, p. 3).
  75. Telejornalismo O SHOW DA VIDA, in Opinião, 25.7.1975. Observe-se que o artigo é contemporâneo ao depoimento de Edmundo Monteiro à Comissão da Câmara.
  76. A legislação brasileira, pelo menos nessa ocasião, não previa a existência legal do condomínio eterno, ou seja, ele precisava ser revalidado a cada cinco anos por consenso absoluto de seus participantes.
  77. Vale citar o Jornal da Tarde (SP) de 14.9.1980: “Na area da publicidade das televisões uma verdade é incontestável: as maiores verbas de propaganda continuam canalizadas para a Globo, e a praça mais rentável é São Paulo […] Em 1976, a Globo/SP faturou mais de 1,1 bilhão de cruzeiros, contra cerca de 470 milhões da Tupi, 195 da Record, 180 da Bandeirantes e 43 da Gazeta; no mesmo ano, no Rio, a Globo arrecadou quase 950 milhões, a Tupi 240 milhões, a TV Rio 58 e a TVS 53. Em 1977 a Globo aumentou em cerca de 400 milhões em cada praga, a Tupi/ SP teve mais 200 milhões e a do Rio mais 100; a Record manteve-se praticamente inalterada, enquanto a TVS/Rio e a Bandeirantes/SP quadruplicaram seu faturamento e a Gazeta cresceu menos de 20 milhões. No ano de 1978 dobrou o fatura mento da Tupi e Globo nos dois Estados e da TV Record em SP; a TVS/Rio, Gazeta e Bandeirantes tiveram pequeno crescimento e a TV Guanabara (Bandeirantes) passou a arrecadar quase 230 milhões […].”
  78. Isto É, 12.4.1978.” […] oficialmente Mauro Salles não chegou a ocupar qualquer cargo, pois a Diários e Emissoras Associados Ltda., uma empresa administradora e de prestação de serviços, que teria amplos poderes sobre as demais empresas do grupo, não chegou a ser constituída.”
  79. Embora já estejam no ar quando da posse da Mauro Salles, vale citar duas novelas. “Éramos Seis”, novela adaptada por Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho, que vai ao ar de julho a dezembro de 1977, e que, para enfrentar a audiência de “As Locomotivas” da Globo, mudou de horário lançando um slogan criativo — “A Tupi mudou o horário de Éramos Seis assim você não perde as Locomotivas”. E outra — “O Profeta” –, no ar entre outubro de 1977 e março do ano seguinte, que chega a assustar a direção global no horário das 8 da noite, e que, entre outras atrações, apresentou o Cardeal D. Paulo Evaristo Arns e vários problemas com a censura.
  80. Folha de S. Paulo, 5.7.1979.
  81. Duas emissoras de TV escapam da cassação: A TV Brasilia e a TV Itaptd. E fica a impressão forte de que nos últimos tempos de funcionamento — prevendo o desfecho irremediável — as Associadas viveram um verdadeiro salve-se quem puder, em que se incluem denúncias veladas sobre desvio de dinheiro obtido com aluguel de horários. Quanto aos jornais, a situação não se altera. Algumas emissoras de rádio são fechadas, mas a maioria continua. E os ex-condôminos continuam à testa de suas empresas jornalísticas.

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