As mutações do poder e os limites do humano
por Newton Bignotto
Resumo
Foucault dizia que o poder no mundo contemporâneo deixou de operar segundo os velhos cânones da modernidade, quando se constituiu num bio-poder, cuja finalidade passou a ser a administração da vida biológica dos homens, visados como corpos naturais e não mais como animais políticos. Essa mutação do poder foi acompanhada pelo surgimento de nossas formas de dominação, diferentes daquelas às quais estávamos acostumados, quando estudávamos os regimes ditatoriais e tirânicos. Os regimes totalitários não foram, nessa perspectiva, um acidente histórico, mas, como afirma Giorgio Agamben, a realização plena de um novo paradigma da contemporaneidade.
Essa nova configuração da política operou uma mutação da própria investigação sobre a condição humana. Em pleno Renascimento, o filósofo italiano Pico della Mirandola afirmou que o homem é o único animal capaz de criar sua própria condição. Servindo-se de sua liberdade, pode realizar obras extraordinárias e com isso se igualar aos deuses, ou pode mergulhar no horizonte sombrio da desmedida e igualar-se às bestas. A modernidade se apresentou para muitos filósofos como o momento histórico no qual o homem se lançou na busca de sua vertente solar, através do uso sistemático da razão, para a busca de conhecimentos que o libertassem das muitas amarras que o prendiam ao passado de trevas. O século XX viu essas trevas ocuparem o centro da cena mundial e enterrou para sempre a idéia de que o progresso da civilização iria nos livrar de nossas fraquezas e defeitos. O século da técnica e dos avanços espetaculares da ciência foi também o século dos massacres e do aparecimento da morte em escala industrial. O surgimento das sociedades totalitárias mudou nosso modo de ver a condição humana e seus caminhos. Tudo se passa como se a partir de agora não pudéssemos mais esquecer da besta, que Pico della Mirandola via como uma das possibilidades de nossa natureza.
C’était ce qui n’est plus.
Être un reste, ceci échappe à la langue humaine. Ne plus exister, et persister, être dans le gouffre et dehors, reparaître au-
-dessus de la mort, comme insubmersible, il y a une certaine quantité d’impossible mêlée à de telles réalités.
De là l’indicible
Victor Hugo, L’Homme qui rit[1]
A modernidade se construiu a partir do Renascimento à luz da famosa asserção de Pico della Mirandola em sua Oração sobre a dignidade do homem, segundo a qual fomos criados livres e com o poder de escolher o que desejamos ser[2]. Diferentemente dos outros seres, o homem pode constituir a própria face e transitar pelos caminhos mais elevados, ou degenerar até o nível inferior das bestas. O texto do filósofo italiano deveria servir de introdução às novecentas teses que pretendia apresentar aos cardeais da Igreja católica em Roma. Nas teses, Pico della Mirandola defendia uma visão eclética dos saberes e pregava uma comunhão de crenças, que seria o sinal do nascimento de uma nova era. Ao lado de considerações sobre o cristianismo, ele introduz informações sobre a cabala, sobre as religiões orientais, e tempera o conjunto com sua crença inabalável na possibilidade de fundir culturas na busca por um saber universal[3].
As teses não puderam ser defendidas perante os cardeais, e com isso a Oração foi pouco conhecida em seu próprio tempo. O desejo do filósofo de compartilhar sua visão aberta da natureza humana e mostrar as muitas vias que se abriam, quando os homens aceitam abandonar suas fronteiras religiosas e culturais, não foi capaz de seduzir uma instituição ameaçada e perdida em sua luta contínua pelo poder. O texto continha, entretanto, as esperanças de um mundo nascente e os perigos de uma condição aberta a todas as possibilidades. Ele garantiu ao autor sua entrada no seleto grupo dos grandes humanistas, que tanta influência teve na difusão de uma imagem positiva do homem e de suas potencialidades[4]. O lado solar de nossa natureza encontrou na exploração racional do mundo um de seus caminhos de realização e ajudou a forjar muitas das obras que marcaram a filosofia moderna. O culto da razão e do progresso que se impôs como uma das marcas do tempo anunciado como “Idade das Luzes” foi apenas uma das figurações de uma época que se acreditou capaz de avançar sem medo por caminhos cada vez mais amplos e profundos de nossa natureza. Combinando a força de seu entendimento com os segredos que a natureza ia aos poucos deixando entrever, o homem se comparou com os deuses, esquecendo-se muitas vezes da responsabilidade dessa identificação.
Para Pico della Mirandola o homem é um ser autoconstruído, e, por isso, não podemos atribuir a forças transcendentes nem os sucessos nem os fracassos. A liberdade para forjar sua própria natureza é um dom que implica riscos. Se com frequência preferimos olhar apenas para a força de uma vontade, que decidiu explorar o mundo com as ferramentas da razão, desde a era do barroco, sabemos que o real comporta um lado escuro, que não pode ser simplesmente esquecido. Ao lado do racionalismo triunfante, sempre houve um grito de alerta quanto às trevas que rondavam as sociedades modernas.
O século XX viu essas trevas ocuparem o centro da cena mundial e enterrou para sempre a ideia de que o progresso da civilização iria nos livrar de nossas fraquezas e defeitos. O século da técnica e dos avanços espetaculares da ciência foi também o século dos massacres e do aparecimento da morte em escala industrial. O surgimento das sociedades totalitárias mudou nosso modo de ver a condição humana e seus caminhos. Tudo se passa como se a partir de agora não pudéssemos mais nos esquecer da besta, que Pico della Mirandola via como uma das possibilidades de nossa natureza. O monstro, que rondava a razão, e que por tanto tempo pareceu poder ser por ela derrotado, aproveitou-se de muitas de suas conquistas para criar uma nova identidade, que nos obriga a conviver com a barbárie no seio mesmo de sociedades que tanto contribuíram para criar a imagem iluminada do Ocidente.
Essa nova realidade, que teimosamente alguns insistem em esconder, como se os regimes totalitários fossem apenas equívocos de um percurso destinado ao sucesso, descortina dois horizontes de investigação que mudam o mapa de nossas inquietações. O primeiro diz respeito àqueles que praticam atos bárbaros respaldados pelo poder de Estado. Trata-se aqui de pensar a barbárie, que nasce no seio das organizações destinadas a ordenar a vida em comum dos homens. Nessa perspectiva, o velho problema do mal, que faz parte da tradição filosófica desde a Antiguidade, é revisitado à luz de um conjunto de práticas que não podem ser compreendidas apenas com um desvio do bem. A crueldade dos carrascos contemporâneos deve ser vista pelo prisma de uma razão que, aceitando suas limitações, evita a armadilha da indiferença e da nostalgia.
Os regimes totalitários nos forçam também a buscar compreender o território ético surgido com a narração das experiências daqueles que foram vítimas das políticas de extermínios dos regimes extremos. A palavra dos sobreviventes abre um campo de investigação, que não pode ser demarcado pelas fronteiras de uma moral convencional, que se limita a nos ensinar a compaixão pelos que sofrem. A verdadeira descida aos infernos daqueles que foram internados nos campos de concentração nos obriga a pensar os limites de uma natureza submetida ao quase aniquilamento. Essa nova fronteira da dor nos abre a possibilidade de explorar uma dimensão de nossa humanidade, que não podia ser antevista pelos viajantes literários que, como Dante, procuraram explorar os reinos in
fernais. A partir dos relatos dos que voltaram, nos defrontamos com uma viagem que não possuía um guia genial e não termina com a libertação do último círculo de provações. O mundo contemporâneo nos ensinou a viver sem a expectativa do paraíso e com limites que a modernidade lutou para afastar.
Nossa tarefa será a de acompanhar alguns passos da descida aos infernos, que os regimes totalitários nos obrigaram a fazer, a partir da obra de alguns sobreviventes como Primo Levi, Robert Antelme, David Rousset, Bruno Bettelheim e outros. Com esse passo, pretendemos esclarecer os problemas éticos que surgem com a produção de um lugar de existência nas fronteiras do humano.
A DESCIDA AO INFERNO
Em dezembro de 1943 Primo Levi, então jovem participante da Resistência italiana, foi feito prisioneiro, para ser, em seguida, deportado para Auschwitz. Como ele mesmo declara, em consequência das leis raciais, havia vivido “num mundo quase irreal, povoado por honestas figuras cartesianas[5]”. Tendo escolhido se declarar judeu, para tentar escapar das torturas que eram impostas a outros prisioneiros políticos, ele mostrou que, apesar de fazer parte de um grupo de luta antifascista, estava muito longe de compreender o real significado da política praticada pelo Terceiro Reich com relação aos judeus. Essa ingenuidade pode ser explicada pelo isolamento, mas revela como os que se acostumaram a pensar segundo as regras do método cartesiano interpretavam a guerra naquele momento na Itália. Tratava-se de um fato duro, atroz, revoltante, mas que ainda cabia dentro do quadro mental forjado por séculos de crença na superioridade da razão como ferramenta para a compreensão do mundo dos homens. Prisioneiro, junto com outros membros da comunidade judaica, em Módena, recebeu a notícia de que seria deportado em fevereiro de 1944, quando alguns otimistas ainda acreditavam que se tratava de uma prisão temporária.
Naquele mês teve início para o jovem italiano uma viagem ao inferno, sobre a qual testemunhará ao longo dos muitos anos que se seguiram à sua libertação em 1945. No momento de sua prisão, Primo Levi não estava consciente de que poderia fazer sua a divisa que Dante colocou nas portas do inferno da Divina Comédia: “Deixai toda esperança, ó vós que entrais[6]”. Quando soube que iria ser deportado, compreendeu, entretanto, como quase todos que receberam a notícia, que marchava para a morte. O anúncio da morte coletiva, da morte impingida com frieza e determinação, a condenação sem culpa, abre as portas para uma experiência que não estamos em medida de compreender a partir da visão de mundo forjada pela crença no progresso das Luzes. “A noite veio”, diz Levi, “e com ela esta evidência: jamais um ser humano deveria assistir, nem sobreviver, à visão do que foi aquela noite. Todos tiveram consciência: nem os guardas italianos nem os alemães tiveram coragem de vir olhar o que fazem os homens quando sabem que vão morrer[7].” Olhar a morte de frente é algo que escapa à temporalidade humana, pois suspende a ordenação da passagem entre o passado e o futuro. Dante só pôde visitar o inferno porque foi autorizado pela divindade e foi acompanhado por um guia extraordinário. Em seu percurso pelo reino infernal, sofreu o tempo todo com as visões que teve, mas pôde resistir graças à certeza de que sua viagem terminaria com o encontro de Beatriz, longe dos castigos impostos aos pecadores. Mesmo assim seu olhar hesita em ver o que passam aqueles que na vida transgrediram a lei divina. A presença de Virgílio serve para temperar o medo, mas também para afirmar que o que não pode ser visto segue o curso de uma lei maior, que lhe ordena e dá sentido.
A viagem para Auschwitz e os sentimentos que se instalaram em todos os deportados mostraram para Levi que o único recurso disponível nos momentos extremos é o desejo de manter a vida em seu curso normal, com suas pequenas dificuldades, suas disputas inócuas, suas repetições enfadonhas. Podemos chamar essa recusa em viver a própria morte de vários nomes. Podemos até mesmo evocar a ausência de lucidez dos que iam morrer. Mas será essa uma maneira correta de descrever o espaço infinito contido entre a certeza da morte e sua efetivação? Sabemos todos que vamos morrer, mas isso não quer dizer que vivemos para morrer. Ao tentar preservar o curso normal da existência, ainda que ele se manifestasse na violência dos carrascos, os deportados escolhiam manter a esperança, no lugar de se deixar levar pela emoção de saber o fim próximo.
As experiências vividas pelo grande número de presos dos diversos campos que existiram no mundo no curso do século XX, e continuam a existir em algumas partes do planeta, nos ensinaram que não podemos confundir campos de internação, campos de trabalho, campos de concentração e campos de extermínio. Mas essa verdadeira sociologia da violência organizada pelos Estados não pode apagar o fato de que a morte é sempre parte do que David Rousset chamou de “universo concentracionário”, que ele definia como “um universo à parte, totalmente fechado, reino estranho de uma fatalidade singular[8]”. Robert Antelme descreve essa situação quando afirma, referindo-se ao campo de concentração no qual esteve internado: “Estamos todos aqui para morrer[9]”. É claro que na vida normal também sabemos que vamos morrer, que nossa finitude é uma barreira inultrapassável de nossa condição. Mas não vivemos para morrer, e nossos momentos não são normalmente possuídos pela ideia da morte. No campo de concentração, ao contrário, a equação do tempo e da morte domina inteiramente o cotidiano. Comer a ração magra e insuficiente possui um significado extremo. A esperança de que finde a catividade esbarra na inexorabilidade da passagem do tempo, um tempo modificado por uma escala que não comporta mais uma vida regrada por outras expectativas a não ser aquela de evitar a morte. “É preciso não morrer, esse é o objetivo verdadeiro da batalha”, afirma Antelme[10]. Essa batalha é tanto mais árdua que mesmo nos campos baseados na exploração da mão de obra escrava não havia preocupação alguma com a preservação da vida dos que trabalhavam. Aos olhos dos carrascos, todos eram apenas uma quantidade finita de energia, a ser esgotada e descartada. Um número esvaziado de história e profundidade.
Essa atitude diante da morte, que Levi recusa classificar como heroica, acompanha a mutação que se operou no curso do século XX com relação aos momentos finais da existência. Como mostra Philippe Ariès em seu clássico L’homme devant la mort[11], a morte foi pouco a pouco perdendo seu significado social e seus rituais de inserção na vida das comunidades, para transformar-se em algo incômodo, que deve ser escondido dos olhares públicos, restrito ao círculo familiar, que, por seu turno, deve evitar transformar o final da vida de um dos seus num espetáculo público. A morte tanto tempo temida e reverenciada, cultivada como fato social, passa a ser um fenômeno de silêncio e privação[12]. Mas as mutações que Ariès identifica tão bem nas sociedades contemporâneas em sua relação com a morte não incluem o caso que nos interessa aqui: a morte anunciada e produzida por uma máquina de matar. Os que embarcavam para Auschwitz sabiam que iam morrer de uma forma diferente dos que são levados em estado grave para um hospital. Mas não sabiam como, e muitos preferiam acreditar que nada iria acontecer. Sua morte não pode ser encaixada nas circunstâncias normais da vida, as mesmas que pareciam proteger os deportados no momento de sua transferência. Além das mutações apontadas por Ariès, que alteraram procedimentos seculares, é preciso reconhecer um novo domínio: o do extermínio voluntário e anunciado de populações inteiras. Nesse novo quadro, a proximidade entre a vida dos condenados à morte do sistema penitenciário de diversos países e o interregno concedido aos que eram conduzidos aos campos de concentração e extermínio é apenas aparente. É claro que há similitudes entre a experiência de indivíduos que estão prestes a enfrentar a morte. Mas a psicologia do moribundo interessa pouco se não formos capazes de explorar as distinções e as mutações sofridas por sociedades que industrializaram a morte.
A primeira mutação sofrida pelos que foram exterminados já na chegada aos campos de concentração diz respeito ao fato de que a mecanização da morte pelos executores fez com que todos os rituais fossem abolidos de uma só vez. “Assim desapareceram em um instante, por traição, nossas mulheres, nossos parentes, nossas crianças”, diz Levi. “Quase ninguém teve tempo de lhes dizer adeus[13].” A morte não é privada apenas dos rituais que a acompanharam ao longo dos séculos. Ela é negada ao tempo presente. Os que se vão simplesmente desaparecem dos olhos dos que até então os acompanharam. A morte industrial, a mais trágica de todas, é apenas um ato mecânico para quem a infringe, mas aparece como a imagem mesma da irracionalidade e do sem sentido: “Tudo nos parecia incompreensível e louco[14]”.
A inscrição na porta do inferno de Levi é bem diferente daquela de Dante. Com ela somos transportados ao coração de nosso tempo: “O trabalho liberta[15]”. Podemos compreender como uma ironia a inscrição na porta de Auschwitz, mas com isso perdemos o fato essencial de que ela assinala uma mudança importante de nossa época. O núcleo da crença na produção racional do mundo pelas forças produtivas inspiradas na razão técnica está privado de sentido. Entre o mundo ético da liberdade e o trabalho não há sentido que se produza, mas apenas um vazio, que comanda comportamentos, mas não produz valores humanos. O primeiro círculo do inferno de Levi não é habitado pelos que não foram batizados e, portanto, não podiam conhecer a verdade revelada, mas pelos inocentes, tragados pela ausência total de sentido num mundo dominado pela lógica do trabalho vazio dos executores banais do mal absoluto. “É isso o inferno”, diz Levi. “Hoje, no mundo atual, o inferno deve ser isso: uma grande sala vazia e nós que não conseguimos ficar de pé. Há uma torneira que pinga com uma água que não podemos beber e nós que esperamos por algo que só pode ser terrível, e não acontece nada, continua a não acontecer nada[16].”
Logo no primeiro círculo, Levi acredita ter encontrado o fundo do poço da condição humana. “É impossível cair mais baixo: não existe, é impossível conceber condição humana mais miserável do que a nossa[17].” Essa percepção da miséria da condição do detento guarda, no entanto, algo do mundo de antes da prisão. Perder as roupas, os pertences, ter o cabelo raspado e ser transformado em um número retira os habitantes do campo do mundo dos homens, para lançá-los em um vazio, povoado por ordens e humilhações contínuas. Mas a percepção da humilhação, o exame crítico da degeneração do corpo, é um estágio aquém do que conheceriam os habitantes ao longo de sua existência nos campos. Nesse primeiro círculo, a humanidade já se dividiu em duas: os que foram exterminados e os que serão exterminados. Embora a escolha dos que permaneciam vivos por mais algum tempo muitas vezes fosse fruto do puro acaso, em muitos casos resultava da possibilidade que os corpos tinham de trabalhar, de serem empregados como um feixe de músculos capaz de executar tarefas, para a própria máquina de extermínio.
A seleção dos que iriam morrer mais tarde aponta para uma das mudanças essenciais no poder político contemporâneo que foi, nas palavras de Foucault, sua transformação em biopoder. Giorgio Agamben explorou essa operação em uma de suas obras mais importantes[18]. Para ele, a biopolítica significa a “crescente implicação da vida natural do homem nos mecanismos e os cálculos do poder[19]”. Ela é, por excelência, a política do Estados totalitários e, por isso, nos permite compreender corretamente o que se passou em Auschwitz. As vítimas não foram apenas arrancadas de seu lugar de origem, foram destituídas de sua qualidade de cidadãos de algum Estado, de membros de uma dada comunidade, para serem visadas, em primeiro lugar, como corpos naturais, passíveis de ser tratados como entes biológicos, com suas necessidades e limites.
Por isso o tratamento dos prisioneiros no momento da transferência ao campo é um momento tão importante. Desenraizados, os homens são destituídos não apenas dos direitos de que gozavam em sua comunidade de origem, mas são transmutados em homens de lugar algum. Entre o momento da partida e o da chegada ao campo, os prisioneiros deixam de ser homens e mulheres, com nomes e história, para se transformarem em corpos que sofrem e perecem ao sabor das circunstâncias externas que os envolvem em sua realidade biológica. Por isso Foucault afirmava que a divisa da biopolítica é “fazer viver e deixar morrer[20]”. A morte retoma seus direitos naturais e torna a sobrevivência ocasional do prisioneiro um fato produzido por um novo poder cujo objetivo é muito diferente do antigo poder conquistador. Com relação aos judeus, a Alemanha nazista não se comporta como um Estado soberano, que reivindica com ou sem razão seu império sobre um território qualquer. O Estado nazista conquista os corpos e os desumaniza.
O procedimento de transferência para os campos de concentração nos esclarece por que era tão importante transformar todos em números. No trajeto, a história e a individualidade das vítimas eram perdidas. Enquanto corpos só podiam ser numerados, mas não nomeados. Nas guerras convencionais os soldados do país inimigo e mesmo seus cidadãos são amalgamados em torno da ideia do inimigo. Na biopolítica, os inimigos são corpos naturais, que devem ser extirpados. Isso nos ajuda a compreender por que não era importante que os campos estivessem em território alemão. Poderíamos imaginar que havia um certo pudor em expor uma política de extermínio, mas isso é uma suposição errônea. A “solução final” exigiu uma tal mobilização de meios e pessoas, que era impossível escondê-la. Afinal, ela fazia parte do ideário nazista desde o início. O fato primordial é que eliminar inimigos transformados em corpos naturais independia do lugar onde seriam executados. Não apenas por indiferença quanto ao destino dos que iriam morrer, mas também porque se tratava de uma operação que era executada fora dos quadros legais, fora dos parâmetros normais, que presidiam até mesmo o antigo direito de guerra. Os deportados não eram prisioneiros de guerra, eram números em uma contabilidade macabra[21].
Esse procedimento de apagamento das raízes dos que são vítimas da política de um Estado totalitário fez aparecer uma nova forma de degredo, que não executa leis formais, mesmo duras ou injustas, mas impede a integração de homens e mulheres a um estado de direito. “Imagine agora”, diz Levi, “um homem privado não somente dos seres que ama, mas de sua casa, de seus hábitos, de suas roupas, de tudo enfim, literalmente de tudo o que possui; será um homem vazio, reduzido ao sofrimento e à necessidade, destituído de todo discernimento, esquecido de toda dignidade[22].” Esse comportamento foi uma das heranças mais trágicas dos regimes totalitários legadas ao nosso tempo. Basta observar a formação de campos de detenção fora dos Estados Unidos em sua guerra contra o terror, para aquilatarmos a força da ideia de criação de locais de segregação de inimigos à distância do território no qual as leis de um país têm de ser respeitadas. Não estamos sugerindo que as prisões americanas situadas fora de seu território sejam campos de concentração como os nazistas. De alguma maneira a própria opinião pública pode fazer pressão sobre o governo, para evitar que essa experiência ameace a ordem constitucional americana, o que só é possível quando subsiste o estado de direito. Mas é inquietante, como já lembrou Agamben, que uma democracia possa se converter em um Estado totalitário numa rapidez espantosa no espaço definido pela biopolítica, como ocorreu no curso do século XX[23]. Por isso, as políticas de repressão dos Estados democráticos devem ser observadas com todo o cuidado. No mundo da biopolítica a passagem de um estado de direito para um estado de exceção é muito mais rápida do que gostaríamos de supor. Afirmar a necessidade de usar de meios extraordinários para lutar contra um inimigo externo, muitas vezes difícil de ser discernido, como é o caso do terrorismo internacional, pode muito bem se mostrar uma porta para a ruptura da ordem legal, que preside a vida democrática. Não é sem razão que o governo Bush propôs algumas medidas que claramente atentavam contra os direitos dos cidadãos americanos. É claro que o terrorismo internacional é uma ameaça real, mas também é uma ameaça real à democracia aceitar o uso de procedimentos que atentem tão claramente contra seus princípios. Não existe nesse terreno uma boa contabilidade, que usaria do recurso a meios extremos e ao mesmo tempo garantiria que a vida democrática não seria atingida. A fronteira entre os regimes é muito mais tênue do que desejaríamos, e o risco de ruptura muito mais presente, num mundo no qual os corpos são o objeto privilegiado da política.
O segundo círculo do inferno concentracionário diz respeito aos que sobreviveram à entrada no campo e foram transformados em número. Esse círculo é o império da necessidade. Da fome, da fome “regulamentar”, que segundo Levi se apossa de todos os detentos, passa-se a uma vida que não pode mais ser compreendida dentro dos limites que definiam antes a existência de cada um. Aqui a necessidade faz sua irrupção e passa a comandar o dia a dia dos prisioneiros. Ela se manifesta por meio de uma sede constante, de uma fraqueza que aos poucos ganha todos os membros, mas também pela perda de todos os códigos de civilidade, que na vida ordinária constituem o solo sobre o qual se erguem as relações sociais. O objetivo de todos os campos criados pelos regimes totalitários, sejam eles de extermínio ou de concentração, é precisamente, como lembra Lefort, de quebrar os fios de continuidade com as experiências do passado e a produção de homens totalmente desenraizados[24].
Observando a vida nos campos, podemos ser tentados a imaginar que essa experiência pode ser compreendida lançando mão do recurso à noção de estado de natureza, que tanta importância teve na filosofia política moderna. Hobbes afirma em Leviatã que na natureza “a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta[25]”. A ausência de mediação nas relações humanas faz com que os homens entrem em disputa por qualquer coisa e acabem provocando uma guerra de todos contra todos[26]. Das descrições do estado de natureza não nos interessa aqui a sequência de argumentos, que conduz o filósofo inglês a deduzir a necessidade do Estado, mas o fato de que ele representa os limites da condição humana como aqueles de um estado no qual cada um pensa apenas em si mesmo e em sua sobrevivência. Ora, Levi e muitos dos que testemunharam nos deixam entrever que a vida num campo de concentração reduz os homens a uma luta pela sobrevivência que aos poucos anula quase todos os códigos que governam as relações humanas em sociedades democráticas. Desse limite, representado pela submissão à necessidade, Hobbes deduz a ausência de toda moralidade: “As noções de bem e de mal, de justiça e injustiça, não existem aí. Onde não existe um poder comum não existe lei, e onde não há lei não há injustiça[27]”. Nosso problema é o de saber até onde a analogia entre alguns elementos da descrição hobbesiana do estado de natureza e o retrato da vida em um campo de concentração traçado pelos sobreviventes é pertinente. Se pudermos figurar a redução do homem à luta pela sobrevivência como o estágio último da condição humana, como seu limite, vamos poder nos servir de parâmetros filosóficos da tradição para compreender o núcleo da experiência dos que foram submetidos ao processo de desenraizamento radical perpetrado pelo poder totalitário. Se a resposta for negativa, seremos obrigados a reconhecer que a tradição filosófica nos conduz até o início do percurso pelo inferno concentracionário, mas que depois será preciso reconhecer que uma mutação ocorreu no terreno da política e que novos problemas surgiram, criando um novo território de investigação ética.
De nossa parte acreditamos que a aproximação com Hobbes é interessante, mas limitada. A luta pela sobrevivência está no centro da vida dos prisioneiros, ela baliza todas as ações e comanda até mesmo a progressiva perda de referenciais morais, que em situações normais comandam a vida dos indivíduos inseridos em uma sociedade, como, por exemplo, a interdição do roubo. Mas a analogia contém um perigo que nos cabe evitar. Hobbes pensava que o estado de natureza era uma construção mental, necessária para a criação de um sistema racional de justificação do Estado. Mesmo se pudéssemos suspender seu caráter hipotético, teríamos de reconhecer que ele assinala limites para a condição humana, que não podem ser transpostos. Sua força analítica reside precisamente no fato de pensar a condição humana a partir de seus extremos contrapostos: a vida e a morte. A vida no campo parece ser guiada pela mesma lógica. Primo Levi mostra com riqueza de detalhes e equilíbrio sua lenta descida ao núcleo do círculo, que conduz à desumanização. Numa conversa com outro prisioneiro, ele se espanta, por exemplo, com o fato de que o outro ainda tenta manter como obrigação uma higiene perfeita. Mas nessa descida em direção aos limites há um fator que mostra a diferença com relação à filosofia de Hobbes: a presença de uma alteridade radical e ameaçadora. Num campo, o movimento de desumanização é ele mesmo uma criação humana, o produto de uma ação voluntária de homens que possuem ainda os instrumentos para proferir julgamentos morais.
Ou seja, o universo concentracionário não possui a unidade que caracteriza o estado de natureza de Hobbes. Para o pensador inglês não existe julgamento moral na natureza, caracterizada pela igualdade entre homens que apenas lutam para conservar a própria vida. Os prisioneiros dos campos são lançados num processo no qual a sobrevivência passa a ser a preocupação central, se não única da vida de cada um, mas nem todos nesse universo são atingidos pelo movimento que arrasta os homens para os limites da condição humana. A experiência totalitária é fruto do engenho humano, ela é puro artifício. Por isso não há igualdade entre os envolvidos no processo de extermínio. A principal consequência disso é que não é legítimo supor que os executores diretos da matança estivessem num território no qual os juízos morais foram suspensos. Depois da guerra, e não apenas da Segunda Guerra Mundial, muitos algozes reivindicaram para si um estatuto semelhante ao que podemos atribuir ao estado de natureza. Ou seja, alegaram que o não cumprimento das ordens resultaria em sua própria morte e que, portanto, não estavam em condições de julgar moralmente os atos que perpetravam.
Alguns estudos mostram que, no tocante ao nazismo, essa afirmação é falsa, uma vez que os soldados que se recusaram a participar dos massacres não eram punidos com a morte, como muitos quiseram fazer crer[28]. Com isso, não há como caracterizar o território ético de um campo de concentração como algo próximo do estado de natureza. A mutação que ocorre nessas experiências é algo que poderíamos caracterizar como a produção artificial da natureza. Homens submetidos a processos extremos de degradação sobrevivem por algum tempo nos limites do que a teoria política clássica havia afirmado estar fora do mundo da política. Essa experiência, no entanto, não anula o mundo moral, que continua a existir para os que executam as ordens. Esse laboratório da condição humana não afeta, entretanto, apenas os que dele participam. Ele afeta todos nós. Como afirmou Rousset: “O fato de que o universo concentracionário exista não é sem significado para o universo das pessoas comuns, dos homens em sentido estrito[29]”. Com o século XX aprendemos que a crença no poder criador do homem significa inclusive criar o inumano, inventar fronteiras e espaços para o exercício ordenado e sistemático de destruição da própria humanidade. Esse mundo é de uma complexidade moral extraordinária na medida em que altera para sempre a busca por padrões morais baseados na igualdade dos membros de uma comunidade humana. Um campo de concentração não é um mundo de iguais, mas também não é o terreno da crueldade pura e simples dos que lutam para sobreviver, ou mesmo para conquistar.
Primo Levi foi muito consciente da novidade radical do experimento ao qual foi submetido. Diante do que viveu ele se pergunta: “Em face do inextricável dédalo desse mundo infernal, minha ideias são confusas. É realmente necessário elaborar um sistema e aplicá-lo? Não é mais salutar tomar consciência de que não temos um sistema?[30]”. Essa frase revela toda a perplexidade que se apossa de quem pretende usar da racionalidade moderna para compreender o avesso da marcha das Luzes. Como não reconhecer que uma mutação se operou nas sociedades que se destinavam ao progresso do espírito e que acabaram produzindo pelo artifício de suas máquinas algo muito pior do que a condição triste da qual pretendiam escapar pelo engenho humano? Como não constatar que os sistemas filosóficos modernos não foram capazes de prever o que aconteceu e nem de ajudar a compreender o sentido dos acontecimentos para aqueles que foram por eles tragados?
Os prisioneiros, os que escaparam, puderam relatar o que viveram, mas não tinham como elaborar racionalmente o que passavam, quando estavam submetidos à rotina do campo. Era-lhes dado ainda duvidar, ou pelos menos constatar a própria perplexidade, mas se viam abandonados por esquemas racionais, que não haviam previsto a inversão da corrente da modernidade. Que homem é esse que é empurrado para um estado de natureza artificial, que deveria colocar todos contra todos e que, no entanto, constata Levi, “nesse companheiro de hoje atrelado comigo ao mesmo fardo, me é impossível ver um inimigo ou um rival[31]”. Isso não quer dizer que não impere no campo a lei do mais forte e que a luta pela sobrevivência não acabe transformando os detentos em algo próximo do homem solitário de Hobbes. Mas a geometria do mal é muito diferente daquela da natureza. O campo de concentração conhece uma divisão que não é aquela de um grupo dividido entre seus elementos constitutivos, mas um grande conjunto, cuja distinção principal é entre os que estão dentro e os que estão fora. Para os que estão dentro, a necessidade serve como ferramenta de dissociação, que, no entanto, não chega nunca a apagar a identidade entre os que vão morrer. A falta de sentido produz um elo de união cujos resultados são tênues, mas que guarda o sentido de uma vida que luta para se preservar. Visto de perto, o universo concentracionário se multiplica em diversidades impossíveis de serem apagadas. Visto de fora, vemos um mesmo movimento destinado a anular os pequenos sobressaltos de uma vida destinada a se extinguir.
A necessidade, que comanda as ações humanas, não contém aqui o mesmo elemento de inexorabilidade que lhe atribuímos quando pensamos na natureza. Uma necessidade artificial faz aparecer um mundo sem referências, oprime e destrói os que são a ela submetidos, mas é geralmente interrompida por uma racionalidade subjacente que, se não pode mais explicar, aflora por vezes na forma da dúvida e da interrogação. Esse é o segundo círculo do inferno. A segunda etapa no mergulho em direção aos limites do humano. Dele aprendemos uma lição que ressoa até nossos dias e que substitui a antiga sabedoria acerca da morte herdada dos gregos: “Se há uma mensagem que o campo pode transmitir aos homens livres, ela é a seguinte: faça tudo de maneira a não sofrer em suas casas o que nos foi infligido aqui[32]”. A terrível herança, que levou Agamben a enxergar nos campos de concentração o paradigma da biopolítica[33], parece ter escapado de seu território original para pairar sobre o mundo contemporâneo. A arte demiúrgica de produzir o próprio universo se transformou na arte de criar seu próprio inferno, no qual não existem leis da natureza, ou da divindade, mas regras da desrazão, travestidas pela racionalidade técnica.
A vida no campo produz uma série de círculos nos quais o sofrimento se desdobra em formas imprevistas e indecifráveis. Assim, a ida de um detento para a enfermaria, que em outras circunstâncias representa a luta do homem contra a morte natural, impõe um novo terror para corpos que deixaram, aos olhos de seus senhores, até mesmo de ser mais do que feixes de músculos destinados a trabalhar. Para os que eram levados para o tratamento ocorre a inversão de um cuidado, que, ao se revelar complexo, aguça a violência contra o doente, no lugar de procurar diminuí-la. Em outro texto, Levi observa que uma das marcas da experiência totalitária não foi o uso da violência contra o inimigo, mas o emprego sistemático de uma violência sem sentido, que não pode ser explicada por nenhum dos cânones do pensamento político clássico. Produzir o sofrimento transformou-se num fim em si mesmo, o que conduziu à máxima que governou a vida dos campos: “Não somente o inimigo deve morrer, mas ele deve morrer supliciado[34]”. Ao contrário do inferno de Dante, que preserva as fronteiras entre os vivos e os mortos, no inferno de Levi a fronteira entre a vida e a morte é alargada, apenas para fazer sentir a presença do fim para aqueles que vão morrer. A experiência de proximidade da morte, que em outros momentos da história permitiu que aquele que ia partir se despedisse dos seus, se transformou num ritual de silêncio, sobre o qual os prisioneiros não falavam. Há, pois, uma mutação da morte, que passa a ser administrada pelo poder como um de seus efeitos permanentes. Manter vivo é uma tarefa administrada, como se o mundo surgido nos campos fosse pura artificialidade, impossível de descrever nos termos naturais mais banais de todas as épocas.
Como na enfermaria dos campos de concentração nazistas, a vida nos limites do humano produz suas regras internas, ações que visam tentar impor uma fresta de humanidade num mundo cujo único sentido é destruir a própria vida. É extraordinário como no espaço em suspenso, que caracteriza o campo de concentração, ressurjam experiências tão conhecidas como as de troca, de favorecimento pessoal, de suborno, de amizade e mesmo de generosidade e de coragem. Mas não nos equivoquemos. Essas nesgas de humanidade aparecem num turbilhão, que executa um movimento centrípeto constante em direção à morte. Na vertigem desse engenho destinado a negar ao homem o direito à vida, a condição humana vai se esgarçando até se transformar num simples fiapo de vida, que parece incapaz de recuperar seu direito à existência.
O último círculo do inferno de Dante era habitado pelos traidores. Nas profundezas geladas estavam aqueles que de forma ardilosa e por vezes brutal atentaram contra seus semelhantes[35]. No último círculo do inferno de Levi estão aqueles que não foram capazes de enxergar as frestas de humanidade que escapavam do movimento impetuoso em direção à morte, e foram tragados por seu rosto gelado e incompreensível. Num dos capítulos mais notáveis de seu É isto um homem?, o escritor italiano traça um perfil comovente daqueles que na linguagem dos campos eram chamados de “muçulmanos”. Não sabemos ao certo a origem do termo, que era empregado em alguns campos, mas que fazia parte, sobretudo, do complexo de Auschwitz. O importante, como observou Agamben, é notar a novidade e radicalidade do aparecimento dessa figura[36].
Levi considera a vida no campo um experimento decisivo para a determinação das fronteiras do humano. O primeiro ponto em sua démarche consiste em recusar a tese segundo a qual o que resta a ser observado é o homem em estado de pura luta pela sobrevivência. Como já tivemos a ocasião de observar, não existe esse ponto de observação único num evento que é fruto direto da vontade humana e não das circunstâncias. O verdadeiro objeto a ser investigado é, portanto, como sugerido por Pico della Mirandola, a capacidade do homem de produzir a própria condição e não sua natureza bruta. O observador é nesse caso diretamente atingido pelo fato de que o experimento que estuda produz uma mutação do lugar do qual ele fala. Auschwitz não foi um interregno, mas uma expansão das fronteiras do humano, uma expansão negativa, mas um acontecimento que nos permite avançar na investigação da condição humana, e não um acaso inabordável pelas lentes da razão. Isso não altera o fato de que o campo seja o império da desrazão e que ele não pode ser compreendido com as ferramentas analíticas herdadas da modernidade. O que não podemos deixar de pensar, mesmo a preço de hesitações e dificuldades, é no sentido do círculo final da vida dos que foram vítimas desse experimento, assim como do comportamento dos que o executaram, como procuramos fazer na primeira parte deste texto.
O “muçulmano” é caracterizado por Levi como aquele que estava destinado a perecer de imediato no campo. Essa percepção era feita pelos próprios prisioneiros, que procuravam se afastar dos que demonstravam ser incapazes de compreender o funcionamento do imenso maquinário de Auschwitz e que, por isso mesmo, eram presas fáceis de suas engrenagens. “Ainda que eles fossem jogados de um lado para o outro e confundidos com a imensa multidão de seus semelhantes, eles sofriam e avançavam numa solidão interior absoluta, e era ainda como solitários que morriam ou desapareciam, sem deixar traços na memória de ninguém[37].” Pode parecer que a descrição dessa multidão anônima, que morreu nos campos sem deixar vestígios, dê origem a uma classificação valorativa dos prisioneiros. Nessa lógica superficial, o “muçulmano” seria o fraco em contraposição aos fortes, que resistiram. Nada mais distante, entretanto, de Primo Levi do que essa falsa hierarquia. É claro que para os que lutavam para sobreviver em condições extremas essas figuras “desencarnadas, a fronte curva e os ombros caídos, cujo rosto e os olhos não refletiam nenhum pensamento[38]”, eram apenas o retrato do destino contra o qual tentavam lutar, eram o limite a não ser alcançado[39]. Por isso eram vistos como perdidos, abandonados a uma sorte que não podia mais ser evitada. Para nós, como já sugeria Levi, eles foram os verdadeiros viventes do campo, o retrato efetivo do que foi a experiência totalitária e o sinal da mutação que ela operou no seio da contemporaneidade.
A figura do último círculo abre novas perspectivas para a formulação do tema principal de nosso texto: os limites do humano. Como lidar com esse personagem extremo, cuja morte e forma de vida no campo praticamente o privaram do testemunho? Deixemos de lado, por enquanto, o problema do testemunho dos que foram “muçulmanos” e que tendo sobrevivido foram capazes de falar depois[40]. O “muçulmano” nos interessa por assinalar esse lugar extremo produzido pelo engenho humano entre a vida e a morte: “Hesitamos em chamar de morte uma morte que eles não temem”, diz Levi, “porque eles estão por demais esgotados para compreendê-la[41]”. Mas esse espaço incongruente entre a vida e a morte é a verdadeira obra dos campos de concentração. É para ele que nosso olhar deve convergir se quisermos avançar na compreensão da herança totalitária e da mutação da política e da ética que dela decorreu.
Em seu livro clássico sobre o fenômeno concentracionário, Bruno Bettelheim caracteriza os “muçulmanos” como “organismos vivos reagindo de uma certa maneira ao ambiente, mas privando-o de todo poder de influenciá-lo enquanto sujeitos. Eles renunciavam a toda reação e se transformavam em objetos[42]”. O autor se preocupou em seu estudo, sobretudo, em delimitar as diversas etapas pelas quais passavam os prisioneiros dos campos e como reagiam e podiam em alguma medida se adaptar à vida infernal a que eram submetidos. Falando principalmente dos campos de Dachau e de Buchenwald – que não eram em primeira instância campos de extermínio como Auschwitz, o que produz uma diferença, ainda que sutil, no comportamento dos prisioneiros, e mesmo dos guardas –, ele observa que a sobrevivência estava diretamente ligada à capacidade de adaptação às condições terríveis de detenção[43]. Segundo ele, aqueles que não conseguiam romper rapidamente com os padrões de sua vida anterior eram tragados pelo ambiente e morriam.
Há, pois, para Bettelheim, uma lógica na dominação totalitária que afeta diretamente o sujeito, que o destitui de sua personalidade e que indica, ao mesmo tempo, a pequena fresta pela qual podia passar a sobrevivência. O “muçulmano” lhe interessa por assinalar um ponto de não retorno, um processo de desumanização que só poderia terminar com a morte. Resumindo suas considerações, ele afirma: “Era a renúncia a toda reação afetiva, a toda reserva interior, o abandono de um ponto de não retorno, que defenderíamos a todo custo, que transformava o prisioneiro em muçulmano[44]”. Manter-se fora da zona de não retorno era, pois, o desafio de toda a existência dos prisioneiros.
As teses de Bettelheim podem ser discutidas de várias maneiras, sobretudo pela implicação de uma psicologia de sobrevivência em condições extremas, baseada em fenômenos que normalmente atribuímos à consciência e à razão. Mas este não é o lugar para um debate sobre essas teses. Interessa-nos em particular a afirmação de que o “muçulmano” representava um ponto de não retorno da condição humana. Uma morte
vivida em agonia e falta de consciência. Há o fato de que alguns “muçulmanos” escaparam e sobreviveram. Esse fato pode ser interpretado primariamente como mero fruto do acaso, que não desmentiria a associação primeira entre o estágio último de degradação dos prisioneiros e a morte. É bastante provável que nas duras condições dos campos quase todos os “muçulmanos” tenham morrido. É bastante possível também que a descrição dos diversos estágios pelos quais passavam os detentos seja uma descrição realista da vida dos prisioneiros, e isso em todos os campos. Mas a aceitação pura e simples da identificação entre a condição do “muçulmano” e da morte – em grande parte verdadeira na história dos diversos campos de concentração – pode obscurecer o significado desse fenômeno para a vida política e para a ética contemporânea. Há é claro uma implicação psicológica no processo de degradação da personalidade – e nesse terreno as teses de Bettelheim são preciosas para o debate até hoje –, mas há dimensões que nos escapam se nos detivermos apenas na descrição da inexorabilidade do processo de degradação da personalidade dos detentos. Nossa tarefa é, assim, continuar a explorar esses novos espaços éticos da vida contemporânea abertos pela experiência totalitária.
Primo Levi diz, referindo-se ao químico que o entrevistou em Auschwitz, que, “se eu pudesse explicar a fundo a natureza desse olhar trocado como através do vidro de um aquário por dois seres pertencendo a dois mundos diferentes, eu teria explicado ao mesmo tempo a essência da imensa loucura do Terceiro Reich[45]”. É a assimetria total entre os dois olhares que constitui o espaço ético da experiência totalitária; é o fato de que não há terreno comum entre dois seres vivendo a mesma experiência que constitui a contribuição nefasta dos regimes extremos para a vida de nosso tempo. O “muçulmano” não é, nessa lógica, um acaso, o fruto de circunstâncias que, ao custo extremo de resistência pessoal, podiam ser evitadas. Ele é o produto de uma racionalidade técnica, destinada a criar pelo engenho humano uma nova fronteira para o humano, sem fornecer a cartografia de seu novo mundo.
A crueldade não é evidentemente algo estranho à história da humanidade. A tortura, a escravidão, a ameaça de morte violenta povoam a memória e a história de todos os povos. Nesse mundo de violência, a natureza do homem sempre foi pensada como algo passível de ser discernida através de um conjunto de traços que permitiam distinguir sem ambiguidade o que era humano daquilo que a ele se opunha. Aristóteles chegava a dizer que fora do terreno conhecido do “animal político” estávamos lidando com bestas ou com deuses. Foi esse acordo tácito quanto à existência de uma natureza primeira do homem que se esvaiu ao longo do século XX. A discordância tradicional entre filósofos nunca implicou a dúvida quanto à possibilidade de pelos menos buscar uma essência do homem, para além de suas próprias obras. Com o advento do totalitarismo, a afirmação de Pico della Mirandola revelou seu segredo trágico. Pelas mãos do homem, o homem passou a desconstruir a própria natureza. Nesse processo, a figura do “muçulmano” é o exemplo acabado de uma reinvenção do humano, que nasce da violência e não da descoberta de novas qualidades e potencialidades. Os regimes totalitários inventam novos registros da dor, que visam refazer as fronteiras dentro das quais um corpo humano guarda as marcas de sua humanidade.
Giorgio Agamben fala da condição do “muçulmano” como de um “terceiro reino” e completa: “Antes de ser o campo da morte, Auschwitz é o lugar de um experimento ainda impensado, no qual, para além da vida e da morte, o judeu se transforma em ‘muçulmano’, e o homem, em não homem[46]”. Nesse estágio, o homem perde a capacidade, além da possibilidade, de falar. Enfrentando a morte de frente, acaba privado de palavras para descrevê-la. E aqui a privação da palavra não é fruto do espanto e da grandeza da visão dos místicos, mas do vazio total dos “cadáveres ambulantes”. O “muçulmano” não fala e cria um ser destituído de palavra, mas que não pode ser inteiramente expulso da humanidade. Associar a condição extrema com a morte próxima corresponde a perder de vista a novidade de um ser que habita uma nova fronteira do humano e que não reivindica para si a linguagem, que para tantos pensadores caracteriza o sinal distintivo da humanidade.
Nessa terra nova o corpo é a matéria-prima do poder. O desafio que nos lança a experiência totalitária está no fato de que sua posteridade nos obriga a falar dela, conscientes da mutação que provocou nos domínios mais tradicionais da filosofia. Seria cômodo supor que os extremos dos campos podem ser circunscritos a um momento histórico preciso e superado. Isso não é mais possível, porque a experiência totalitária voltou a se repetir, mas, sobretudo, porque as questões que suscita não podem simplesmente ser arquivadas na estante da tradição. Hannah Arendt viu muito bem que a velha questão sobre a natureza do mal fora transformada pelo nazismo e pelo comunismo. Devemos também levar em conta que os extremos do universo concentracionário alteraram o objeto tradicional da reflexão ética. Ao conjunto de nossas possibilidades, somos obrigados a agregar o poder de reduzir homens à condição de não homens, não pela prática voluntária do mal, que os transforma em bestas, nem pela execução de obras extraordinárias, que os aproximam dos deuses, mas pelo enfrentamento direto da morte por meio de corpos privados de recursos e de uma mente esvaziada de palavras.
Primo Levi escolheu falar pelos “muçulmanos”, compreendendo com isso que passava a habitar num novo terreno da palavra. Um lugar impossível de ser inteiramente ocupado, por dizer respeito a uma condição na qual a palavra ela mesma é impotente. De alguma maneira é um falar “sobre” algo e não a partir de um novo lugar. O desafio a ser enfrentado é, assim, produzir um discurso ético lá onde os conceitos tradicionais falham. Como resume Agamben: “Para Levi, o ‘muçulmano’ é muito mais o lugar de um experimento no qual a moral mesma, a própria humanidade, se coloca em questão. Ele é uma figura-limite de uma espécie particular, na qual não somente as categorias como dignidade e respeito mas até mesmo a ideia de um limite ético perdem seu significado[47]”. Mas não temos como retirar os olhos dos horrores de nossa condição. Não há mais um homem que possa sonhar com os progressos da razão e se manter confiante no desenvolvimento das forças da história. Uma nova ética se impõe. Ela nos obriga a reconhecer que o poder de nossa natureza inclui destruir continuamente os limites do humano. Nessa demiurgia infernal se inscreve nosso tempo e se expandem os sinais perigosos de nossa condição de seres criadores e sem rosto definido.
O RETORNO
A libertação do campo, a reconquista da liberdade, marcou para os poucos sobreviventes o retorno para a vida normal e a abertura do território da memória. Do silêncio total do “muçulmano” passou-se a um mundo no qual a palavra faz sentido. Mas de imediato surgiu a questão que chega até nós: é possível narrar e compreender a vida nos limites do humano? A associação direta entre a condição do “muçulmano” e da morte, tal como realizada por Bettelheim, pode nos levar a esvaziar os problemas que suscita, uma vez que termina por sugerir que o silêncio e isolamento do estágio final de desumanização são atributos de um não ser e não mais do homem. Mas o fato é que é possível voltar a ser homem. Primo Levi nos diz que o vazio atingia todos no campo, mas que era possível ver nos atos de homens, como o operário italiano que o ajudava desinteressadamente, um mundo plenamente humano: “Mas Lorenzo era um homem: sua humanidade era pura e intacta, ele não pertencia a esse mundo de negação. É a Lorenzo que eu devo o fato de não ter esquecido que eu também era um homem[48]”. É, foi através de gestos humanos, trocados entre vítimas da barbárie, que foi possível “voltar a ser homem[49]”.
O“muçulmano” não tem como vínculo com a existência apenas o último passo para a morte. Mesmo os que mais sofreram puderam retornar, em contato com a humanidade dos outros homens, voltar eles mesmos a se comportar como homens. Mas se esse movimento é possível é porque os limites expandidos da condição humana fazem parte dela e não de um outro mundo. Como afirma Antelme: “O reino do homem, agindo ou significando, não desaparece. As ss não podem transformar nossa espécie. Elas estão elas mesmas fechadas na mesma espécie e na mesma história[50]”. Olhando por esse prisma, somos forçados a aceitar que há algo que subsiste de humano, mesmo quando não esperamos mais, não falamos mais e nem mesmo desejamos sobreviver. Criadas pelos homens, pela prática do mal, as condições extremas são aquelas da sobrevivência do corpo, mas também de algo que não perde sua capacidade de transmutar-se no que era antes. A obra dos regimes totalitários é fazer dos homens “bestas”. Essa obra perversa da vontade humana atinge seus objetivos enquanto é capaz de se impor. Por isso Levi afirma angustiado: “Aquele que mata é um homem, aquele que comete ou sofre uma injustiça é um homem. Mas aquele que se deixa levar até dividir sua cama, esse não é mais um homem[51]”.
O retorno e o fato de que mesmo esses seres que deixaram de se parecer com homens sejam capazes de voltar ao convívio humano e à prática de valores tão diferentes da simples luta pela sobrevivência nos forçam a colocar uma série de questões. O que é esse homem para o qual não há dignidade e que perdeu, não pela prática voluntária do mal, mas por ser sua vítima, a condição de ser homem? Falar do “muçulmano” como um não ser não é trair a história daqueles que foram levados pelas mãos de outros homens a essa condição? Qual autonomia é possível para um ser que contempla diretamente a face da morte? O “muçulmano” é alguém para o qual a vida não possui dignidade, tem um “preço” e não um valor absoluto, como queria Kant, cujos atos não afirmam a autonomia de sua vontade, mas a absoluta submissão à vida biológica, e, no entanto, ao dizermos que não é mais um homem estamos dizendo outra coisa do que o fazemos quando criticamos seu carrasco.
Se pensarmos no imperativo categórico de Kant, é claro que podemos condenar sem ambiguidade o comportamento dos carrascos e de seus cúmplices. Nenhum de seus atos pode ser universalizado, mesmo se evocarmos um princípio abstrato de obediência a uma norma em vigor, como fizeram alguns. Mas como lidar com o território que Agamben chamou de Muselmannland? Talvez não seja preciso chegar a conclusões tão radicais quanto as suas quando afirma que: “Também por isso Auschwitz assinala o fim e a ruína de toda ética da dignidade e da adequação a uma norma[52]”. Mas não há como negar que uma mutação se produziu com o aparecimento dos regimes totalitários e os campos de concentração.
Primo Levi nunca hesitou em declarar a perplexidade que sentia diante dos acontecimentos a ponto de afirmar: “Ter sido pessoalmente implicado não me fornece elementos de explicação, posso fornecer dados, mas as razões, não[53]”. A primeira consequência, portanto, é a de que nem a filosofia política nem a ética podem se furtar de abordar as mutações que arruínam as teorias tradicionais sobre a classificação dos regimes políticos e alguns caminhos batidos da tradição ética do Ocidente. Há uma nova forma de organizar o poder e um mundo nas fronteiras do humano que surgiram no curso da história do século XX. Não é mais possível continuar a pensar nosso tempo sem incorporar esses novos problemas. A modéstia de Levi, ao reconhecer a dificuldade em se teorizar sobre o acontecido, é provavelmente mais uma de suas notáveis contribuições à literatura e à filosofia de nosso tempo. Ela nos ensina, no entanto, que os obstáculos devem criar uma atenção maior ao problema e não sua rejeição. O testemunho dos que sofreram ganha, assim, uma dimensão muito maior do que a da simples recordação de um vivido trágico. Eles representam a matéria-prima sobre a qual devemos pensar numa era de transformação profunda das fronteiras do que até então supúnhamos ser a terra dos homens. Por isso Levi fala do “dever da memória”, e Antelme afirma que “se não existisse a memória, não existiria o campo de concentração[54]”.
A possibilidade de compreendermos a mutação sofrida pelos homens com suas terríveis experiências depende de sabermos conservar a herança de uma tragédia e trazê-la para o território da linguagem. Sem esse retorno à língua, a monstruosidade dos campos será apenas vazio, e não nos ensinará nada. Se não podemos evitar o mal, podemos investigar seus desvãos. A memória e a linguagem são o terreno de um real que de outra forma se desfaz em pura violência. Ocultar o acontecido, esvaziá-lo, ou mesmo evitá-lo, não impedirá que ele se repita, mas nos deixará à mercê de uma de suas estratégias, que é de negar a realidade e radicalidade do que aconteceu. Pierre Vidal-Naquet chamou de “assassinos da memória” os que se dedicam a apagar os traços do Holocausto[55]. Essa operação de negação é não apenas um crime contra o que sofreram, ela visa impedir o acesso da humanidade à inteligibilidade de sua própria condição. Uma condição que, ao se alargar, incorpora todos nós, transforma em história e realidade o que achávamos que seria apenas uma possibilidade hipotética, quando sonhávamos, no começo da modernidade, que o homem universal de Pico della Mirandola seria luz e progresso em direção à realização de uma natureza solar. Hoje sabemos que degeneramos em bestas e alteramos para sempre a face de nossa humanidade. O resultado, no entanto, não é um reino para além do homem, mas a transformação de uma natureza plástica e aberta. Ao criar novas formas de domínio os homens expandem as fronteiras do que designam como seu mundo, para serem imediatamente tragados pelos limites do que inventaram. Como afirma Antelme: “Em seguida, a variedade das relações entre os homens, suas cores, seus costumes, sua formação em classes mascaram uma verdade que aparece claramente aqui, na fronteira da natureza, perto de seus limites: não existem espécies humanas, há apenas uma espécie humana[56]”.
Notas
- Victor Hugo, L’Homme qui rit, Paris: Le Livre de Poche, 2002, p. 110. “Era o que não é mais. Ser um resto, isso escapa à língua humana. Não mais existir, e persistir, estar no abismo e fora dele. Reaparecer acima da morte, como insubmersível, há algo de impossível misturado a essas realidades. Daí o indizível.” ↑
- Agradeço aos membros do Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG a oportunidade de discutir alguns aspectos deste texto por ocasião de um seminário; a Simone Pinho Ribeiro, pelas sugestões bibliográficas e observações pertinentes. ↑
- Para uma visão de conjunto da obra do autor cf. Louis Valcke e Roland Galibois, Le périple intellectuel de Jean Pic de la Mirandole, Laval: Les Presses de l’Université Laval, 1994. ↑
- Sobre a natureza do humanismo de Pico della Mirandola cf. Karine Safa. L’humanisme de Pic de la Mirandole, Paris: J. Vrin, 2001. ↑
- Primo Levi, Si c’est um homme, Paris: Julliard, 1987, p. 11. ↑
- Dante Alighieri, La Divina Commedia, Milano: Hoepli, 1987, Canto III, 9. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 14. ↑
- David Rousset, L’Univers concentrationnaire, Paris: Hachette, 1965, p. 36. ↑
- Robert Antelme, L’Espèce humaine, Paris: Gallimard, 1957, p. 45. ↑
- Ibidem, p. 71. ↑
- Philippe Ariès, L’Homme devant la mort, vol. 2, Paris: Éditions du Seuil, 1977. ↑
- Ibidem, vol. II, pp. 289-293. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 19. ↑
- Ibidem, p. 20. ↑
- Ibidem, p. 21. ↑
- Ibidem, p. 21. ↑
- Ibidem, p. 26. ↑
- Giorgio Agamben, Homo sacer. O poder soberano e a vida nua, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. ↑
- Ibidem, p. 126. ↑
- Giorgio Agamben, Quel che resta di Auschwitz, Torino: Bollati Boringhieri, 2005, p. 145. ↑
- O estudo de Hilberg sobre a “solução final” continua sendo uma referência fundamental. Raul Hilberg, La destruction des juifs d’Europe, Paris: Gallimard, 1988, 2 vol. Para o estudo da implantação e funcionamento dos campos de concentração, cf. vol. 2, cap. ix, pp. 748-855. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 27. ↑
- Giorgio Agamben, Homo sacer. O poder soberano e a vida nua, pp. 127-128. Esse autor trata de forma mais sistemática o problema do estado de exceção em seu livro, Stato di eccezione, Torino: Bollati Boringhieri, 2003. ↑
- Claude Lefort, Un homme en trop, Paris: Éditions du Seuil, 1986, p. 104. ↑
- Thomas Hobbes, Leviathan, Harmondsworth: Penguin Books, 1985, cap. XIII, p. 186. ↑
- Ibidem, cap. XIII, p. 184. ↑
- Ibidem, cap. XIII, p. 188. ↑
- Duas obras se dedicaram em especial a investigar o destino e a história de soldados ordinários que se viram envolvidos em massacres. Nos dois livros, os autores concluíram que, mesmo enredados pelos fatos da guerra, os soldados eram conscientes do que faziam, eram capazes de fazer julgamentos morais e, sobretudo, podiam ter agido de forma diferente. Ver a esse respeito: Christopher Browning, Des hommes ordinaires, Paris: Les Belles Lettres, 1992; Daniel Jonah Goldhagen, Les bourreaux volontaires de Hitler, Paris: Éditions du Seuil, 1997. ↑
- David Rousset, op. cit., p. 49. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 43. ↑
- Ibidem, p. 44. ↑
- Ibidem, p. 58. ↑
- Giorgio Agamben, Homo sacer. O poder soberano e a vida nua, pp. 173-183. ↑
- Primo Levi, Les naufragés et les rescapés, Paris: Gallimard, 1989, p. 119. ↑
- Dante Alighieri, op. cit., Cantos XXXII a XXXIV. ↑
- Giorgio Agamben, Quel che resta di Auschwitz, p. 79. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 95. ↑
- Ibidem, p. 97. Para outras descrições do “muçulmano” ver: Giorgio Agamben. Quel che resta di Auschwitz, pp. 37-39. ↑
- Giorgio Agamben, Quel che resta di Auschwitz, p. 46. ↑
- Agamben é particularmente sensível a esse problema, sobretudo em razão do fato de ter Primo Levi afirmado que o testemunho ideal do campo – o “muçulmano” – não poderia falar. Ao repertoriar o testemunho de alguns sobreviventes que se declararam “muçulmanos”, ele procura uma primeira abordagem para a questão, que permanece, no entanto, como um problema de difícil solução. Idem, pp. 140-144. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 97. ↑
- Bruno Bettelheim, Le coeur conscient, Paris: Hachette, 1972, p. 207. ↑
- “C’était si vrai que la survie dépendait souvent de la capacité de l’individu de préserver une certaine initiative, de demeurer maître de quelques aspects importants de sa vie, en dépit d’un environnement apparemment écrasant.” Ibidem, p. 201. ↑
- Ibidem, p. 214. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 113. ↑
- Giorgio Agamben, Quel che resta di Auschwitz, p. 47. ↑
- Ibidem, p. 57. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 130. ↑
- Ibidem, p. 172. ↑
- Robert Antelme, L’espèce humaine, p. 79. ↑
- Primo Levi, op. cit., p. 185. ↑
- Giorgio Agamben, Quel che resta di Auschwitz, p. 63. ↑
- Primo Levi, Le devoir de mémoire, Paris: Éditions Mille et une nuits, 2000, p. 65. ↑
- Robert Antelme, op. cit., p. 109. ↑
- Pierre Vidal-Naquet, Les assassins de la mémoire, Paris: La Découverte, 1987. ↑
- Robert Antelme, op. cit., p. 229. ↑