1992

Tempo = espaço = matéria

por José Leite Lopes

Resumo

Noções de matéria, espaço e tempo estão entrelaçadas no conhecimento das coisas. Em todas as civilizações antigas (babilônios, egípcios, maias, astecas), o espanto dos homens diante do universo estruturou modelos cosmogônicos, mas foram os gregos que pela primeira vez estudaram com precisão esses fenômenos. No século VI a.C., Tales de Mileto prediz um eclipse do sol. Pitágoras afirma que todas as coisas são números e, segundo Platão, só o pensamento nos faz conhecer o que existe. Com Aristóteles surge a física que descreve os corpos e seus movimentos, sobre a qual se apoiam as concepções de Ptolomeu e da Igreja católica. Esse universo finito e fechado, de esferas concêntricas, será rompido por Kepler, Galileu e Newton. Eles criam as bases da física moderna através do cálculo infinitesimal, das leis do movimento, da gravitação universal. Mas as noções de tempo e espaço absolutos, que ainda se mantêm, serão invalidadas pela teoria da relatividade de Einstein. Agora a constante universal é a velocidade da luz. O tempo se torna uma quarta dimensão, espaço e tempo são aspectos de uma mesma entidade. Além disso, a geometria do espaço é curva e o tempo depende do campo de gravitação. Com a mecânica quântica acrescenta-se uma relação de incerteza que admite, contra a flecha do tempo, que partículas de energia negativa possam evoluir para o passado. Assim o espaço-tempo é hoje um sistema complexo de matéria virtual e é desse estado de “gravidez” da matéria que nascem partículas novas.


INTRODUÇÃO

No mundo moderno em que vivemos, é certamente difícil reconstituir as sensações, as impressões que tiveram os primeiros homens em contato com a natureza.

A imensa variedade de corpos e acontecimentos que nos envolvem gerou as noções de matéria, de espaço, de tempo, fundamentalmente entrelaçadas no conhecimento das coisas. No estado de repouso e de movimento dos objetos — esta casa parada, aquela pedra atirada e que cai, o movimento do Sol, da Lua, no céu — estão intimamente associados os conceitos de lugar que ocupam sucessivamente os corpos — de espaço, de tempo.

Tempo, espaço e matéria são, pois, ideias que penetram o nosso conhecimento das coisas, desde o mais primitivo, e que evoluíram através de especulações filosóficas até as modernas investigações científicas que as integraram em um nível mais profundo de síntese, uma unificação que levou milênios para ser atingida.

O espanto dos homens diante do universo, o medo dos elementos, a contemplação, a admiração, geraram a noção de seres superiores, de deuses, responsáveis pelo mundo, estruturaram as religiões, os modelos cosmogônicos, os sistemas filosóficos. E, hoje, aprendemos o que puderam realizar aquelas civilizações, na Ásia, na Europa, na África, nas Américas, através dos seus monumentos culturais, de sua engenhosidade artística e tecnológica, dos documentos que sobreviveram e que refletiram seus modos de interação com o mundo.

“Em toda a história, nada é mais surpreendente nem mais difícil de explicar que a súbita eclosão da civilização na Grécia”, afirmou Bertrand Russell. Antes dos gregos, já os babilônios e os egípcios haviam feito, durante séculos, observações do movimento do Sol, da Lua em relação às estrelas fixas, e sabiam predizer eclipses lunares e solares. Enquanto os gregos, em geral, consideravam os corpos celestes como deuses, Anaxágoras afirmava que o Sol era como uma pedra aquecida ao vermelho e que a Lua era feita como a Terra. Os pitagóricos, no fim do século V a.C., estabeleceram que a Terra era esférica, e Eratóstenes, cerca de 200 a.C., calculou a distância máxima entre o Sol e a Terra.

Abu’Ali al-husan Ibn’Abdallah Ibn Siná, conhecido como Avicena, filósofo e médico persa, autor da Filosofia iluminativa e sistematizador do pensamento de Aristóteles, que transmitiu, afirmou: “O tempo é a medida do movimento”.

No Rans’il, uma enciclopédia de 51 volumes conhecida como o Corão depois do Corão, está uma lista de distâncias aos planetas em função do raio da Terra e dos seus tamanhos. Ali se diz: “O espaço é uma forma abstraída da matéria e que só existe na consciência”.

No século XVI, navegadores europeus descobriram a existência na América Central e na América do Sul, do planalto central do México à região dos Andes passando pela ilha de Marajó, de civilizações pré-colombianas avançadas: os olmecas e os toltecas, as civilizações de Teotihuacán, de Xochicalco, de monte Alban e de Tula, os maias e os astecas, no México e na América Central; os chibchas, os mochicas, a cultura nazca, o Império wan, o Império inca na América do Sul e, entre os séculos VII e XIV, a cultura marajoara no delta do rio Amazonas.

Após séculos de desenvolvimento da cultura nas civilizações antigas, coube aos gregos especular sobre a natureza das coisas, sobre as matemáticas, sobre os corpos celestes, sobre o mundo, desenvolvendo a imaginação, a arte, a filosofia.

OS GREGOS E ARISTÓTELES

A Pitágoras atribui-se a origem da palavra teoria, um estado de contemplação com afinidade e paixão. Em Tales, da Escola de Mileto, que predisse um eclipse do Sol em 585-84 a.C., encontramos a ideia da existência de uma substância primordial, da qual seriam feitas todas as coisas, fundando assim um modo de pensar científico. “Pensamos que, por terem aprendido dos egípcios, Homero e Tales consideravam a água como o princípio e a origem de todas as coisas.” Para Anaximandro, de Mileto, a substância primordial não é nem a água nem nenhum dos corpos conhecidos — ela é eterna e infinita e permeia a matéria de todos os mundos. Segue-se uma corte de filósofos que tentaram reduzir o mundo a elementos primordiais, tais como a terra, a água, o ar, e o fogo. Antecipando uma visão da física contemporânea, Pitágoras afirmava que todas as coisas são números — “os princípios dos números são os elementos de todos os seres, e o Céu, todo o Céu, é harmonia e números”.

Segundo Heráclito, que via no fogo a substância primordial, existiria no mundo uma unidade resultante da combinação de opostos — o um efeito de todas as coisas e todas as coisas resultam do um. Na física moderna, o modelo chamado bootstrap afirmava que todas as partículas entrariam na estrutura de cada partícula.

Na filosofia de Platão encontramos a cosmogonia exposta no Timeu: o tempo e o céu foram criados juntos. E os elementos fundamentais são formas geométricas — as mais belas formas —, sólidos regulares conexos construídos a partir de dois tipos de triângulos retângulos associados aos quatro elementos de Anaximandro. Segundo Platão, só o pensamento nos faz conhecer o que existe, criando e selecionando as ideias que resultam da percepção do real uma concepção ressuscitada por Albert Einstein, o criador da teoria da relatividade geral.

Werner Heisenberg, um dos fundadores da mecânica quântica, teve a ocasião de afirmar: “As partículas da física moderna são representações de grupos de simetria na medida em que nos lembram os objetos simétricos da filosofia de Platão”.

Com Aristóteles surge a física que descreve os corpos e seus movimentos tais como eles aparecem aos nossos sentidos. Todo corpo está naturalmente em repouso, o único estado que não precisa de causa. Seu movimento resulta de uma intervenção exterior, de uma violência, de uma força. Cessada esta, o corpo volta ao estado de repouso. Os corpos caem, a chama sobe, os corpos pesados caem mais depressa que os corpos leves. No vácuo, todos os corpos cairiam com igual velocidade — uma afirmação descoberta vinte séculos mais tarde por Galileu — mas, como isto lhe parecia absurdo, Aristóteles concluiu que não existe
o vácuo. Só os corpos celestes obedecem a leis precisas determinadas por Deus. O universo seria formado pela Terra, em repouso absoluto, em torno da qual girariam — o movimento circular e as esferas sendo expressões da perfeição — as estrelas fixas, a Lua, o Sol e os cinco planetas conhecidos dos gregos, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno. O cosmo seria, assim, finito e fechado, constituído de oito esferas concêntricas — os orbes — em torno da Terra, centro
privilegiado do mundo. Além das estrelas fixas — umas em relação às outras mas que giram em torno da Terra — estaria o reino de Deus, não existiria nem espaço, nem matéria, nem tempo.

A cosmologia de Aristóteles, adotada por Ptolomeu, foi incorporada pela Igreja cristã, que a transformaria na visão sagrada do mundo, pura, intocável, imutável, inviolável.

KEPLER, GALILEU, NEWTON

Críticos e adversários da dinâmica e da cosmologia de Aristóteles sucederam-se e entre eles Jean Philopan no século V d.C., Jean Buridan, Nicole d’Oresme, a escola dos nominalistas de Paris (século )(Iv), Leonardo da Vinci, Benedetti, e culminaram com Galileu Galilei.

No século XVII, com Johannes Kepler, Galileu e Isaac Newton, dá-se a grande revolução da qual nasceu a física moderna. Mas para esses sábios as coisas da natureza eram ainda criação de Deus. Kepler, no prefácio de sua obra Mysterium cosmographicum, escreveu:

Há, sobretudo, três coisas das quais não cessei de procurar as causas, as razões que as determinaram — e não outras —, trata-se do número, da grandeza e do movimento das órbitas. A bela harmonia que existe entre as coisas em repouso — o Sol, os astros fixos, os espaços intermediários — e Deus Pai, Filho, Espírito Santo, convenceu-me a realizar esta pesquisa.[1]

Um tom de rebeldia contra a Santa Igreja já se encontra na famosa carta de Galileu Galilei a Elia Diodati, enviada de Florença a 15 de janeiro de 1633:

Se eu perguntar: quem fez o Sol, a Lua, a Terra, as estrelas, seus movimentos e seus sistemas, me responderão sem dúvida: são obras de Deus. Se eu perguntar em seguida quem fez as Santas Escrituras, me responderão certamente que elas são obras do Espírito Santo, isto é, obra igualmente de Deus. Se eu perguntar, ainda: empregava o Espírito Santo palavras que contradizem a verdade de maneira flagrante a fim de adaptar-se à compreensão da multidão, a maioria das vezes ignara? Estou certo de que me responderão, referindo-se a todos os autores sagrados: é este, de fato, um hábito das Santas Escrituras, onde se encontram frases que, tomadas ao pé da letra, são pura heresia e blasfêmias, pois Deus aí aparece como um ser odioso, que se arrepende, que esquece. Mas se eu perguntar: será que Deus jamais modificou suas obras a fim de adaptarem-se à inteligência da multidão ou, ao contrário, não conservou sempre a natureza — essencialmente imutável e inatingível pelos desejos humanos —, o mesmo gênero de movimentos, de formas, de divisões do universo? Estou certo de que me responderão: a Lua será sempre redonda, mesmo se durante muito tempo ela foi considerada como achatada. Para resumir tudo isto em uma só frase: não se afirmará jamais que a natureza tenha mudado a fim de adaptar suas obras à opinião dos homens.

E em seguida: “Por que aplicaríamos as nossas pesquisas às palavras ao invés de às obras de Deus? A obra é ela menos augusta que o verbo?”.

Galileu teve a ousadia de fazer experiências para saber como caem os corpos e assim descobriu o princípio de inércia e as leis da queda dos corpos: do mesmo modo que o repouso não precisa de uma causa para se manter, o estado de movimento retilíneo e uniforme é um fato em si mesmo que não necessita de causa.

Ao descobrir as leis do movimento da queda livre dos corpos — a aceleração da gravidade dos corpos em um dado lugar da Terra não depende da massa nem da natureza dos corpos —, deu uma contribuição maior à mecânica desenvolvida alguns anos após sua morte (1642) por Isaac Newton e mais tarde à teoria relativista da gravitação descoberta por Einstein no período 1906-15. E sobretudo aboliu a dualidade de leis de movimento — as leis teleológicas dos corpos sobre a Terra e as leis divinas do movimento dos corpos celestes. Aboliu as esferas celestes, aboliu o espaço fechado. Nenhum físico terá palavras suficientemente grandiosas para qualificar a obra de Isaac Newton, o grande fundador da física moderna. Nos anos admiráveis, 1666 e 1667, da peste na Inglaterra, elaborou, em sua casa, os fundamentos das suas descobertas: o cálculo infinitesimal, as leis de movimento, a gravitação universal. Sua intuição genial — maçã que cai da árvore = pedra lançada e que cai = Lua que se move no céu — foi o fundamento da mecânica. Sua descoberta da composição espectral da luz revestiu-se do caráter de uma experiência moderna, pois submeteu os componentes monocromáticos da luz branca ao prisma para saber se eles eram também decomponíveis. Sua teoria corpuscular da luz antecedeu em mais de dois séculos a noção de fóton de Einstein.

É em Newton, em seus Principia mathematica, que encontramos explicitamente as concepções do espaço e do tempo.

O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, sem relação com nada de exterior, flui uniformemente e se chama duração. […] O espaço absoluto, sem relação com as coisas externas, permanece sempre similar e imóvel.

E, depois:

O movimento absoluto é a translação dos corpos de um lugar absoluto a outro lugar absoluto, e o movimento relativo é a translação de um lugar relativo a outro lugar relativo. Assim, numa barca movida pelo vento, o lugar relativo de um corpo é a parte da barca na qual se encontra este corpo ou o espaço que ela ocupa na cavidade da barca: e este espaço se move com a barca. […] Assim, se a Terra estivesse em repouso, o corpo que está em repouso relativo na barca teria um movimento verdadeiro e absoluto cuja velocidade seria igual àquela que tem a barca sobre a superfície da Terra; mas, a Terra movendo-se no espaço, o movimento verdadeiro e absoluto deste corpo é composto do movimento verdadeiro da Terra no espaço imóvel e do movimento relativo da barca sobre a superfície da Terra; e, se o corpo tivesse um movimento relativo na barca, seu movimento verdadeiro e absoluto seria composto de seu movimento relativo na barca, do movimento relativo da barca sobre a Terra e do movimento verdadeiro da Terra no espaço absoluto.

Diz ainda Newton:

Distingue-se, em astronomia, o tempo absoluto do tempo relativo pela equação do tempo. Pois os dias naturais são desiguais embora se os tomem usualmente como medida igual do tempo; e os astrônomos corrigem esta desigualdade a fim de medir os movimentos celestes por um tempo mais exato. É muito possível que não exista movimento perfeitamente igual, que possa servir de medida exata do tempo, pois todos os movimentos podem ser acelerados e retardados, mas o tempo absoluto deve sempre fluir da mesma maneira. […] A duração ou a perseverança das coisas é, pois, a mesma, quer os movimentos sejam rápidos, quer sejam lentos, e ela seria ainda a mesma quando não houvesse nenhum movimento; assim, é necessário bem distinguir o tempo de suas medidas sensíveis, e é o que se faz pela equação astronômica.

E, para concluir estas longas mas necessárias citações:

Os tempos e os espaços não têm outros lugares senão eles mesmos; e eles são os lugares de todas as coisas. Tudo no tempo, quanto à ordem de sucessão; tudo no espaço, quanto à ordem de situação. Aí se determina sua essência, e seria absurdo que os lugares primordiais se movessem. Estes lugares são, pois, os lugares absolutos, e a simples translação destes lugares faz os movimentos absolutos.

Com sua equação de movimento, que foi a base da física até os anos de 1920, com a lei da gravitação, desenvolveu-se a mecânica nos séculos XVII, XVIII, descrevendo-se os movimentos dos planetas, dos corpos celestes, dos corpos sobre a Terra; constituiu-se a mecânica celeste ao lado da mecânica sobre a Terra.

A gravitação, uma intuição genial, era uma ação a distância e isto o perturbava. Foi preciso esperar por Einstein, quando, em 1915, descobriu as equações relativistas do campo de gravitação.

EINSTEIN E O ESPAÇO-TEMPO

Depois de mais de dois séculos, com a descoberta das leis do eletromagnetismo, da teoria ondulatória da luz, a noção de espaço absoluto era idêntica à de uma substância translúcida — o éter cujas moléculas singulares vibrariam para dar lugar às ondas luminosas sem se opor ao movimento dos corpos celestes, em especial dos planetas em redor do Sol. Busca-se, pois, detectar, por efeitos ópticos de alta precisão, a velocidade da luz e da Terra em relação ao éter, o espaço absoluto. Com os resultados negativos, com o fato de que a velocidade da luz no vácuo tem sempre o mesmo valor, qualquer que seja o sistema de inércia tomado como referência, em todas as direções, caiu o princípio de relatividade galileano válido para as equações da mecânica (que são independentes dos sistemas S) quando aplicado às equações do eletromagnetismo. A memória de Einstein — Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento, de 1905 — funda a teoria da relatividade restrita. Aí ele começa por admitir como postulado os resultados da observação de que a velocidade da luz no espaço não depende do estado de movimento da fonte luminosa. E, ao lado deste, o princípio da relatividade — também enunciado por Henri Poincaré —, segundo o qual as leis da física são as mesmas qualquer que seja o sistema de inércia que se tome como referencial. Ao passar de um desses sistemas a outro em movimento retilíneo e uniforme em relação ao primeiro, os observadores na origem de ambos (que coincidem em um dado instante no qual luz é emitida de uma fonte) verão as mesmas leis, em particular, verão a propagação da luz emitida sob a forma de uma superfície esférica que se expande.

O princípio da relatividade e as leis de transformação correspondente das grandezas físicas — as transformações de Lorentz — proíbem a existência de critérios físicos, quaisquer que sejam, que distingam os dois observadores, o da Terra e o marciano em translação uniforme em relação ao primeiro.

Em sua memória, Einstein começa por analisar a noção de tempo. Afirma ele:

Se quisermos descrever o movimento de um ponto material, damos os valores das coordenadas como funções do tempo. Agora, devemos ter em mente com cuidado que uma descrição matemática desta espécie não tem sentido físico nenhum a menos que sejamos bem claros sobre o que entendemos por “tempo”.

Sem dizê-lo, ele começa por afastar-se da ideia de tempo absoluto, um conceito metafísico, de algo que flui uniformemente sem relação alguma com as coisas.

Temos de levar em conta que todos os nossos juízos em que o tempo toma parte são sempre juízos de acontecimentos simultâneos. Se, por exemplo, eu digo “Aquele trem chega aqui às sete horas”, quero dizer algo assim: “A marcação do número 7 pelo pequeno ponteiro do meu relógio e a chegada do trem são acontecimentos simultâneos”.

Postulando que o intervalo de tempo que a luz leva para ir de um ponto a outro é igual ao tempo gasto para voltar, ele dá uma definição de sincronismo livre de contradições e que conduz à comparação de tempos em diferentes pontos do espaço. Admite ainda Einstein, de acordo com a experiência, que a velocidade da luz no espaço vazio é uma constante universal.

Assim, um observador num laboratório inercial S descreverá acontecimentos em pontos de coordenadas x, y, z nos instantes t, enquanto outro observador em outro laboratório S’ usará as coordenadas x’, y’, z’, t’.

Einstein mostra que o postulado da relatividade exige que a luz emitida por uma lâmpada pelos físicos o e o’ quando coincidiram (o’ estando em movimento com velocidade constante segundo o eixo Ox) se propaga como uma esfera em expansão para ambos e com centros nos pontos o e o’ respectivamente.

As transformações de Lorentz permitem passar das coordenadas x, y, z e do tempo t do laboratório S às coordenadas x’, y’, z’ e ao tempo t‘ do laboratório S’ do marciano, e foram estabelecidas por Einstein, Poincaré e por Hendrick Antoon Lorentz (precedidos, entretanto, por Woldemar Voigt em 1887).

Quando a velocidade v é muita pequena em face de c elas se reduzem às fórmulas de Galileu.

Nestas, se recupera a noção de tempo absoluto de Newton: dois acontecimentos simultâneos para alguém serão sempre vistos como simultâneos por qualquer outro observador, qualquer que seja o movimento de seu laboratório.

Já nas fórmulas de Lorentz, o tempo depende do referencial. Se dois acontecimentos são simultâneos no laboratório S, separados pela distância x, não serão simultâneos para S’. Vista do laboratório S, uma explosão terá uma duração maior que a medida em S’ no qual ela está em repouso.

O espaço (x) se transforma em tempo (t‘) e vice-versa. Daí a noção de que o tempo é uma dimensão a mais de um espaço, a quatro dimensões, o espaço-tempo, a quarta dimensão.

Um ponto do espaço-tempo representa um acontecimento que se realiza no instante t no ponto do espaço ordinário; uma distância pode gerar um intervalo de tempo e vice-versa. Neste sentido, o espaço e o tempo são aspectos de uma mesma entidade e se distinguem essencialmente pelo sinal negativo nos três termos da expressão da distância entre o ponto x e o ponto x + dx.

Um comprimento medido no laboratório S’ por uma pessoa em repouso em S’ terá comprimento menor medido a partir de S, em movimento em relação a S’.

Se a teoria da relatividade, que acabamos de ver brevemente, estava no ar e recebeu contribuições de Einstein assim como de Henri Poincaré e de Hendrik Lorentz, já a teoria da relatividade geral se deve essencialmente a Einstein.

ESPAÇO-TEMPO E GRAVITAÇÃO

Entre 1907 e 1915, procurava Einstein a razão do papel privilegiado das referências de inércia: por que as leis físicas não mudam de forma quando se passa de um laboratório inercial a outro em movimento retilíneo e uniforme?

Que acontece quando se passa a um laboratório em movimento acelerado? Já Newton, há mais de duzentos anos ao defender sua ideia de espaço absoluto, fez a famosa experiência do balde, do vaso com água, suspenso por uma corda que sofreu uma tensão e que ao distender-se imprime uma rotação ao balde. Inicialmente, só o balde gira, e a superfície da água permanece plana; pouco a pouco o movimento se transmite à água que adquire, em sua superfície, uma forma de parabolóide. Depois, o vaso pára, mas a água continua em movimento, e a sua superfície é paraboloidal. Se o movimento é relativo, não se explicam as formas diferentes da superfície, quando o vaso está em movimento em relação à água e quando o vaso está em repouso e a água gira em relação a ele. Segundo Newton, a explicação é a ação do espaço absoluto em relação ao qual a água está em repouso, ou em movimento de rotação.

Leibniz critica esta interpretação, pois, segundo ele, o espaço não é senão o conjunto de posições possíveis dos objetos, e este conjunto não pode exercer ações físicas. Esta crítica de Leibniz foi ressuscitada por Ernst Mach no século passado. Segundo Mach é a rotação da água em relação à massa enorme do Universo que gera forças responsáveis pela forma da superfície da água. Esta intervenção de Mach suscitou em Einstein a ideia de que a força centrífuga gerada por essa rotação é uma forma de força de gravitação. Um dia, em meditação, pensou na experiência legendária de Galileu: os corpos caem com a mesma aceleração. Assim, para uma pessoa que cai com os objetos que a rodeiam, não há nenhum critério para que ele possa deduzir que se encontram no campo da gravidade. Este é eliminado na queda livre. Do mesmo modo, há equivalência entre um laboratório onde age a gravidade (uniforme) e outro laboratório onde não há gravidade mas que está em movimento uniformemente acelerado para cima com aceleração igual em intensidade à da gravidade. “Foi a reflexão mais feliz da minha vida.” E ela o levou a atribuir a um campo de gravitação a causa de uma aceleração e a reduzir este campo à forma da geometria do espaço-físico induzida pela matéria.

Admitiu então que a geometria do espaço, gerada pela matéria como pela energia, é a geometria do espaço curvo de Riemann e admitiu que o campo de gravitação é descrito pelo tensor da métrica, dado na distância entre dois pontos infinitamente vizinhos.

O tempo próprio de um observador é aquele em um referencial no qual este não se desloca. Vemos que na teoria da relatividade geral o tempo próprio é dado pela relação obtida fazendo dx 1 = dx 2 = dx 3 = O.

O tempo próprio passa a depender do campo de gravitação. Lá onde este é mais forte o tempo passa menos rapidamente: os habitantes do Rio de Janeiro envelhecem menos que os de São Paulo, e estes menos que os de La Paz, onde em virtude da altura o campo de gravitação é menos forte que o de São Paulo, e este é menos forte que o do Rio. Daí o paradoxo dos irmãos gêmeos, um dos quais, ao regressar à Terra depois de viajar para um corpo celeste, sofreu aceleração ao voltar e se encontra com o irmão que ficou na Terra, o qual envelheceu em relação a ele.

A FLECHA DO TEMPO

Objeto de discussão durante muito tempo foi o fato de que as equações que determinam os processos elementares na física não mudam quando se muda t em -t, isto é, quando envolvem para o passado. São as mesmas leis que operam quando o tempo flui normalmente para o futuro. Entretanto, os processos naturais evoluem de maneira irreversível: o atleta pula do trampolim para a piscina — e não volta, envelhecemos, a gota de tinta na água difunde-se e forma mistura homogênea. Lembramo-nos do passado e não do futuro.

A termodinâmica diz que os fenômenos ocorrem sempre com aumento da entropia — que determina uma flecha para o tempo. Na mecânica estatística, dizemos que processos inverossímeis — como o atleta na piscina que recebe subitamente energia e impulsão das moléculas da água e sobe para o trampolim — ocorrem, sua probabilidade não é zero, mas incrivelmente pequena, um acontecimento durante a vida do Universo, por exemplo.

O ESPAÇO-TEMPO DA MATÉRIA-ANTIMATÉRIA VIRTUAL

A mecânica quântica determina uma relação de incerteza ligando o erro do valor de um instante de desintegração de um átomo num estado excitado e o erro na sua energia.

Mais ainda. A teoria quântica interpreta a antimatéria — elétron positivo, antipróton, antinêutron, partículas de energia negativa (ou com energia positiva e carga oposta à das partículas correspondentes) — como partículas que evoluem para o passado com energia negativa. Um elétron positivo que se aniquila é interpretado como um elétron que marcha para o futuro e que num dado ponto sofre uma perturbação capaz de desviá-lo para o passado.

O vácuo, o espaço físico vazio, contém diagramas fechados de pares que se criam e se aniquilam. Assim, o espaço-tempo é um sistema dinâmico complexo, com uma infinidade de ciclos, portanto de matéria virtual. É desse estado de “gravidez” que nascem partículas novas, produzidas quando lhe injetamos energia suficiente, por isso há interesse nos aceleradores capazes de produzir altas energias.

Notas

[1] Werner Heisenberg, em La nature clans la physique contemporaine (Paris, Gallimard, 1962), reproduz trechos de documentos históricos, inclusive passagens do livro de Kepler.

    Tags

  • antimatéria
  • Aristóteles
  • civilização grega
  • Einstein e o espaço-tempo
  • Eratóstenes
  • Ernst Mach
  • espaço
  • espaço curvo de Riemann
  • física dos corpos e dos movimentos
  • física moderna
  • Galileu
  • gravitação e “gravidez” da matéria
  • Leibniz
  • leis da mecânica
  • Lorentz
  • matéria
  • mecânica quântica
  • modelos cosmogônicos
  • Newton
  • Pitágoras
  • Platão (Timeu)
  • Poincaré
  • Ptolomeu
  • Tales
  • tempo
  • tempo e espaço absolutos
  • Teoria da Relatividade
  • teoria dos quatro elementos
  • termodinâmica
  • velocidade da luz como constante universal