2007

Conservadorismo e progressismo hoje

por Jean-Fabien Spitz

Resumo

É possível ter uma sociedade de liberdade sem as desigualdades que, de fato, acompanharam a gênese dos direitos individuais? É possível abandonar a sociedade de castas sem expor o conjunto dos cidadãos das sociedades modernas aos efeitos dos novos feudalismo, das novas castas da riqueza e da influência que elas propiciam? É possível à sociedade liberal evitar enganar aquelas a quem prometeu igualdade, dando-lhes apenas uma igualdade de direitos, enquanto lhes nega uma igualdade mais palpável – a das condições ou, talvez em termos mais modestos, a das oportunidades?

O enfrentamento intelectual dos últimos 150 anos nos leva a crer que a resposta a essa pergunta é negativa, uma vez que todo esforço público no sentido de compensar ou reduzir as desigualdades geradas pelo funcionamento do mercado, em um contexto de direitos individuais, volta-se inevitavelmente contra esses mesmos direitos. Desde o surgimento dos primeiros movimentos “socialistas” (cuja ambição, em meados do século XIX, não era o de estabelecer uma organização central de produção e troca de bens, mas inserir na lei a solidariedade objetiva que une os diferentes membros da sociedade), a tentativa de dividir de forma mais igualitária os recursos advindos da cooperação chocou-se com o seguinte argumento: toda a redistribuição ataca a propriedade – a de si próprio e das coisas – e conduz inevitavelmente à submissão dos indivíduos à lei tirânica da maioria.

Não existirá um meio termo entre o mais egoísta dos individualismos e a socialização mais radical dos indivíduos e das coisas? Na França, desde a revolucão, a tradição republicana esforça-se por explorar essa via intermediária, mostrando que a justa igualdade de oportunidades e a legitimidade que ela produz permitem afastar a um só tempo os vícios de uma economia do laissez faire e os modos de um socialismo que nega os próprios direitos do indivíduo em nome dos quais, entretanto, reinvindicava a igualdade. 


1. As duas formas do conservadorismo político hoje

Pouco depois da celebração do bicentenário da revolução e em um momento em que a queda do muro de Berlim firmava o fim do “socialismo real”, François Furet decretava o fim da Revolução Francesa, ou seja, daquela aspiração igualitária nascida da má consciência daqueles que, tendo criado a igualdade dos direitos, perceberam que haviam aberto a porta a um formidável desenvolvimento de desigualdade de condições.[1] Os que nutriam essa aspiração viram-se, por fim, obrigados a aceitar o reconhecimento de que ultrapassar a igualdade formal em direção à igualdade real é uma quimera e que não há avanço para além da proclamação da igualdade dos direitos. Ultrapassado esse limite, o que nos seduz sob as cores do progresso nada mais é, na realidade, do que uma formidável regressão às trevas da tirania e da opressão.

Para François Furet, esse duro fracasso é uma lição de desencantamento e de realismo, pois ele nos ensina que o capitalismo constitui a outra face da igualdade de direitos e qualquer tentativa de ultrapassá-lo – ou até emendá-lo? – destruiria os direitos, cuja realidade seria o próprio objeto dessa ultrapassagem. O intelectual de esquerda deve, portanto, aprender a conviver com sua má consciência e aceitar reconhecer na mercantilização do mundo, e nas desigualdades que necessariamente a acompanham, os seus autênticos e legítimos filhos; ele deve aprender a amá-los, pois não lhe seria possível gerar outros melhores.

Também será preciso que aceite uma outra lição igualmente dura: é passado o tempo da postura da generosidade e do amor pelos homens, que se quer insatisfeita com a desigualdade real, pois, desde que os direitos se tornaram iguais para todos e que desapareceram os privilégios de raça e de berço, aqueles que afirmaram amar seus semelhantes e moralizar suas relações, tornando-as mais fraternas e mais equânimes, fizeram-lhes um péssimo favor. É, portanto, hora de despojar-se do falso brilho do progressismo e de converter-se a um conservadorismo aprimorado: a única tarefa que vale a pena na política é a de resguardar com zelo a igualdade de todos perante a lei.

Para essa forma de pensamento, o progressismo – a esquerda? – é, portanto, uma postura perigosa, a ser tomada pelo que é: a expressão da confusão culpada experimentada por parte daqueles que se beneficiaram da nova ordem burguesa diante da desigualdade, que permite a realização da ideia igualitária, a expressão da boa consciência que conferem a si próprios ao afirmarem combatê-la. Mas acima de tudo é preciso cuidar para não lhes validar as preocupações, pois a visão de uma sociedade de liberdade individual que não gerasse diferenças notáveis entre os indivíduos é tão quimérica quanto a de uma medalha de um só lado. Pretender-se-ia, por acaso, sugerir que os homens não são diferentes e que, postos em um meio idêntico – precisamente no da igualdade de direitos –, não eclodiriam em diferentes destinos? Seria desconhecer que essa explosão das diferenças constitui o próprio sentido de liberdade individual e que o acesso à nova sociedade justamente teve por objetivo torná-las possíveis. Seria também desconhecer que a diversidade é um bem, cujo desenvolvimento é impedido pela opressão e pelo poder, e que é essa diversidade, por sua vez, a garantia do progresso em seu sentido moderno: o aparecimento de novas formas de vida que traduzem uma crescente adaptação do homem a seu meio e permitem uma satisfação de suas necessidades e um domínio da natureza sempre crescentes.

Evidentemente, há os espíritos tristes que sustentam que as necessidades que a sociedade moderna é capaz de satisfazer são produzidas por essa mesma sociedade, e que não se pode fundamentar a validade de uma forma social sobre sua capacidade de satisfazer necessidades que, sem ela, não existiriam. Outros asseveram que a dominação da natureza é uma forma de pilhagem e de destruição, gerando, de quebra, uma sujeição do homem a suas próprias técnicas. Tais críticas da modernidade não são novas, mas, em regra geral, deixam impávidos os seus defensores, por terem eles uma resposta pronta: o que se está querendo, verdadeiramente, seria voltar à idade da pedra? E não se constata, hoje, que a vontade de disfarçar os efeitos negativos do desenvolvimento das riquezas constitui um dos principais motores do avanço das sociedades?

Para os modernos, o progresso tem, portanto, um único sentido: este foi e sempre será o de encontrar formas institucionais que garantam a realização do princípio do igual valor de todos os membros da comunidade. Uma vez encontrada a forma institucional que confere à liberdade de cada um uma realidade concreta, não é mais possível fazer avançar a moralização do elo social, e os caminhos do progresso nessa direção estão definitivamente fechados, porque qualquer ambição de conferir uma realidade mais que jurídica ao princípio de igualdade de valor traduz-se, necessariamente, em uma regressão em que a dominação do Estado vem – em nome dessa igualdade mais real que não passa de uma quimera – tomar o lugar da dominação privada que ela afirma combater, a um tempo limitando a progressão pela única via ora aberta ao avanço, ou seja, a crescente satisfação das necessidades. Nesse sentido, o progressismo morreu com a descoberta dos princípios de organização política (a democracia representativa e o constitucionalismo) que permitem a existência jurídica da liberdade dos indivíduos.

Assim, a tradição “liberal” ocidental tornou-se hoje a forma social mais segura de seus princípios fundadores que se possa imaginar, e a causa parece entendida: toda busca por uma igualdade mais real que a igualdade perante a lei volta-se contra os direitos com os quais ela afirma estabelecer e apoiar a realidade. A sociedade liberal vive desse dogma que não pretende mais questionar. Essa petrificação dogmática da tradição liberal reveste duas formas principais: o evolucionismo e o libertarismo.

A hipótese evolucionista ocupa um papel dominante na refutação do progressismo político. Ela afirma, de fato, que foi o acesso a uma forma de regulação social por regras impessoais –cujos efeitos sobre os indivíduos não podem ser prenunciados – que permitiu o gigantesco salto à frente da época moderna em relação à satisfação das necessidades materiais. Tal forma de regulação permite aos indivíduos desenvolver ao máximo suas capacidades, com a segurança de colher seus frutos e ao mesmo tempo, por meio do mercado, adaptarem-se permanentemente uns aos outros e às circunstâncias em contínua flutuação. Por certo, essa regulação social gera desigualdades, particularmente porque o acaso desempenha nela um papel considerável, e porque o caráter impessoal das regras não leva em consideração as diferenças entre os indivíduos, mas os menos favorecidos são ainda mais favorecidos do que em qualquer outro sistema que se fundamentaria em uma vontade de equalizar as condições ou de manter uma certa estrutura de repartição contra os efeitos do acaso, dos desejos e da demanda.

O antiprogressismo vê nesse retorno à regra impessoal do mercado e da igualdade jurídica a chave do único progresso social possível – o da satisfação das necessidades e da prosperidade –, continuando a afirmar que qualquer esforço no sentido de manter uma estrutura igualitária de repartição ou de compensar os efeitos do acaso e restabelecer as situações pessoais inegavelmente afetadas pelo funcionamento da regra impessoal constitui um entrave contra essa mesma prosperidade.

O libertarismo é a segunda forma da petrificação dogmática da tradição liberal. Diferentemente da hipótese evolucionista, ele toma uma perspectiva ética e não se contenta com uma justificação instrumental da sacralização dos direitos individuais e, em particular, do direito à propriedade. Ele incrimina o progressismo e a justiça social em nome de um ideal moral da integridade do indivíduo.

A ideia de base dos libertarianos é a de que, de fato, o Estado redistribuidor é ilegítimo, porque toda forma de redistribuição viola os direitos naturais daqueles cujos recursos são redistribuídos e os utiliza como meios para a satisfação e o bem-estar de outros. Têm, portanto, uma teoria moral que se poderia resumir da seguinte forma: todo indivíduo tem o direito à indenidade contra qualquer ação de coação e à obtenção de compensação por qualquer ato de coação a que seja submetido. Além disso, todos possuem um direito exclusivo de propriedade sobre o que tiverem adquirido pela atividade de suas próprias pessoas físicas. A inviolabilidade da pessoa e a sua não-utilização a serviço de terceiros estão no cerne dessa teoria dos direitos, que os conservadores libertarianos afirmam ser o caráter natural dos indivíduos, constituindo à sua volta um cinturão moral intransponível, protegendo-os de qualquer incursão e assegurando-lhes a liberdade.

Uma das implicações dessa tese é a de que, qualquer que seja o objetivo perseguido por agentes individuais ou coletivos, os direitos de terceiros são sempre prioritários em relação a esse objetivo (ainda que o objetivo seja o de minimizar o número de violações dos direitos dos indivíduos no conjunto da sociedade). Mesmo que, por alguma coação sobre os “direitos intangíveis” de um indivíduo A, um agente conseguisse reduzir coações que se exercem ou que se exercerão sobre os “direitos intangíveis” de vários indivíduos – B, C, D, E, F – e isso em proporção superior à representada pela violação dos direitos de A, essa coação permanece impossível e proibida. Assim, o governo não tem direito de aplicar um imposto de cinco euros a todo cidadão saudável com o fim de melhorar a vida de portadores de deficiências. Mesmo que, por essa falta de ação, o governo esteja “permitindo”, por assim dizer, que os portadores de deficiências não tenham acesso a uma existência decente, não consigam levar uma vida autônoma e que, de forma geral, seus direitos sejam violados, ele, o governo, não estará cometendo nenhuma violação e estará se comportando de maneira legítima. Estranha consequência para uma teoria cujo princípio cardeal é o de que os indivíduos têm direitos e que jamais devem ser violados, pois resulta na ideia de que, quando se tem a possibilidade de reduzir globalmente a amplitude da violação dos direitos de indivíduos, não se pode fazê-lo se isso implicar a violação dos direitos de alguns indivíduos.

Os conservadores respondem reafirmando que os direitos dos indivíduos não devem ser contemplados de forma global, mas levando­se em conta a separação das pessoas, o que implica que a violação dos direitos de um indivíduo não pode ser compensada pelo efeito da não-violação dos direitos de indivíduos distintos dele. Isso também explica a distinção entre ação e abstenção, pois só posso ser responsabilizado pelo que eu faço diretamente, mas não pelo que a minha abstenção de ação permite que os outros façam. Isso não suprime, no entanto, o paradoxo: uma teoria que afirma que a meta suprema da organização social é a de fazer com que os direitos intangíveis dos indivíduos sejam respeitados tem como consequência o fato de que os direitos dos indivíduos sejam violados em maiores proporções do que poderia ser o caso.

2. Um progressismo não-igualitarista? A ideia de um mínimo garantido a todos

Eis, então, as duas formas de dogmatismo liberal. Sabe-se, no entanto, que os dogmas não podem ser verdadeiros, uma vez que a verdade só se estabelece no confronto com o que ela não é, de forma que o quase desaparecimento da contestação das sociedades liberais seria o prelúdio de uma perigosa petrificação. Ora, em um contexto de confronto, em que a tradição do Ocidente liberal encontra uma contestação exterior a seus próprios valores, ela tem absoluta necessidade daquilo que a contestação interna possa trazer à sua própria dinâmica intelectual e à validade de suas proposições centrais. Assim, é verdade que as sociedades humanas têm por objetivo a satisfação de suas necessidades – e não o triunfo da causa de Deus ou a realização da lei da história – mas isto só é verdade, porque a contestação dessa proposição introduziu em nossa tradição política a ideia de que essa satisfação deveria ser igualmente compartilhada por todos. Da mesma forma, é verdade que o indivíduo é a pedra angular da existência social – e não a comunidade ou o grupo –, mas essa proposição só é válida porque sua contestação introduziu em nossa tradição política a ideia de que o indivíduo não é uma soma de certos desejos que se deva satisfazer, mas um sujeito moral, um centro de escolha e de ação autônomo, que exige uma forma de respeito. Essa proposição, por sua vez, obrigou a sociedade liberal a questionar o modo de repartição dos recursos exigidos pela ideia de que cada um, na qualidade de sujeito autônomo, tem direito a um respeito igual.

Entretanto, temos hoje bastante dificuldade para determinar em que sentido se deve exercer essa forma de contestação e para definir uma política que responderia a essa elucidação das insuficiências da sociedade liberal; em certo sentido, temos muita dificuldade em determinar o que seria uma política progressista. Para vermos com maior clareza, seria necessário começar por manter a distinção entre as duas formas de conservadorismo: uma fundada na hipótese evolucionista e na rejeição a toda consideração não-instrumental. Ela não pretende dar a uma forma estreita de liberalismo outra justificação senão as consequências que ela permite em termos de satisfação das necessidades e de adaptação às necessidades da natureza. A outra é fundada em uma interpretação restritiva do individualismo e da exigência moral que é o fundamento da época moderna: o Estado e os demais atores sociais devem deixar-nos livres de toda ingerência e de toda coação, de forma que somente as obrigações voluntárias sejam legítimas. A crítica dessas duas formas de conservadorismo nos permitirá resgatar as duas formas sob as quais o progressismo político pode se estabelecer no mundo de hoje.

Tratemos, inicialmente, de criticar a segunda versão e denunciar especificamente o caráter insatisfatório da interpretação que ela dá ao indivíduo e a seus direitos.

À versão do individualismo e dos direitos desenvolvidos pelo conservadorismo libertariano pode-se, de fato, opor uma visão inteiramente contrária com uma outra abordagem das funções e dos objetivos da organização social como consequência.[2] Pode-se, assim, introduzir a ideia de que uma pessoa tem direito a uma certa parte das liberdades e dos bens materiais se tiver fundamento natural para reivindicar tal parte, ou seja, se sua reivindicação for legítima em função da posse de certas características naturais, como a racionalidade ou a capacidade de estabelecer objetivos para si ou de escolher um plano de vida. Assim, toda pessoa terá direito a uma parte do conjunto de bens passíveis de serem repartidos e cuja posse seja necessária a uma razoável chance de viver uma vida decente e satisfatória. O direito do indivíduo não é o de ser deixado livre de toda interferência supérflua, mas o direito de levar uma existência dotada de sentido e de dispor dos meios necessários para tal, em termos tanto de privilégios jurídicos quanto de recursos materiais.

Essa proposição está sujeita a qualificações evidentes.

Primeiramente, nenhuma pessoa tem direito a qualquer recurso de qualquer tipo se o fato de obter tal recurso tiver como efeito privar outra pessoa da possibilidade de viver uma vida decente e satisfatória.

Em segundo lugar, certos bens, como a saúde ou a felicidade, não são passíveis de serem repartidos e são, portanto, excluídos da aplicação do princípio.

Em terceiro lugar, afirmar que cada um tem direito à parte dos bens passíveis de repartição necessária para ter uma chance razoável de viver uma vida decente e satisfatória não implica que um bem não seja necessário nesse sentido se houver certas pessoas que consigam ou que tenham conseguido viver uma vida decente e satisfatória sem possuir tal parte dos bens passíveis de repartição (é o conceito de pessoa média que conta; assim, não é possível fazer a alguém a objeção de que, com recursos exatamente idênticos aos que ele dispõe, certas pessoas tenham conseguido viver uma vida decente). Inversamente, ninguém pode afirmar que a parte dos bens passíveis de repartição que possui seja pequena demais, sob o pretexto de que, com tal parte, não consiga viver uma vida decente e satisfatória, quando outros conseguem fazê-lo. Cada qual tem um direito natural àquilo que é normalmente necessário para viver uma vida decente e satisfatória, mas ninguém tem o direito ao que lhe é suficiente. De todas as maneiras, não existe qualquer parte dos bens passíveis de repartição de que se pudesse afirmar que garanta automaticamente uma vida decente e satisfatória (que seja uma condição suficiente para uma vida decente e satisfatória).

A tese geral é, portanto, a de que cada um tem direito aos bens materiais, cuja posse é necessária para se ter uma chance razoável de viver uma vida decente e satisfatória.

Assim, é também possível que o progressismo conserve a sua razão de ser para além do que François Furet chamava de institucionalização da liberdade, e que ele consista precisamente em tentar garantir a cada membro da sociedade a quantidade de recursos indispensável para levar uma existência decente. Nenhuma política que se fundamentasse exclusivamente no mercado, à custa de todas as iniciativas deliberadas de redistribuição, tem a garantia de atingir esse tipo de objetivo, porque uma ordem social que garante os direitos dos indivíduos não necessariamente garante o respeito à sua igualdade de valor nesse sentido e nem, por conseguinte, a ausência de qualquer dominação. Seu fracasso nesse plano poderia, ainda, não se dever a resíduos da ordem pré-liberal – o fato de que, mesmo em uma sociedade de igualdade de direitos, os fenômenos de privilégio e de corrupção introduzam diferenças ilegítimas que reproduzem os efeitos das antigas relações de poder e os antigos preconceitos – mas a caráteres endógenos às sociedades fundadas sobre o reconhecimento explícito da identidade dos direitos e sobre sua institucionalização. A ação do acaso, a desigualdade das faculdades naturais e os efeitos da polarização da riqueza fazem com que, mesmo no âmbito do respeito aos direitos, certos membros da sociedade sejam privados dos meios de levar uma existência dotada de sentido.

O postulado implícito dessa interrogação é que o caráter mercantil das relações entre os indivíduos – efeito necessário de uma sociedade de igualdade de direitos – poderia ter como propriedade, devido às desigualdades e aos antagonismos que provoca, tornar essas relações ilegítimas, externas à noção do que o homem deve ao homem ou do que nós devemos uns aos outros, externas ao direito e ao princípio da igualdade de valor e da igualdade de respeito. A constatação não é nova: o fato de construir uma sociedade, cuja base seria o direito que tem cada um de não sofrer interferência inútil da parte de outros e do Estado, não basta para assegurar um sistema de interações sociais ao qual todos os membros da sociedade devessem sensatamente aderir, porque não é suficiente para garantir a ausência de dominação de uns sobre os outros, nem a preservação da possibilidade efetiva de cada um participar da cooperação social na qualidade de cidadão autônomo, livre e igual. O efeito acumulado dos direitos dos indivíduos não é necessariamente um universo de relações sociais legítimas, e o fato de que um sistema social não contenha nenhuma ação injusta não basta para garantir a justiça do próprio sistema, porque é evidente que, mesmo em um contexto de igualdade de oportunidades, em que as instituições ofereceriam possibilidades equivalentes de acesso ao bem-estar aos indivíduos que possuem talentos equivalentes e uma vontade equivalente de ter sucesso, o impacto do puro acaso e a diferença nativa das capacidades e dos talentos poderiam ainda resultar em uma estrutura de dominação que submeteria alguns à maneira com que outros definem o alcance de seus direitos e seu valor.[3]

Todo indivíduo tem, portanto, um direito à parte dos bens passíveis de repartição que seja necessária para ter uma chance razoável de viver uma vida decente e satisfatória. Resta saber se o governo pode intervir na repartição dos bens operada pelo mercado para garantir tal direito, pois, pelo próprio fato de os indivíduos terem um direito, não implica que o governo tenha o direito de fazê-lo cumprir, particulamente se não puder fazê-lo sem violar os direitos de terceiros. Assim, eu certamente não tenho o direito de que o governo aja para atribuir a mim a parte dos recursos de que preciso para levar uma existência autônoma, se ele não puder fazê-lo sem empreender uma redistribução, implicando que ele arrecade recursos de outras pessoas que têm o direito de mantê-los e não os ceder.

Só que, justamente, parece que o governo tem a capacidade de garantir os direitos de cada indivíduo sem violar os direitos nem restringir a liberdade de ninguém. Cada indivíduo tem, de fato, o direito à liberdade ou à faculdade de agir que lhe é necessário em condições razoáveis para viver uma vida decente e satisfatória, mas ninguém tem o direito a meios ou a uma liberdade ilimitada (pois os meios ilimitados e uma faculdade de agir ilimitada não são necessários, em condições razoáveis, para se viver uma vida decente e satisfatória). Assim, a tributação dos mais ricos não tem por efeito privá-los dos recursos e do espaço para agir que lhes são necessários para viver uma vida decente e satisfatória, e, nesse sentido, a ação pública que tomar parte de seus recursos para redistribuí-los não constitui uma coação tirânica e nem uma violação de seus direitos.

Portanto, mesmo adotando-se a tese libertariana, segundo a qual é proibido violar os direitos de um indivíduo para alcançar qualquer que seja o objetivo, percebe-se aqui que o governo pode perfeitamente alcançar o seu objetivo (garantir o direito de todos) sem violar os direitos de ninguém.[4] Deve-se concluir que o processo de redistribuição é legítimo, porque atende o critério de legitimidade formulado pelo próprio libertarismo. (Trata-se de um objetivo que é passível de ser atingido sem que os direitos de ninguém sejam violados, pelo menos se adotarmos a teoria alternativa dos direitos do indivíduo.)

Percebe-se também que o Estado mínimo libertariano não se contenta em proteger os direitos à liberdade dos cidadãos, mas garante a alguns deles um maior grau de liberdade do que o que eles podem legitimamente reivindicar (quer dizer que o Estado lhes garante recursos e uma amplitude de ação que não são necessários nas condições razoavelmente normais para se viver uma vida decente e satisfatória). Inversamente, ao abster-se de empreender uma redistribuição dos recursos, o Estado mínimo é um Estado que permite que os direitos de alguns não sejam respeitados (eles não têm os recursos necessários em condições normais para viver uma vida decente e satisfatória). Assim, para aqueles a quem garante que seus bens não serão tocados apesar de, a rigor não precisarem deles para viver uma vida decente e autônoma, o Estado mínimo garante mais do que os seus direitos, e para aqueles que não dispõem da parte de recursos e liberdades indispensável para viver uma vida decente e autônoma, menos do que os direitos que têm.

Pode-se concluir que, embora o Estado mínimo desrespeite os direitos de alguns, esse não é o caso do Estado-providência. O Estado­providência é moralmente superior ao Estado mínimo libertariano. Por certo, a validade dessa conclusão em relação à legitimidade da redistribuição depende da legitimidade da teoria não-libertariana dos direitos do indivíduo, mas, inversamente, a própria tese da não-legitimidade da redistribuição depende da validade da definição libertariana dos direitos. A única coisa que está estabelecida até agora é que esta última não é a única acepção possível do individualismo e do que é devido ao indivíduo em uma sociedade que se quer uma sociedade de liberdade.

Agora, será possível tentar mostrar que a teoria alternativa dos direitos é mais bem fundamentada do que a teoria libertariana?[5]

Precisemos inicialmente de forma abstrata o que significa a expressão “fundar os direitos dos indivíduos”. Se tomarmos um ser de um certo tipo (por exemplo, um ser que tem consciência de si ou um ser que é racional ou um ser que tem a capacidade de formar um plano de vida e perseguir certos propósitos) e se, por outro lado, tomarmos a afirmação segundo a qual esse ser possui os direitos X, Y e Z, fundar esses direitos, ou resolver a questão dos fundamentos desses direitos, é mostrar por que um ser dotado desses atributos especificamente deva possuir aqueles direitos. É, portanto, construir um argumento que mostre que os direitos em questão são os instrumentos necessários para a defesa e a preservação (ou o desenvolvimento) da característica em questão.

Ora, partindo-se do argumento que os próprios libertarianos empregam para validar suas próprias concepções sobre os direitos dos indivíduos, constata-se que ele valida ainda melhor os direitos tais como são concebidos pela teoria alternativa.

Qual é, para o libertariano, a base moral que permite ao indivíduo reivindicar direitos (ou, ainda, quais são os atributos morais que justificam a atribuição de direitos?)? Quais são as características dos indivíduos que têm valor e que merecem ser protegidas? A resposta libertariana a essa pergunta é muito simples: é a capacidade da pessoa humana de modelar a própria existência, de dar-lhe forma em função de uma finalidade. A base da atribuição de direitos à pessoa do indíviduo é a capacidade desse indivíduo de viver uma vida dotada de sentido, de fazer escolhas, de dispor de sua própria pessoa e de suas próprias faculdades de acordo com suas próprias disposições e decisões. Dizer que é a base da atribuição de direitos equivale a dizer que o ser humano precisa de direitos para proteger essa característica que é sua, para empregá-la, para desenvolvê-la. Ou, ainda, equivale a dizer que, porque essa característica tem um valor, ao indivíduo que a traz devem ser atribuídos os direitos que lhe permitam protegê-la ou defendê-la contra os atropelamentos dos outros, que dificultariam o seu exercício (ele tem, portanto, o direito; ele tem justificativa ou, ainda, está amparado na sua reivindicação dos direitos que lhe são indispensáveis para proteger essa característica em questão. Ou, ainda, por deter essa característica, existem limites na forma com que o indivíduo tem justificação para tratá-lo, com que se tem o direito de tratá-lo e ele tem o direito de defender-se e de proteger-se contra essas formas de tratamento ).[6]

Mas, nessas condições, se a justificação para que o ser humano tenha direitos for a de que esses direitos lhe são necessários para preservar a sua capacidade de viver uma vida dotada de sentido, evidencia-se que nós temos mais justificativa de atribuir ao ser humano os direitos da teoria alternativa do que de atribuir-lhe os direitos da teoria libertariana, porque os direitos da teoria alternativa são melhores instrumentos de preservação da capacidade de viver uma vida dotada de sentido do que os direitos da concepção libertariana. Particularmente, porque eles levam a garantia dessa possibilidade para todos e não apenas para alguns.[7]

Os bens necessários para se viver uma vida decente e satisfatória são também, de fato, os bens necessários para se viver uma vida dotada de sentido. Pois só a teoria alternativa (e não a teoria libertariana, que resulta muito claramente na recusa a alguns dos bens, cuja posse é evidentemente necessária para viver uma vida dotada de sentido) garante a todos as condições materiais necessárias para se viver uma vida dotada de sentido. Assim, se nos basearmos nas razões que o próprio libertariano evoca para dizer que o homem deve ter direitos, veremos que os direitos da teoria alternativa lhe devem ser atribuídos, e não os direitos da própria teoria libertariana.

Só a teoria alternativa a todos garante a possibilidade de viver uma vida decente, ou seja, uma vida que se pode considerar retrospectivamente sem amargura ou arrependimentos, uma vida em que não seja possível àquele que não realizou sua aspirações experimentar um motivo de arrependimento bem-fundado ou razoável, pois tal motivo só pode fundar-se no fato de que ele não dispôs dos recursos necessários para realizar seus objetivos.[8]

A teoria libertariana começa, então, a parecer incoerente, porque ao mesmo tempo afirma que os direitos são necessários para garantir a possibilidade que têm os seres humanos de viver uma vida dotada de sentido (eles têm essa faculdade, e essa faculdade tem valor), e que nem todos os indivíduos têm, necessariamente, direito ao conjunto dos bens que são necessários ou indispensáveis para viver uma vida dotada de sentido, mas que têm apenas direito a uma parte desses bens (certos bens são indispensáveis, por exemplo, tratamentos de saúde, moradia etc, mas certos indivíduos não os têm, não têm direito a eles e não podem reivindicá-los). Essa posição só seria coerente se pudéssemos sustentar ser impossível garantir a todos os membros da sociedade, em conjunto, a totalidade dos bens necessários para viver uma vida dotada de sentido. Mas é possível demonstrar que, ao privar certos indivíduos de certos bens, não se os está privando do que é necessário para viver uma vida dotada de sentido (o que lhes resta é amplamente suficiente para tal). Aqueles que pagam impostos de vocação redistributiva não deixam, por isso, de continuar em condições de viver uma vida dotada de sentido.

É claro que essa conclusão pode ser alcançada se o libertarismo aceitar o postulado da igualdade de valor de todos os indivíduos, porque só esse postulado leva à conclusão de que uma teoria que garanta a todos as condições de uma vida decente é superior a uma teoria que viole o princípio da igualdade ao só garantir tais condições a alguns. Mas a tese libertariana não pode recusar o princípio da igualdade de valor, pois se o fizesse teria de renunciar à afirmação de que nenhum indivíduo jamais deve ser um meio para outro ou jamais deve ser sacrificado por um outro.

A teoria alternativa dos direitos levanta, no entanto, objeções significativas às quais é preciso tentar responder.[9]

A primeira dessas objeções afirma que entre os bens passíveis de repartição, cuja posse a teoria alternativa pretende garantir a cada um, figuram bens que não podem ser obtidos da natureza, mas somente do trabalho de outros (é o caso da saúde, habitação). Dizer que os indivíduos têm direito a uma parte desses bens, de que precisam dela para viver uma vida decente e dotada de sentido, equivale a dizer que eles têm direito ao trabalho dos outros (ou direito de que outros trabalhem para o seu bem-estar).

A resposta a essa objeção é a de que a sociedade não é dividida entre produtores e consumidores; aqueles que têm direito ao produto do trabalho dos outros, por sua vez, têm também o dever (tendo condições) de pôr o próprio trabalho a serviço dos outros, de contribuir com seu talento ou suas capacidades para aumentar a eficácia da sociedade como um todo. Assim, a sociedade é como um seguro coletivo, em que aqueles que perderem as condições de obter por seus próprios meios os recursos necessários para viver uma vida decente e autônoma terão direito ao socorro da coletividade. O governo não obriga um grupo de pessoas a trabalhar para os outros, mas assegura, por meio de um sistema redistributivo, que ninguém deixe de ter condições de viver uma vida dotada de sentido. Por certo, tal dispositivo implica uma restrição à amplitude de ação de certos membros da sociedade, que devem ceder uma parte dos recursos de que dispõem para ajudar os outros, mas essa restrição de amplitude de ação não é uma restrição de liberdade no sentido próprio, pois nenhuma pessoa tem direito a recursos de que não precise para viver uma vida dotada de sentido, quando a outras pessoas falta o necessário para viver uma vida dotada de sentido, sendo incapazes (ou por falta de capacidades, ou por estarem desempregadas) de providenciá-lo por conta própria.[10]

A segunda objeção afirma que os direitos que a concepção alternativa atribui aos indivíduos não têm a mesma natureza que os direitos contemplados pela teoria libertariana, ou, ainda, que há uma diferença de natureza entre os direitos negativos da pessoa e os direitos sociais positivos que obrigam a coletividade a atender a certas necessidades essenciais. A diferença reside essencialmente no fato de que os direitos libertarianos são determinados: eles proíbem agressões abertas e permitem definir para os outros deveres muito claros, enquanto os direitos sociais criam, para os outros, deveres que não são meros deveres de abstenção e que são muito menos simples de definir. Mais particularmente, para alguns, esses direitos parecem implicar o dever de não consumir mais do que precisam, quando outros membros da comunidade não possuem o que é necessário para viver uma vida dotada de sentido. Além disso, esses direitos sociais – os da concepção alternativa – parecem implicar uma coisa bizarra: que é possível violar os direitos de terceiros ao contentar-se em não fazer alguma coisa, ao abster-se de empreender uma determinada ação, permanecendo simplesmente em um cômodo e ocupando-se de seus próprios assuntos, sem diretamente causar mal a quem quer que seja (só porque se consome mais do que se precisa para levar uma vida dotada de sentido). De fato, parece difícil dizer que se está violando os direitos de pessoas que não se conhece, e até mesmo saber quem são essas pessoas de quem se está violando os direitos. Parece igualmente difícil afirmar que uma pessoa está se portando de forma a violar os direitos de terceiros, quando poderia perfeitamente parar de se portar da forma como se portava, sem que os direitos supostamente violados dos mesmos terceiros venham a melhorar de nenhuma maneira (essa pessoa trabalha menos, ela tem menos recursos, ela não consome mais o que tem o direito de consumir, mas ninguém se beneficia com isso, e é até mesmo bem possível que muito percam com isso).

A resposta a essa objeção é a de que ninguém sustenta que o direito de não ser agredido e de ser deixado em liberdade não seja um direito diferente, por sua estrutura, do direito de receber uma parte dos bens cuja posse é necessária para viver uma vida dotada de sentidos (por exemplo, moradia e tratamento médico). É, portanto, perfeitamente compreensível que, sendo diferentes, esses direitos venham a condicionar a conduta de terceiros de uma maneira diferente – os primeiros implicam que os terceiros se abstenham de me agredir ou de atrapalhar as minhas ações, enquanto os segundos implicam que terceiros cedam uma parte do que têm para atender às minhas necessidades. Porém não é, em si, uma objeção decisiva, pois é possível imaginar meios jurídicos para determinar esses direitos e fazê-los respeitar.[11]

A terceira objeção afirma que a teoria alternativa admite violações menores da liberdade dos indivíduos, desde que essas violações não os impeçam de viver uma vida dotada de sentido. Assim, por exemplo, se ao passar por você na rua eu lhe der um soco na cara, você poderá continuar a caminhar, e meu soco não é uma violação maior do seu direito.[12]

A resposta a essa objeção consiste em dizer que os direitos protegidos pela teoria alternativa (os direitos sociais) proíbem certas condutas de forma a proteger certos campos vitais da existência humana. Isso não significa que tudo o que não atinja a possibilidade de uma vida dotada de sentido para todos seja permitido (por exemplo, dar um soco na cara de alguém passando na rua) e que todos os campos cuja importância não seja essencial à possibilidade de viver uma vida dotada de sentido estejam abertos à intrusão dos outros. De fato, é preciso não confundir duas afirmações: a que diz que é proibido fazer o que ameace a possibilidade que têm os outros de viver uma vida dotada de sentido e a que diz que tudo o que não ameace a possibilidade que têm os outros de viver uma vida dotada de sentido seja permitido.

De fato, é preciso acrescentar à primeira proposição outras injunções morais que irão completar a teoria e dizer que certas coisas são proibidas, mesmo quando não têm por efeito tornar os outros incapazes de viver uma vida dotada de sentido.

A teoria alternativa contenta-se em afirmar que existem limites às ações voluntárias permitidas do ponto de vista moral: esse limite é definido pelo fato de que as ações voluntárias proibidas têm, como efeito, impedir que os outros levem uma vida dotada de sentido (assim, certas aquisições e certas transferências são moralmente banidas, mesmo que voluntárias, se tiverem por efeito tornar impossível a alguns viver uma vida dotada de sentido. O contrato de escravidão voluntária é um exemplo disso). Portanto, a questão não é saber se as ações são voluntárias ou não, mas saber se as ações contempladas impedem ou não certos indivíduos de terem uma vida dotada de sentido. Cada qual certamente tem o direito de adquirir e trocar conforme a sua vontade, desde que sua conduta não esteja em contradição com a possibilidade de todos terem uma vida dotada de sentido, ou seja, desde que não tenha por efeito – voluntário ou não – impedi-los.

O respeito da condição essencial (permitir a todos viverem uma vida dotada de sentido) não resulta necessariamente no igualitarismo na repartição dos recursos: ele é, a priori, compatível com desigualdades muito importantes (desde que todos tenham o mínimo), com a condição de que permita a cada um dispor dos recursos que lhe sejam indispensáveis para viver uma vida dotada de sentido. Esse argumento do respeito do direito de terceiros a uma certa forma de vida autônoma e dotada de sentido não é, por si só, um argumento igualitarista. É apenas um argumento em favor de uma sociedade que garante um certo nível de recursos a todos os seus membros.

3. Existem argumentos a favor da igualdade de condições?

A ideia de que uma sociedade justa deveria garantir a todos um nível mínimo de recursos está, entretanto, exposta a várias objeções lógicas, sem falar na dificuldade prática que consiste em fixar o patamar de recursos que a sociedade deve garantir a cada indivíduo, ou na desigualdade que pode existir entre esses, conforme o ambiente social de cada um, ou em converter recursos idênticos em capacidades efetivas de ação. Contentemo-nos em evocar uma dessas dificuldades: a ideia do patamar mínimo significa que o objetivo de toda a sociedade é fazer com que a maior proporção possível de seus membros possa transpor esse patamar e situar-se acima dele. Ora, isso implicaria, por exemplo, que os menos favorecidos não devam ser ajudados caso a ajuda a ser dada não seja suficiente para lhes possibilitar transpor tal patamar, já que existem pessoas imediatamente abaixo desse patamar que, assistidas pelos mesmos recursos, poderiam ultrapassá-lo. Isso implicaria também – e trata-se de uma variante da mesma ideia –, que se tivermos a escolha entre uma política que melhore substancialmente a situação de um grande número de pessoas, todas elas situadas abaixo desse patamar (mas praticamente todas muito próximas dele), e outra política cujo efeito seria fazer com que uma única pessoa ultrapassasse esse mesmo patamar, é a segunda política que deveria ser escolhida. Ora, tal conclusao é absurda.

A ideia de um rendimento mínimo não é, portanto, uma ideia simples de ser defendida, e é essa a razão pela qual certas formas de progressismo contemporâneo desejam substituí-la por uma política cuja proposta seja avançar em direção a alguma forma de igualdade de recursos. Existem argumentos que corroborem a defesa da igualdade e não a de um nível mínimo? Há dois argumentos nesse sentido.

O primeiro diz que, no caso de grandes desigualdades de riqueza, os direitos dos menos aquinhoados são precariamente garantidos, já que a riqueza gera poder. A estrutura igualitária dos direitos seria instável em uma sociedade em que houvesse grandes disparidades de riqueza. Assim, a preocupação em garantir os direitos de todos seria um forte incentivo para avançar em direção a uma divisão mais igualitária dos recursos materiais.

O segundo argumento propõe que o auto-respeito dos menos favorecidos é incerto e está sempre ameaçado em sociedades altamente desiguais, sobretudo porque as desigualdades de riqueza não correspondem às desigualdades de mérito ou de talento (os excluídos das posições de poder não conseguem respeitar-se a si próprios porque não sabem se essa própria condição de desfavorecido é “merecida”). Essa falta de respeito por si mesmo representa um obstáculo à possibilidade de viver uma vida dotada de sentido.

Em vez de insistir nas versões contemporâneas desse igualitarismo, podemos apresentar uma versão histórica: a que se desenvolveu na França, seguindo-se à revolução de 1789 e que caracteriza a concepção francesa da república.

Dentre as “utopias” exploradas pela esquerda francesa em meados do século XIX figura a ideia de uma alternativa “republicana” à concepção pseudoliberal da sociedade como mercado. A Revolução Francesa serviu de transposição para um pensamento político fortemente marcado pela herança de Rousseau, cuja tese principal é: não seria possível haver liberdade sem igualdade, a liberdade sem justiça é uma contradição verdadeira. Rousseau nunca reduziu a igualdade, tal como é mencionada em sua obra, à simples igualdade perante a lei, à igualdade de direitos e à acessibilidade aos empregos por parte de todos sem distinção de raça ou de religião. Trata-se, segundo ele, de controlar as diferenças entre o que chama de “graus de poder e de riqueza”, no Contrato Social e Rousseau fixa, dessa forma, os limites que lhe pareciam compatíveis com a existência da liberdade: “quanto ao poder, que ele esteja acima de toda violência e nunca se exerça a não ser em virtude da classe e das leis, e quanto à riqueza, que nenhum cidadão seja assaz opulento para poder comprar o outro, e nenhum assaz pobre para ver-se obrigado a se vender”.[13] Rousseau constantemente explicou que a força das leis não podia se impor a não ser a homens com fortunas médias e relativamente iguais umas às outras, pois em situações em que as defasagens são muito importantes os mais favorecidos conseguirão sempre dobrar a lei em favor próprio e terminarão por deter a realidade do poder. “O poder civil”, escreveu Rousseau, “é exercido de duas formas, uma legítima, pela autoridade, e a outra abusiva, pelas riquezas. Sempre que as riquezas dominam, o poder e a autoridade, normalmente, encontram-se separados, porque, não sendo os mesmos os meios de obter a riqueza e os meios de se chegar à autoridade, estes são raramente empregados pelas mesmas pessoas. Logo, o poder aparente encontra-se nas mãos do magistrado e o poder real na dos ricos.” [14] No artigo “Economia política”, Rousseau já assinalava que “as leis são impotentes contra os tesouros do rico e contra a miséria do pobre; o primeiro consegue iludi-las e o segundo lhes escapa, um rompe a tela e o outro simplesmente passa através desta”. [15]

Logo, Rousseau e alguns outros autores estabeleceram, na segunda metade do século XVIII, um tema muito claro: a igualdade relativa das situações materiais é uma condição necessária da liberdade individual e da legitimidade da ordem política e social. Sem ela, a igualdade de direitos se transforma em uma dominação privada que coloca aquele que não tem nada, ou que não tem o suficiente para sobreviver, na dependência daquele que é o único a poder lhe permitir a subsistência ao lhe oferecer o trabalho de que precisa. A liberdade individual fica, assim, bem definida não pelo usufruto de direitos iguais, mas pelo fato de escapar – graças ao poder da lei – à vontade arbitrária de um terceiro. Ora, quando as fortunas são desiguais, as leis perdem a capacidade de proteger os fracos contra a vontade dos fortes. Rousseau, entretanto, sempre alertou que não podia ser próprio do poder público desfazer as diferenças e restabelecer as igualdades, pois, diz ele, “o maior mal já está feito quando existem pobres a serem defendidos e ricos a serem contidos”. Logo, trata-se,também nesse caso, não de combater um mal, e si de impedi-lo de nascer, e Rousseau parece reconhecer que, uma vez nascido, o mal da dominação privada e da consequente corrupção das leis parece ser insolúvel. No Contrato Social, Rousseau parece admitir, então, que a igualdade de condições é uma quimera de especulação e que a propriedade é algo cujo abuso é a tal ponto inevitável que sempre acarretará desigualdades incompatíveis com a liberdade como não-dominação.[16]

Rousseau pergunta, “se o abuso é inevitável, segue-se que não se deve ao menos regulamentá-lo? É exatamente porque a força das coisas tende sempre a destruir a igualdade que a força da legislação deve sempre propender a mantê-la”.[17] A ideia de uma ação pública para manter a desigualdade de condições dentro de limites compatíveis com a liberdade como não-dominação está, portanto, bem presente na obra de Rousseau.[18]

Esse tema é amplamente discutido na primeira metade do século XIX nas obras de escritores c”socialistas” ou “socialistas jacobinos”.[19] Louis Blanc, por exemplo, não cessa de mostrar que a sociedade de concorrência é desigual e tirânica, pois coloca os mais fracos à mercê dos mais fortes; que ela é iníqua, pois posiciona face a face indivíduos armados, uns em desigualdade em relação aos outros, dispondo de meios extremamente desiguais de luta.[20] Assim, a liberdade continuaria sendo uma caricatura enquanto a riqueza privada permitir que seus detentores rompam a força das leis ou possam dela escapar: ela é desprovida de realidade quando as feudalidades financeiras recriam formas de servidão que, mesmo sem estarem traduzidas no Direito, não deixam de ser reais. Uma única citação de Louis Blanc já nos possibilita compreender a temática:

“O direito, considerado de modo abstrato, é a miragem que, desde 1789, mantém o povo submisso. O direito é a proteção metafísica e morta que substituiu, para o povo, a proteção viva que lhe seria devida. O direito, pomposo e esterilmente proclamado nas cartas e constituições, só serviu para dissimular aquilo que a inauguração de um regime de individualismo tinha de injusto e aquilo que o abandono do pobre tinha de bárbaro. Foi porque definimos a liberdade pela palavra direito que chegamos ao ponto de chamar de homens livres; aqueles que são escravos da fome, escravos do frio, escravos da ignorância. A liberdade consiste não somente no direito concedido, mas também no direito dado ao homem de exercer e de desenvolver suas faculdades sob o império da justiça e sob a salvaguarda da lei.”[21]

Para os socialistas jacobinos como Louis Blanc, não há nenhuma dúvida de que apenas o Estado é capaz de restabelecer o equilíbrio de poder entre fortes e fracos que é tão necessário à liberdade:

“Desde que admitamos que o homem, para ser verdadeiramente livre, precisa ter poder de modo a exercer e desenvolver suas faculdades, conclui-se que a sociedade deve a cada um de seus membros a instrução sem a qual o espírito humano não pode se desenvolver e os instrumentos de trabalhos sem os quais a atividade humana não pode seguir seu curso. Ora, pela intervenção de quem a sociedade poderá dar a cada um de seus membros a devida instrução e os instrumentos de trabalho necessários senão mediante a intervenção do Estado? É, portanto, em nome e por conta da liberdade que nós demandamos a reabilitação do princípio da autoridade. Queremos um governo forte porque, no regime de desigualdade em que ainda vegetamos, existem fracos que necessitam de uma força social que os proteja.”[22]

Esse tema da igualdade real como premissa necessária à liberdade individual também está presente nas obras de pensadores de orientação mais acentuadamente cristã que insistem na ideia de fraternidade e vínculos jurídicos. Como Rousseau, esses pensadores ressaltam que a união social é diferente do simples congregamento e que esta repousa sobre os vínculos do direito, sobre os deveres recíprocos; ora, tais deveres só podem existir se cada um tiver não apenas o direito, mas também o poder de fazer o mesmo que seu concidadão, sem o que o dever não passaria de uma artimanha mediante a qual os mais poderosos obteriam dos mais pobres um compromisso moral de não criar obstáculos aos meios de sua própria servidão.[23] Encontramos essas variações, por exemplo, nas obras de Buchez ou de Pecqueur.[24]

A tradição republicana francesa é marcada por essa contribuição do “socialismo” que em breve será qualificado de “utópico”. Sabemos, entretanto, que, durante o primeiro terço do século XIXa palavra “socialismo” não designou uma teoria da história e do avanço necessário em direção à apropriação coletiva dos meios de produção, mas, sim, um tipo de antídoto a um individualismo visto negativamente: o sentido da palavra está mais próximo do de fraternidade ou solidariedade do que da acepção de “socialismo” tal como nos foi legada por Marx e seus seguidores. Designa a ideia de que nenhuma sociedade pode se reduzir a uma simples justaposição de indivíduos competindo entre si e, sim, que esta deve comportar uma forma de igualdade, de equivalência entre os indivíduos que constitui o único modo de fundamentar a união entre eles e de fazê-los passar do conflito à civilidade. A palavra socialismo remete aqui à ideia de que nenhuma sociedade pode resumir-se a um simples empreendimento de produção de riqueza e que a associação humana tem por objetivo tecer entre seus membros relações marcadas por uma certa forma de moralidade, legitimidade ou dever. Não é raro, durante esse primeiro terço do século XIXlermos, – na obra de Cabet, por exemplo – que a produção da riqueza é o produto da natureza animal do homem, enquanto a busca da fraternidade e do direito solidário é o que satisfaz no homem sua melhor parte, a parte moral.[25] Entre o pseudoliberalismo do laissez-faire e o socialismo científico, cujo único objetivo é a multiplicação de riquezas, os textos do socialismo “utópico” conservam alguma coisa de uma terceira tradição de pensamento já presente entre os fundadores do liberalismo: uma sociedade livre não é apenas uma sociedade em que os indivíduos são livres para trocar e produzir, mas é uma sociedade fundamentada no possível reconhecimento por todos da legitimidade de suas relações e de suas respectivas situações. Por sua vez, esse reconhecimento implica a construção do que Robert Castel chamou de uma sociedade de semelhantes.[26]

Mas, certamente, ela não está presente apenas nos representantes do socialismo utópico, e aparece também nas obras de escritores políticos bem menos tentados pela ideia da coletivização dos bens como Vacherot[27] e Charles Dupond White, antes de experimentar um desenvolvimento certeiro sob a terceira república. Essa dimensão é própria da tradição republicana francesa e constitui um dos pontos mediante os quais esta pode reivindicar sua fidelidade em relação ao liberalismo dos fundadores, que aspirava ao casamento da independência e do direito. Ou, mais exatamente, estava convencido de que a independência individual não pode ser pensada sem a legitimidade, indivíduos em conflito que se contentam em negociar compromissos constituem uma sociedade civil tão pouco quanto as castas zelosas de seus privilégios.

4. Algumas dúvidas sobre igualitarismo

A tradição republicana francesa afirma, portanto, que a igualdade é, em si, desejável, e que não se trata de garantir a cada indivíduo os meios necessários para que tenha uma existência autônoma, mas sim de combater a desigualdade como um mal em si. Entretanto, tal tradição não ignora as dificuldades desse igualitarismo e sabe considerá-las. Dentre os protagonistas da Revolução Francesa, muitos são os que pensavam que a igualdade de direito, ou melhor, a igualdade perante a lei, não podia ser o termo do empreendimento da libertação da Idade Moderna. Eles salientaram, em particular, que essa igualdade deveria ter por efeito liberar as desigualdades de riqueza, permitindo que estas se dissipassem sem entraves. Mas, no momento em que as desigualdades de riqueza atingem a maturidade, podemos dizer que a desigualdade diante da lei dissipa-se. Caso convenha, como disse Destutt de Tracy, distinguir a desigualdade de poder da desigualdade de riqueza, combatendo a primeira sem combater a segunda, é preciso compreender também que, em dado momento, a desigualdade de riqueza cria uma nova desigualdade de poder e que, de uma certa forma, não é simplesmente possível combater a primeira sem combater a segunda, ao menos até certo ponto e em relação a certas modalidades.[28]

O enigma, então, é o seguinte: será possível combater a desigualdade de riqueza pelos meios que Destutt de Tracy chama de não-opressivos, ou seja, sem recorrer a leis injustas e espoliadoras, que, além disso, enveredam pela vertente deslizante que induz ao controle e domínio do conjunto das atividades que avançam em direção ao espectro de uma economia administrada e de uma sociedade transformada em organização? Haiek, após muitos outros,[29] multiplicou os argumentos contra tal possibilidade e mostrou que no momento em que um poder público intervém na situação particular dos indivíduos no intuito de modificar as relações entre eles, em vez de fazer com que elas funcionem no âmbito das leis gerais e impessoais, esse poder se expõe a uma progressão indefinida, já que os efeitos dessas modificações são imprevisíveis e não podem ser determinados antecipadamente. Se as desigualdades de riqueza geradas pela igualdade de direitos fazem surgir novas desigualdades de poder e pervertem a própria igualdade de direitos, parece natural que a vontade de controlar as desigualdades de riquezas ou de compensar seus efeitos conduza também a uma corrupção da igualdade dos direitos. Trata-se do velho dilema da igualdade e da liberdade. Os “socialistas” jacobinos de meados do século XIX com frequência resolviam esse dilema deslocando o sentido do conceito de liberdade e ressaltando que este não podia significar a liberdade de impor sua lei privada a outros e que, inversamente, a ideia de uma liberdade correspondendo a um poder vazio era inepta. Ressaltaram, também, constantemente, duas outras ideias: a primeira é que a liberdade é uma possibilidade efetiva de desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo e que ela supõe meios colocados igualmente à disposição de todos; a segunda é que a qualidade de uma sociedade livre repousa sobre uma relação de obrigação moral derespeitar as ações do outro. Não é suficiente, portanto, estar convencido de não interferir, pois é preciso também que as ações de terceiros sejam para cada um de nós um objeto de respeito autêntico. Ora, tal respeito não pode existir em um indivíduo que não tem a mesma “sorte” de fazer aquilo que ele é obrigado a respeitar nos outros.

Essas ideias continuam a nutrir o debate sobre a liberdade dos modernos, cuja dimensão moral não pode ser pura e simplesmente suprimida. Os socialistas franceses de meados do século XIX já tinham explorado essa possibilidade que fazia Buchez dizer que convinha fazer as sociedades modernas passarem da primeira etapa de sua libertação – liberação do indivíduo realizada no que ele chama de era do individualismo – à segunda – a fraternidade que proverá a todos a garantia de condições efetivas de autonomia em uma sociedade cuja ambição não será a multiplicação das riquezas, mas essa mesma multiplicação subordinada à exigência de solidariedade.

A primeira forma de progressismo em política caracteriza-se, hoje, pela afirmação de que a igualdade de direitos não é capaz, por si só, de satisfazer à exigência de igualdade de valor, já que ela gera uma sociedade em que as desigualdades de riqueza tendem a tomar a forma de desigualdades de poder. Afirma que a justiça social e a busca de cooperação entre pessoas livres e iguais residem no âmago de uma sociedade de liberdade individual, pois a sociedade de indivíduos só é legítima se se configurar como uma igualdade de respeito ou uma igualdade no valor que ela atribui aos indivíduos, ou, ainda, se suas instituições políticas e sociais forem testemunhas do caráter fundador que essa atribui à noção de uma cooperação mútua vantajosa. O Estado, o poder público, é a encarnação e o meio usado por essa vontade de igualdade que se traduz mediante uma política de redistribuição.

5. Um progressismo evolucionista?

Qual a situação, hoje, da variante da filosofia política conservadora que toma a forma de hipótese evolucionista? Lembremo-nos da tese dessa hipótese evolucionista que constitui a espinha dorsal de um dos principais componentes do conservadorismo atual. Ela afirma que a vontade de controlar as desigualdades de riqueza ou de compensar seus efeitos tem como consequência necessária a corrupção da ordem espontânea, que é o resultado de regras impessoais; ora, na medida em que essa ordem de regras impessoais é um ótimo social em termos de adaptação à necessidade da sobrevivência, essa corrupção exerce um impacto negativo sobre o nível no qual a sociedade é capaz de satisfazer suas necessidades. O conservadorismo fundamentado na hipótese evolucionista afirma, portanto, que o projeto de redistribuição perverte necessariamente a ordem liberal, a qual só pode subsistir como uma ordem de regras gerais em cujo interior surgem, em função de uma diversidade de fatores, profundas desigualdades. Em sua acepção extrema, o conservadorismo chega até mesmo a afirmar que a igualdade de direitos tem por objetivo selecionar os melhores e ressaltar as hierarquias naturais.

Podemos atacar essa hipótese evolucionista de duas formas distintas. A primeira seria incriminando seu amoralismo e sua recusa em admitir que as sociedades modernas são uma resposta a uma exigência ética de igualdade de valores de todos os indivíduos. Toda a tradição que advém de Kant segue esse curso (em particular a teoria da justiça como equidade proposta por John Rawls). É a solução escolhida pela primeira forma de progressismo, que postula a falsidade da ideia de que as sociedades modernas não constituem uma resposta à exigência moral de igualdade e que, longe de adotar a igualdade como valor moral, elas a endossam apenas por seu valor instrumental, e na medida em que esta produz efeitos vantajosos do ponto de vista da satisfação das necessidades e da adaptação à natureza. Esse ataque contra a hipótese evolucionista é evidentemente incapaz de refutar esta última; ela se contenta em rejeitar sua elisão de toda exigência ética e de mostrar que ela se afasta radicalmente das fontes da filosofia política moderna, cujo princípio era e continua sendo o de que as sociedades não-liberais são não somente sociedades menos capazes de satisfazer as necessidades materiais dos homens, mas também sociedades que violam uma norma ética essencial, afirmando a igualdade de valores de todos os indivíduos, a identidade de seus direitos e a ilegitimidade do princípio da submissão de uns a outros, ou seja, a ilegitimidade de princípio de todo sistema de interação no qual uns estão em posição de julgar o valor e os direitos que convém conceder a outros.

Nesse sentido, a invenção das formas políticas que subjugam todos os indivíduos – quem quer que eles sejam – a regras abstratas e impessoais e que proíbem a individualização não é apenas a descoberta de um mecanismo vantajoso que ultrapassa as formas anteriores em sua capacidade de satisfazer as necessidades e que, por essa razão, as elimina pouco a pouco de forma definitiva. É também e principalmente a descoberta de uma forma de organização das relações entre os homens – e as mulheres – que responde a uma exigência ética de igualdade. Benjamin Constant já tinha tido a intuição de que o raciocínio utilitarista que busca justificar as formas políticas que respeitam os direitos do indivíduo, ressaltando suas consequências favoráveis do ponto de vista da multiplicação das riquezas e da satisfação das necessidades, tornava a legitimidade das sociedades democráticas refém da constatação empírica dessa superioridade. Ela teria também como consequência legitimar as formas autoritárias do Estado sempre que a eficácia material destas fosse demonstrada como, por exemplo, nas fases de acumulação primitiva do capital. Essa observação parece evidente, porém traz a implicação de que as sociedades democráticas modernas dificilmente podem estabelecer a sua própria legitimidade sem levar em consideração o impacto que pode ter a maneira pela qual elas buscam seu objetivo de crescente satisfação das necessidades em relação à divisão das riquezas, já que é menos possível que essa divisão, por sua vez, afete a realidade do princípio que propõe que todos os indivíduos sejam considerados como tendo um valor igual e direito ao mesmo respeito.

A segunda forma de crítica da hipótese evolucionista consiste em tomar uma certa distância em relação ao postulado ético da igualdade e apresentar um argumento que sugere que uma sociedade de concorrência sem injustiça social, ou seja, sem instrumento de equalização das oportunidades, constitui um instrumento de adaptação e de satisfação das necessidades menos eficaz do que uma forma de sociedade que garanta a todos a igualdade de oportunidades. Esse argumento foi desenvolvido por pensadores franceses do final do século XIX.[30]

Esse raciocínio parte de uma oposição entre as sociedades pré­modernas – as sociedades de castas – e as sociedades modernas, compostas por indivíduos. As sociedades de castas são formadas por blocos que se ignoram e mantêm pouco ou nenhum contato uns com os outros, cada casta realizando sua função social de maneira independente e sem cooperação.[31] No interior de cada casta reina uma grande homogeneidade entre os membros, que se assemelham, em virtude da função social que realizam, de hábitos, crenças, comportamentos e rituais. Uma sociedade dessa natureza é definida pela forte homogeneidade dos blocos que a compõem e por uma quase inexistência da independência individual. Sendo cada um definido unicamente pela casta à qual pertence, as vias de sua identidade passam pela fusão e identificação com o grupo do qual é membro.

Essa sociedade de castas se desfaz sob o mero impacto do crescimento quantitativo da sociedade, pois, quase que necessariamente, esse crescimento se traduz em uma diversificação de experiências e de relações entre os membros. Mesmo no interior de uma casta o crescimento numérico indica uma difusão mais vasta, experiências com horizontes distintos, locais físicos diferentes e relações diversificadas. Quanto mais um grupo humano cresce, mais também suas necessidades e suas funções se diversificam, de modo que se torna difícil para seus membros identificarem-se com um organismo que tende a ser proteiforme, que tende a requerer uma pluralidade de componentes. Cada um começa, então, a definir-se não mais como parte de um todo, mas como um indivíduo cuja independência se torna mais importante na proporção em que as necessidades da coletividade se tornam, elas próprias, numerosas e contraditórias demais para formar um sistema coerente de deveres em cujo interior o indivíduo estaria, de algum modo, prisioneiro. O grupo, daí em diante, tem necessidade de uma pluralidade de condutas que responda à pluralidade de suas funções, e, dentre essas funções, o indivíduo começa a escolher.

Paradoxalmente, a hipótese fundamental é que o grupo exerce uma pressão identificadora sobre seus membros que é inversamente proporcional à sua massa: quanto mais o grupo for importante do ponto de vista de sua massa, mais ele será diversificado e mais a pressão torna-se fraca, pois, ao invés de se identificarem com uma única forma de comportamento, os indivíduos começam, graças às vantagens da complexidade social, a poder circular indo de um comportamento a outro, e essa circulação lhes permite não ser completamente absorvidos por nenhum deles, como se o indivíduo provocasse o choque de seus diversos pertencimentos para assim conseguir se libertar.

Os sociólogos que elaboraram essa hipótese mostram que essa diversificação só pode ocorrer quando a homogeneidade social das castas se desfaz. Inversamente, essa homogeneidade só pode se desfazer e as diferenças individuais só podem emergir se os membros do grupo, os quais devem continuar a ter uma ideia daquilo que os une, daquilo que lhes é comum, deixarem para trás uma definição concreta de sua comunidade mediante uma identidade empírica proibindo toda divergência e abraçarem uma definição abstrata que permita e torne possível a expressão das diferenças individuais. Assim, um grupo que se define como uma casta de guerreiros, por exemplo, não pode tolerar que um de seus membros tenha um comportamento diferente, e a própria a ideia de tal fato é impossível, pois para cada um deles o comportamento próprio de um guerreiro é aquilo que o define e que lhe permite pensar sua relação com os outros. Mas se o grupo diversifica suas funções, ele passa a abrigar membros que não mais possuem o mesmo modo de vida e devem, então, recompor a definição daquilo que lhes é comum em um plano mais abstrato, menos preso a um componente empírico, estável e repetido: não somos mais guerreiros e sim cidadãos ou habitantes de uma cidade, definição de nossa comunidade que é compatível com uma pluralidade de comportamentos sociais, de crenças, de modo e de vida. A diversificação social é o que torna necessário o aparecimento de uma forma de representação mais abstrata daquilo que une os membros da sociedade, e quanto mais a natureza abstrata dessa representação se aprofunda, mais ela permite a diversificação, mais ela permite ver como semelhantes (e unidos por vínculos legais) indivíduos que têm funções profissionais, domicílios, crenças religiosas e hábitos diferentes. No limite desse processo de abstração, os indivíduos transcendem seus pertencimentos nacionais e só se reconhecem em uma característica comum, uma única essência comum, a qualidade de ser humano.

A hipótese sociológica é, portanto, que a diversificação social dissolve as castas, cuja dissolução, por sua vez, requer e produz uma representação mais abstrata do que é comum aos membros da sociedade; essa representação abstrata de nossa identidade, por sua vez, enfim, faz possível o aprofundamento da diversificação entre os indivíduos, tornando-se cada vez mais abstrata à medida que seus próprios efeitos se generalizam. A ideia central aqui é que as sociedades serão mais dinâmicas na proporção em que se tornem mais diversificadas e que seus membros circulem; indo de uma função a outra, em busca do ponto em que se realizará a adequação máxima entre as funções que ocupam e as capacidades que possuem, ou as disposições que demonstram. Uma sociedade perfeitamente complexa seria uma sociedade em que não mais existissem nem duas funções, nem dois indivíduos idênticos e em que cada membro, individualmente, poderia circular com uma fluidez perfeita em direção à função que mais lhe convém. Por outro lado, uma tal sociedade impõe dois requisitos: que ninguém fosse impedido de se dirigir para a função que lhe mais convém seja por déficit de formação, seja por falta de projetos; e que a representação abstrata da identidade comum aos membros fosse suficientemente perfeita para permitir que qualquer membro aspirasse obter qualquer função e pudesse ocupá-la desde que tivesse capacidade para tal. Delineamos, assim, o retrato de uma sociedade de indivíduos que seria perfeitamente dinâmica, já que seria perfeitamente fluída.

Essa fluidificação dinamizadora faz parte da essência das sociedades modernas, que são, por assim dizer, objetivamente formadas nesse sentido. Mas ao mesmo tempo, elas segregam efeitos de bloqueio que atrasam ou atravancam esse processo: os efeitos de casta continuam a existir, de modo que alguns persistem em privilegiar, para certas funções, membros de suas próprias famílias, por exemplo. A corrupção constitui um obstáculo à divisão ótima de indivíduos de acordo com as funções que mais lhes convêm; o racismo, o sexismo e os preconceitos de toda natureza são, também, obstáculos a essa gravitação estimulante dos indivíduos em direção às posições para as quais se encontram mais aptos, permitindo que a estrutura social seja de alguma forma subótima, ou que funções de prestígio e de comando sejam ocupadas por indivíduos que não são os mais qualificados nem os que mais merecem ocupá-las.

A instauração de um universo de direitos iguais e a luta contra todas as formas de discriminação aparecem, então, como o primeiro motor da fluidificação e da dinamização do conjunto social. Mas a falha no respeito rigoroso à igualdade de direitos não constitui o único obstáculo à diversificação dinamizadora, pois a sociedade moderna cria comportamentos próximos da imobilidade, comportamentos miméticos sob o efeito conjugado de três fatores: a pobreza, a falta de formação, a adaptação das preferências e das aspirações à situação objetiva. Esses três fatores têm por consequência o fato de que a estrutura social não reflete a dos talentos e que a distribuição dos indivíduos de acordo com as funções para as quais eles demonstram maior aptidão não é ótima; de certa forma, eles fazem com que a sociedade seja menos moderna do que poderia ser. E constata-se ainda que esses fatores que dissociam a estrutura das posições e das qualidades pessoais engendram fenômenos de desinvestimento e de ilegitimidade conforme a natureza adulterada e preconceituosa da concorrência social que eles contribuem a modelar: os que são excluídos devido a sua origem social, raça ou sexo não podem aderir a um sistema que só teria legitimidade a seus olhos se, em uma abstração perfeita, tratasse os indivíduos em função de seus méritos e atividades. Aliás, a polarização de riquezas e a consequente concentração de poder são um outro fator de deformação da estrutura dinâmica ótima, pois, novamente, as posições sociais se repartem não em função de qualidades pessoais, mas de dinheiro e influência, gerando, mais uma vez, consequências negativas para a legitimidade da ordem social e para a adesão dos cidadãos ao seu funcionamento.

As sociedades modernas engendram, então, por seu próprio movimento, fatores de freio e de imobilidade. Mecanicamente, elas condenam alguns de seus membros à imobilidade, seja por falta de meios materiais e simbólicos, seja pela incapacidade de se projetar em papéis valorizadores. Mecanicamente, ainda, a estrutura dos rendimentos produz efeitos de dominação prejudiciais a uma circulação ótima, impedindo que os mais qualificados ocupem as posições que lhes cabem ou, no mínimo, impedindo que a sociedade faça uma exploração ótima do acervo de talentos e capacidades entesourados em seu interior.

Já dissemos o suficiente para compreender que essa abordagem faz da justiça social um elemento essencial do dinamismo das sociedades de indivíduos e que ela legitima plenamente, sem recorrer a nenhuma premissa moral sobre a igualdade de valor dos indivíduos, uma vigorosa política pública de promoção da igualdade de oportunidades que deve assumir três formas principais: uma política de formação e de educação obrigatória e gratuita destinada a identificar talentos e incentivar cada indivíduo a desenvolver ao máximo suas possibilidades; uma política de proteção que neutralize as desigualdades em relação aos riscos de doença e desemprego, anulando assim os efeitos de dissuasão de projetos dos quais são necessariamente vítimas, na ausência de um seguro público, aqueles cuja situação lhes enseja uma maior exposição a tais riscos; enfim, uma vigorosa política de luta contra todas as formas de discriminação que impedem os indivíduos de atingirem as posições as quais suas capacidades lhes permitiriam atingir.

Definimos, assim, uma forma de progressismo que poderíamos chamar de não-ético: uma forma de apelo à justiça social que apresenta essa justiça não como um corretivo da sociedade de indivíduos, em nome de um ideal moral de igualdade que seria exterior a essa sociedade, mas como uma forma de apelo à justiça social vista no sentido de um aprofundamento dos princípios centrais da sociedade de indivíduos. Na realidade, é quando os membros dessa sociedade de indivíduos atingem o patamar máximo de igualdade, ou seja, quando nada além da capacidade e do mérito próprio impede um indivíduo de ocupar a posição e o nível de rendimento almejado, que essa sociedade atinge seu dinamismo máximo e demonstra sua capacidade superior de satisfazer às necessidades.

Nesse sentido, a redistribuição social que o progressismo advoga seria não uma maneira de dosar os princípios da sociedade de indivíduos, impedindo-a de produzir desigualdades, mas um modo de tornar tais desigualdades legítimas, equalizando as condições exteriores da luta da qual elas constituem o termo. No momento em que esse programa de justiça social se tornar realidade, as desigualdades associadas à sociedade de indivíduos terão cessado de tirar o sono do intelectual de esquerda, pois sua ação terá servido para torná-las legítimas. A única coisa que pode, de fato, aliviar sua consciência pesada por ter engendrado uma sociedade em que uns são muito mais ricos do que os outros é a luta em prol de uma forma de justiça em que as vantagens vão para os que as merecem.

Essa segunda forma de progressismo político é profundamente diferente da primeira, pois é bastante sensível à ideia de que o acaso desempenha um papel positivo nas interações humanas: os indivíduos só são inteligentes por enfrentarem incertezas, e a exposição ao risco constitui um fator de dinamismo. Nesse sentido, o caráter impessoal das regras é um elemento muito importante de uma sociedade em movimento, na qual os indivíduos não podem prever o modo como o funcionamento das regras irá afetá-los, nem garantir para si algum nível de rendimento ou de vantagem independentemente de seu comportamento.

Nessa segunda forma de progressismo, esse fator permanece positivo desde que os meios de que dispõem os indivíduos para afrontarem tais riscos não sejam divididos de forma iníqua, e a ideia central, nesse caso, não é garantir a cada indivíduo um determinado nível de recursos, mas garantir a cada um deles um arsenal de conhecimentos e de garantias para que enfrentem a incerteza.

Ademais, essa segunda forma de progressismo é igualmente sensível à noção de responsabilidade: uma vez quitadas as dívidas sociais e tornando-se equitativas as posições iniciais, cada um deve poder assumir as consequências de suas ações e a forma como o acaso as modifica, ao contrário da teoria que visa garantir a cada cidadão o montante de recursos necessários a uma existência autônoma, que chega a um impasse quanto à noção de responsabilidade individual.

Essa é uma das razões pelas quais essa forma de progressismo se encontra em declínio atualmente. É fato que a noção de responsabilidade individual é incrivelmente difícil de ser precisada diante dos problemas insuperáveis apresentados por uma teoria coerente da ação humana no conflito do determinismo e do indeterminismo, mas ocorre que a atribuição aos agentes da responsabilidade pelo que fazem constitui um componente insubstituível do modo como nos relacionamos.

Por outro lado, essa forma de progressismo descarta a hipótese evolucionista pura por ser sensível às questões de legitimidade. Ela considera que uma sociedade de concorrência pura é uma sociedade na qual certos membros não podem aceitar os resultados por estarem convencidos de que meios desiguais foram empregados no processo. A justiça social, logo a equivalência nos meios externos da concorrência, é uma condição de legitimidade, que, por sua vez, é um fator de estabilidade e adaptação.

Tradução de Ana Maria Lyra

Notas

  1. F. Furet, Le passé d’une illusion, essai sur idée communiste au XXème siecle (Paris, 1995). Edição brasileira: O passado de uma ilusão: ensaios sobre a ideia comunista. São Paulo, Siciliano, 1995. 
  2. Cf. S. Scheffler, “Natural rights, equality and the minimal state”, in J. Paul (Ed.) Reading Nozick, Essays on Anarchy State and Utopia (Totowa, New Jersey, 1981). 
  3. G.A Cohen, Selfownership, Freedom and Equality (Cambridge, 1989). 
  4. S. Scheffler, loc. cit. 
  5. S. Scheffler, loc. cit. 
  6. S. Scheffler, loc. cit. 
  7. Cf. Cohen, op. cit. 
  8. Scheffler, loc. cit: sobre a noção do arrependimento razoável, cf. R. Dworkin, Sovereiqn Virtue, The theory and practice of equality (Harvard UP, 2000). 
  9. S. Scheffler, loc. cit. 
  10. Cf. Dworkin, op. cit. Capítulo 3. 
  11. Cf. Sunstein, Designing democracy. What constitution do (Oxford UP, 2001). 
  12. Scheffler, loc. cit. 
  13. Rousseau, Contrato social, II, 11.Tradução brasileira, Martins Fontes, São Paulo, 2006. 
  14. Rousseau, Constitution pour la Corse, Oeuvres (éd. de la Plêiade, Paris 1967), III, 939. 
  15. Rouseeau, Economie politique, Oeuvres, III, 258; esse tema reaparece no século XIX exatamente nos mesmos termos e com uma evidente referência a Rousseau. Cf, por exemplo uma publicação anônima com a data de 1848 intitulada De l’egalité: “Para destruir insensivelmente estas desigualdades mostruosas que afligem hoje a sociedade, de modo a fazer desaparecer os opulentos e os indigentes. Esses dois estados naturalmente inseparáveis são igualmente funestos ao bem comum: de uma advêm os promotores da tirania e do outro os tiranos; é sempre entre eles que se faz o tráfego da liberdade pública: um compra e o outro vende.” 
  16. Sobre o conceito de liberdade como não-dominação, ver P. Pettit, Republicanism, A theory of freedom and government (Oxford, 1996). 
  17. Contrat social, II, 11. Tradução brasileira, Martins Fontes, São Paulo, 2006. 
  18. Contrat social, I, 9; Rousseau define tais limites da seguinte forma: « Sob os maus governos, esta igualdade (de convenção) é apenas ilusória, serve apenas para manter o pobre em sua miséria e o rico em sua usurpação. Na verdade, as leis são sempre úteis aos que as possuem e prejudiciais aos que nada têm. Donde se segue que o Estado Social só é vantajoso aos homens na medida em que todos têm alguma coisa e nenhum tem demais.» 
  19. Cf. Leo Loubere, Loui.J, Blanc, his life and his contribution to the rise of Jacobin socialism (Evanston, 1961). 
  20. Louis Blanc, Question d’aujourd’hui et de demain, t. V, pp. 50-51: « Partimos da premissa de que não há liberdade sempre que há desigualdade; e por quê? Pela simples razão de que, todas as vezes que as forças são desiguais, a luta conduz necessariamente a uma vitória e a uma conquista. E aí, o vencido é livre? Não, ele é oprimido. Consequentemente quando dizemos que é preciso que o forte e o fraco se associem em um sentimento de fraternidade, demandamos precisamente a liberdade, a liberdade de todos.» 
  21. Louis Blanc, L’organisation du travail, (Paris, 1843), p. 30. 
  22. Ibid, p. 31. 
  23. Louis, Blanc, Question d’aujourd’ hui et de demain, t. III, p. 220: « Ora, eles falam de liberdade e não entendem que a ignorância e a miséria constituem o mais duro de todos os tipos de escravidão. E chamam de sectários – termo pedido emprestado à gramática da inquisição – àqueles que colocam em primeiro lugar na hierarquia dos deveres sociais intervir para impedir a opressão dos que não saberiam – abandonados à fraqueza – se defenderem.» Blanc observa que a posição dos que rejeitam todo tipo de regulamentação faz pouco caso da regulamentação que prevalece nas sociedades da injustiça: «Eles consideram inatacáveis esse sistema imenso de regulamentação em virtude do qual um homem pobre, por ter nascido de outro pobre, não tem o direito a explorar um palmo de terra E recusam, sob o pretexto da regulamentação, qualquer reparação social a milhões de homens de quem, entretanto, demandam respeito e reverência diante da lei, regulamentação, se, como tal, regida pela hereditariedade, pela concentração de todos os instrumentos de trabalho.» 
  24. P. J. B. Buchez, Traité de politique et de science sociale; C. Pecqueur, Théorie nouvelle d’économie sociale et politique, ou étude sur l’organisation des sociétés, (Paris, 1842). 
  25. E. Cabet, Voyage en Icarie (Paris, 1840); Cf. V. Considerant, Le socialisme devant le vieux monde, (Paris, 1839), p. 26. 
  26. R. Castel, L’insécurité sociale (Paris, 2003). 
  27. E. Vacherot, La démocratie (Paris, 1859); C. Dupont White, L’individu et l’État (Paris, 1865). 
  28. Destutt de Tracy, Traité de la volonté et de ses effets (Paris, 1818). 
  29. Cf. M. Avril, La communauté, c’est l’esclavage et le vol, ou théorie de l’égalité et du droit (Paris 1848). Cf. sobre o assunto M. Angenot, La rhétorique de l’anti socialisme (Presses de l’université Laval, 2005); F. A. Hayek, The road to serfdom (Londres, 1943). 
  30. Cf. J-F. Spitz, Le Moment Républicain en France (Paris, 2005). 
  31. E. Durkheim, De la division du travail social (Paris, 1893); C. Bouglé, Les idées égalitaires (Paris, 1899). 

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