Da liberdade dos antigos à liberdade dos modernos: o momento da Revolução Francesa
por François Hartog
Resumo
O uso da Antiguidade greco-romana como modelo de liberdade na Revolução francesa foi, para seus adversários, uma ilusão cujo principal responsável teria sido Rousseau, admirador da Esparta igualitária de Licurgo. Essa crítica não parte só dos liberais. Também Marx, ao criar seu conceito de ideologia, denunciou a relação ilusória com modelos republicanos do passado. No entanto os próprios revolucionários, como Saint-Just, afirmavam que o heroísmo não tem modelos. A referência antiga significava um começo absoluto e uma ruptura com a autoridade monárquica. O que os revolucionários buscavam era fazer vir o passado no presente por analogia. O resultado foi o Terror. Em vez de modelo, pesadelo. Condorcet já havia observado que os franceses aprenderiam mais se olhassem para a Inglaterra e a América. O tema reaparece em Benjamin Constant, no século XIX. Ele vê a liberdade moderna como liberdade individual ou civil, e a antiga como participação coletiva dos cidadãos no exercício da soberania. Reconhece que os antigos lhe despertam uma emoção mais intensa, comparada à fruição pacífica e burguesa dos modernos, no entanto afirma, contra Rousseau, que estes não podem se abster do governo representativo que os antigos ignoraram. A questão é a ambiguidade originária da Revolução que afirma o indivíduo e seus direitos, mas através do coletivo. Enquanto alemães como Winckelmann e Humboldt pregavam uma “imitação criadora” da Grécia, a Revolução fechou esse caminho aos franceses ao confundir as duas liberdades.
“Nossa revolução foi produzida em parte por homens de letras que, mais habitantes de Roma e de Atenas que de seu país, buscaram trazer de volta à Europa os costumes antigos.”[1] Assim se exprime, em 1797, o jovem Chateaubriand, então emigrado em Londres, em seu Ensaio histórico sobre as revoluções, no qual ele próprio se entrega a uma desordenada comparação das revoluções antigas e modernas, a uma interpenetração dos lugares, dos acontecimentos e dos protagonistas (“um caos, ele dirá num prefácio acrescentado em 1826, onde se chocam os jacobinos e os espartanos, a Marselhesa e os cantos de Tirteu…”). De acordo com o sentido ainda habitual da palavra, a revolução é aí apresentada como um retorno: seu projeto foi fazer voltar a Antiguidade[2] — Atenas, Roma e, sobretudo, Esparta, não nomeada na frase que, no entanto, vem concluir uma longa comparação entre os jacobinos e Licurgo, “indubitavelmente” o modelo destes. Mas a “cópia fatal” apresenta duas diferenças importantes: os imitadores foram mais radicais que o mestre, o qual, “deixando a seus compatriotas seus deuses, seus reis e suas assembleias do povo”, “não decapitou os cidadãos para convencê-los da eficácia das novas leis”. No princípio de sua ação havia um postulado completamente desconhecido da Antiguidade: o do progresso, da perfectibilidade da humanidade (“o famoso sistema de perfeição”).[3]
De maneira mais geral, é exaltada então a virtude dos antigos, celebra-se a liberdade romana e a igualdade espartana. Prefere-se Licurgo a Sólon, a Eunomia (boa constituição) espartana à Anarquia ateniense. Muito isolado entre os revolucionários, Camille Desmoulins optará decididamente, no momento em que lança o jornal Le Vieux Cordelier, pela democracia ateniense, pois somente ela conheceu “a liberdade de imprensa”.[4]
Essa interpretação da revolução como retorno ao antigo, isto é, como ilusão, o jovem visconde não foi o primeiro nem o único a fazê-la. A crítica dessa relação com a Antiguidade fora formulada desde antes do início dos acontecimentos revolucionários. Basta evocar as polêmicas já suscitadas em torno de Esparta, principalmente na segunda metade do século XVIII, e as reprovações (ou elogios envenenados) feitas tanto ao abade Mably quanto a Rousseau. “Que não dariam (meus adversários) para que essa fatal Esparta jamais tivesse existido”, eles cujo “embaraço é visível toda vez que é preciso falar de Esparta”, já observava este último em sua resposta às objeções suscitadas pelo Discours sur les sciences et les arts [Discurso sobre as ciências e as artes].[5] Quanto ao “ilustre Mably”, admirativo leitor de Platão, sabe-se que para ele “a Lacedemônia, ao sair das mãos de Licurgo, teve um governo tal como o deseja Platão”.[6] Nas Entretiens de Phocion [Conversas de Fócion], concebidas sobre o modelo dos diálogos platônicos, Esparta aparece de fato como aquela realização antecipada e durável da República perfeita de Platão. A crítica, que não poupou o abade em vida, virá malignamente alojar-se até mesmo em seu elogio fúnebre, composto por Pierre-Charles Lévesque, que entrará para a Academia das Inscrições em 1789, mas então conhecido apenas por sua Histoire de la Russie. A relação de Mably com Esparta é por ele apresentada como aquela “ilusão de que seu coração tinha necessidade”, portanto como um “erro”, “respeitável”, por certo.[7] Ainda estamos em 1787.
É por volta de Termidor,*[8] e posteriormente na primeira metade do século XIX, que esse tema da ilusão, retomado, amplificado, sistematizado e vulgarizado, passará a ser um topos, em torno do qual convergirão críticas de “esquerda” (partindo, especialmente, do meio dos Ideólogos e dos liberais) e críticas de “direita” (contra-revolucionária, e depois tradicionalista): é o erro de Rousseau, do Rousseau leitor entusiasta de Plutarco,[9] e de Mably, leitor ingênuo de Platão. Certamente a ilusão, generosa no início ou intrinsecamente ímpia, não será vista exatamente da mesma forma por uns ou por outros. Em todo caso, ainda em 1864, Fustel de Coulanges julgará útil iniciar sua Cité antique [Cidade antiga] partindo de novo da ilusão revolucionária e de seus malefícios. Isto para marcar melhor a distância que nos separa, que na verdade deveria ter-nos separado, dos antigos.
Criou-se uma ilusão sobre a liberdade entre os antigos, e somente por isso a liberdade entre os modernos foi posta em perigo. Nossos últimos oitenta anos mostraram claramente que uma das grandes dificuldades que se opõem à marcha da sociedade moderna é o hábito que ela adquiriu de ter sempre a Antiguidade grega e romana diante dos olhos.[10]
Que se pense também em Taine denunciando os malefícios da cultura clássica, quando, depois de 1870, ele se lança na longa pesquisa das Origines de la France contemporaine [Origens da França contemporânea]. Mas, já em 1795, C. F. Volney, “o ideólogo Volney”,[11] havia acusado o sistema de educação que prevalecia na Europa desde mais de um século:
Foram esses livros clássicos tão enaltecidos, esses poetas, esses oradores, esses historiadores que, postos sem discernimento nas mãos da juventude, a imbuíram de seus princípios ou de seus sentimentos. Foram eles que, oferecendo a ela como modelos certos homens, certas ações, a inflamaram do desejo tão natural de imitação, que a habituaram, sob a férula colegial, a apaixonar-se por virtudes e belezas reais ou supostas mas que, estando igualmente acima de sua concepção, serviram apenas para impressioná-la com o sentimento cego chamado entusiasmo.[12]
Posteriormente, as duas análises mais elaboradas dessa relação ilusória com a Antiguidade, ou melhor, de seus efeitos, serão produzidas primeiro por Benjamin Constant, depois por Karl Marx, que tornará a partir desse caso para refletir sobre os usos do passado nas crises do presente, esboçar o conceito de ideologia e finalmente convocar a fazer tábula rasa do passado.
Simples provedora de exempla (para homens que, tendo frequentado os mesmos colégios dos Padres, haviam todos lido Tito Lívio e Plutarco), referência comum e até mesmo em voga para falar comodamente do presente, retórica escolar imediatamente à disposição dos homens de discurso formados na língua de Cícero, terá sido a Antiguidade apenas isto para os homens da revolução — um espaço partilhado de lugares comuns, num século que havia progressivamente se cercado de todo um cenário antigo?[13] Ou ofereceu algo mais a esses novos atores que se introduziam na cena política? Modelos de ação heróica, um Plutarco em ato. “Todo um povo bradou por milhões de vozes: “Ser livre ou morrer”, dirá Quinet, antes de acrescentar em seguida: “Por que homens que souberam tão admiravelmente morrer não puderam nem souberam ser livres?”.[14] Basta pensar nas inumeráveis evocações, alusões e variações sobre a morte de Sócrates, de Sêneca ou de Catão, ou, em 1795 ainda, após a jornada de primeiro de prairial [nono mês do calendário republicano], no suicídio dos “últimos dos romanos”, nos convencionais Soubrany, Bougon, Romme.
No entanto, não foi a ideia mesma de modelo explicitamente rejeitada por Saint-Just? Ele que é ao mesmo tempo um dos principais acusados na polêmica surgida em torno da imitação da Antiguidade e de seus malefícios, ele que tentou, várias vezes, a identificação com Bruto?
Não duvideis, ele anuncia, tudo o que existe em torno de nós é injusto, a vitória e a liberdade cobrirão o mundo. Não desprezeis nada, mas não imiteis nada do que se passou antes de vós, o heroísmo não tem modelos. É assim, repito, que haveis de fundar um poderoso império, com a audácia do gênio e a força da justiça e da verdade.[15]
Um mundo acaba, outro começa. Saint-Just redescobre e retoma o discurso da revolução sobre si mesma em seu desejo de pensar-se, de afirmar-se como começo absoluto e ruptura instauradora. Para melhor contra-dizê-la, Tocqueville começou por apresentar a formulação mais categórica dessa ideia: “Os franceses fizeram em 1789 o maior esforço ao qual jamais se entregou povo algum, a fim de cortar em dois, por assim dizer, seu destino, e separar por um abismo o que haviam sido até então do que queriam ser dali por diante”.[16]
Sendo assim, qual pode ser o sentido e o alcance da referência antiga: evocar incessantemente os modelos ilustres, Licurgo e Esparta, Bruto ou Catão? discutir recorrendo a citações de Tácito, embora recusando fundamentalmente a ideia e a prática da imitação? E por que justamente esse passado, quando a querela dos antigos e dos modernos havia muito fora decidida em favor dos modernos, e quando o século não careceu de bons espíritos, de Voltaire a Condorcet passando pelos fisiocratas, para inventariar tudo o que separa os Estados modernos das pequenas repúblicas antigas e convidar a adotar uma postura decididamente moderna?[17] Para além da cultura comum (aliás, tanto aos admiradores quanto aos detratores da Antiguidade), encontramos o papel essencial de Mably e de Rousseau. A referência antiga, passada no filtro de suas obras, vem inscrever-se e atuar em seu próprio universo de referência. É ali que seus leitores vão encontrá-la ou reencontrá-la antes de a usarem por sua vez.
É o caso do advogado no Parlamento de Bordéus, Guillaume-Joseph Saige, estudado por Keith Baker; que o nomeia justamente um “republicano clássico”.[18] Antes de lançar em 1775 um Catéchisme du citoyen [Catecismo do cidadão], panfleto anônimo e condenado, ele havia publicado, em 1770, Caton ou Entretien sur les libertés et les vertus politiques [Catão ou Conversa sobre as liberdades e as virtudes políticas]. Quando morre a República, três filósofos, Catão, Cícero e Favônio (o narrador), discutem sobre as relações entre liberdades públicas e virtudes cívicas, por um lado, despotismo e luxo, por outro. Tal diálogo, muito inspirado em Rousseau (o do Segundo discurso) e em Mably (até na escolha do título), não pode deixar de louvar Licurgo e a constituição de Esparta, “a obra-prima do espírito humano e o limite da perfeição política” que todo legislador moderno deveria procurar compreender ao máximo.[19] Nesse período pré-revolucionário, o recurso à Antiguidade e a colocação em cena e em palavras do republicanismo antigo são vias de ataque contra a autoridade monárquica. Segundo a fórmula de Baker, a linguagem do republicanismo clássico permitia a Saige uma redescoberta e uma reapropriação do político como ta1,[20] e fornecia-lhe um quadro conceitual (se pensarmos em Rousseau) para conceber a passagem daquilo que “os homens têm sido ao que eles podem ser”. [21]
Percebe-se aí um primeiro sentido possível da referência antiga e de seu uso no período pré-revolucionário: construir uma cena política para ajudar a pensar um espaço político (que não existe, deveria existir, existiu). A revolução vai ter um efeito de radicalização, chegando a produzir aquilo que, no discurso de Saint-Just, afigura-se o paradoxo da imitação: como conciliar o apelo aos heróis da Antiguidade, o retrato do republicano moderno como republicano antigo, e a recusa da imitação (“não imiteis nada…”) em nome da absoluta novidade proclamada do empreendimento revolucionário? No fundo, não há nenhuma contradição entre as duas proposições: a imitação não se opõe à novidade, ao contrário, é porque a revolução se vê como um começo que ela pode voltar-se para uma Antiguidade, concebida muito particularmente através da onipresente figura do legislador,[22] como surgimento originário e momento em que não há, por assim dizer, nenhuma distância entre o instituído e o instituinte. A Antiguidade “não é de modo algum um momento da história humana comparável a outros momentos. Ela tem um privilégio absoluto, pois é pensada como começo absoluto. É uma figura de ruptura e não de continuidade”.[23]
Ruptura, sim, surgimento, mas a Antiguidade assim percebida ou vivida fundamentalmente conforta. Pois o legislador é esse demiurgo que ao mesmo tempo exprime e domestica, traduz e controla esse surgimento, ao modelar a cidade à imagem de sua constituição. Com ele a ruptura é precisamente consumada: incorporada, instituída ou institucionalizada. Esparta, com Licurgo, passa quase sem transição da kakonomia, da desordem pré-política, à boa ordem da virtude cívica, a uma eunomia quase definitiva (Maquiavel via-a durar cerca de oitocentos anos). Com efeito, uma grande parte do fascínio que ela exerceu desde a Antiguidade provém de que é reputada ter sabido conjurar a mudança, impedindo, graças à sua constituição, que se aprofundasse a distância entre instituído e instituinte. A “decadência”, como sabemos pelo menos desde Xenofonte, começa com o “esquecimento” de Licurgo.
A figura (paterna) do legislador (sábio, genial ou divino) confirma que a Antiguidade dos revolucionários é muito pouco histórica, e que sua relação com ela não é em nada histórica. Mesmo se Hérault de Séchelles, aparentemente interessado em dispor de documentos originais, queria que lhe fornecessem “de imediato” o texto das leis de Minos para redigir um texto constitucional! De qualquer maneira, mais do que de história, tratava-se de jurisprudência e de busca de um precedente. Os revolucionários não pretendem nem ser antiquários ou genealogistas, reatando o fio de uma tradição interrompida por todos os séculos obscuros em que reinou o despotismo da Igreja e dos reis, nem fazer história, no sentido moderno, isto é, produzir ao final de uma pesquisa uma diferenciação entre um passado e um presente.[24] Muito ao contrário, eles buscam fazer vir o “passado” no presente, convocá-lo ou invocá-lo na imediação do presente, na urgência e na angústia também. Seu procedimento, que é antes pré-histórico ou a-histórico, tem por primeiro operador a analogia, na qual Nietzsche reconhecerá a motivação principal da “história monumental”. Eis aí sua força: “Se a grandeza passada foi possível ao menos uma vez, ela será ainda possível no futuro”; mas também seu defeito: aproximando o que não se assemelha, estabelecendo “como monumentais, isto é, exemplares e dignos de serem imitados, os efeitos em detrimento das causas”, “ela nos engana por meio de um jogo de analogias”.[25] É nisso que ela “lesa” o passado.
Qual é, ao todo, o estatuto da referência antiga quando proclamada pelos revolucionários? Procedente da história monumental, fundamentalmente analógica, ela obedece, além do mais, a uma lógica do quiproquó. Curto-circuitando o tempo, ela faz literalmente vir o “passado” no presente, instala-o no lugar, quando não em lugar do presente. O ganho, para os revolucionários, é poder “reconhecer-se”, por exemplo em Licurgo, e encontrar palavras para dizer o inédito de sua própria ação. Ela é também quiproquó no sentido ordinário de mal-entendido, já que a coisa não funciona nem para o passado nem para o presente (as analogias “lesam” tanto um quanto o outro), mas um mal-entendido produtor de efeitos: uma visão do mundo antigo (que se poderá partilhar ou que exigirá esforço em recusar) e uma maneira de compreender, portanto de dizer e de fazer o presente.
Ora, para seus adversários (ao menos aqueles de que falaremos aqui), o quiproquó (talvez inevitável) será visto, desmontado e denunciado como uma pura e simples ilusão. Não tardarão a reprovar a esses homens, que não obstante acreditavam decididamente no progresso tanto em palavras como em ações, terem ignorado por cegueira a marcha da história e confundido as etapas do espírito humano, etapas que tornam incomensurável a experiência antiga com as situações e as exigências modernas. Essa crítica é tão indiscutível quanto pouco pertinente, na medida em que todo o procedimento deles, por permitir a ponte analógica e os jogos da identificação, postula, em certos momentos, esse curto-circuito temporal e a experiência da contradição. Há aí dois universos intelectuais, dois procedimentos, duas relações com o mundo e o passado completamente diferentes, que se chocam, cada um com sua lógica própria: um pré ou a-histórico, o outro que encontrará sua realização no historicismo.
De maneira ainda mais ampla, através desse caso do uso da Antiguidade pela revolução, vê-se colocada de novo a questão, frequentemente retomada depois e jamais resolvida, da articulação do passado com o presente relativamente à ação, do uso do passado na ação. Marx, Nietzsche e muitos outros, Paul Ricoeur atualmente com a questão filosófica que lhe é própria, depararam com ela. Que lugar dar ao passado ou como desembaraçar-se dele? É ele um “pesadelo”, um “fardo”, recurso imposto ou deliberado, em suma, um modelo?
Nas páginas seguintes lembraremos primeiro os argumentos daqueles que, antes da e durante a revolução, criticaram, rechaçaram a referência antiga, seus usos, ou Melhor, seus maus usos. Pois suas reflexões têm basicamente um aspecto polêmico: organizando-se contra os que muito em breve serão acusados de terem querido fazer da França uma nova Esparta, essas críticas contribuirão largamente para autorizar a ideia de uma imitação, culminando no episódio da Montanha (através dos discursos de Robespierre, das teorias republicanas de Saint-just, dos projetos educativos de Le Peletier, da dramaturgia das festas revolucionárias) e do qual o Terror representaria a verdade: ao mesmo tempo sua realização última e a expressão (inevitável) de seu fracasso. Esse discurso crítico (articulado em torno da questão da liberdade) parece portanto tomar ao pé da letra a referência antiga, entendendo-a apenas no primeiro grau. Quando ela aparece na boca desse ou daquele, faz-se como se houvesse claramente a intenção de “regenerar” a França fazendo reviver as antigas repúblicas. Introduz-se a uma só vez a problemática da ilusão, de uma dupla ilusão, aliás: sobre o presente e sobre o passado. Os revolucionários enganaram-se duplamente sobre a realidade presente da França e sobre a realidade passada da cidade antiga. Essa dupla cegueira só podia conduzir ao fracasso da ação: eles não tinham palavras para dizer sua ação, e as que mobilizaram eram por demais inadequadas, as analogias que desenvolveram, muito forçadas, e os quiproquós, muito flagrantes.
Na elaboração desse discurso crítico — que, uma vez mais, não nasce nem em 1794 nem mesmo em 1789 —, Termidor representa um momento, os Ideólogos o meio no qual os argumentos vão ganhar forma, e a famosa conferência de Benjamin Constant, “Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos”, pronunciada em 1819, sua formulação mais acabada. Mesmo se, como atesta o título escolhido por Luciano Guerci para seu livro Liberta degli antichi e liberta dei moderni, a problemática fez seu caminho ao longo do século XVIII.[26]
Ao lado das numerosas páginas à glória das repúblicas antigas e de Esparta particularmente — quer se trate de Mably ou do cavaleiro de Jaucourt em seus artigos da Encyclopédié[27] — desenvolveu-se, durante o século XVIII, uma corrente crítica e mesmo francamente laconófoba. Guerci mostrou claramente como ela se fortaleceu depois de 1770 e de que maneira o recuo (relativo) de Esparta foi acompanhado, num movimento pendular, pela ascensão de Atenas, cidade comerciante, mas até então sempre condenada por causa de seu regime propriamente “anárquico”. Aí também a polêmica avançou depressa: concentrando o fogo sobre Esparta, os fisiocratas denunciaram a monstruosa escravidão dos hilotas. Em sua ofensiva, os modernos preveniram contra uma admiração muito pouco crítica pela Antiguidade: os espartanos não passam de monges-soldados, Esparta é um vasto claustro, e Atenas, a vítima do “despotismo democrático”. Condorcet, do mesmo modo, sempre mostrou-se crítico em relação às repúblicas gregas: já em 1774, numa dissertação inédita sobre a educação, ele atacava Licurgo, que só havia pensado em “fazer excelentes soldados pouco lhe importando que os lacedemônios fossem gentis e que permanecessem livres”.[28] Consequência importante: a Antiguidade não é mais atual e os antigos não podem mais servir de modelo. Aprende-se mais voltando-se para a Inglaterra ou, melhor ainda, em breve, para a América. Em 1786, Condorcet publica De l’influence de la révolution d’Amérique sur l’Europe [Da influência da revolução da América sobre a Europa]. Dela surge, em primeiro lugar, o exemplo dos direitos do homem: “exposição simples e sublime desses direitos tão sagrados e por tanto tempo esquecidos”.[29]
Por proposição de Pierre-Charles Danou, a Convenção decreta em abril de 1795 a compra e a distribuição de três mil exemplares de L’Esquisse d’un tableau historique des progrès de l’esprit humain [Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano], redigido durante os meses em que, proscrito, Condorcet escondia-se. Onde se situa a Grécia nesse vasto afresco dividido em dez épocas? Na quarta época. Após ter falado da ciência, da filosofia, do espírito grego, da morte de Sócrates (primeiro crime na guerra entre a filosofia e a superstição), Condorcet acrescenta que seria difícil encontrar “nas repúblicas modernas, e mes mo nos planos traçados pelos filósofos, uma instituição da qual as repúblicas gregas não tenham oferecido o modelo ou dado o exemplo”. Modelo? Exemplo? Ele evoca então as diferentes ligas com suas “constituições federativas”, tendo como corolário os progressos do direito civil e do comércio.
Mas “quase todas as instituições dos gregos”, ele acrescenta em seguida,
supõem a existência da escravidão e a possibilidade de reunir, numa praça pública, a universalidade dos cidadãos; e para avaliar devidamente seus efeitos, sobretudo para prever o que elas produziriam nas grandes nações modernas, convém não perder de vista um só momento essas duas diferenças importantes.
Não apenas restabelecida, a distância prevalece sobre qualquer proximidade possível: é portanto inútil, se não perigoso, recorrer aos antigos legisladores para tomar de empréstimo essa instituição ou aquele mecanismo constitucional, já que os pressupostos são diferentes. Uma “grande nação moderna” não pode nem se fundar. sobre a escravidão nem confiar na participação de todos nos assuntos públicos: é preciso um regime representativo. Por sua breve observação sobre a impossibilidade de reunir numa mesma praça o conjunto dos cidadãos, Condorcet recupera a questão da representação (tão difícil de compreender para os homens da revolução) e marca, sem deter-se nisso, o que será o principal ponto de afastamento, de ruptura entre as repúblicas antigas e uma república moderna, entre a liberdade dos antigos e a dos modernos.
Em seu Rapport sur l’instruction publique [Relatório sobre a instrução pública] (1792), ele já havia apontado, por meio de uma interrogação sobre a eloquência, esse afastamento: os antigos oradores podem ainda ser modelos de eloquência? Não, pois as condições mudaram radicalmente: Demóstenes falava “aos atenienses reunidos”, doravante, não se fala mais ao povo diretamente, mas a seus representantes.
Se uma eloquência arrebatadora, apaixonada, sedutora, pode às vezes enganar as assembleias populares, os que ela engana devem pronunciar-se apenas sobre seus próprios interesses; suas faltas recaem apenas sobre si mesmos. Mas representantes do povo que, seduzidos por um orador, cedessem a uma outra força que não a de sua razão, trairiam seu dever, já que se pronunciam sobre os interesses de outrem, e logo perderiam a confiança pública sobre a qual toda constituição representativa está apoiada.[30]
Necessária entre os antigos, essa eloquência seria hoje “o germe de uma corrupção destruidora”. Além disso, a rápida circulação da palavra impressa repercute sobre o exercício mesmo da palavra oral, portanto sobre a retórica que deve organizá-la: quase imediatamente impresso, o discurso vai ao encontro de seus verdadeiros destinatários: leitores ou “juízes frios e severos”. Outro tempo, outra eloquência, outro regime de persuasão: portanto, outro sistema de educação.
O que escrevem no mesmo momento os especialistas da Antiguidade? Como eles vêem as repúblicas antigas? Especialistas é certamente um termo anacrônico, mas ele indica uma diferença entre um sábio, teórico da história universal, como Condorcet, e um homem de letras como Pierre-Charles Lévesque, titular desde 1791 da cadeira de história e de filosofia moral do Collège de France. Lévesque fez-se conhecer inicialmente como autor da primeira verdadeira História da Russia, mas em breve, tanto em seus cursos como nas copiosas dissertações lidas com grande assiduidade perante o novo Instituto, irá centrar suas pesquisas sobre os gregos e os romanos.
Nascido em 1736, ele começa por aprender gravura, realiza estudos clássicos, liga-se a Diderot, graças ao qual irá lecionar durante sete anos na Escola dos Cadetes Nobres de São Petersburgo. Traz de lá sua História da Rússia (1781). Em L’Homme moral [0 homem moral], publicado em 1775, havia afirmado que é “vício e loucura” pretender mudar a forma de um governo (ele permanecia e permaneceu ligado aos Bourbons). Em 1788 publica um estudo sobre La France sous les cinq premiers Valois [A França sob o reinado dos cinco primeiros Valois], que lhe vale o ingresso, no ano seguinte, na Academia das Inscrições e Belas Letras. Na introdução, evocando os tempos da pura feudalidade, descreve uma França coberta de feudos nos quais “tudo o que não era nobre gemia na mais dura escravidão”. Como a maior parte de seus confrades, mostra-se discreto após a supressão das Academias (mas permanece em Paris e não deixou, ao que parece, de ministrar seus cursos no Collège de France).[31]
Ora, no ano II da República aparecem Les Apophthegmes des Lacédémoniens [Apotegmas dos Lacedemônios] extraídos de Plutarco, traduzidos por Lévesque, na Coleção dos Moralistas antigos de Didot, da qual ele foi o principal colaborador. Com esta dupla datação: ano II da República, 1794. Donde a questão imediata: antes ou depois de Termidor? Depois, há somente poucas semanas, sete, entre 27 de julho de 1794 e o final do ano H (21 de setembro). Antes, é preciso admitir então que a censura não foi além da primeira página (ou que ela não era o que se poderia supor). Com efeito, o volume começa por uma breve Nota em que se anuncia a retomada, após uma longa interrupção, da Coleção, justificando-se a seguir a escolha desse texto.
Julgou-se dever começar pelos Apotegmas e as Instituições dos Lacedemô-nios… porque esta pequena coletânea respira o amor à liberdade e a mais ardente coragem. Foram anexados os Pensamentos do mesmo autor sobre a superstição, porque não é menos útil aniquilar a superstição que degrada a alma do que exaltar a coragem que a eleva acima dela mesma.[32]
Até aí nada a censurar, mas tudo se modifica com as páginas imediatamente seguintes, consagradas à “Constituição política dos Lacedemô-nios”, nas quais se responde à questão: é o caso de “confirmar os elogios prodigalizados à constituição política deles”? Não, cem vezes não. Falar mesmo de leis espartanas já é um abuso de linguagem. Isso porque, recusando a lei escrita, Esparta jamais conheceu senão um “direito consuetudinário”. Lévesque desmonta a seguir o mito do legislador. De Licurgo, assinalava já Plutarco, em verdade nada se sabe. Sua Vida é portanto apenas o “resultado de tradições incertas, a maioria das quais se dissipam à luz da crítica”. Quanto à sua obra, “vê-se que ele estabelece em Esparta apenas a aristocracia mais opressiva, ou melhor, encontrou-a estabelecida e deixou-a subsistir”.[33] E conclui, após ter evocado os costumes “duros”, “grosseiros” dos homens e “desregrados” das mulheres: “Ele [Licurgo] deu aos espartanos a constituição que estavam mais dispostos a receber, e que apenas legitimava os vícios que não tinha o poder de corrigir”.[34] Anuncia-se a fórmula de Benjamin Constant: “Quanto mais Licurgo, mais Numa [Pompílio]”.[35] Longe de ser um demiurgo, o legislador, se quiser ser bem-sucedido, deve adaptar-se. Assim como não há começo absoluto, não há legislador “absoluto”. É preciso destruir o mito do legislador: mesmo Licurgo, “se é o autor das chamadas leis da Lacedemônia”, precisou compor!
Quanto ao resto, a igualdade espartana é explicada e denunciada por intermédio de longa comparação com o regime feudal. Reencontramos o Lévesque do estudo sobre os Valois. Os iguais? São senhores feudais. Seus lotes de terra? Feudos, cultivados por seus servos, os hilotas. Humilhação e opressão pesam sobre a população inteira. “Esparta oferecia portanto o quadro do que se vivia na França sob a primeira e a segunda raças, quando uma casta pouco numerosa e privilegiada atribuía-se a ela somente o nome de povo francês…”[36] Por meio desta comparação provocadora, Esparta, longe de ser o modelo disponível ou a utopia possível, é reduzida a um momento claramente datado e, felizmente, há muito ultrapassado da história da França: “É o mesmo estado de barbárie no qual definhavam nossos antepassados, quando o regime feudal estava ainda em toda a sua força”.[37]
Assim se apresenta essa demolição, provavelmente a mais radical por sua vontade de fazer equivaler Esparta e feudalidade extrema. Até então,Lévesque jamais a havia escrito ou concebido, e quando, alguns anos mais tarde, retomar numa dissertação sua demonstração, ele preferirá atenuar a comparação, sem todavia suprimi-la. Seguramente, ele jamais foi um zelador de Esparta, como podemos já nos convencer lendo, ironia, seu Éloge historique [Elogio histórico] de Mably, o grande laconólatra perante o Eterno.[38] Recordando os grandes traços da Lacedemônia do abade, ele a qualifica de “belo apólogo” com finalidade moral. Mas, sobretudo, as críticas fazem-se mais precisas nas “Observações e discussões” que vêm logo a seguir do elogio propriamente. Contra os ataques que evidentemente lhe desferiu Mably, Lévesque defende Sólon, exprimindo já aquela ideia de que o legislador deve adaptar-se: Licurgo à dureza espartana, Sólon aos costumes “suaves e decentes” dos atenienses, que queriam não um legislador., mas um reformador. “Ele restaurou, escorou o edifício que não lhe permitiam reconstruir.”[39] L’Homme moral já havia exposto que era extremamente perigoso querer reconstruir de cima a baixo. O legislador não é senão um reformador: mais vale Sólon, que desde o início teve esse projeto, do que Licurgo, que no final de contas não pôde fazer outra coisa senão adaptar-se à natureza viciosa dos espartanos. Em troca, a assimilação entre igualdade espartana e feudalidade ainda não era sugerida, embora ele estivesse terminando seu livro sobre os Valois. Foram necessárias portanto outras circunstâncias para que os dois domínios interferissem e o curto-circuito analógico operasse.
Os Apotegmas situam-se, por assim dizer, de ambos os lados de Termidor: antes e depois. Com efeito, conforme se introduza ou não o texto sobre a constituição de Esparta, a publicação muda de sentido. Sem ele, é uma contribuição muito ordinária ao mito espartano, com ele, é sua demolição. A ponto de podermos nos perguntar se os Apotegmas propriamente ditos não seriam então bem mais que um pretexto, ou uma ocasião que permitia dissipar as ilusões sangrentas nas quais alguns se compraziam ainda na véspera. Portanto, trabalhar sobre a Antiguidade não era necessariamente, ou não apenas, um refúgio, mas comportava um desafio, e até mesmo uma urgência.[40]
Essa mesma denúncia é retomada, às vezes no tom do panfleto, por Volney em suas Leçons d’histoire [Lições de história] ministradas na Escola Normal nos primeiros meses de 1795.[41] Criada em 9 de brumário do ano III, a Escola Normal tinha por missão “formar os formadores”, eles próprios encarregados de espalhar a seguir as luzes em todas as partes da República. Volney, tão logo liberado da prisão (fora detido por dívidas), é chamado para ocupar a cadeira de história. Na edição separada que fará das Lições, um longo subtítulo resume seu projeto:
Obra elementar, contendo ideias novas sobre a natureza da história, sobre o grau de confiança e o gênero de utilidade de que ela é suscetível; sobre o abuso de seu emprego na educação da juventude; e sobre o perigo de suas comparações e de suas imitações geralmente viciosas em matéria de governo.
Educação, comparações, imitações, abusos, são algumas das palavras que visam muito particularmente aos usos recentes da Antiguidade. Em realidade, a sexta lição é um ataque extremamente violento contra a “nova seita” que “jurou por Esparta, Atenas e Tito Lívio”. E, logo em seguida, vem a problemática da ilusão: “O que há de bizarro nesse novo tipo de religião é que seus apóstolos não tiveram sequer uma ideia adequada da doutrina que pregam, e os modelos que nos propuseram são diametralmente contrários a seu enunciado ou à sua intenção”.[42] Reencontramos a aristocracia espartana e seus servos. Volney vê “uma aristocracia de 30 mil nobres”, enquanto os hilotas aparecem como “espécie de negros”. Depois a comparação amplia-se, desfilando todas as grandes figuras da barbárie:
Gêngis Khan, os mamelucos [soldados turco-egípcios], os hunos, os vândalos, e até mesmo os iroqueses (os espartanos são “os iroqueses do mundo antigo”). É exatamente nessa amável companhia que convém colocar esses gregos e romanos erigidos como modelos. Vem a seguir a denúncia do segundo momento da ilusão (sobre o presente). Nem pela extensão, nem pelo número da população, nem pelos costumes, nem, em verdade, pelo que quer que seja, este “grande corpo de nação” que é a França pode ser comparado a esses povos “pobres e piratas”, quando não “semi-selvagens”. Politicamente, não há nada a admirar neles, “pois é verdade que na Europa moderna é que nasceram os princípios engenhosos e fecundos do sistema representativo, da divisão e do equilíbrio dos poderes”.[43] Segue-se um elogio do liberalismo político. Em suma, a religião da Antiguidade oscila entre o ridículo (quando ela se atém à moda) e o odioso (quando desemboca na política). Contudo, Volney não é partidário de uma posição decididamente moderna, à maneira do Voltaire das Nouvelles considérations sur l’histoire [Novas considerações sobre a história], desviando-se de uma história antiga que se reduziria quase inteiramente à fábula. Muito pelo contrário, ele acha que “a face da história antiga apenas começa a revelar-se”, todas as compilações e outras pretensas histórias universais devendo ser completamente refeitas, para que no futuro se possa apresentar um “melhor quadro” da Antiguidade, que terá “a utilidade moral de desfazer muitos preconceitos civis e religiosos”.[44]
O último ato da Convenção é a votação da lei sobre a instrução pública que previa, como coroamento do edifício, a organização de um Instituto nacional. Daunou, principal inspirador da lei e seu relator, apresentava-a assim: “Será, de certo modo, o resumo do mundo erudito, o corpo representativo da República das Letras”. Também aí se introduz a ideia da representação. Inaugurado em 1795, o novo Instituto é dividido em três classes: a Antiguidade é vinculada à terceira classe, a de literatura e belas-artes, enquanto a história pertence à segunda, a das ciências morais e políticas.[45] Covil dos Ideólogos, Bonaparte a dissolverá em 1803, para reformar, precisamente, uma classe de história e de literatura antiga que, com a Restauração, retomará o título de Academia das Inscrições e Belas-Letras. Até que isso ocorra, o período termidoriano indica um afastamento da Antiguidade, sua saída, de certo modo, da história viva: seu lugar é sobretudo ao lado da literatura e das belas-artes. Todavia, mesmo nas ciências morais, a história é também ou ainda a história antiga, na medida em que a classe acolhe vários dos ex-membros da antiga Academia das Inscrições.
Entre eles, o mais ativo e o mais prolixo foi certamente Pierre-Charles Lévesque, indicado já em 1795. Ele apresentará ali uma série impressionante de dissertações, principalmente dedicadas à Antiguidade grega. Mas antes publica, no mesmo ano de 1795, a primeira tradução francesa moderna de Tucídides. Por esse trabalho, conforme escreve no prefácio, ele buscara em vão abstrair-se do presente, então “escravo de uma oligarquia feroz”. Vindo romper a Grécia idealizada de Plutarco, A Guerra do Peloponeso contribuía também, e sobretudo, para desmontar a ilusão. Mais do que Tácito (tido por Desmoulins, ainda, como “o mais sábio e o mais político dos historiadores”), Tucídides é, segundo Lévesque, “o historiador dos políticos”. Isso porque apresenta “a ação política dos povos para com os povos”, enquanto Tácito se atém às relações entre o príncipe e os cortesãos. Enfim, pelo papel que em Tucídides desempenha a palavra, ele é, de todos os historiadores, “aquele que deve ser mais estudado nos países onde todos os cidadãos podem algum dia participar do governo”.[46]
Lévesque volta a falar das constituições antigas em duas dissertações, sobre Atenas e sobre Esparta.[47] Frases inteiras do texto de 1794, sobre Licurgo e sua legislação, sobre o caráter dos espartanos, são transpostas na dissertação, a comparação com a feudalidade permanece, mas é menos marcada: a situação de Esparta é desta vez apresentada como ainda pior (“Via-se em Esparta, mas sob um aspecto mais sombrio, a odiosa aristocracia que afligia a França sob a primeira e a segunda raças”). As notas, remetendo aos autores antigos, são mais numerosas. Plutarco é esclarecido e criticado por Aristóteles, a quem cabe a última palavra. “Não se deve admirar a felicidade de uma república, nem celebrar seu legislador, porque ela se aperfeiçoou em usurpar a dominação sobre os vizinhos…” Para bom entendedor!
Quanto a Atenas, à qual ele consagra três longos trechos, a crítica é evidentemente mais branda — ainda que o estudo termine lembrando que, em nome da perfectibilidade, “levamos a melhor sobre todas as repúblicas da Grécia”. Uma vez estabelecida a distância, pode-se entrar no detalhe das instituições e apontar seus defeitos, que se reduzem todos a um só: a excessiva soberania do povo, no qual se confundem todos os poderes. Com efeito, falta um poder moderador. A reforma clisteniana já havia feito o regime pender para “o excesso de democracia”, e o enfraquecimento do Areópago por Efialtes foi “funesto para a República”. O procedimento do ostracismo é visto apenas como uma manobra que permitiu à “facção” mais poderosa prevalecer. Longe de ser uma garantia, o grande número de juízes presentes no tribunal da Helieia parece-lhe, ao contrário, um perigo, uma multidão estando sujeita às paixões e ao arrebatamento. Cléon não passa de um “desprezível demagogo”. Assim, são dispostos os traços da visão ou da crítica liberal do regime ateniense. Sobre a questão da representação, Lévesque adota uma posição singular e não muito clara: para ele, a ideia não é completamente uma invenção moderna, seu prezado Sólon já a havia concebido. “Dizem que os ingleses foram os primeiros a ter a ideia do governo representativo: é um engano. Entre os antigos, Sólon concebeu esse grande pensamento…”: referência aos nomotetas (magistrados encarregados da revisão das leis), vistos por Lévesque como o esboço de uma representação popular?
Roma, durante esses mesmos anos, não escapa nem à sua atenção nem a suas críticas: provavelmente em seus cursos no Collège de France, e depois num livro, Histoire critique de la République romaine (1807), com subtítulo em forma de ‘manifesto: “Obra na qual se propõe destruir preconceitos inveterados sobre a história dos primeiros séculos da República., sobre a moral dos romanos, suas virtudes, sua política exterior, suas constituições e o caráter de seus homens célebres”. Preconceitos inveterados ou ilusões tenazes, Lévesque, em todo caso, não perdoa. Tito Lívio e Plutarco são novamente visados. A famosa “constituição mista” cumula, em realidade, os inconvenientes dos três regimes, monárquico, aristocrático, democrático (o Estado sem piloto experimenta as tempestades sucessivas ou simultâneas da tirania, da anarquia, e da “guerra intestina”).[48] Globalmente, os romanos, que jamais abandonaram sua “ferocidade primitiva”, são vítimas de um “duplo fanatismo”: “um amor à liberdade que fez nascer entre eles as maiores desordens” e “um amor à pátria que lhes fazia julgar honestos e bons os meios mais odiosos de aumentar seu poder”.[49] A partir de tais premissas, compreender-se-á que nenhum de seus homens ilustres possa resistir: nem os dois Bruto, nem Múcio Scaevola, nem mesmo Catão… Saem de cena Plutarco e os homens ilustres.
Não lhe resta senão encaminhar-se a esta tranquila conclusão: “Se Posso ter diminuído, em alguns espíritos, o entusiasmo que ela (a República romana) por muito tempo inspirou, acredito que serei digno, em minha velhice, de minha pátria e da humanidade”. Mas não sem antes fazer (estamos então em 1807) esta genuflexão ou pirueta final: “Precisam então os franceses dobrar o joelho ante a grandeza romana? Toda grandeza curva-se ante a de nossa nação, ante a de nosso herói”.[50] No ano seguinte, Lévesque, como presidente em exercício de sua classe do Instituto, iria apresentar ao dito herói, e com um discurso de circunstância, o Relatório Daciersobre a história e a literatura antiga na França desde 1789.[51]
A referência antiga tal como a brandia a oligarquia feroz, estigmatizada por Lévesque, revela-se ter sido apenas uma completa ilusão. Escravidão onipresente e cruel, aristocracia extrema ou excessiva soberania popular, ignorância (quase) completa da ideia de representação: essa é a realidade que surge, tão logo se examina e se corrige Plutarco, por exemplo, por Aristóteles ou por Tucídides. Além disso, impõe-se a ideia da diferença dos tempos, da história como desenvolvimento, da perfectibilidade.[52] Por esta dupla razão, de princípio (o passado não é imitável) e de fato (não há realmente nada a imitar), a Antiguidade não é mais, não deve ser mais um modelo. Não é mais preciso, para falar como Walter Benjamin, evocando justamente o uso do passado por Robespierre, um tempo repleto “de agora” — Roma era para ele “um passado carregado de agora” surgido do continuum da história.[53] O tempo da história “monumental” e das analogias selvagens acabou. Mas julgar sem mais que chegou o tempo da história (em sentido estrito) seria muito apressado: instaura-se uma outra relação com o passado, um novo regime de historicidade. Quem sabe, também, uma outra maneira de praticar o quiproquó? Pois seria muito simplista dar a entender que à ilusão suposta e denunciada dos revolucionários sucederia a desilusão proclamada dos Ideólogos, como se o princípio de realidade viesse muito singelamente substituir o princípio de prazer.
Essa distância entre uma nação moderna e as pequenas repúblicas da Antiguidade caberia a Benjamin Constant, ou melhor, a Madame de Staël e a Constant, voltar a elaborá-la, a sistematizá-la, forjando o par famoso e prometido a uma longa vida na reflexão política geral, mas também nos estudos sobre a Antiguidade (ainda que, de forma mais ou menos explícita, os segundos não deixem de se relacionar com a primeira): liberdade dos antigos, liberdade dos modernos. Sua apresentação mais completa e mais acabada data de 1819, quando Constant pronuncia sua famosa conferência no Athénée Royal de Paris.[54] Mas uma versão anterior já fora publicada em 1814 em De l’esprit de conquête et de l’usurpation [Do espírito de conquista e da usurpação], e, de esboço em esboço, remontamos aos anos mesmos de plena atividade da classe das ciências morais.[55]
A liberdade moderna é a liberdade civil ou individual; a liberdade antiga, a participação coletiva dos cidadãos no exercício da soberania. Se essa colocação em forma e em fórmulas procede de toda a corrente crítica da Antiguidade que acabamos de evocar, ela não é apenas uma crítica a mais, que resulta sobretudo em valorizar, ainda que de forma relativa, Atenas em detrimento de Esparta (porque em Atenas, cidade comerciante, o indivíduo era incomparavelmente menos submetido que em qualquer outra parte da Grécia). Ela não procede da erudição (a leitura de novas fontes antigas) e, de certo modo, tornará mesmo inútil um prolongamento da investigação. Ao dar a impressão de tirar dos fatos a constatação das duas liberdades e de desdobrar suas consequências, Constant não recapitula as críticas: vai mais longe. Doravante, há a liberdade dos antigos e a dos modernos: a primeira não é o esboço da segunda. Não se passa de uma à outra. Inscritas em dois universos diferentes, com seus sistemas de valores e suas lógicas, elas representam dois tipos, dois modelos.
Constant não esboça portanto uma história da liberdade da Antiguidade à época moderna, antes constrói um tipo ideal em que os dois ele– mentos do par definem-se opondo-se. Não é de modo algum a Antiguidade, mas o presente que está em jogo através dessa ficção teórica.[56] Com efeito, trata-se bem mais de refutar Mably e sobretudo Rousseau do que de ler Platão, Aristóteles ou mesmo Isócrates. Assim, o paradoxo dessa visão liberal da Antiguidade é que ela traz de volta, invertida, uma certa leitura rousseauísta das repúblicas antigas, tomando-a como ponto de partida de sua reflexão. Plutarco continua presente! Mesmo se o caráter “inteiramente moderno” de Atenas é reconhecido.[57]
Ora, o mesmo homem que, teorizando as duas liberdades, coloca radicalmente à distância os antigos, irá anotar quase no mesmo momento em seu diário: “Se eu vivesse cem anos, o estudo apenas dos gregos me bastaria”.[58] Em realidade, Constant, que além do latim aprendera o grego, não cessou de praticar os autores da Antiguidade. Por ocasião da temporada em Edimburgo (1783-84), lugar de sua verdadeira formação universitária, havia seguido, entre outros, um curso de literatura grega. Pouco depois, empreendera traduzir a história grega do escocês John Gillies (1786).[59] Com o título de Essai sur les moeurs des temps héroïques [Ensaio sobre os costumes dos tempos heróicos], publicará em Paris a tradução do capítulo dois. Mas, sobretudo, a Grécia não cessou de acompanhá-lo naquilo que foi o grande tema de reflexão de toda a sua vida: a religião.[60] À diferença do Oriente (submetido a castas sacerdotais), a Grécia revelou-se “mestra” da liberdade até em sua religião, não dominada por nenhum colégio de pontífices. Eis aí uma liberdade primordial. Constant, se participa também do culto à beleza grega lançado por Winckelmann, põe nitidamente o acento sobre a espontaneidade, a liberdade, a humanidade do “gênio grego”: juventude e esplendor.[61] Desde então o mundo progrediu mas envelheceu também, e a espontaneidade claramente debilitou-se. Assim, ler os gregos, evocar sua vida, suscita a nostalgia, eles que, nesses anos ainda, são vistos como os primeiros, os iniciadores, que não puderam ter outro modelo senão a natureza.
Indubitavelmente presente em Constant (mesmo num texto aparentemente de pura reflexão política como a conferência de 1819), nem por isso a nostalgia deixa de ser estritamente controlada. À diferença de filósofos como Mably e Rousseau, que não “suspeitavam” disso, é preciso ter plena consciência das “modificações trazidas por 2 mil anos às disposições do gênero humano”.[62] Entre o homem antigo e o homem moderno a distância aprofundou-se: ao primeiro, “a participação ativa e constante no poder coletivo”, fonte de um “prazer intenso e repetido” que nasce do “exercício real de uma soberania efetiva”, ao segundo, uma soberania que não é mais senão uma “suposição abstrata”, e a “fruição pacífica da independência privada”.[63]
O prazer (intenso) está do lado dos antigos, aos modernos cabe uma fruição “pacífica”, tranquila, um pouco tristonha e aborrecida, burguesa em suma, porém muito preciosa, dificilmente adquirida, e à qual não seria o caso de renunciar: a “segurança nas fruições privadas”, tal é a palavra de ordem dos modernos. Confundir os tempos e as liberdades causou “males infinitos”, mas o erro mesmo, considera Constant, era “escusável” (Lévesque, em 1787, escrevia a propósito de Mably: “respeitável”). Por quê? “Não se poderia ler as belas páginas da Antiguidade sem sentir não sei que tipo especial de emoção que nada do que é moderno faz sentir.” Da emoção surge a nostalgia, e, “quando alguém se entrega a esses lamentos, é impossível não querer imitar o que se lamenta”. Ainda mais quando se vivia, então, sob “governos abusivos que, sem serem fortes, cram vexatórios, absurdos em princípio, miseráveis em ação”.[64] Assim se explicam o atrativo e a força de contestação desses modelos que, para além da longa noite feudal, brilhavam e acenavam. E mesmo a famosa exclamação de Saint-Just: “O mundo está vazio desde os romanos, e a memória deles o preenche, e profetiza ainda a liberdade”.
Recusando passar da nostalgia ao desejo de imitação, Constant preserva-se de esquecer que a questão primeira de sua reflexão diz respeito ao presente da França. Seu adversário principal é Rousseau, e a Antiguidade é um momento obrigatório da argumentação ( O contrato social tendo vinculado os três termos: liberdade, escravidão, representação).
De fato, ao estabelecer a oposição entre liberdade e escravidão, Rousseau lançara um interdito categórico sobre o regime representativo. Após ter sublinhado a ligação entre a liberdade de uns e a escravidão dos outros, particularmente em Esparta onde se via a união da perfeita liberdade e da extrema escravidão (“os dois excessos se tocam”), ele continuava: “Quanto a vós, povos modernos, não tendes escravos, mas o sois, pagais a liberdade deles com a vossa. […]. No momento em que um povo se dá representantes, ele não é mais livre, não o é mais”. Jogando com o sentido da palavra escravo, Rousseau passava do sentido real ao sentido metafórico, opondo assim a liberdade dos antigos à “escravidão” dos modernos.
Retomando o debate justamente nesse ponto, Constant vai concentrar sua reflexão em torno dos três mesmos termos: da liberdade dos antigos e dos modernos, ou por que os modernos não podem abster-se do governo representativo que os antigos ignoraram. Ele começa por recusar que os homens da Antiguidade tenham realmente conhecido o princípio da representação. Contrariamente ao que se afirmou às vezes, nem os éforos espartanos nem mesmo os tribunos romanos são, propriamente falando, representantes. Quanto ao regime gaulês, às vezes invocado, ele situa-se nos antípodas do regime representativo. Os antigos ignoraram e só podiam ignorar um sistema que é “uma descoberta dos modernos”[65] “Eles não podiam nem sentir a necessidade nem apreciar as vantagens dele. Sua organização social os conduzia a desejar uma liberdade completamente diferente daquela que esse sistema nos assegura”. Tal é o postulado que a história confirma.
Com Rousseau, Constant reconhece a ligação entre a liberdade antiga (em sua possibilidade mesma) e a escravidão (sem a qual “vinte mil atenienses não teriam podido deliberar diariamente em praça pública”).[66] Como ele, passa do sentido primeiro ao sentido segundo da palavra escravidão, mas para concluir pela escravidão do indivíduo antigo “em todas as suas relações privadas”.[67] Operatória a escravidão o é duplamente, mas apenas nos limites do mundo antigo, não além. Em troca, a representação, longe de ser um sinal de submissão, deve ser concebida como o corolário indispensável da liberdade moderna (entendida como “fruição pacífica da independência privada”). Ela funciona como uma “procuração”, e o representante ocupa o lugar de um “intendente”. Ao permitir ao indivíduo não ser um “escravo” no domínio público, embora não governando diretamente ele próprio, a representação vem bloquear o torniquete da liberdade e da escravidão proposto por Rousseau. Os antigos são livres e escravos: para ser livres, devem ao mesmo tempo ter escravos e ser escravos. Os modernos são livres e representados: para ser livres, devem ser representados. A grande divisão opera-se claramente sobre o princípio representativo.
É o que reconhecerá o próprio Chateaubriand no prefácio, acrescentado em 1826, a seu Ensaio sobre as revoluções. Tomando distância (não sem um certo coquetismo) em relação a seu livro de juventude e a suas analogias selvagens entre a revolução e a Grécia, ele explica:
Sempre raciocinei no Ensaio de acordo com o sistema da liberdade republicana dos antigos […], eu não havia refletido suficientemente sobre esta outra espécie de liberdade, produzida pelas luzes e a civilização aperfeiçoada: a descoberta da república representativa mudou toda a questão.[68]
Restaria voltar por um instante ao postulado da tese inicial: é seguro que os jacobinos (sobretudo Robespierre e Saint-Just) quiseram propriamente “imitar” Roma e a Grécia? Nada menos certo ou, pelo menos, tão simples. A referência antiga, como vimos, funciona como invocação, irrupção do “passado” no presente segundo o modo da analogia, conjuração de um futuro inapreensível que ela permite dizer (e “fazer”), portanto garantia, paradoxal imitação que, no mesmo momento em que convoca modelos, tende a recusar a ideia mesma de model(); quiproquó, portanto. Ela tem por centro unificador uma visão da Antiguidade primeiramente concebida como inauguração e ruptura, mas ruptura instauradora ou instituidora: donde a importância da figura do legislador, ou, se seguimos Hannah Arendt, o papel essencial de inspiração desempenhado pelo “patos romano da fundação”.[69] Contudo, para além do aspecto polêmico candente que podia ser adivinhado no ar de Termidor — quando Volney denunciava a nova seita dos idólatras da Antiguidade —, a acusação de imitação pegou, tornando-se mesmo um tópos. O modelo da liberdade dos antigos e dos modernos, que representa uma versão fria dessa acusação, permitia compreender e explicar o erro, primeiramente intelectual, daqueles que, através de Mably e Rousseau, haviam querido imitar as repúblicas da Antiguidade. Instrumento de inteligibilidade, ele ajudava a pensar a Revolução negativamente: o que não teria sido preciso que ela fosse. Mas, ao fazer esse desvio polêmico e político pela Antiguidade, dispensava-se (não deliberadamente, mas simplesmente porque não se possuíam os meios) uma reflexão séria sobre a ambiguidade originária da Revolução:[70] afirmar o indivíduo e seus direitos, mas através do coletivo, lançando-se numa luta inédita para substituir a soberania do rei pela da nação.
Ao desenvolverem essa perspectiva vigorosamente crítica, os termido-rianos, os Ideólogos, os liberais propunham um modelo de ação desembaraçado do “fardo” do passado, eles que, por essa denúncia do recurso à Antiguidade, tinham a “ilusão” de compreender o que se passara e não mais devia se reproduzir.[71] Contra a história monumental e para terminar com ela, preferiram invocar a “história crítica” — aquela que, sempre segundo a tipologia nietzschiana, leva o passado à justiça e o condena em nome e a partir do presente —, embora logo encorajassem uma abordagem “antiquária”, preocupada com filiação, genealogia e continuidade. O Museu dos Monumentos franceses de Lenoir é emblemático desse momento: as antiguidades nacionais se impõem, a Idade Média substitui os gregos e os romanos.[72] Em todo caso, parece-lhes estrategicamente urgente e útil esboçar em linhas gerais uma outra Antiguidade (a verdadeira), na qual, não operando mais a analogia, o modelo das duas liberdades, lentamente forjado ao longo do século XVIII, foi uma arma para as lutas do presente, um quadro interpretativo geral, uma ferramenta heurística para revisitar a Antiguidade.
Radical distanciamento político dos antigos, ele irá, não sem retomadas e deslocamentos, pesar duradouramente, nos séculos XIX e XX, sobre a relação que a tradição francesa manterá com a Antiguidade. Com ele se estabelece algo como uma coerção de longa duração ou uma singularidade cultural francesa, que não é separável, obviamente, da Revolução. Noutras partes da Europa, as tradições alemã, inglesa, italiana, obedecendo a outras coerções e respondendo a outros desafios, vão se organizar diferentemente. O caso da tradição norte-americana, marcada igualmente por sua própria revolução, não deveria ser esquecido, mesmo que estejamos dispostos a seguir o julgamento famoso e controvertido de H. Arendt: “Sem o exemplo clássico, cujo brilho atravessava os séculos, nenhum dos homens das revoluções, dos dois lados do Atlântico, teria tido a coragem de empreender o que devia revelar-se uma ação sem precedente”.[73]
Em 1931, Benedetto Croce ousou introduzir uma reflexão sobre a liberdade, partindo novamente da conferência de Constant que ele não hesita em qualificar de “memorável”. Ainda que para ele, teórico do historicismo e filósofo da liberdade, o problema estivesse evidentemente mal colocado. Pois não se pode historicamente opor o moderno e o antigo.
Diante da Grécia, de Roma e da Revolução Francesa, a qual teria se apropriado do ideal greco-romano, achava-se disposto o momento presente, como se o presente não fosse a confluência de toda a história e o último ato da história, como se fosse possível, por uma oposição estática, romper o que forma uma série única de desenvolvimento.[74]
Além disso, Croce percebe muito bem que, se Constant operou essa dicotomia, foi por hostilidade ao jacobinismo e por repugnância ao Terror, que haviam se cercado de todo um conjunto de imagens greco-romanas. Mas em realidade, ele conclui, o jacobinismo encontrava menos sua origem e inspiração na Antiguidade e sua imitação do que no anti-historismo dos séculos XVIIe XVIII, com seu culto da natureza e da razão. Se Licurgo era um convite ao sublime, Esparta era antes de tudo uma aproximação do estado de natureza e da cidade antiga, de maneira alguma uma realidade histórica, mas um ser de razão. Assim, um historicista consequente deve remontar até os teóricos do direito natural para encontrar os últimos responsáveis que, indiretamente ao menos, tornaram possível essa ilusão e operatório o quiproquó das duas liberdades.
Do lado inglês, a figura que domina, na metade do século xix, é a de George Grote. Banqueiro, parlamentar (radical), discípulo de James Mill, ele é o autor da primeira grande história da Grécia, muito amplamente lida e traduzida, na qual se exprime uma visão liberal da cidade grega, isto é, ateniense acima de tudo. Sem surpresa, o tema das duas liberdades nele não se verifica, pois Grote encontrava em Atenas tudo o que desejava: as origens do governo democrático, os princípios da liberdade de pensamento e da investigação racional (promovida e ilustrada pelos sofistas).[75] A liberdade é a do indivíduo: ela valia na ágora e na Ecclesia (a Assembleia), como vale hoje em Westminster. E os atenienses não pereceram por serem democratas demais (os supostos “excessos” da democracia), mas por não o serem suficientemente.
Numa visão plutarquiana da história, é comum, na França, falar-se dos antigos para designar ao mesmo tempo os gregos e os romanos; já os alemães farão uma distinção, e se, de Winckelmann a Nietzsche ou Heidegger, eles quererão ser acima de tudo como os gregos,[76] irão também — pensamos em Hegel e em Mommsen — valorizar os romanos, inventores do direito e do Estado. Portanto, um simples modelo de dois termos (as duas liberdades) não é operatório entre eles. Mas sobretudo (e isso trará de volta uma última vez a ilusão), enquanto na perspectiva francesa, polêmica e crítica, a imitação, concebida apenas como reprodução canhestra e forçada, é marcada negativamente como obstáculo à ação ou, pior ainda, como seu desvio, por ser ilusão, os alemães vão empregar, em sua relação com a Antiguidade, uma concepção positiva da imitação: uma imitação criadora. É o que testemunha a famosa frase de Winckeln-iann a propósito da arte grega: “0 único meio para nós [alemães] de nos tornarmos grandes e, se possível, inimitáveis, é imitarmos os antigos”.[77] Ou esta ideia de Humboldt: imitar os gregos, não repeti-los, mas “fazer como” (Nachbilden) . Fazer hoje não o que eles fizeram ontem, mas como fizeram, sabendo claramente que o mundo grego é uma “flor brilhante” mas “passageira” (Herder) que não poderia, tal como ela mesma, florescer de novo.[78] Mas, na França, a revolução e seus “maus” usos da Antiguidade haviam fechado o caminho da imitação criadora, o que significava: mais confusão das duas liberdades, mais identificação, mais tragédia da identidade.
* Este texto é uma versão resumida e modificada de um estudo publicado em francês sob o título “La Révolution française et l’antiquité. Avenir d’une illusion ou cheminement d’un quiproquo”, em Ch. Avlami (ed.), L’antiquité grecque au XIXe siècle, Un exemplum contesté?. Paris: L’Harmattan, 2000, pp. 7-46.
[1] E-R. de Chateaubriand, Essai historique, politique et moral sur les révolutions anciennes et modernes considerées dans leurs rapports avec la révolution française. Paris: Bibliothèque de la Pléiade, Gallimard, 1978, p. 90 (uma nota de 1826 evocará as “semelhanças despropositadas” que ele então acreditara reconhecer). Ou ainda esta observação: “Foi no momento em que o corpo político caía numa dissolução geral, completamente maculado pela corrupção geral, que uma raça de homens, erguendo-se de repente, pôs-se, em sua vertigem, a anunciar a hora de Esparta e de Atenas” (p. 266).
[2] A. Rey, “Révolution”, Histoire d’un mot. Paris: Gallimard, 1989.
[3] Chateaubriand, Essai, pp. 81-2.
[4] Ver o número 7 do Vieux Cordelier, na edição de P Pachet. Paris: Belin, 1987, p.126, bem como as observações de P Vidal-Naquet, La démocratie grecque vue d’ailleurs. Paris: Flammarion, 1990, pp. 225-8
[5] Rousseau, “Réponse à Bordes” (1752), em Oeuvres completes. Paris: Bibliothèque de la Pleiade, Gallimard, 1964, t. 3, p. 83.
[6] Mably, Entretiens de Phocion sur le rapport de la morale et de la politique, 1763; ver J.-L. Lecercle, “Utopie et réalisme politique chez Mably”, Studies on Voltaire, xxvi, 1963, pp. 1049-70. Sobre o conjunto do período, ver Chantall Grell, Le XVIII’ siècle et l’antiquité en France, 1680-1789. Oxford: The Voltaire Foundation, 1995.
[7] P-Ch. Lévesque, Éloge historique de M. l’abbé de Mably. Paris: 1787, p. 35.
[8] B. Baczko, Comment sortir de la Terreur, Thermidor et la Révolution. Paris: Gallimard, 1989. * Nove de Termidor, no calendário republicano: data da queda de Robespierre e fim do regime do Terror. (N.T.).
[9] D. Leduc-Fayette, Jean- Jacques Rousseau et le mythe de l’antiquité. Paris: Vrin, 1974, e R. Leigh, “Jean-Jacques Rousseau and the Myth of Antiquity in the Eighteenth Century”, em R. R. Bolgar (ed.), Classical Influences in the Western Thought A.D. 1650-1870. Cambridge: 1979, pp. 155-68. Touchefeu, Y Eantiquité et le christianisme dans la pensée de Jean-Jacques Rousseau. Oxford: The Voltaire Foundation, 2000. Eighteenth Century”, em R. R. Bolgar (ed.), Classical Influences in the Western Thought A.D. 1650-1870. Cambridge: 1979, pp. 155-68. Touchefeu, Y Eantiquité et le christianisme dans la pensée de Jean-Jacques Rousseau. Oxford: The Voltaire Foundation, 2000 Fustel de Coulanges, La cité antique. Paris: Flammarion, 1984, p. 2 e pp. 466-73 (Aula inaugural do curso sobre a família e o Estado, de 1862), e E Hartog, Le XIX? siècle et l’histoire: le cas Fustel de Coulanges, nova edição. Paris: Le Seuil, 2001, pp. 30-8. Eighteenth Century”,
[10] Fustel de Coulanges, La cité antique. Paris: Flammarion, 1984, p. 2 e pp. 466-73 (Aula inaugural do curso sobre a família e o Estado, de 1862), e F. Hartog, Le XIXe siècle et l’histoire: le cas Fustel de Coulanges, nova edição. Paris: Le Seuil, 2001, pp. 30-8.
[11] É o título do livro que J. Gaulmier lhe dedicará, L’Idéologue Volney, Contribution à l’histoire de l’orientalisme en France, Beirute, 1951, escrito para tirar do esquecimento essa corrente intelectual então muito negligenciada.
[12] Volney, Leçons d’histoire. Paris: ed. J. Gaulmier, Gamier, 1980, p. 140.
[13] H. T. Parker, The Cult on Antiquity and the French Revolutionnaries, Chicago, 1937, livro pioneiro e durante muito tempo isolado; ver também J. Buineau, Les toges du pouvoir (1789-1799) ou la Revolution de droit antique. Toulouse: Université de Toulouse-Le-Mirail, 1986; tese de direito em que o autor parte do minucioso exame sistemático do Moniteur e dos Archives Parlementaires; ver também a apresentação da questão por Cl. Mossé, L’anti-quite dans la Révolution française. Paris: Albin Michel, 1989; P Vidal-Naquet, La démocra-tie grecque vue d’ailleurs, op. cit., pp. 211-35.
[14] E. Quinet, La Révolution, t. 1, p. 58 (ed. 1876). M. Revault d’Allonnes, D’une mort à l’autre. Précipices de la Révolution. Paris: Le Seuil, 1990, pp. 79-110.
[15] Saint-Just, “Rapport du 26 Germinal an II”, Oeuvres completes. Paris: Gérard Lebovici, 1984, p. 819. M. Abensour, “Saint-Just: les paradoxes de l’héroïsme révolutionnaire”, Esprit, fevereiro de 1989, pp. 60-81. Nos “Fragmentos de instituições republicanas”, Saint-Just, confrontado à questão tão presente (desde Montesquieu, ao menos) da decadência dos impérios, considera que o heroísmo dos grandes homens não é suficiente para preveni-la, somente instituições “imortais e ao abrigo das facções” o podem. Como um superlegislador sem rosto, elas têm condições de “acorrentar o crime” e de “fazer todos praticarem a justiça e a probidade” (op. cit., p. 967).
[16] A. de Tocqueville, L’ancien régíme et la révolution. Paris: Gallimard, 1967, p. 43. Com as observações de R. Chartier, Les origines culturelles de la revolution. Paris: Le Seuil, 1990, p. 237: “Sua certeza de inauguração (da revolução) tem valor performativo: ao enunciar a ruptura, ela a instaura.
[17] L. Guerci, Libertà degli antichi e libertà dei moderni. Nápoles: Guida Editori, 1979.
[18] K. Baker, Inventing the French Revolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1990, pp. 128-52.
[19] Baker, ibid., p. 135.
[20] Baker, ibid., p. 151: “The language of classical republicanism offers him the recovery of the conceptual domain of the political per se”.
[21] Rousseau, “Histoire de Lacédémone”, Oeuvres completes, t. 3, p. 544, e as observações de Claude Mossé, L’antiquité dans la revolution française, op. cit., pp. 156-7.
[22] P Vidal-Naquet, “Tradition de la démocracie grecque”, prefácio a M. I. Finley Démocratie antique et démocratie moderne. Paris: 1976. J.-L. Quantin, “Le mythe du législa-teur au )(vine siècle: état des recherches”, em Primitivisme et mythe des origines dans la France des Lumières, 1680-1820. Paris: Presses de l’Université de Paris-Sorbonne, 1989, pp. 153-64.
[23] M. Ozouf, La fête révolutionnaire 1789-1799. Paris: Gallimard, 1976, pp. 327-35, p. 333 para a citação. O autor mostra claramente de que maneira a festa, com seu cenário antigo ideal-típico, pretende representar uma história originária, a de uma sociedade nova, inocente, na qual a adequação das palavras e dos atos é inteira, transparente, em suma. Do mesmo autor, L’homme régénéré. Paris: Gallimard, 1990, pp. 122-4 em particular.
[24] M. de Certeau, L’écriture de l’histoire. Paris: Gallimard, 1975, p. 100.
[25] F. Nietzsche, Considérations inactuelles, trad. fr. G. Bianquis. Paris: Aubier-Montaigne, 1964, pp. 229, 231, 233.
[26] L. Guerci, op. cit., Nápoles, 1979.
[27] O cavaleiro de Jaucourt, doutor em medicina, membro associado de várias academias, foi o principal colaborador de Diderot para a edição do Dicionário.
[28] Citado por Guerci, op. cit., p. 219.
[29] Condorcet, De [influence de la Révolution d’Amérique sur [Europe, t. 8. Paris: Arago, 1847, p. 11.
[30] Une éducation pour la démocratie, textos e projetos da época revolucionária apresentados por B. Baczko, Paris, 1982, p. 193. Ver também as observações de R. Chartier sobre a leitura “dessacralizada”, Les origines intellectualles de la Révolution française. Paris: Le Seuil, 1990, pp. 113-5.
[31] A julgar pelos registros de presença (pelo menos os que subsistem) que os professores assinam por ocasião de seus cursos.
[32] Lévesque, Apophthegmes des Lacédémoniens. Paris: Avis, 1794. Agradeço a D. Julia ter-me indicado esse texto.
[33] Ibid., pp. 4-5.
[34] Ibid., p. 26.
[35] B. Constant, De l’esprit de conquête e de l’usurpation, p. 185 na edição dos escritos políticos organizada por M. Gauchet, De la liberté chez les Modernes. Paris: Hachette, 1980, p. 185.
[36] Levesque, Apophthegmes, p. 6.
[37] Ibid., p. 3.
[38] Lévesque, Éloge hístorique de M. l’abbé de Mably, Paris, 1787.
[39] Ibid., p. 63.
[40] Traduzindo então Tucídides (Histoire de Thu cydide, Paris, 1795), Levesque indica no prefácio (p. vi): “Atormentado pelos males de minha pátria, que gemia, então, escrava de uma oligarquia feroz, eu pedia em vão ao trabalho um alívio aos afetos mais dolorosos: tinha sob os olhos Tucídides e no espírito imagens sangrentas, e buscava a calma do gabinete com o sangue fervente ou gelado”. Em seu “Elogio do falecido sr. Lévesque”, Malte-Brun assinala que Levesque, no Colégio, não podendo “entregar-se a trabalhos sobre a história de uma pátria dilacerada pela discórdia, refugiou-se na Antiguidade” (na introdução da Histoire de la Russie, 4 ed., 1812).
[41] Embora sua repercussão, para além do público dos alunos, tenha sido pequena no grande público; J. Gaulmier menciona apenas duas resenhas críticas (C.E Volney, La loi naturelle, Leçons d’histoire, apresentado por J. Gaulmier. Paris: Gamier, 1980, p. 21). D. Nord-man (dir.), L’Ecole Normale de [an II, tomo 2. Paris: Dunod, 1994. Membro importante da Constituinte, Volney fez-se conhecer por sua Voyage en Syrie et en Egypte (1787), em 1791, publica Les Ruines ou méditations sur les Révolutions des Empires.
[42] Leçons, op. cit., p. 140.
[43] Ibid., p. 143.
[44] Ibid., p. 134. Volney conhecia o grego. Em 1813, publica suas Recherches nouvelles sur l’histoire ancienne, ensaio sobre a harmonização das cronologias dos povos antigos.
[45] M.S. Staum, “The Class of Moral and Political Sciences, 1795-1803”, French Historical Studies 11, 1980, pp. 372-97.
[46] P.Ch. Levesque, Histoire de Thucydide. Paris: 1795, pp. VI, XXVII.
[47] Lidas no ano VII e no ano VIII, e publicadas em Mémoires de l’Institut national, Classe des sciences morales et politiques, t. III ano IX, t. IV ano XI; elas serão retomadas em seus Etudes de l’histoire ancienne et de la Grèce, Paris, 1811.
[48] Lévesque, Histoire critique de la République romaine, Paris, 1807, p. 142.
[49] Ibid., p. XXXV.
[50] Ibid., p. XXXVIII.
[51] Rapports à l’Empereur sur le progrès des sciences des lettres et des arts depuis 1789, IV— Histoire et littérature ancienne, por B.-J. Dacier, apresentação e notas sob a direção de F. Hartog. Paris: Belin, 1989. Em seu próprio Relatório consagrado à literatura francesa, M.-J. Chénier felicita Lévesque por sua tradução de Tucídides. Em troca, mostra-se mais crítico em relação a suas páginas sobre Roma: “Ele denigre o povo do qual escreve a história”, espalhando “acusações frívolas” e “calúnias” sobre personalidades cuja “glória está fundada sobre títulos imortais” (Paris: Belin, 1989, pp. 45-6).
[52] No mesmo momento, P J. Bitaubé, membro da classe de literatura e belas-artes, propõe uma longa dissertação intitulada: “Observações sobre os dois primeiros livros da Política de Aristóteles”, lida nos meses de messidor do ano IV e floreal do ano V, e publicada nas Mémoires da classe (t. II ano VIII e t. III ano IX). Também ele insiste sobre o tema da perfectibilidade. Quando muito e na melhor das hipóteses, os antigos governos representam “a escola nascente das instituições republicanas”
[53] W. Benjamin, Poésie et révolution, trad. fr. M. de Gandillac. Paris: Lettres Nouvelles, 1971, p. 285.
[54] Constant, De la liberté des anciens comparée à celle des modernes. O Athénée é então uma sociedade de ensino livre destinada ao grande público. Ver as reflexões e os esclarecimentos feitos por M. Gauchet em sua edição dos escritos políticos de Constant, De la liberté chez les modernes. Paris, 1980.
[55] Mais precisamente nos capítulos VI a VIII da segunda parte. Ali é retomado, aliás, o texto de um manuscrito de Constant, editado pouco tempo antes, mas redigido em 1806. Enfim, um primeiro esboço das duas liberdades encontra-se já num livro de Mme. de Staël, no qual Constant colaborou, publicado apenas em 1979, Des circunstances actuelles qui peuvent terminer la révolution. Genebra: L. Omanici, 1979, pp. 111-2, 159, 170.
[56] Pronunciada em fevereiro, a conferência faz parte de um curso iniciado em 2 de dezembro de 1819 e consagrado à constituição inglesa. Em março do mesmo ano, Constant entra finalmente para a Câmara. “A pretexto de um tema erudito, escreve Kloocke (op. cit., n. 42, p. 240), ele consegue dar uma nova expressão à consciência política mais ou menos latente ainda do grupo liberal, ligando o movimento liberal à Revolução e à Constituição”.
[57] Constant, De l’esprit de conquête e de l’usurpation, Gauchet, p. 183, nota 3.
[58] Constant, Journal Intime, 2 de abril de 1804. Ver P. Deguise, “Coppet et le thème de la Grèce”, Actes et documents du deuxième colloque de Coppet. Genebra-Paris, 1977, pp. 325-45.
[59] A história grega de J. Gillies é a primeira história moderna, ou a primeira juntamente com a do inglês J. Mitford, cujos dois primeiros tomos haviam sido publicados dois anos antes. C. Ampolo, Stone greche. la formazione della moderna storiografia sugli anti-chi Greci. Turim: Einaudi, 1997.
[60] K. Kloocke, Benjamin Constant, une biographie intellectuelle. Genebra-Paris: 1984, em particular pp. 15, 17,18, 27, 119, 125, 328.
[61] Deguise, ibid., pp. 335-8. “Os antigos estavam em plena juventude da vida moral; nós estamos na maturidade, talvez na velhice. Disso resulta que o entusiasmo, uma convicção inteira, nos são doravante inacessíveis; temos uma convicção frouxa e flutuante sobre quase tudo, e diante de sua incompletude buscamos em vão um assombro. A palavra ilusão não se encontra em nenhuma língua antiga, porque a palavra só se cria quando a coisa não existe mais.” De l’esprit de con quête et de l’usurpation, Gauchet, p. 184
[62] Constant, De la liberté, Gauchet, p. 503.
[63] Constant, ibid., pp. 501-2.
[64] Constant, ibid., p. 502.
[65] Constant, ibid., p. 494.
[66] Constant, De la liberté, op. cit., p. 499.
[67] Constant, ibid., p. 496.
[68] Chateaubriand, Essai historique, op. cit., p. 23. Sobre o avanço de sua reflexão, ver o papel que ele atribui, nas Mémoires d’Outre-tombe (t. 1, p. 220), à sua viagem à América (Washington não é exatamente Cincinnatus).
[69] H. Arendt, La crise de la culture, trad. fr. Paris: Gallimard, 1985, p.183. É desse modo que ela explica em profundidade a predominância da referência romana. A fundação seria, do lado romano, o que é o legislador, do lado grego.
[70] M. Gauchet, La révolution des droits de rhomme. Paris: Gallimard, 1989, especialmente pp. 19-35.
[71] P Manent, em Histoire intellectuelle du libéralisme. Dix leçons. Paris: Calman-Lévy, 1987, pp. 188-9, sugere que Constant ataca a imagem da cidade antiga para não precisar questionar esse fundamento do liberalismo que é a soberania popular.
[72] E. Pommier, L’Art de la liberté. Paris: Gallimard, 1992, pp. 364-8.
[73] H. Arendt, Essai surla Révolution, trad. fr. Paris: Gallimard, 1967, p. 291. Ver M. Reinhold, Classica Americana. The Greek and Roman heritage in the United States. Detroit: Wayne State University Press, 1984, pp. 95-115; J.G.A. Pocock, The Machiavelian moment. Princeton: Princeton University Press, 1975. D. Lacorne, “Mémoire et amnésie: les fondateurs de la République romaine, Montesquieu et le modèle politique romain”, Revue Fran çaise de Science Politique, 42, 3, 1992, pp. 363-74.
[74] B. Croce, “Constant e Jellinek: intorno alla differenza tra la libertà degli antichi e quella dei moderni”, Etica e politica (1931). Bari: 1956, pp. 301-8; ele cita o texto da conferência na reedição de Laboulaye de 1861, certamente um momento de relançamento ou de reaparecimento de Constant. La Philosophie comme histoire de la liberté, Contre le positivisme, textos escolhidos e apresentados por S. Romano, Paris: Le Seuil, 1983, pp. 192-3.
- [75] Momigliano, “George Grote et l’étude de Phistoire grecque”, Problèmes d’histo-riographie ancienne et moderne. Paris: Gallimard, 1983, pp. 361-83.
(76). Ph. Lacoue-Labarthe, L’Imitation des modernes (Typographies II). Paris: Galilée, 1986, pp. 39-111
[76] Ph. Lacoue-Labarthe, L’Imitation des modernes (Typographies II). Paris: Galilée, 1986, pp. 39-111.
[77] J.-J. Winckelmann, Reflexions sur l’imitation des oeuvres grecques en peinture et en sculpture, trad. fr. L. Mis. Paris: Aubier, 1954, p. 95.
[78] J. Quillien, G. de Humboldt et la Grèce modèle et histoire. Lille: Presses Universitaires de Lille, 1983, pp. 39-130. Pressente-se, a partir do momento em que alemães e franceses passam a falar dos gregos, que eles não vão falar nem a mesma língua nem da mesma coisa. Seria a história de outro quiproquó.