As aventuras da palavra maldita
por Adauto Novaes
O trabalho deve ser maldito, como ensinam as lendas sobre o paraíso, enquanto a preguiça deve ser o objetivo essencial do homem. Mas foi o inverso que aconteceu. É essa inversão que gostaria de passar a limpo.
MALEVITCH, A preguiça como verdade definitiva do homem.
Lemos em A comédia humana de Balzac as “deliciosas viagens” de Louis Lambert em meio às palavras: “Que belo livro seria escrito”, diz ele, “ao contarmos a vida e as aventuras de uma palavra?”. Essa vida e essas aventuras são narradas aqui, neste elogio à preguiça.
Sabemos que apenas uma palavra é suficiente para arruinar reputações e, entre todas, a preguiça é, certamente, uma das mais suspeitas e perigosas. Dela decorre longo cortejo de acusações bizarras, mas também noções de obras de arte, poesia, romance, pinturas, reflexões filosóficas: o preguiçoso é indolente, improdutivo, nostálgico, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente, ineficaz, lento, sonolento, silencioso: quem se deixa levar por devaneios. Apesar da oposição, preguiça e trabalho guardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular. A vida íntima que a preguiça leva com o trabalho pode nos revelar que o preguiçoso trabalha muito. Como?
Para o preguiçoso, “é preciso ser distraído para viver” (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele, sendo, exatamente por isso, acusado de em nada contribuir para o progresso. Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete ainda pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da Igreja, o preguiçoso deve, portanto, sentir-se culpado e pagar pelo que não faz.
O QUE FAZER?
Mas, ao ver de modo peculiar o fazer, o ocioso pode prestar um grande serviço e ajudar a responder à velha questão moral: o que devo fazer? Dependendo da resposta, teremos diferentes definições do que seja o homem, a política, as crenças, o saber, nossa relação com o mundo e, principalmente, nossa relação com o trabalho. A resposta pode nos dizer, um pouco mais precisamente, não apenas o que fazemos, mas também o que o trabalho faz em nós. Na era do grande desenvolvimento tecnocientífico e digital, maravilhosas máquinas “economizam” o trabalho mecânico, mas criam, ao mesmo tempo, dois novos problemas. Primeiro, uma espécie de intoxicação voluntária, isto é, “mais a máquina nos parece útil, mais ela nos torna incompletos”. Isto é, a máquina governando quem a deveria governar. Daí decorre o segundo problema, bem mais complexo: tantas potências auxiliares mecânicas tendem a reduzir “nossas forças de atenção e de capacidade de trabalho mental”, o que se relaciona aos seguintes fenômenos: impaciência, rapidez e volatilidade nunca antes vistas. Assim escreveu Valéry: “Adeus, trabalhos infinitamente lentos, catedrais de trezentos anos cujas construções intermináveis acomodavam curiosas variações e enriquecimentos sucessivos […]. Adeus, perfeições da linguagem, meditações literárias e buscas que tornavam as obras, ao mesmo tempo, comparáveis a objetos preciosos e a instrumentos de precisão! […] Eis-nos, no instante, voltados aos efeitos de choque e contraste, quase obrigados a querer apenas o que ilumina uma excitação de acaso. Buscamos e apreciamos apenas o esboço, os rascunhos. A própria noção de acabamento está quase apagada”.
Valéry retoma uma tradição. Lemos, por exemplo, em Montaigne um pensamento que já foi objeto de diversas interpretações: “A alma que não tem um fim estabelecido perde-se. Porque, como se diz, estar em toda parte é não estar em lugar nenhum”. Deixemos de lado as interessantíssimas discussões sobre o duplo significado de “alma” (alma e espírito) e fiquemos com uma das interpretações possíveis: alma como “trabalho teórico do espírito”, entendendo espírito como “potência de transformação”. Ora, o que leva a alma (espírito) a se perder? É o trabalho desordenado. Sabe-se que Montaigne retoma Sêneca ao falar do ócio. Sêneca escreve: “Não corras em todos os sentidos e não perturbes teu repouso à força de mudar de lugar. Tal agitação é uma doença: a primeira prova de uma inteligência ordenada é, do meu ponto de vista, poder parar e aquietar-se consigo mesmo [….]. Não se está em nenhum lugar quando se está em todos”. Habitar o próprio eu, comenta Bernard Sève, é exatamente o projeto de Montaigne: viver em repouso, longe das agitações do mundo, retirar-se da pressa do mundo “para se conquistar, passar do negotium ao otium”. É isso que podemos ler na inscrição que Montaigne mandou pintar nas paredes da sua torre: “No ano de Cristo de 1571, aos 38 anos, vésperas das calendas de março, dia de aniversário de seu nascimento, depois de exercer longamente serviços na Corte (Parlamento de Bordeaux) e nos negócios públicos […] Michel de Montaigne consagrou este domicílio, este tranquilo lugar vindo de seus ancestrais, à sua própria liberdade, à sua tranquilidade, ao seu loisir (otium)”. Lemos ainda no capítulo sobre a solidão:
A solidão parece-me em particular indicada e necessária àqueles que consagraram à humanidade a mais bela parte de sua vida, a mais ativa e produtiva, como o fez Tales. Já vivemos bastante para os outros, vivamos para nós ao menos durante o pouco tempo que nos resta. Isolemo-nos e, na calma, rememoremos nossos pensamentos e nossas intenções. Não é nada fácil um retiro consciencioso […]. É preciso romper com quaisquer obrigações imperativas. Talvez ainda gostemos disso ou daquilo, mas só a nós mesmos poderemos desposar […]. A coisa mais importante do mundo é saber pertencer-nos.
Eis que Montaigne recolhe-se ao ócio reflexivo, com um espírito criativo leve e vagabundo. Como escreve Sève, um Montaigne distante das pressões políticas e das injunções do trabalho burocrático, com o espírito já amadurecido, “construído pela vida, espírito prestes ao fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz”. Mas interpretemos com cuidado esse afastamento do mundo. Se a vida teórica aparece mais compensadora é porque Montaigne não encontrou na vida prática — social e política —, no Parlamento de Bordeaux, aquilo que buscava. À diferença dos comuns, Montaigne não procurava satisfação no reconhecimento social e político. Ele preferiu a busca da verdade, no ócio, às coisas da política. Sua “contemplação” teórica é discursiva, isto é, transforma-se em atos de pensamento e, portanto, em atividade prática. Podemos dizer, dando um salto no tempo, que essa ideia nos aproxima de Wittgenstein e sua ética do fazer. Mas não um fazer qualquer, trata-se nada mais, nada menos que do trabalho de modificação das fronteiras do mundo afetivo: “O mundo do homem feliz é outro mundo, diferente do mundo do homem infeliz”. Eis a ética da construção de si, uma espécie de ócio ativo. Para ele, a única vida desejável consiste em passar pela prova da felicidade em busca da sabedoria. Cito um aforismo extraído da edição francesa de Remarques mêlées: “A solução do problema que você vê na vida consiste em uma maneira de viver que faça desaparecer o problema”. Com efeito, que a vida seja problemática, isso quer dizer que sua vida não está de acordo com a forma de viver. É preciso então que você mude de vida, e se ela se torna de acordo com a tal forma, o que é problema desaparece”.
O OCIOSO DIANTE DO MUNDO
Entremos no universo do preguiçoso e analisemos “preguiçosamente, lentamente”, essa figura tão desprezada. Sem dúvida, ele nos tem muito a dizer sobre o mundo acelerado do progresso e do trabalho, que cria objetos indispensáveis, mas também nos deixa, como herança, neuroses, depressões, alienações, desastres ecológicos, excessos de ruídos artificiais e técnicos, apressamentos, economias de guerra, a morte do sujeito, inconsciência de si e, enfim, 191 milhões de vítimas em massacres nos últimos cem anos, entre outros feitos. É certo que o trabalho investiu muita ciência e técnica para criar este mundo. Sem falar na superexploração da mão de obra: no século XIX, a jornada de trabalho normal na Inglaterra era de 15 horas para os homens e de 12 horas para as crianças. Bertrand Russell no seu Elogio ao ócio conta que, quando alguém reclamava do excesso de trabalho, lhe respondiam que tudo era para seu próprio bem: evitar que os adultos acabassem na bebida e as crianças fizessem bobagens.
A aliança entre capital, Igreja e disciplina militar para regular o trabalho tem história. Em um de seus famosos cursos de 1973, ainda não publicado, Foucault narra o início da institucionalização do trabalho através da experiência da “fábrica-caserna-convento” no final do século XIX. A partir de um relatório sobre a experiência de uma comunidade fechada, que consistia em reunir até quatrocentos trabalhadores com regras bem definidas para o emprego do tempo, Foucault descreve: acordar às cinco da manhã, cinquenta minutos para toalete e café da manhã, trabalho nos ateliês das seis horas e dez minutos às vinte horas e quinze minutos, com uma hora para as refeições. À noite, jantar, reza e cama às vinte e uma horas. Apenas no Midi, quarenta mil operárias trabalhavam nessas condições. Foucault cita o “Relatório Reybaud”: “A comuna é inteiramente fechada na fábrica; vida civil e vida industrial se misturam; a igreja e a prefeitura, como todos os ateliês e as casas dos operários, constituem uma propriedade privada sob um regime quase militar”. O regulamento é mais rígido ainda: os nômades são excluídos; qualquer jogo ou embriaguez é proibido; o único cabaré da cidade fecha às vinte e uma horas; em caso de sedução que não fosse reparada com o casamento, o operário era logo considerado um delinquente e exilado caso se recusasse a se casar. O relatório conclui: “Como essas classes trabalhadoras, tão indóceis ao jugo, chegaram a tal ponto? A causa está na maneira pela qual o governo age sobre os operários, infla sua vaidade e desarma seus desejos”.
Da experiência narrada, Foucault destaca a condição de “aprisionamento” que vai ganhar outras formas, não interiores como tais comunidades, mas exteriores, que passaram a disciplinar o trabalho: uma multiplicidade de instituições que vão da creche, passando pela escola técnica, aos ateliês. A instituição de um saber aliado ao poder, à repressão e à produção. Mas há algo de comum nas duas experiências: tanto no interior (comunidade “fábrica-caserna-convento”) como no exterior (instituições disciplinares ou máquinas administrativas construídas à imagem do espírito de fábrica), o trabalhador é fixado no aparelho produtivo no qual “o tempo da vida está submetido ao tempo da produção”. Mas vemos na passagem dessas duas experiências uma mudança essencial que nos interessa porque ela se torna mais aguda e determinante no trabalho hoje: “da fixação local a um sequestro temporal”. Ou melhor, da ideia de controle do espaço no trabalho à ideia de controle do tempo. Hoje, o trabalho sequestrou de forma radical o tempo. Basta pensar no trabalho que se faz no carro, no metrô, no andar pela cidade solucionando problemas ao telefone, em casa, nas “férias” por meio do celular, do computador etc. Se, no século XIX, o controle do tempo era apresentado ao operário como um “aprendizado de qualidades morais” que, na realidade, significava a integração da vida operária ao processo de produção, hoje o controle é aceito com naturalidade, e até mesmo desejado. O homem se integra voluntariamente “a um tempo que não é mais o da existência, de seus prazeres, de seus desejos e de seu corpo, mas a um tempo que é o da. continuidade da produção, do lucro”. Objetos de especulação como qualquer outra coisa, os homens estão ocupados o tempo todo em construir uniformidade dos costumes e, pior ainda, passam até a gostar do veneno e a exigi-lo em doses cada vez maiores. A reivindicação de tempo livre de verdade tornou-se quase que palavra de ordem subversiva: “Preciso tanto de nada fazer que não me resta tempo para trabalhar”, conclama Pierre Reverdy, citado no prefácio ao livro de Denis Grozdanovitch, A difícil arte de quase nada fazer.
A mobilização veloz e incessante do trabalho cego hoje não permite ao homem dizer qual o seu destino e muito menos o que acontece. Ele não dispõe de tempo para pensar e muito menos consciência de que seus gestos, no trabalho, produzem muito mais do que os objetos que fabrica. Há um excedente invisível, entendendo-se por “excedente” tudo o que não é mensurável, que produz catástrofes através do trabalho “normal e produtivo”. Isso se manifesta na poluição da natureza, nos desastres ecológicos resultantes do descontrole dos sistemas de produção, no esquecimento e na desconstrução de si. Como lembra Robert Musil em O homem sem qualidades, foi preciso muita virtude, engenho e trabalho para tornar possíveis as grandes descobertas científicas e técnicas, graças aos sucessos dos “homens de guerra, caçadores e mercadores”. Tudo isso fundado na disciplina, no senso de organização e na eficácia do trabalho, o que talvez se pudesse resumir assim: o trabalho mecânico da produção de mercadorias pretende tomar o mundo de assalto, produzindo ao mesmo tempo agitação social e frenesi econômico e consumista, dada a multiplicação de objetos “não naturais e não necessários”. Já o preguiçoso põe-se na escuta de si e do mundo que o cerca.
O OCIOSO E O TEMPO DO PENSAMENTO
Talvez o mais danoso de todo esse legado para o espírito humano seja a criação de um mundo vazio de pensamento que o ocioso procura preencher.
Guardo uma imagem que o poeta e filósofo Michel Déguy me fez ver à janela de seu apartamento em frente à Igreja Saint Jacques, em Paris: um mendigo que dormia vinte horas por dia nas escadarias da igreja. Tempos depois, Déguy narra essa experiência em um pequeno ensaio com o título Du paradoxe: em imagem semelhante, também nas escadarias de uma igreja,”a Derelitta de Botticelli está pelo menos sentada, parecendo meditar. Hoje, ninguém medita, como dizia Valéry na figura de M. Teste. Portanto, o mendigo talvez não esteja inteiramente errado, uma vez que
fato de estar deitado nada muda […]. E quando me lembro que Pascal era o pároco da igreja e que cuidava dos abandonados, a comparação me perturba, os ‘pobres’ não são mais como eram — mas os pensadores também não. Portanto, ‘o despertar do pensamento’? Nós, você e eu, não desejamos dormir. Mas estamos acordados?”.
É isto: não temos a certeza de estar acordados. O trabalho técnico, mecânico e acelerado nos anestesia e, no mesmo movimento, abole o tempo do pensamento. Déguy narra ainda que, certa vez, perguntaram a Valéry o que ele mais desejava, e ele respondeu: “Estar acordado”. Em um de seus textos mais célebres, Valéry nota: “O futuro já não é mais como era”. Isto é, não há mais o tempo lento do pensamento, momento em que o tempo não contava. Hoje, tudo é previsto e predeterminado, sem futuro, sonolenta repetição do mesmo. Anuncia-se com precisão tudo o que acontecerá. Eis um mundo sem problemas e sem surpresas. Um mundo também sem desejos porque, como se sabe, construímos o futuro segundo nossos desejos. Mas sabe-se também que é na vida meditativa que o homem toma consciência da sua condição — seus vícios e virtudes — e cria soluções para seus problemas. Ora, como escreveu ainda Valéry, o amanhã é uma potência oculta e o homem age muitas vezes sem o objeto visível de sua ação, como se outro mundo estivesse presente, “como se ele obedecesse a ações de coisas invisíveis ou de seres ocultos”. Essa poderia ser uma boa definição do ocioso. Coisas invisíveis e seres ocultos a participarem do mundo do devaneio e do pensamento. Mundo do trabalho do espírito em contraposição ao trabalho mecânico. “Mais ainda [segue Valéry]: não apenas o homem adquiriu essa propriedade de afastar-se do próprio instante e, em consequência, dividir-se a si mesmo, mas, ao mesmo tempo, ganhou uma impressionante propriedade […]. Adquiriu diferentes graus de consciência de si, consciência que faz com que, afastando-se por momentos de tudo o que existe, pode afastar-se da própria personalidade; o eu pode muitas vezes considerar a própria pessoa como um objeto quase estranho […]. Existe aí uma criação original, uma tentativa de criar o que ousaria nomear: espírito do espírito.” Entenda-se por, “criação original” a construção de si, o cuidado de si, ações que podem ser atribuídas ao ocioso que se basta pensando em si. As ideias e os valores, lembra-nos Maurice Merleau-Ponty, não faltam a quem soube, na sua vida meditativa, liberar a fonte espontânea, não deliberadamente em direção a fins predeterminados por cálculos técnicos e produtivos. Todo trabalho finito e alienado é pura perda. Através de uma admirável reversão, o meditativo transforma a desrazão do mundo do trabalho alienado em fonte de razão. Isso porque o trabalho meditativo do ocioso é um trabalho sem finalidade, sem tetos, um trabalho em curso permanente e sem fim. Relembro o filósofo e amigo Claude Lefort que, em uma de nossas intermináveis caminhadas em torno da lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul do Rio, comentou uma dedicatória de Henri Michaux a Merleau-Ponty: “Peu de paroles, pas de thèses, pas de voies royales”. Dessa maneira, o trabalho meditativo do ocioso exige muito mais trabalho do que o trabalho mecânico. O trabalho da obra de arte e o trabalho da obra de pensamento pedem um tempo que não pode ser medido pelo relógio. Recorro, então, ao fim de uma das Seis propostas para o próximo milênio, de Italo Calvino, para ilustrar a ideia do trabalho lento, “preguiçoso”: “Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsé estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsé disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. ‘Preciso de outros cinco anos’, disse Chuang-Tsé. O rei concordou. Ao completar-se o décimo ano, Chuang-Tsé pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito caranguejo que jamais se viu”.
O ocioso é, de certa maneira, crítico da rigidez do saber especializado. Ele abomina a rotina e a repetição que acabam por se reverter em “pura perda” do trabalho alienado que percorre sempre o mesmo caminho. O trabalho de qualquer tipo de obra, material ou espiritual, pede criação permanente, e é assim que pensa Valéry: “Tenho a mania estranha e perigosa de querer, em qualquer matéria, começar pelo começo (isto é, pelo meu começo individual), o que equivale a dizer recomeçar, refazer todo um caminho como se outros não o tivessem já traçado e percorrido […]. O estranhamento é o verdadeiro começo. No começo, era o estranho […]. Nométier de filósofo, é essencial não compreender. É preciso cair de algum astro, fazer-se eternos estranhamentos”. Esforçar-se, na expressão de Nietzsche, “a engendrar-se”.
O que, enfim, Valéry põe em questão é a existência do trabalho já feito, tanto intelectual como material. Lemos, assim, a análise do filósofo Édouard Gaède: “Sócrates e Valéry-Teste dividem o mesmo sentimento. Desdenham a rotina do trabalho acorrentado, desprezam a obra, a escrita e tudo mais. Sonhando com ‘obras-primas interiores’, gastam seus tesouros de ideias em observações de circunstâncias, reflexões esparsas que se ligam sem sequência a algum momento do seu pensamento. Eles falam — e como falam! Nada saberia resistir às suas rigorosas divagações […]. Sócrates é irrefutável: porque nada escreveu. M. Teste também o é, e pela mesma razão”.
Essa maneira de pensar o trabalho do espírito lembra-nos Nietzsche e a visão apaixonada e dionisíaca do artista e do pensador: é preciso “lançar-nos, com audacioso élan, em uma metafísica da arte”. Nesse sentido, o intelectual que se entrega ao devaneio expressa sua oposição ao otimismo do espírito científico e fatalista que impregnou a civilização ocidental.
Lemos em um autor anônimo contemporâneo a crítica à ideia da utilidade material e imediata da arte. Ele insiste em ser anônimo (não escreve para ser reconhecido) e mostra-nos que autores que se bastam e que escrevem por prestígio ou dinheiro não entendem o que é trabalho do espírito. Para esse tipo de escritor, a percepção do mundo é muito mais do que o que se pode acolher de imediato. A obra concluída é apenas uma das expressões possíveis. Compete ao ocioso dar outras formas às criações propostas pelo espírito e só ele entende assim o mundo:
No início, tentei dar vazão a tais obras […]. Acontece que eram como cornucópias em cascata. Humanamente impossível, mesmo que eu trabalhasse como um Balzac. Depois, sofri e sofri, por tanto ter em mim e nada registrar.
Hoje… Ah, o que são os livros? Finalidades… Quão mais prazerosos descobri caminhos — imaginar todos eles. Pelo baixo preço de não ter escrito uma linha sequer, morrerei anonimamente, tendo vivido uma infinidade de prazerosos matizes de livros que só existiram para a minha imaginação. Suspeito, inclusive, ter bolado o mais belo dos títulos: uma verdadeira sinfonia em poucas palavras. Filantropia? Olhe em volta. Parece-lhe que os homens merecem isso? Um, dois, três, no máximo. Você, por certo. Contudo, qual seria a garantia quanto a você não quebrar o voto de silêncio? Avarento, por certo… Enquanto é de preguiçoso que me chamam. Percebe? A maioria esmagadora — esmagadora — dos homens troca palavras todo o tempo. Por que lhes deveria entregar as boas?
MAS, AFINAL, QUEM É O PREGUIÇOSO?
Enfim, como se pode, então, pensar essa figura que sempre teve péssima reputação no Ocidente? Talvez uma boa definição seja a do autor inglês Jerome K. Jerome em seu livro Pensamentos preguiçosos de um preguiçoso: “preguiça sempre foi o meu forte. Não é nenhuma glória, é um dom. Um dom raro. É certo que existem muitos farniente, mas um autêntico preguiçoso é exceção. Isso nada tem a ver com alguém que anda com as mãos no bolso. Ao contrário, o que melhor caracteriza um verdadeiro preguiçoso é o fato de ele estar sempre intensamente ocupado. De início, é impossível apreciar a preguiça se não há uma massa de trabalho diante de si. Não é nada interessante nada fazer quando não se tem nada a fazer! Em compensação, perder seu tempo é uma verdadeira ocupação, e uma das mais fatigantes. A preguiça, como um beijo, para ser agradável, deve ser roubada”. Jerome leva-nos a pensar que a preguiça não é coisa passiva. Perder o tempo mecânico dá trabalho e exige enorme atividade do espírito. O farniente submete-se à lógica do capital; é parte do processo, porque já está nos cálculos da mão de obra excedente do processo de produção: a existência de excluídos. O ocioso não é propriamente quem se opõe ao trabalho. É quem sabe usar da inteligência. Em um pequeno ensaio sobre a preguiça, Bertrand Russell narra a história do viajante que, em Nápoles, viu 12 mendigos estendidos ao sol e propôs uma lira ao que se mostrasse mais preguiçoso. “Onze dentre eles”, conta Russell, “correram para buscar a moeda. O viajante deu-a ao décimo segundo”.
O PRAZER E O PECADO
A própria palavra preguiça merece atenção. Ela deriva do latim pigritia, que, por sua vez, deriva de piger, que significa “lento”. O filósofo francês Alain Corbin, autor de, entre outros livros, L’avènement des loisirs, escreveu que, durante a primeira metade do século XIX, médicos e membros do clero inquietavam-se com a lassidão dos jovens e prescreviam-lhes toda espécie de ocupação, uma espécie de “laicização” do tempo e de aceleração do ritmo de vida, hoje tão familiar a nós. Convinha, antes de tudo, conta Corbin, “impedir qualquer masturbação no seio da família, na escola, nos internatos e, para tanto, era preciso ocupar os estudantes. Nada fazer é abandonar-se a devaneios, aos maus pensamentos e, em consequência, entregar-se aos vícios. Espartilhos antimasturbatórios e cintas impediam carícias íntimas. Os médicos desaconselhavam as moças a praticar equitação, passear sozinhas e ler romances”. A ocupação com atividades indiferentes e a aceleração do tempo marcam o recuo da lentidão, o esquecimento “de certa nonchalance”, de certa preguiça prazerosa.
ENTRE AMIGOS
Mas o ócio proporciona outro prazer. Como observa o filósofo e escritor Pierre Sansot em Du bon usage de la lenteur, uma conversa vagabunda e a alegria do diálogo com uma pessoa querida trazem à cena “imagens, uma música, gestos que me livram da banalidade da maioria dos nossos discursos […]. É uma experiência da liberdade que nos leva a caminhos que não pensávamos que existissem”.
Eis outro tipo de ocioso, diferente do que propõe o isolamento de Montaigne. De inspiração epicurista, essa ociosidade não deve ser praticada na solidão. A amizade é o caminho privilegiado para se chegar à transformação de si. Sêneca, nas Cartas a Lucílio, escreve: “Digo estas coisas não às massas, mas a ti. Cada um de nós é um auditório bastante vasto para o outro”. É na comunidade de amigos no jardim que se pode chegar à satisfação dos desejos fundamentais e renunciar aos supérfluos.
PREGUIÇA, UMA ARMA POLÍTICA?
O egípcio Albert Cossery é apresentado pela revista francesa Le Magazine Littéraire como o escritor contemporâneo que celebra a preguiça como uma arma de subversão política, uma maneira de resistir à impostura das potências e de aceder a uma maior lucidez. Para Cossery, o exercício da preguiça tem o valor da arte de viver. Mas ele distingue dois tipos de preguiça: a dos idiotas e a dos reflexivos: “Um idiota preguiçoso permanece idiota! E um preguiçoso inteligente é quem reflete sobre o mundo no qual vive. Mais você é ocioso, mais tempo você tem para refletir […]. Esses são os valores da preguiça, que supõe, pois, dupla recusa: nosso mundo imediato e a triste realidade”. Mas o mais radical dos libelos contra o trabalho alienado continua a ser o pequeno ensaio de Paul Lafargue, O direito à preguiça. “Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a fortuna social e suas misérias individuais; trabalhem, trabalhem, para que, tornados mais pobres, tenham mais razões ainda para trabalhar e tornar-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da produção capitalista.” Para Lafargue, o trabalho é uma invenção relativamente recente, uma vez que os antigos gregos desprezavam o trabalho e deliciavam-se com os “exercícios corporais” e os “jogos de inteligência”. Ele critica também a moral cristã ao proclamar o “ganharás o pão com o suor do rosto” e ao lembrar que Jeová, “depois de seis dias de trabalho, repousou por toda a eternidade”. É verdade que a Grécia antiga, com a democracia, inventou também a vida contemplativa, a ataraxia. Os estoicos desejavam que os sábios se afastassem da turbulência dos negócios e afirmavam que o verdadeiro prazer só se realizava na companhia dos amigos. A ideia de prazer como supremo bem era associada a viver segundo a natureza. Lembremos de Epicuro e Lucrécio, e sua ética, que deve, mais do que nunca, ser pensada hoje, momento maior do consumismo e da insatisfação dos desejos: “Existem desejos naturais e necessários; outros são não naturais e necessários; mas existem ainda desejos que não são naturais e nem necessários”.
Marx afirmava que não apenas se fabrica o objeto para o sujeito, mas também o sujeito para o objeto. Esse sujeito torna-se absolutamente passivo, consome os objetos passivamente, jamais os transforma. É apenas uma máquina de produzir e consumir produtos. A única coisa que tal sujeito passivo produz de verdade é o consumo. Robert Louis Stevenson, na Apologia dos ociosos, mostra que o ócio “não consiste em nada fazer, mas em fazer muitas coisas que escapem aos dogmas da classe dominante”. Um desses dogmas está na defesa do consumo desregrado, provocado por desejos não naturais e não necessários.
Mas lembremos também de personagens mais próximos do nosso tempo: o dândi, o flâneur, “heróis” do mundo moderno, segundo a ensaísta Agnes Verlet, que tentam “escapar da lei do trabalho imposta por uma sociedade para a qual nada se cria e nada se perde, como mostrou Walter Benjamin a propósito de Baudelaire. A preguiça, vilipendiada pelos moralistas em nome da religião, o é igualmente pelos economistas, em nome do trabalho. E foi preciso todo o lirismo (iconoclasta) de Lafargue para fazer dela um novo valor moral e estético: “Ó preguiça, tenha piedade de nossa longa miséria! Ó preguiça, mãe das artes e das nobres virtudes, seja o bálsamo das angústias humanas”.
O MELANCÓLICO E O VAGABUNDO
Em um pequeno ensaio sobre Rousseau, o filósofo Michel Delon conclui que, se os novos princípios do progresso “transformam os humanos em trabalhadores forçados e maníacos do lucro, a preguiça torna-se, então, um princípio subversivo”. Jean-Jacques Rousseau com os Devaneios e Charles Baudelaire com As flores do mal são certamente os dois dos mais criativos pensadores da crítica à ideologia do progresso e da exaltação do Homo faber. Para Rousseau, é no afastamento da agitação das grandes cidades e na volta à natureza — os prados e bosques — que se reconstrói o verdadeiro eu. Aqui, o preguiçoso se perde na vida orgânica das paisagens e a preguiça ganha a “profundidade de uma existência que se confunde com os ritmos da água em seu envolvimento vegetal”, como observa Delon. Para esse passeante solitário, o devaneio é uma meditação livre misturada a certos prazeres que não sentia antes. “Se os homens me procurassem, não me achariam mais. Com o desdém que me inspiraram, seu comércio me seria insípido e mesmo pesado. Sou cem vezes mais feliz na solidão do que poderia ser vivendo com eles. Eles extraíram do meu coração todas as doçuras da sociedade”. Na Septième promenade, Rousseau busca a solidão, mas procura trabalhar tudo o que o cerca, escolhendo os objetos mais agradáveis. Não escolhe os minerais porque, escondidos no fundo da terra “para não tentar a cupidez”, exigem indústria, trabalho, pena e exploração dos miseráveis nas minas. Em geral, aqueles que se apropriam das riquezas minerais são “ricos ignorantes que buscam apenas o prazer da étalage” . As plantas, não: a botânica é o estudo de um “ocioso e preguiçoso solitário”:
Ele passeia, erra livremente de um objeto a outro, passa em revista cada flor com interesse e curiosidade, e ao começar a chegar às leis de sua estrutura, saboreia, ao observá-las, um prazer sem pena tão vivo como se lhe custasse muito. Há, nessa ociosa ocupação, um charme que só se sente na plena calma das paixões que apenas basta para tornar a vida feliz e tranquila. Mas quando se mistura aí um motivo de interesse ou vaidade, seja para ocupar espaços ou para escrever livros, ou quando se quer aprender apenas para se instruir e se pesquisam as plantas apenas para se tornar professor, todo o charme da tranquilidade se desfaz; as plantas são olhadas apenas como instrumento de nossas paixões, não se encontra mais nenhum verdadeiro prazer no seu estudo; não se quer mais saber, mas mostrar que se sabe; nos bosques está-se apenas no teatro do mundo, ocupado com o cuidado de se fazer admirar ou então limitando-se ao botânico de gabinete e no máximo de jardim; no lugar de observar os vegetais na natureza, ocupa-se apenas com sistemas e métodos.
Em Ensaio sobre a origem das línguas, Rousseau escreve:
Pensem numa perpétua primavera na terra; imaginem-se cercados de água, gado, pastos; pensem em homens saídos das mãos da natureza dispersos em tudo isso; eu não imagino como eles teriam renunciado para sempre a sua liberdade primitiva e abandonado a vida isolada e pastoral, tão conveniente à sua indolência natural, para impor-se, sem necessidade, a escravidão, os trabalhos, as misérias inseparáveis de seu estado social… É inconcebível até que ponto o homem é naturalmente preguiçoso. Dir-se-ia que ele vive apenas para dormir, vegetar, ficar imóvel; talvez fazer apenas movimentos necessários para não morrer de fome. Nada mantém tanto os selvagens no amor do seu estado do que esta deliciosa indolência. As paixões que tornam o homem inquieto, previdente, ativo só nascem na sociedade. Depois da paixão de se conservar, nada fazer é a primeira e a mais forte das paixões. Se prestarmos bem atenção, veremos que é para chegarmos ao repouso que cada um de nós trabalha; é ainda a preguiça que nos torna trabalhadores.
Em um de seus cursos no Collège de France, Jean Starobinski, autor de um dos mais importantes ensaios sobre a melancolia, descreve-a como pendular, da tristeza estéril à meditação fecunda, entre o vazio e a plenitude do saber. O gênio pensativo se põe muitas vezes no meio desses dois estados. Ao analisar Le cygne, poema de Baudelaire, Starobinski começa por definir o melancólico: “Aristóteles, retomado por Ficino, criou uma definição duradoura: o melancólico é aquele que, melhor que qualquer outro, pode elevar-se aos mais altos pensamentos; mas, se a bílis negra, de ardente que era, acabar por se consumir e se resfriar, tornar-se-á glacial e se converterá, segundo os termos retomados por Baudelaire, em veneno negro”. Baudelaire diz, em carta datada de 1866, a propósito de As flores do mal: “Pus (no poema) todo meu pensamento, todo meu coração, toda minha religião (travestida), todo meu ódio”, verdadeira constelação de melancolia, verdadeira dualidade ou mediação — entre o vazio e a plenitude do pensamento, entre a paixão alegre do coração e a paixão triste do ódio. “O que sinto é um imenso desencorajamento, uma sensação de isolamento insuportável, o medo perpétuo de uma vaga infelicidade, uma desconfiança completa de minhas forças, uma ausência total de desejos, uma impossibilidade de achar alguma graça… É o verdadeiro espírito de Spleen”.
O OCIOSO É CONTRA A IDEIA DE PROGRESSO?
Muitos pensadores já escreveram sobre a relação entre o trabalho, o progresso tecnocientífico e o destino da civilização. Alguns, como Karl Kraus, apontam o progresso da ciência e da técnica como provável fim da humanidade. Ele escreve em um texto intitulado Apocalipse: É minha religião acreditar que o manômetro chegou a 99 […]. Ao fim de tudo, há uma humanidade morta deitada ao lado de suas obras que the custaram tanto espírito para ser inventadas e que nada restou dele para utilizá-las. Fomos muito complicados para construir a máquina e muito primitivos para nos servir dela”. Mas, para Kraus, o verdadeiro fim do mundo é o “aniquilamento do espírito”. Qualquer observador distanciado, escreve Valéry, considerando o estado de nossa civilização, “pensaria que a Grande Guerra foi apenas uma consequência bastante funesta mas direta e inevitável do desenvolvimento dos nossos meios. Ela foi feita na escala de nossos recursos e de nossas indústrias em tempos de paz”. Wittgenstein vai mais longe ao afirmar, em 1947, que o progresso tecnocientífico é o começo do fim da humanidade: “A ideia do grande progresso é uma ilusão que nos cega, da mesma maneira que a ideia de conhecimento finito da verdade; nada há de bom e desejável no conhecimento científico; a humanidade que se esforça para atingi-lo precipita-se numa armadilha. Nada nos garante que este não seja o caso”. Mas tomemos como exemplo o resultado de um trabalho de consequências imprevisíveis ligado à revolução tecnocientífica. Jean-Pierre Dupuy descreve essa situação no livro recém-publicado A experiência do pensamento. “Em 17 de janeiro de 2008, dois dos maiores cientistas do nosso tempo, ambos ingleses, o físico Stephen Hawking, descobridor dos buracos negros, e o astrônomo Sir Martin Rees, que ocupa a cadeira de Isaac Newton em Cambridge, adiantaram os ponteiros dos minutos do relógio do apocalipse em dois minutos. Nós estamos apenas a cinco minutos da meia-noite, meia-noite significando, convencionalmente, o momento em que a humanidade será aniquilada por ela mesma”. Essa descrição de Dupuy parece dar razão a Kraus e Wittgenstein. Kraus sintetiza assim a situação de progresso tecnocientífico: “O progresso está de cabeça para baixo e de pernas para o ar, rodopia no éter e assegura a todos os espíritos que ele domina a natureza. Ele inventa a moral e a máquina para expulsar, da natureza e do homem, a natureza, sente-se ao abrigo em uma construção do mundo cuja histeria e conforto mantêm a consistência. O progresso celebra a vitória de Pirro sobre a natureza. O progresso faz porta-moedas com a pele humana”. O ocioso recusa-se a participar dessa obra. Mas, ao mesmo tempo, ele pensa com Musil que não se deve acreditar que se pode curar a decadência, e muito menos voltar à mentalidade de outros tempos. Eis a contradição e o dilema: a própria ideia que o senso comum nos dá do progresso dificulta o entendimento. Ela induz sempre ao movimento incessante, avançar sempre, nunca permanecer no mesmo lugar. Mas o movimento incessante e desregrado não garante necessariamente progresso, no sentido forte do termo, isto é, dos valores humanos. Talvez o que importe hoje é propor a luta do progresso contra o progresso; isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores contra o progresso técnico, essa “ilusão que nos cega”. Eleger a quietude, o silêncio e a paciência para conhecer e aprofundar indefinidamente as coisas dadas. Eis o ócio que Kraus nos propõe: “Se o lugar aonde quero chegar só puder ser alcançado subindo uma escada, eu me recusarei a fazê-lo. Porque lá onde eu quero realmente ir, na realidade já devo estar nele. Aquilo que devo alcançar servindo-me de uma escada não me interessa”.
Suave preguiça, que do mau querer
E de tolices mil ao abrigo nos põe…
Por causa tua, quantas más ações
Deixei de cometer.
MÁRIO QUINTANA, “Da preguiça”, Baú de espantos.