A amizade \u00e9 a mais robusta das rela\u00e7\u00f5es humanas porque, como veremos, ela n\u00e3o carrega a instabilidade da paix\u00e3o ou do desejo, elementos presentes no amor. Arist\u00f3teles, na \u00c9tica a Nic\u00f4maco<\/em>, afirma que n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel ser feliz sem que se busque a justi\u00e7a e a amizade. Entre os antigos gregos, para que a amizade seja aut\u00eantica, ela n\u00e3o se prende a qualquer la\u00e7o de utilidade ou de necessidade, caso contr\u00e1rio, trai-se a pr\u00f3pria rela\u00e7\u00e3o. A amizade \u00e9 tamb\u00e9m for\u00e7osamente rec\u00edproca, pois ningu\u00e9m pode se dizer amigo de outro que n\u00e3o o considere como tal. J\u00e1 o amor, pode ser solit\u00e1rio quando se ama sem que se seja correspondido, condi\u00e7\u00e3o comum e dolorosa. N\u00e3o se escolhe a quem amar, ao contr\u00e1rio da amizade, que \u00e9 uma rela\u00e7\u00e3o singular e eletiva. Ela diferencia-se de certas rela\u00e7\u00f5es sociais, como caridade crist\u00e3 (amor ao pr\u00f3ximo), que busca a universaliza\u00e7\u00e3o. A justi\u00e7a, por sua vez, n\u00e3o conhece a amizade porque ela precisa ser imparcial, sendo tamb\u00e9m movida por propor\u00e7\u00e3o e m\u00e9rito, de onde n\u00e3o se pode exercer perfeita justi\u00e7a para com um amigo sem tra\u00ed-lo, e vice-versa. H\u00e1 algo de insond\u00e1vel na amizade porque n\u00e3o escolhemos nossos amigos necessariamente por suas virtudes, o que justifica a s\u00edntese de Montaigne ao definir sua rela\u00e7\u00e3o com La Bo\u00e9tie: \u201cPorque era ele, porque era eu\u201d. Amigos s\u00e3o como espelhos um para o outro, j\u00e1 considerava Arist\u00f3teles. Est\u00e3o muito al\u00e9m da cortesia do trato social. Mais do que admitir, espera-se dessa rela\u00e7\u00e3o uma franqueza que vem da intimidade em meio a semelhan\u00e7as e dessemelhan\u00e7as de duas pessoas; \u201cos amigos gostam de falar juntos de tudo e de nada.\u201d Diante dessa entrega, cometer uma falta com um amigo est\u00e1 entre as trai\u00e7\u00f5es do pior tipo. A met\u00e1fora do espelho \u00e9 \u00fatil mais uma vez: um amigo \u00e9 capaz de mostrar ao outro aquilo que ele, sozinho, n\u00e3o conseguiria enxergar acerca de si. O amor para adquirir status de rela\u00e7\u00e3o necessita da amizade, al\u00e9m do desejo e da paix\u00e3o, mas seria absurdo definir a amizade como um amor incompleto. \u201cEm realidade, o que explica a estabilidade da amizade em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 precariedade do amor \u00e9 outro tra\u00e7o \u2013 uma caracter\u00edstica ontol\u00f3gica. A amizade \u00e9 uma rela\u00e7\u00e3o; a paix\u00e3o \u00e9 um estado; o desejo \u00e9 uma disposi\u00e7\u00e3o.\u201d<\/p><\/p>\n\n\n A amizade \u00e9 a mais robusta das rela\u00e7\u00f5es humanas porque, como veremos, ela n\u00e3o carrega a instabilidade da paix\u00e3o ou do desejo, elementos presentes no amor. Arist\u00f3teles, na \u00c9tica a Nic\u00f4maco<\/em>, afirma que n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel ser feliz sem que se busque a justi\u00e7a e a amizade. Entre os antigos gregos, para que a amizade seja aut\u00eantica, ela n\u00e3o se prende a qualquer la\u00e7o de utilidade ou de necessidade, caso contr\u00e1rio, trai-se a pr\u00f3pria rela\u00e7\u00e3o. A amizade \u00e9 tamb\u00e9m for\u00e7osamente rec\u00edproca, pois ningu\u00e9m pode se dizer amigo de outro que n\u00e3o o considere como tal. J\u00e1 o amor, pode ser solit\u00e1rio quando se ama sem que se seja correspondido, condi\u00e7\u00e3o comum e dolorosa. N\u00e3o se escolhe a quem amar, ao contr\u00e1rio da amizade, que \u00e9 uma rela\u00e7\u00e3o singular e eletiva. Ela diferencia-se de certas rela\u00e7\u00f5es sociais, como caridade crist\u00e3 (amor ao pr\u00f3ximo), que busca a universaliza\u00e7\u00e3o. A justi\u00e7a, por sua vez, n\u00e3o conhece a amizade porque ela precisa ser imparcial, sendo tamb\u00e9m movida por propor\u00e7\u00e3o e m\u00e9rito, de onde n\u00e3o se pode exercer perfeita justi\u00e7a para com um amigo sem tra\u00ed-lo, e vice-versa. H\u00e1 algo de insond\u00e1vel na amizade porque n\u00e3o escolhemos nossos amigos necessariamente por suas virtudes, o que justifica a s\u00edntese de Montaigne ao definir sua rela\u00e7\u00e3o com La Bo\u00e9tie: \u201cPorque era ele, porque era eu\u201d. Amigos s\u00e3o como espelhos um para o outro, j\u00e1 considerava Arist\u00f3teles. Est\u00e3o muito al\u00e9m da cortesia do trato social. Mais do que admitir, espera-se dessa rela\u00e7\u00e3o uma franqueza que vem da intimidade em meio a semelhan\u00e7as e dessemelhan\u00e7as de duas pessoas; \u201cos amigos gostam de falar juntos de tudo e de nada.\u201d Diante dessa entrega, cometer uma falta com um amigo est\u00e1 entre as trai\u00e7\u00f5es do pior tipo. A met\u00e1fora do espelho \u00e9 \u00fatil mais uma vez: um amigo \u00e9 capaz de mostrar ao outro aquilo que ele, sozinho, n\u00e3o conseguiria enxergar acerca de si. O amor para adquirir status de rela\u00e7\u00e3o necessita da amizade, al\u00e9m do desejo e da paix\u00e3o, mas seria absurdo definir a amizade como um amor incompleto. \u201cEm realidade, o que explica a estabilidade da amizade em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 precariedade do amor \u00e9 outro tra\u00e7o \u2013 uma caracter\u00edstica ontol\u00f3gica. A amizade \u00e9 uma rela\u00e7\u00e3o; a paix\u00e3o \u00e9 um estado; o desejo \u00e9 uma disposi\u00e7\u00e3o.\u201d<\/p>","protected":false},"featured_media":3538,"template":"","categories":[98,2,548,101],"tags":[7119,6,515,115,4518,23151,23150,14,261,157,23152,1087,2032,1769,1409,3245,2995,433],"yoast_head":"\n