2015

As formas da violência mexicana no século XXI

por Gilles Bataillon

Resumo

A recente reescalada da violência no México impressiona. Se compararmos as taxas de homicídios entre 1990 e 2007 às que foram registradas entre 2008 e 2011, chega-se ao triplo de ocorrências! Esses homicídios foram, majoritariamente, resultado direto ou indireto de ações relacionadas ao narcotráfico. Se, para se cometer esse crime recorre-se à prática de corrupção envolvendo traficantes, policiais, políticos, e empresários, isso não é novidade. Mas é preciso levar em conta que a força e a expressão do narcotráfico no México são incomuns e não se pode negar que tal prática resulte na geração de um grande número de empregos indiretos, impactando na economia do país. Cada cartel tem uma rede de profissionais recrutados, indo do simples agricultor a engenheiros e técnicos agrícolas, químicos, contadores, advogados do crime, sicários com formação militar etc. Há também toda uma produção de bens e insumos que são consumidos pelo tráfico, o que movimenta a economia do país, sem contar a lavagem de dinheiro. A infiltração da indústria do crime na política, na economia e na sociedade é o que caracteriza o narcotráfico moderno e praticamente impossibilita que ele seja efetivamente combatido. Quando Vicente Fox assume a presidência em 2000, ele representa a esperança no desenvolvimento estabilizador, na abertura política e a democratização depois de 70 anos de governo do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Sob seu governo, vemos caírem os números de homicídios, mas ele não consegue executar as planejadas reformas anticorrupção. A violência torna a aumentar poucos anos depois, o que estimula movimentos independentes da sociedade onde o Estado se mostra fraco ou ausente, como as milícias de autodefesa financiadas por empresários e comerciantes locais em muitas cidades para fazerem frente aos sicários. Em 2011, Javier Sicilia, poeta e jornalista, lança o Movimento pela Paz e a Justiça na Dignidade depois de ter o filho assassinado junto com cinco outros jovens. Em 2014, 43 alunos estavam a caminho de Iguala, Guerrero, para protestar contra o governo quando foram detidos e entregues pela polícia a narcotraficantes para serem executados. O sequestro e execução de jornalistas nessa época também são corriqueiros, bem como a interceptação de emigrantes de países centro-americanos que se dirigem à fronteira dos Estados Unidos passando pelo México (eles logo são escravizados ou mortos pelos cartéis). O narcotráfico mexicano é, enfim, capaz de oprimir todas as classes sociais ao mesmo tempo em que está hoje muito mais integrado à sociedade do que antes. O mafioso astuto, meta de vida de muitos jovens, é romantizado: ele é o jogador assimétrico, o oportunista vulnerável. Seu limite lhe permite cometer as piores atrocidades, desde que preserve a família e os amigos.


[1]

O México do início do século XXI se caracteriza por um aumento desconcertante da violência. Enquanto se assistira a uma baixa constante e regular da taxa de homicídios de 1997 a meados dos anos 2000, o país conheceu uma espetacular progressão dessa taxa de 2008 a 2011, seguida de um pequeno decréscimo em 2012 e em 2013.

Figura 1. Taxas de homicídios por 100.000 habitantes em nível nacional (Fonte: Inegi)

Essa escalada da violência foi também acompanhada de numerosos casos de crueldades que pouco ou nada regrediram de 2011 até hoje. Esse rebrotar da violência está indiscutivelmente ligado ao aumento de poder e às ações de grupos criminosos implicados no narcotráfico e outras atividades ilícitas, que vão da extorsão e dos sequestros ao contrabando e à pirataria, assim como ao tráfico de pessoas. A violência se deve igualmente à guerra aos narcotraficantes e ao crime organizado declarada por Felipe Calderón no início de seu mandato em 2007. O clima de terror e de impunidade que reina no país abriu o caminho para uma banalização da violência corriqueira, que se multiplicou. Cumpre enfim notar que as violências e os abusos de poder das forças policiais e militares cresceram em proporções alarmantes sem que seus autores tenham sido responsabilizados, a não ser em raríssimas ocasiões. Se os policiais começam a ser incomodados pela justiça, os militares, que não são submetidos à justiça ordinária, não são nunca incomodados pelas jurisdições militares, salvo em raríssimas ocasiões. O massacre de Tlatlaya, ocorrido no Estado do México, em 30 de junho de 2014, é ainda um exemplo disso. Após uma primeira troca de tiros, 21 homens e uma mulher, supostos narcotraficantes, todos menores de idade, renderam-se ao exército. Em seguida, foram assassinados a sangue-frio[2].

A outra característica desses fenômenos é a importância que adquiriram nas representações coletivas e no debate público mexicano a partir do mandato de Vicente Fox (2000-2006), durante o de Felipe Calderón (2006-2012) e, mais ainda, após o massacre de Iguala, no estado de Guerrero. Lembremos os fatos, pois são característicos do confuso drama mexicano[3]. Em 26 de setembro de 2014, paralelamente ao comício da esposa do prefeito de Iguala, que lançava sua campanha para as próximas eleições municipais, estudantes radicais da Escola Normal de professores de uma localidade vizinha, Ayotzinapa, chegaram ao local. Segundo um roteiro tolerado ano após ano, eles vinham requisitar ônibus e táxis, e recolher doações destinadas a financiar sua viagem à capital, a fim de participar da comemoração de lembrança do massacre dos estudantes na Praça das Três Culturas em 2 de outubro de 1968, às vésperas dos Jogos Olímpicos. O prefeito pediu imediatamente ao chefe de polícia local que impedisse qualquer manifestação dos estudantes em Iguala. Este agiu com dureza, e três estudantes, mais três transeuntes tomados por estudantes, foram crivados de balas. Dois dos estudantes foram mortos de maneira extremamente cruel. Outros 43 foram detidos pela polícia municipal e entregues aos sicários de um grupo de narcotraficantes que dominam a região, os Guerreros Unidos – do qual o prefeito e sua mulher eram importantes figuras. Em seguida, os estudantes foram abatidos num aterro sanitário próximo à cidade. Depois desse sequestro, a polícia revelou-se incapaz de lançar luz sobre o destino dos quarenta e três desaparecidos. Pior ainda, suas múltiplas declarações deram a impressão de uma mistura de incompetência e vontade de deixar o caso apodrecer, por medo de questionar as Forças Armadas ou outros atores envolvidos nesse desaparecimento.

Se no final dos anos 1990 atos de violência como esses eram vistos sob o duplo registro da crônica policial ou de arcaísmos sociopolíticos fadados a desaparecer com o progresso da democratização e a modernização econômica do país, eles se tornaram, de certo modo, temas recorrentes do debate público e das conversas. Hoje, esse tipo de violência é abordado, geralmente de forma sensacionalista, nos canais de televisão e nas rádios. É também o objeto de inquirições regulares tanto na imprensa cotidiana, nacional e regional, como nos semanários: pensemos na corajosa revista de investigação Proceso ou no levantamento regular de homicídios e violências no jornal diário Reforma. Esses artigos, aliás, entram em ressonância com os da imprensa internacional, tanto de língua inglesa quanto espanhola. Muitos jornalistas mexicanos e anglo-saxões aprofundam ainda mais suas investigações em ensaios geralmente muito bem informados[4]. Se os cientistas sociais que trabalham com essas temáticas foram durante muito tempo raros ou ignorados pelas grandes revistas intelectuais como Letras Libres e Nexos, eles são agora mais numerosos, ao mesmo tempo em que as grandes revistas de ciências sociais organizam números especiais sobre a violência ou lhe dedicam estudos regulares. O mundo das artes também se apoderou do tema da violência e do narcotráfico. Os primeiros a nele se inspirarem foram sem dúvida os cantores populares dos grupos ditos norteños, dos quais os mais famosos são os Tigres del Norte. Os escritores não ficaram atrás. Trata-se, é claro, de autores de romances policiais, como o Élmer Mendoza de Balas de plata (Balas de prata, 2008), mas também de autores particularmente inovadores, como Carlos Velázquez, de La Biblia vaquera (A Bíblia vaqueira, 2008), ou Yuri Herrera, cujos romances Trabajos del reino (Trabalhos do reino, 2004) ou Señales del que precederán al fin del mundo (Sinais que precederão o fim do mundo, 2009) foram traduzidos e publicados nos Estados Unidos e na Europa. O cinema igualmente se interessou pelo assunto, em filmes de autores que tiveram uma difusão internacional e foram apresentados nos maiores festivais internacionais, como Amores perros[5], La Zona[6], El Infierno (O inferno)[7] ou ainda Miss Bala[8] e Colosio: el asesinato (Colosio: o assassinato)[9]. Há também centenas de narcofilmes série b rodados com poucos recursos, personagens da vida real e alguns atores, vendidos em vhs e depois em dvd, como Coca Inc., La hummer negra (A hummer preta) ou Me chingaron los gringos (Os gringos me xingaram)[10].

Mais que qualquer outro fenômeno político, essa escalada da violência abala a confiança que os mexicanos vinham depositando no futuro do país. Desde os anos 1930 reinava a ideia de que aos poucos, graças ao desenvolvimento estabilizador, à abertura política e à democratização, bem como ao tratado de livre comércio com a América do Norte, o país só podia progredir e acabaria por se integrar ao mundo dos países desenvolvidos. Mas, desde o final do mandato de Vicente Fox, essa ideia foi posta em dúvida. O futuro do país parece, ao contrário, muito incerto para um número cada vez maior de pessoas, e a emigração para a América do Norte ou a Europa apresenta-se para muitos, especialmente os jovens, como o único meio capaz de assegurar um futuro melhor.

Partindo dos trabalhos de jornalistas, de universitários e de ensaístas, tanto no México como no estrangeiro, gostaria de começar refletindo sobre a amplitude que esses fenômenos de violência adquiriram num contexto marcado, de início, por uma indiscutível renovação democrática. Começarei tentando traçar um panorama da violência, fazendo uma síntese dos numerosos dados fatuais acumulados sobre esses fenômenos. O que dizer dos homicídios em geral e, mais especificamente, daqueles ligados ao narcotráfico? O que pensar de suas evoluções? Como explicar esses números aproximando-os de outros fenômenos que não entram na contagem dos homicídios: sequestros, exposições ou desaparecimentos de cadáveres, torturas, ameaças, bloqueios nas estradas? De que maneira esse clima de violência reorganizou as condutas e as utilizações do espaço? Examinarei também como vieram à tona sentimentos de incerteza quanto ao futuro por causa da violência.

Num segundo momento, indagarei sobre as características sociais e a organização dos atores da violência, evidentemente os grupos criminosos e entre estes os narcos, mas também a polícia e as Forças Armadas, bem como outros meios sociais que vivem em contato e em conluio com o mundo da violência sem se mostrarem como parte ativa. Que relações esses meios estabeleceram uns com os outros, tanto na base da pirâmide social e na classe média como nos meios empresariais e nas elites políticas? Tomarei como exemplo Ciudad Juárez e províncias rurais como Michoacán ou Sonora.

Para concluir, examinarei um fenômeno que me parece central para compreender o contexto no qual a violência cresceu de forma notavelmente rápida nos anos 2007-2011: de que maneira as atividades dos narcotraficantes foram por muito tempo não apenas toleradas, mas aceitas e mesmo valorizadas por toda uma parte das elites, das classes médias e dos setores populares. De que maneira o enriquecimento ligado ao narcotráfico foi considerado uma forma legítima de ascensão social ou de enfrentar as dificuldades de situações socioeconômicas precárias. De que maneira o narcotráfico permitiu também a aquisição de bens de consumo que se tornaram marcas de reconhecimento social e de êxito. E de que maneira esses fenômenos revelam uma relação muito particular com a questão da igualdade socioeconômica e também com a questão do lugar da lei e da autoridade na comunidade política.

PANORAMA DA VIOLÊNCIA[11]

A elevação das taxas de homicídios que o México conhece de 2008 a 2011 oferece uma primeira ideia da amplitude da escalada dos fenômenos de violência. Enquanto desde 1992 a taxa de homicídios havia diminuído de forma regular e constante, tendo passado de 22 para 8 em cada 100 mil habitantes, ela triplicou de 2008 a 2011, atingindo a cifra de 24 em 100 mil. O fato é ainda mais impressionante porque essa taxa de homicídios não apenas aumentou brutalmente, mas atingiu níveis superiores ao dos anos 1970 e 1980 (Figura 2). Essa elevação não é um fenômeno isolado. Ao contrário, é acompanhada do crescimento de outras formas de criminalidade, como sequestros e roubos de carro, que aumentaram muito sensivelmente a partir de 2006, o último ano da presidência de Vicente Fox. Esse aumento do crime está em grande parte ligado à atividade do crime organizado. As estimativas do Sistema Nacional de Segurança Pública (SNSP) e as efetuadas por jornalistas do diário Reforma mostram que os assassinatos praticados pelos grupos criminosos duplicaram em quatro anos. Essa criminalidade em alta emparelha-se com maneiras novas de operar dos grupos criminosos: multiplicação dos atos de tortura (violações e mutilações), tanto durante os sequestros como antes de execuções, exposição de cadáveres (às vezes decapitados ou emasculados) ou de cabeças, jogadas no chão, abandonadas em veículos ou exibidas em outros locais. Enfim, em muitos casos os assassinos juntaram aos cadáveres mensagens, os famosos narco mantas, enunciando o motivo e as razões de seus crimes. Alguns divulgam também vídeos das torturas e das execuções das quais foram os autores, com uma crueldade e um senso de voyeurismo não muito diferentes daqueles exibidos nos sites da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico[12].

De 2003 a 2010, toda uma parte do território conheceu taxas de homicídios nulas ou muito próximas das dos países europeus, ou seja, inferiores a 5 em 100 mil: no leste do país, a península do Yucatán; no sul, uma parte

Figura 2. Taxa de homicídios por 100 mil habitantes em nível nacional (Fonte: Inegi)

dos estados de Chiapas e de Oaxaca; remontando em direção ao norte, os estados de Puebla, Tlaxcala, Hidalgo, Querétaro e, por fim, Coahuila, que faz fronteira com os Estados Unidos. Em contrapartida, a expansão da violência foi particularmente alta no terço noroeste do país, com exceção da maior parte da península da Baixa Califórnia, os estados de Sonora, Chihuahua, Sinaloa e Durango. Ela também se manifestou no nordeste do país, no Tamaulipas e nas partes norte e leste do estado de Nuevo León, vizinho do precedente. De 2003 a 2007, as zonas mais tocadas pela violência eram de dois tipos: 1) os maciços montanhosos da Sierra Madre e a costa do Pacífico, zonas de produção de entorpecentes (ópio e cannabis) e de passagem da cocaína que transita pelo mar desde a Colômbia; 2) as cidades da fronteira com os Estados Unidos, em disputa entre os diferentes cartéis. A partir de 2008 as lutas entre os cartéis ou as frações destes vão se acentuar e provocar lutas sem trégua pelo controle dos territórios em Sinaloa, Chihuahua e na cidade de Tijuana, na Baixa Califórnia. Elas prosseguem nos estados de Tamaulipas, Nuevo León, Michoacán e Guerrero a partir de 2010, tanto nas zonas urbanas quanto nas rurais.

Desde o início dos anos 2000, os narcotraficantes lançaram uma campanha de terror visando os jornalistas que relatavam seus crimes. Mais de uma centena deles foram sequestrados e assassinados, geralmente de maneira atroz. Foi tão grave a situação que, em alguns estados, os meios de comunicação locais desistiram de cobrir os atos de violência; apenas se arriscavam alguns correspondentes nacionais ou blogueiros que passaram a ser o objeto de uma perseguição implacável por parte do crime organizado. Um exemplo disso foi María del Rosario Fuentes Rubio, assassinada em 16 de outubro de 2014 em Tamaulipas. Esses jornalistas e blogueiros corajosos são cada vez mais vítimas de campanhas de difamação e de intimidação também por parte de autoridades que, em vez de protegê-los, procuram fazê-los calarem-se. A situação de violência é tal que o país se tornou, desde 2011, o mais perigoso do mundo para os jornalistas.

Outros alvos privilegiados dos criminosos foram homens políticos e policiais locais. Centenas deles foram assassinados sem que o Estado federal ou os governadores dos estados desenvolvessem ações de proteção em seu favor. Os responsáveis do Partido de Ação Nacional (PAN) e do Partido Revolucionário Institucional (PRI) só se alarmaram com esses homicídios quando as vítimas foram prefeitos de cidades importantes, candidatos a cargos de governador ou deputados federais, como Michel Gabriel Gómez, do PRI, e Braulio Zaragoza Magando, secretário-geral do PAN, ambos assassinados no final de setembro de 2014.

Nem todas as formas de violência estão ligadas ao narcotráfico, ainda que, a partir de 2008, essas ligações pareçam ter-se multiplicado. Assim, a capital, Cidade do México, e seus estados limítrofes, além do Michoacán, conheceram desde o final dos anos 1990 altas taxas de sequestros, mas os grupos criminosos responsáveis por eles geralmente não estavam implicados no narcotráfico. No norte do país (Chihuahua e Tamaulipas), o alto número de sequestros se deve ao fato de os narcotraficantes terem se lançado nessa atividade, deslocando ou integrando em suas redes criminosas os grupos que praticavam outrora sequestros. Os sequestros visam também migrantes centro e sul-americanos que passam por estradas mexicanas controladas por grupos criminosos ou quando atravessam a fronteira com os Estados Unidos. Às vezes esses sequestros resultam numa verdadeira escravidão, em que as vítimas são obrigadas a trabalhar para as redes criminosas. Quando elas se recusam a colaborar, são geralmente assassinadas, como foi o caso do massacre de San Fernando em Tamaulipas, em 2010, quando 72 centro-americanos foram friamente assassinados por membros do cartel dos Zetas[13].

As populações das zonas mais atingidas pela violência nos estados do norte do país reagiram primeiro pela migração, como prova o aumento espetacular de moradias vazias. Calcula-se que, de 2005 a 2010, nas regiões da Baixa Califórnia, Chihuahua, Nuevo Léon e Tamaulipas, pelo menos 420 mil pessoas abandonaram suas residências habituais. Em Sinaloa, 25 mil pessoas emigraram pelo mesmo motivo. Se os mais pobres são os mais expostos às violências dos narcos e às reações do exército, os ricos, mesmo contando com múltiplas formas de segurança privada, não se sentem mais protegidos. Assim, em Monterrey, muitos empresários se instalaram com suas famílias no Texas e agora só vêm ao México para curtas temporadas[14]. Além disso, todos os estados mexicanos atingidos pela violência viram seus habitantes limitarem seus deslocamentos ao mínimo necessário, ao mesmo tempo em que turistas mexicanos ou estrangeiros deixaram de frequentá-los.

No centro do país, especialmente nos estados de Michoacán e Guerrero[15], milícias de autodefesa surgiram a partir de 2011. Algumas, como em Cherán, se apoiaram na existência prévia de polícias comunitárias que foram reorganizadas e armadas nos municípios indígenas. Outras foram criadas por habitantes corajosos e exasperados pelas extorsões e violências dos narcos, sendo rapidamente financiadas por comerciantes e empresários locais e também por migrantes instalados nos Estados Unidos[16]. Como observou muito bem Salvador Maldonado a propósito da tierra caliente do Michoacán[17], o contexto no qual evoluem essas milícias é extremamente movediço. Em alguns lugares elas desferiram golpes muito duros nos sicários dos cartéis e se recusaram a qualquer negociação, como, por exemplo, integrar narcos arrependidos. Em outros, as situações são bem mais ambíguas por várias razões. Verificaram-se tentativas de infiltração, nas milícias, de gangues rivais daquelas diretamente combatidas e perseguidas. Alguns líderes milicianos são tentados a virar atores políticos locais, deixando de se ocupar estritamente da proteção contra o crime organizado. Os processos de negociação com os Estados regionais são dos mais complexos, como aconteceu recentemente no caso dos desaparecidos de Iguala; as elites políticas locais fazem, às vezes, verdadeiros pactos de conluio com os chefes dos narcos. Por fim, embora incapaz de proteger as populações locais, o Estado federal vê com maus olhos a ação dessas milícias. Procurando integrar à força essas milícias aos corpos de segurança nas zonas rurais, o Estado não hesitou em sancionar muito duramente alguns de seus líderes, como prova a prisão arbitrária e iníqua do doutor Mireles, no estado de Michoacán[18].

Paralelamente às milícias de autodefesa, apareceu em abril de 2011 o Movimento pela Paz e a Justiça na Dignidade (MPJD), lançado por Javier Sicilia, poeta e jornalista cujo filho foi assassinado junto a mais cinco outros jovens por narcotraficantes em Cuernavaca, no estado de Guerrero[19]. Toda a originalidade do MPJD e do eco que encontrou se devem a seus aspectos paradoxais. É ao mesmo tempo um movimento de reforma moral que apela a uma mudança de conduta e de orientação do Estado. Assim, Javier Sicilia pediu explicitamente ao presidente Peña Nieto para acabar com uma política baseada no confronto armado com os narcotraficantes e o crime organizado, em favor de uma ação pública que conjugue uma luta sistemática contra a corrupção e uma política de saúde pública para enfrentar os problemas desencadeados pela toxicomania. Do mesmo modo, pediu solenemente perdão aos migrantes centro-americanos por todas as violências que sofrem ao atravessar o país com destino aos Estados Unidos. O estilo das manifestações do MPJD, especialmente as marchas de Cuernavaca à Cidade do México, a Caravana do Sul ou sua turnê nos Estados Unidos, é uma mistura que lembra as marchas dos negros americanos contra a discriminação, os happenings e as procissões. Com isso o movimento fundou uma comunidade memorial e reparadora que une, como nunca antes, as vítimas da violência e suas famílias. Seus ativistas, apesar das diferenças entre si, esforçaram-se para conscientizar a opinião pública mexicana, mas infelizmente não o governo, quanto ao fato de os milhares de mortos dos últimos anos não serem delinquentes, e sim pessoas vítimas de abusos monstruosos tolerados pelo governo e pelas elites em razão da impunidade dos criminosos. Tal movimento foi também o primeiro a sublinhar que a restauração do monopólio estatal em matéria de uso da violência não significava necessariamente a criação de um Estado de direito.

Enfim, os protestos que ocorreram após o sequestro dos alunos e professores de Ayotzinapa abalaram como nunca, desde os anos 1980, a legitimidade do presidente da República. A mistura de inépcia da polícia, incapaz de lançar luz sobre os fatos mesmo depois de quatro meses de investigação, de ausência total de compaixão das autoridades pelas famílias das vítimas e das revelações das condições escandalosas da compra de uma mansão de luxo pela esposa do presidente levaram milhares de jovens a se manifestarem pedindo a renúncia de Peña Nieto. Mesmo sem encampar suas reivindicações, certos intelectuais renomados, favoráveis às reformas econômicas lançadas no início do sexênio, como Enrique Krauze, não deixaram de conclamar o presidente “a reconhecer seus erros e a pedir desculpas ao povo mexicano”[20]. Até a ONU, que sempre se destacou por sua prudência diante da escalada da violência no México, ressaltou a incapacidade do governo de tomar medidas adequadas para dar fim tanto aos desaparecimentos, que se multiplicam no país, quanto à prática rotineira da tortura pelas múltiplas polícias e pelas Forças Armadas.

A VIOLÊNCIA ENDÊMICA

Embora o recrudescimento da violência seja incontestável, é preciso sublinhar que ela apareceu num contexto extremamente confuso e não pode ser avaliada apenas em função das variações das taxas de homicídios. Notemos, em primeiro lugar, quanto a violência política marcou com sua influência o final dos anos 1980. Pensemos nas intrigas contra ativistas políticos que pediam o respeito ao sufrágio e na eleição totalmente fraudulenta de Salinas de Gortari à presidência mexicana em 1988. Lembremos também as perseguições feitas a sindicalistas independentes. Cumpre notar ainda que, se as taxas de homicídios baixaram regularmente dos anos 1940 ao início dos anos 2000, o número de roubos, que diminuíra paralelamente ao dos assassinatos, voltou a crescer a partir de 1980. A redução de homicídios dos anos 1940 aos anos 2000 se deve primeiro à diminuição de homicídios entre pessoas que se conhecem, o que indica o recuo de uma violência social entre indivíduos próximos num mundo extremamente hierarquizado, no qual os habitantes rurais predominavam até os anos 1960. Em troca, houve pouca ou nenhuma redução de homicídios ditos aleatórios, que acontecem em consequência de roubos em via pública ou em assaltos. A diminuição geral do número de homicídios se deve, enfim, a um melhor acesso aos cuidados médicos; ferimentos antes mortais agora não o são mais[21].

Foi tal o aumento dessas agressões nos anos 1980-2000 que não há ninguém que não tenha sido vítima de um assalto à mão armada, às vezes acompanhado de brutalidades e violências sexuais contra mulheres, ou que não conheça pessoalmente a vítima desses infortúnios. O medo dos sequestros cresceu nos anos 1990 por conta do surgimento de bandos extremamente violentos, como o dos Mochaorejas (corta-orelhas) no Estado do México. E, de fato, o temor da criminalidade pesa sobre todos os comportamentos cotidianos. As empregadas domésticas escolhem o melhor lugar para dissimular o dinheiro da semana quando voltam para casa utilizando os transportes coletivos. Membros da classe média não usam mais roupas ou joias de valor por receio de serem roubados. Temendo um sequestro, evitam pegar um táxi qualquer na rua e vivem no terror de serem assaltados quando vão a um caixa eletrônico. Os ricos se encerram nas cerradas[22], não frequentam outros lugares públicos senão as áreas de comércio abastadas e protegidas. Os centros comerciais e suas galerias vigiadas por seguranças privados se tornaram locais de passeio das classes médias. Assustados não sem razão pelas ameaças de sequestro com pedido de resgate, os membros das classes superiores enviam seus filhos para estudar em países estrangeiros e vão até lá passar suas férias.

A violência assume formas ainda mais espetaculares, que contribuem para disseminar um sentimento de instabilidade e insegurança. Cito sem ordem: linchamentos ocorridos no final dos anos 1980 e nos anos 1990 nas comunidades rurais ou na periferia urbana[23]; centenas de assassinatos no mesmo período atingindo homens em 87% dos casos, em Ciudad Juarez[24]; em 1994, o assassinato de Ruiz Massieu, cunhado do presidente da República, por instigação do irmão deste, e o homicídio jamais elucidado do candidato do PRI à presidência, Luís Donaldo Colosio. Também houve massacres de camponeses, como em Acteal, em Chiapas em dezembro de 1997[25], ou em Aguas Frías, em Oaxaca em 2002[26]. Finalmente, note que certas formas de tortura dos narcotraficantes fizeram sua aparição muito cedo. Em 1985, um agente do Departamento de Narcóticos dos Estados Unidos (DEA – Drug Enforcement Administration), Enrique Camarena, foi sequestrado e, em seguida, encontrado morto, após ter sido estuprado. Em 1988, a mulher e os filhos do narcotraficante Luiz Hector Palma, que após sua detenção aceitara colaborar com o DEA, foram não apenas assassinados: sua mulher foi decapitada e seus filhos foram jogados de uma ponte. Em 1994, os narcos utilizaram carros-bomba, em Culiacán e Guadalajara, para eliminar seus rivais, sem se preocupar com danos possíveis aos transeuntes.

Embora alguns observadores tenham comparado os fenômenos de violência e de crueldade mexicanos com seus equivalentes colombianos, as duas situações são muito diferentes sob vários aspectos. Conforme mostrou Fernando Escalante em Nexos[27], as taxas de homicídios colom-bianas sempre foram muito superiores às taxas mexicanas: são 35 por 100 mil em 1984 e aumentam regularmente até 1991, quando atingem 78 por 100 mil. Depois decrescem progressivamente: 60 por 100 mil em 2000 e 2001, 50 em 2003, 40 em 2007 e 32 desde 2010. Ou seja, as taxas mais baixas de homicídios colombianos correspondem às taxas mais altas registradas no México nos últimos anos. Além disso, a presença na cena política colombiana de atores como a guerrilha das Farc[28] ou os paramilitares não tem equivalente nenhum no México. Outra diferença importante: a Colômbia, graças a um estilo político descentralizado e a um Estado historicamente fraco, nunca conheceu um sistema de corrupção centralizado e hierarquizado como o que existiu durante o longo reinado do PRI; o que se concretizou lá foram múltiplos sistemas de arranjos locais.

É preciso enfim observar que, não obstante a legitimidade das inquietações e da angústia da opinião pública mexicana, as piores taxas de homicídios dos anos 2010 e 2011 ainda são muito inferiores às que prevaleciam de 1950 a 1962, por ocasião do início do desenvolvimento estabilizador no final da presidência de Aleman Valdés, na de Ruíz Cortines e nos quatro primeiros anos da gestão de López Mateos.

INCERTEZA E INSEGURANÇA

A grande novidade desses fenômenos de violência no México e um de seus aspectos mais devastadores residem no clima de insegurança e de incerteza que criaram para além da materialidade das experiências concretas e físicas da violência. Conforme vimos, muitos mexicanos se perguntam sobre o futuro e a viabilidade de seu país, perguntas que possuem três grandes formas. A primeira é sobre a capacidade do Estado de enfrentar a violência, de restabelecer sua autoridade sobre o conjunto do território e, por fim, de estancar o crime organizado. Essa interrogação surgiu em grande parte da frustração das esperanças suscitadas pela eleição de Vicente Fox à presidência da República em 2000. Pela primeira vez um líder da oposição, que falava uma linguagem nova e parecia próximo de seus eleitores, chegava ao poder. A maioria dos mexicanos, tanto eleitores do PAN quanto do Partido da Revolução Democrática (PRD), de esquerda, esperava que a mudança política engendrasse uma reforma das instituições que poria fim às múltiplas formas de corrupção e barraria a violência que se alastrava no país. Ora, seja por causa da inabilidade política de Fox ou da relação de forças desfavoráveis ao PAN nas duas câmaras, as reformas esperadas nunca aconteceram. Assim, os poderes judiciários continuam estreitamente dependentes do poder executivo em nível nacional ou dos governadores na federação, enquanto em matéria criminal a polícia não age a pedido de um ministério público independente, continuando amplamente instrumentalizada pelo poder executivo e os poderes locais[29]. Além disso, os sérios entraves à liberdade de associação, tanto em matéria política quanto sindical, impedem os eleitores de promover candidaturas que emanem da sociedade civil ou de criar novas formações políticas. Na melhor das hipóteses, eles podem se abster ou são condenados a votar, no nível nacional, em quatro partidos que, na prática, funcionam como um oligopólio detentor do monopólio legal do direito de concorrer ao sufrágio. Com isso, as velhas práticas de corrupção não só não desapareceram, como se tornaram moeda corrente no seio dos partidos de oposição ao PRI, principalmente nas fileiras do PAN, mas também nas do PRD. Pensemos nas negociatas da esposa de Vicente Fox e dos filhos dela, assim como no tráfico de influência no distrito federal que pôs em causa o secretário das finanças ligado a Andrés Manuel López Obrador, prefeito da Cidade do México e principal dirigente do PRD. Pior ainda, o novo governo não soube fazer frente à escalada da violência e dos narcotraficantes. A desconfiança em relação aos políticos foi crescendo à medida que estes pareciam antes de tudo desejosos de defender ou aumentar suas prebendas. Por fim, os primeiros efeitos desastrosos da guerra contra o crime organizado lançada por Felipe Calderón, no início de seu mandato (2006-2012), acabaram por persuadir os mexicanos de que o país estava preso numa espiral de violência em que a iniciativa pertencia aos grupos criminosos.

Essa perda de confiança no futuro do país foi alimentada também por dúvidas recorrentes, muitas vezes declaradas, de altos dirigentes dos Estados Unidos, assim como da mídia e de algumas ONGs norte-americanas, quanto à capacidade do exército e da polícia mexicanos de enfrentar o crime organizado. Segundo eles, o México estaria prestes a se tornar um failed state, um Estado falido. No entanto, esses dirigentes estadunidenses nunca puseram em causa seu tipo de ação e de cooperação com o México. Tudo não passou de grito de ameaça. Uma segunda forma de duvidar do futuro do país consistiu em perguntar se a estratégia adequada para enfrentar a violência não seria negociar com os grupos criminosos. Esse tipo de raciocínio alimentava-se de uma nostalgia pela maneira como o PRI por muito tempo enfrentou o crime organizado e especialmente o narcotráfico: fazer alianças com eles através de toda uma série de pactos de corrupção. Essa solução permitia uma espécie de paz civil e ingressos de dinheiro que ajudariam a economia do país. Tal esquema gozou de certa boa vontade por parte da opinião pública, pois alguns jornalistas, muito bem informado[30], mas sem provas concretas[31], deram crédito à ideia de que a guerra contra o crime lançada pelo presidente Calderón visava também enfraquecer certos cartéis em proveito do mais antigo deles, o dos Sinaloans, para no final melhor pactuar com ele. Essa visão das coisas, aliás, pesou amplamente em favor da eleição do atual presidente da República. De fato, diante do incremento da violência após a guerra lançada por Calderón, muitos mexicanos apostaram que este voltaria às velhas práticas de conciliação com o crime organizado dos anos do PRI.

A dúvida sobre a viabilidade do país se alimentou também da ideia de atribuir aos narcotraficantes propósitos político-militares, considerando suas ações como momentos de uma insurreição criminosa. Como escreveu Ioan Grillo[32], ao exercerem um poder de fato em algumas regiões, os narcos seriam governos locais fantasmas que, com o tempo, poderiam transformar o Estado mexicano num Estado cativo. Tal sentimento se verifica particularmente nas regiões onde formas extremas de violência e crueldade se tornaram experiências cotidianas. Também aí, nada permite sustentar tais hipóteses. Os cartéis da droga não têm de modo algum um projeto global de refundação do país, como o tiveram em seu tempo as Farc colombianas; querem apenas impor a qualquer preço e por todos os meios seus monopólios nas atividades de contrabando e extorsão[33].

Enfim, como vimos, a atitude do presidente Peña Nieto, após o massacre de Iguala, não se mostrou, para dizer o mínimo, condizente. O presidente foi incapaz de ir a Iguala para se solidarizar com as vítimas do massacre, por receio de ser vaiado pelos habitantes. A polícia foi particularmente ineficaz no seu inquérito e multiplicou os vícios jurídicos no momento da detenção dos autores intelectuais desse massacre. Além disso, a revelação simultânea das escandalosas condições de aquisição da moradia de sua esposa não apenas desacreditaram ainda mais o chefe de Estado mas confirmaram que ele era incapaz de encontrar os gestos adequados para restaurar a confiança no Estado.

A POROSIDADE DAS FRONTEIRAS E NTRE O MU NDO LEGAL E O ILEGAL

Se as ciências sociais por muito tempo se abstiveram de qualquer reflexão séria sobre a porosidade das fronteiras entre a polícia e o crime organizado, ou sobre a propensão à corrupção dos meios políticos e de negócios, a imprensa mexicana e ensaístas como Gabriel Zaid[34] vêm chamando a atenção para esses fenômenos e, de uma década para cá, as ciências sociais também se ocupam do tema. Diferentes inquéritos mostram que, durante a segunda metade do século XX, nem os altos dirigentes políticos nem os da polícia buscaram verdadeiramente erradicar o crime organizado. Ao contrário, tentaram controlá-lo e freá-lo por meio da corrupção e da negociação com as redes delinquentes[35]. O objetivo era duplo: enriquecer pessoalmente e utilizar os criminosos como agentes de operações da baixa polícia contra os opositores do PRI. De certo modo, o caso do chefe de polícia do presidente López Portillo (1976-1982), Arturo Durazo, um de seus velhos amigos e, sem dúvida, um dos mais corruptos chefes de polícia mexicanos, é exemplar dessa maneira de proceder. Sua única inovação, em relação aos predecessores ou aos sucessores, foi sistematizar e exacerbar práticas por muito tempo consideradas pelo conjunto da sociedade mexicana como inevitáveis, mas funcionais, pois asseguravam certa ordem pública. Partindo de uma frase de Durkheim, “o crime é normal porque uma sociedade isenta dele é totalmente impossível”[36], muitos responsáveis políticos fizeram disso um sofisma, justificando todas as acomodações e conluios com o crime organizado. Esses pactos eram moeda corrente do topo à base da escala político-administrativa. Os governadores acobertavam os prefeitos, desde que os conluios não fossem muito evidentes, e o poder federal agia do mesmo modo com os governadores.

A corrupção na polícia está longe de ser um exemplo circunscrito e atípico nos costumes em vigor no México. Pensemos num fenômeno que as ciências sociais e a imprensa também evitam abordar, o das fortunas dos homens políticos e seus familiares, principalmente dos presidentes da República. Até pouco tempo atrás, estes não tinham obrigação alguma de declarar o montante de seu patrimônio, nem no início nem no final do mandato. Segundo um adágio mexicano, no primeiro ano de seu mandato o presidente instala seus homens nos postos-chave e consolida seu poder, nos quatro anos seguintes governa e, no último, rouba. Parece algo deplorável, mas no final é aceito não só pelo presidente da República mas também por governadores, prefeitos e vereadores.

Até o final dos seis anos de Gortari (1994) reinava a ideia de que essas práticas permitiam o desenvolvimento com estabilidade e, por fim, o enriquecimento geral. A fortuna dos de cima contribuía para aumentar a fortuna de todos. Era uma ideia não muito diferente do fenômeno chamado trickle down por alguns economistas liberais[37]. O imaginário consensualista e de certa forma meritocrático do PRI dava a entender que o grande sistema de negociações e ajustamentos desse corporativismo autoritário, mantido com mão de ferro pelo presidente da República, com o tempo daria a todos, ou aos mais merecedores, sua chance. Na pior das hipóteses, com o desenvolvimento ajudando, cada um teria sua parte. Foi preciso esperar os escândalos no final da presidência de Salinas de Gortari para que esse enriquecimento ilícito fosse questionado e visto como um caminho para o caos e a imoralidade. Pois como acreditar que o irmão do presidente da República estivesse em conluio com poderosos narcotraficantes sem que seu irmão soubesse? É difícil imaginar que este último ignorasse o enriquecimento do outro. Na verdade, os poucos inquéritos, feitos sempre da forma mais discricionária contra inimigos políticos dos presidentes que entram em função e desejosos de mostrar seu poder, revelaram quanto a mistura de abusos de bens sociais, propinas e outros delitos constituem um hábito de boa parte da classe política mexicana.

A partir do final dos anos 1980, a abertura política e os progressos da oposição tanto de esquerda, o futuro PRD, quanto de centro-direita, o PAN, nas eleições municipais, mas também nas câmaras locais ou nacionais e nos cargos de governador, tiveram efeitos muito paradoxais. A corrupção deixou de ser o apanágio do PRI para espalhar-se por todos os partidos e em todos os níveis político-administrativos, enquanto paralelamente se manifestava o imaginário democrático da alternância e da transparência. O PAN e o PRD não tardaram a adquirir exatamente os mesmos hábitos clientelistas e prevaricadores que o PRI, embora muitos de seus eleitos tivessem inicialmente feito campanhas para acabar com eles, como, por exemplo, Vicente Fox no estado de Guanajuato[38]. Além disso, certas mudanças no modo de votação e em particular a introdução de determinada proporcionalidade nas eleições para a Câmara e o Senado – as listas plurinominais dos diferentes partidos – permitiram às vezes a entrada na classe política de figuras as mais duvidosas, representando, entre outros, o interesse de grupos monopolistas da televisão[39].

Dois fenômenos favoreceram ainda mais amplamente o conluio entre economia legal e ilegal: a assinatura do Tratado de Livre Comércio (tlc) com os Estados Unidos e o Canadá e as mudanças nas formas de introdução da cocaína nos Estados Unidos. A assinatura do tlc possibilitou o aumento do tráfico por caminhão entre México e Estados Unidos, tanto de produtos fabricados nas maquiladoras como também de certos produtos agrícolas. Além disso, os efeitos da política antidrogas dos Estados Unidos com a Colômbia foram duplos: tornaram mais difícil a introdução da cocaína via Flórida e ilhas do Caribe e enfraqueceram os cartéis colombianos, que se dividiram em entidades menores e menos poderosas. Como seu país virou então um ponto de passagem obrigatório, os transportadores mexicanos passaram a ser os atores dominantes do mercado. Esse novo contexto favoreceu um boom da economia da droga tanto nas zonas produtoras de ópio, maconha e drogas sintéticas quanto nas zonas de passagem entre o México e os Estados Unidos. Por fim, nos últimos anos da década de 1990, o fim do monopólio político do PRI e a eleição de governadores e prefeitos de oposição facilitaram o trabalho dos cartéis mexicanos. Estes não precisavam mais negociar com um partido-Estado, o PRI, que, como se dizia, dispunha do serviço completo, com plenos poderes em todos os níveis, mas poderes fragmentados e rivais, portanto, passíveis de corrupção com menor custo.

Esse boom não se limitou de maneira alguma aos meios criminosos, mas afetou amplos setores da sociedade mexicana. Como mostrou Sabine Guez[40], retomando uma imagem de Howard Becker, a produção ou o comércio internacional de entorpecentes necessita de atividades de reforço que mobilizam, a montante ou paralelamente, muitas outras profissões[41]. Parlamentares mexicanos calcularam, em 2013, que as atividades ligadas de uma maneira ou de outra ao tráfico de drogas representavam um quinto dos empregos no país; isso em comparação com a exploração petrolífera[42]. A jusante, os benefícios gerados pelo tráfico favorecem múltiplos setores de atividades, para alguns perfeitamente legais. Os traficantes precisam de motoristas e pilotos, veículos, barcos, aviões e pessoal encarregado de sua manutenção. Não podem agir sem cumplicidade nas aduanas e polícias tanto do México quanto dos Estados Unidos e também, quando o tráfico é aéreo ou marítimo, em organismos de controle desses espaços. Se os primeiros produtores de maconha e ópio, no Triângulo de Ouro mexicano[43], eram camponeses iletrados recrutados no local, a coisa evoluiu muito desde então. Continua havendo a necessidade de uma mão de obra pouco qualificada que colha a maconha e o ópio, os quais depois são transportados nas costas por homens que atravessam o deserto da fronteira. Essa mão de obra é hoje bem mais numerosa e geralmente provém do sul do país ou mesmo da América Central. Mas ao lado dela surgiu um pessoal qualificado e às vezes saído das melhores escolas: engenheiros e técnicos agrícolas, químicos e contadores. Se muitos sicários ou guardas dos narcotraficantes têm pouca ou nenhuma formação, há outros que, como ex-militares guatemaltecos ou mexicanos, provêm de grupos de elite desses dois exércitos. São combatentes não apenas aguerridos mas também especialistas em transmissão e escuta. Além do mais, utilizam armas e sistemas de transmissão sofisticados, que nada ficam devendo aos da polícia e do exército. O comércio varejista da droga precisa também de distribuidores nos meios sociais os mais diversos, nos Estados Unidos e no México. Há, enfim, uma série de advogados penais talentosos que trabalham para o crime organizado. A essas profissões que participam diretamente da economia da droga, e sem as quais ela não poderia existir, juntam-se as que vivem dela a jusante. Bancos, casas de câmbio e indústria da construção, tanto no México como nos Estados Unidos, fizeram e continuam a fazer excelentes negócios[44]. As concessionárias de automóveis fornecem um número considerável de 4×4 de luxo nas zonas de produção ou de passagem da droga. As melhores vendas de caminhonetes Hummer ocorrem nessas regiões. Os joalheiros não vendem apenas armas com coronhas de ouro, mas também joias e enfeites de luxo aos membros das famílias de narcotraficantes. O mesmo se observa em relação aos vendedores de roupas ou de botas. Os confiscos efetuados no momento da prisão de certos narcotraficantes revelam a importância desse consumo ostentatório[45]. Músicos e vendedores de instrumentos musicais e material sonoro, donos de restaurantes e gerentes de bordéis vivem em grande parte dos movimentos da economia da droga. Enfim, o mundo das corridas de cavalos e das rinhas de galos também se vale de rendas obtidas do narcotráfico.

Esse boom do dinheiro sujo apagou amplamente as fronteiras entre as pessoas decentes e o mundo do crime, tanto nos vilarejos rurais quanto nas metrópoles da fronteira. Em localidades rurais como Altar, vilarejo de Sonora estudado por Natalia Mendoza Rockwell[46], as acomodações ocorreram sobre um fundo de sociabilidade próxima e relações de parentesco. A participação no narcotráfico de modo nenhum provocou sanções sociais contra os envolvidos, embora eles e suas famílias fossem conhecidos. A desconfiança e o estigma tinham por alvo os estrangeiros, gente vinda de estados vizinhos – por exemplo de Sinaloa para os habitantes de Sonora – ou de municípios afastados de San Gertrudis. Algumas organizações, como La Familia ou os Caballeros Templarios no Michoacán, usaram tal linguagem para desacreditar seus rivais quando eles quiseram se instalar na região[47]. Em vários municípios, a polícia e as autoridades locais fecharam os olhos para as atividades de gente do lugar, sem terem sido compradas. Às vezes, avisam espontaneamente parentes ou amigos da chegada de inspetores federais, a fim de preservar a tranquilidade da comunidade. O arranjo consiste geralmente em fechar os olhos, pedindo aos narcotraficantes para não criar problemas no município. Nas cidades maiores, a polícia local ou os vereadores mostram condutas semelhantes, avalizando atos de corrupção em boa e devida forma. O caso é ainda mais nítido na polícia federal, entre responsáveis do exército, das aduanas e do controle aéreo. As elites econômicas tradicionais também se aproveitam amplamente do maná da droga. Alguns trabalham na lavagem do dinheiro e participam, sem se questionar, das atividades de reforço. Para as classes populares, o trabalho ocasional de passar a droga aos Estados Unidos e outras pequenas tarefas permitem atenuar dificuldades financeiras ou melhorar seus rendimentos e entrar no mundo do consumo de aparelhos eletrodomésticos, motocicletas e automóveis. Aos poucos, nas cidades da fronteira, no Triângulo de Ouro ou em certas zonas de Michoacán e de Guerrero, as atividades ligadas ao tráfico da droga se tornaram tão corriqueiras quanto qualquer outra. Interrogadas por suas professoras, crianças de Altar declararam sem pestanejar que quando crescessem queriam ser mafiosos. Nos bailes locais, os narcos deixaram de ser parceiros por princípio rejeitados pelas moças, e isso em todos os meios sociais, dos mais humildes aos mais abastados. Mesmo não tendo boas maneiras, eles podiam ser noivos ou maridos inteiramente aceitáveis.

Se o apagamento das fronteiras entre o legal e o ilegal atingiu o auge enquanto os confrontos entre os diferentes grupos de narcotraficantes permaneciam limitados e circunscritos, a multiplicação dos acertos de contas sangrentos e a guerra contra o crime organizado, lançada por Felipe Calderón e prosseguida por Peña Nieto, de modo nenhum puseram fim às imbricações entre a economia da droga e suas atividades de reforço. Essas imbricações apenas se tornaram mais discretas, e algumas delas mais difíceis. A boa sociedade já não aceita com o mesmo impudor o crime organizado. Como mostrou Salvador Maldonado num de seus mais recentes trabalhos sobre Michoacán[48], a escalada da violência durante o mandato de Felipe Calderón teve por efeito paradoxal apagar as fronteiras entre os detentores da autoridade legítima e certas organizações criminosas. Assim, na região de Uruapán, algumas delas instauraram uma ordem mínima contra seus rivais e, mais ainda, contra a pequena criminalidade. Temendo ao mesmo tempo essas organizações e aceitando-as em função das circunstâncias, as populações, em certos lugares, passaram não só a acomodar-se, mas a recorrer a elas. Assim, alguns não hesitam mais em indicar-lhes pessoas suspeitas de crime de direito comum para que sejam castigadas. Mulheres podem também recorrer a elas contra maridos violentos ou infiéis. Por outro lado, a mistura de arbitrariedade e violência desmedida com que as forças da ordem agem muitas vezes, o emprego quase sistemático da tortura contra os suspeitos, além da ausência total de proteção das testemunhas que denunciam os delitos dos narcos e daqueles ligados a eles[49], contribuíram para que as populações as julguem e ajam em relação a elas com o mesmo oportunismo desconfiado que costumam ter com os grupos criminosos.

HÁBITOS TRADICIONAIS E NOVA IDEOLOGIA DA GLOBALIZAÇÃO

As atividades ilegais e as violências a elas associadas de uns dez anos para cá permanecem incompreensíveis se não analisarmos suas afinidades eletivas com dois tipos de concepção da fortuna, do trabalho e do indivíduo, um muito enraizado nos hábitos latino-americanos, o outro amplamente promovido e sustentado pelas desregulações neoliberais e pela globalização.

Como explicou muito bem Danilo Martucelli num ensaio recente[50], se o modo de produção capitalista imprimiu claramente sua marca nas relações sociais do subcontinente latino-americano, o trabalho não teve um papel central nos processos de constituição e definição dos indivíduos. A comunidade de origem étnica ou regional e a religião são tão importantes para a definição dos sujeitos quanto o trabalho. Assim, nas regiões onde o narcotráfico se tornou uma atividade muito lucrativa, essa atividade não é suficiente para dar um status aos que fizeram dela sua profissão. O status de um indivíduo permanece antes de tudo definido por suas origens geográficas ou pela condição de sua família. Em Altar, um mafioso – termo que designa os narcotraficantes – será considerado um homem do lugar ou um membro de uma família rica. Se for estigmatizado como narco, esse qualificativo sublinhará sua condição de estrangeiro ao município ou seu pertencimento a uma família pobre, não sua participação numa profissão ilegítima. Martucelli observa que essa representação do trabalho se articula com uma representação da riqueza que faz desta não o fruto do labor, mas um dom da natureza. Os recursos naturais minerais, silvestres ou agrícolas são vistos como tesouros dos quais se tira proveito, nunca como ingredientes ligados a uma valorização que supõe uma soma de esforços pessoais. Assim, mesmo no mundo ranchero dos criadores de gado, em que o trabalho e o esforço são valorizados, a riqueza conserva intrinsecamente um caráter fortuito. As atividades ligadas ao narcotráfico são vistas da mesma forma. Não são de modo algum atividades rotineiras e regulares, mas bons negócios nos quais a sorte desempenha um papel capital. As letras dos narco-corridos[51] põem em cena o imaginário do jogo e do desafio que caracteriza os contrabandistas. Essas canções exaltam homens audaciosos que arriscam tudo[52].

As atividades ligadas ao narcotráfico também se adequam perfeitamente a uma representação que considera o indivíduo como um jogador assimétrico ou um oportunista vulnerável. As pessoas agem num mundo instável em que as regras do jogo desfavorecem os de baixo e ainda por cima são constantemente refeitas em favor dos poderosos. Donde a necessidade imperiosa de se mostrar audacioso. É preciso ser sempre esperto para se impor e se proteger. As letras dos narco-corridos ou as imagens dos filmes narcos, em voga no norte do México ou entre os migrantes instalados nos Estados Unidos, são um excelente exemplo disso. Certa vigarice é de praxe e, em alguns casos, os comportamentos mais infames são aceitos, contanto que não se exerçam às custas de amigos e familiares, mas, senão, os beneficiem. Estamos num universo muito próximo do amoralismo familiar descrito por Edward Banfield na Sicília[53]. Aqui o indivíduo não é apoiado por instituições que fixam regras e produzem normas que se aplicam mecanicamente e protegem todos. Ao contrário, é apoiado por indivíduos que são membros de redes que fazem deles oportunistas. Desse ponto de vista, uma parte da classe empresarial mexicana e as empresas multinacionais prosperaram sem vergonha alguma num mundo de mercados desonestos, de subornos, buscando antes de tudo seus interesses de curtíssimo prazo[54].

O indivíduo, enfim, é, para retomar os termos de Martucelli, um “ator metonímico”. A questão não é tanto, nota ele, a do surgimento do indivíduo, mas a da radicalidade de sua presença. Os indivíduos estão, de certa forma, “à frente” das instituições, ausentes ou fracas. De fato, mesmo em situações autoritárias e ditatoriais, as hegemonias dos grupos dominantes nunca foram perfeitamente estabelecidas. Da mesma forma, os aparatos estatais tiveram, no mais das vezes, um funcionamento caótico e irregular. Estamos longe das burocracias eficientes e competentes teorizadas por Max Weber. A instituição de regimes democráticos que proclamam direitos e dão aos indivíduos o sentimento de terem “o direito de ter direitos” (H. Arendt) acentua as tensões entre os indivíduos e instituições tradicionalmente fracas que os protegem de modo insuficiente.

Eis aí todas as temáticas da anomia cândida e do país à margem da lei enunciadas pelo jurista argentino Carlos Nino em relação a seu país. Sendo as instituições deficientes ou simplesmente ausentes, fazem-se arranjos à margem destas, pois muitas vezes não se pode fazer outra coisa. Foi claramente o que se passou nas regiões rurais e fronteiriças, ou ainda no Triângulo de Ouro, em Guerrero e em Michoacán, quando começou a crescer o tráfico de drogas, mas também quando a polícia e o exército reagiram contra essas atividades. É o individualismo do eu em primeiro lugar, atitude que não é apanágio nem dos narcos nem da classe política ou das autoridades, mas que se difunde no conjunto do corpo social. Para todos, a moral é concêntrica: ela se aplica em função dos círculos de sociabilidades e das redes.

Esse habitus não constitui de maneira alguma uma cultura perene e atemporal; ele se renovou com as circunstâncias e o passar dos anos. E a ideologia invisível[55] que acompanhou a recente globalização lhe deu um novo impulso. Pensemos na valorização da performance do indivíduo, cujos emblemas são os esportistas de alto nível, os agentes financeiros ou os empresários. Os primeiros representam também indivíduos que valem apenas por si mesmos, indivíduos provenientes da base da escala social que chegam ao topo graças a uma mistura de esforços pessoais e de sorte, mas também de um senso de transgressão das regras. Pensemos no papel do doping que se tornou central em matéria de performance nas competições esportivas. No caso dos agentes financeiros, é uma profissão que valoriza qualidades de jogadores mas também de contumazes fraudadores, como o mostraram diferentes escândalos das bolsas nos últimos anos. E o rosto dos empresários da época da globalização não é muito diferente. Foi-se o tempo da função social da empresa ou do papel social do empreendedor teorizado por Kenneth Galbraith[56]. Tudo é permitido, desde que bem-sucedido. Essas três profissões são também emblemáticas de um nivelamento das condições através do consumo e das despesas suntuárias. Seus membros passam a imagem de uma nova aristocracia do sucesso individual. Sob muitos aspectos, os atores do narcotráfico mostram há muito tempo esse perfil tanto no México quanto em outros países latino-americanos. São indivíduos que tiveram acesso a posições invejadas graças à sua astúcia e a seu senso dos negócios, imagem que tem sua origem distante naquelas veiculadas em filmes como O poderoso chefão (1972), de Francis Ford Coppola, ou Scarface (1983), de Brian de Palma.

CONCLUSÃO

O massacre ocorrido em 26 de setembro de 2014 em Iguala, no estado de Guerrero, é não apenas um resumo muito esclarecedor dos conluios entre o mundo do narcotráfico e o mundo político, mas as reações que suscitou na opinião pública mexicana indicam claramente um agravamento da desconfiança em relação à classe política, de todas as tendências e em todos os níveis. Recordemos os fatos, pois são característicos do confuso drama mexicano. A partir de novembro, as manifestações de protesto se multiplicaram em Guerrero e noutros lugares do país, tomando às vezes formas extremamente violentas. Mais ainda, o acontecimento originou uma desconfiança sem precedente em relação à classe política mexicana, cujas reações foram particularmente lamentáveis, cada um acusando os concorrentes de corrupção e de conluio com os narcos e inocentando-se de qualquer ligação com tais práticas, quando evidentemente as responsabilidades são coletivas. Pois todos, para além de suas bravatas, acobertaram as ligações entre seus eleitos e o crime organizado ou, pior ainda, como no caso de Iguala, aceitaram em suas fileiras, não políticos corruptos, mas criminosos que buscavam ser homens políticos.

Alguns editorialistas julgam, não sem razão, que o país está à beira do caos e que somente mudanças radicais na política de luta contra o crime organizado e no interior da classe política permitirão sair do impasse sangrento em que vive o país. Se o sobressalto da opinião pública e da sociedade civil é inegável, pode-se duvidar da capacidade e da vontade da classe política de uma mudança. Pois as reformas lançadas por Peña Nieto, no âmbito do Pacto pelo México, certamente abrem a possibilidade ao capital estrangeiro de participar em associação com empresas mexicanas da exploração de petróleo e de outras fontes de energia, mas abrem igualmente a possibilidade de vastas operações descentralizadas de corrupção. Enfim, se esse pacto lança as bases de uma tímida reforma fiscal e de uma lei contra os monopólios, e se pretende também reformar o sistema de recrutamento e de avaliação dos professores, tudo não passa ainda de efeitos retóricos, pois essas disposições não são acompanhadas de meios capazes de uma observação e uma avaliação imparciais de suas aplicações. Assim, essas reformas não contêm uma base judiciária ou administrativa que permita a criação de uma justiça independente ou de uma função pública digna desse nome. Elas tampouco questionam o funcionamento extremamente ineficaz e antiquado dos tribunais. Pior ainda, elas só puderam ser votadas graças a compromissos com o PAN, o partido do presidente anterior, já que o atual não conta com maioria nem na Câmara nem no Senado. O preço desse acordo entre o PRI e o PAN foi a decisão de não processar nenhum dos funcionários do governo precedente acusados de crimes no quadro da luta contra o narcotráfico. Como observou Jorge Castañeda, efêmero ministro das relações exteriores de Vicente Fox[57], tal decisão é não apenas imoral, mas também uma incitação aos membros das forças policiais cujas atrocidades proliferam e nas quais a tortura é uma prática rotineira[58].

A questão hoje é dupla, ao mesmo tempo mexicana e internacional. Saberá o México romper com sua velha política do desenvolvimento estabilizador, isto é, de um crescimento econômico que traria por milagre hábitos democráticos, recusando ao mesmo tempo reformas em matéria de polícia e justiça que permitiriam uma luta eficaz, necessariamente de longo prazo, contra a corrupção, o crime organizado e a impunidade? Tal política de desenvolvimento a qualquer preço, como panaceia a todas as tensões sociopolíticas do país, foi a aposta de Salinas de Gortari ao criar, em 1994, o Tratado de Livre Comércio com a América do Norte. É preciso observar que essa aposta não deu certo, que o crescimento esperado e seus efeitos virtuosos não se manifestaram[59]. As tensões políticas foram tais que Salinas de Gortari foi obrigado a se exilar no final do seu mandato. E essa política do crescimento a qualquer preço como remédio a todos os males do México continua sendo a de Peña Nieto. Ele não quis levar em conta numerosas propostas, que emanavam tanto da sociedade civil como de organismos internacionais, para criar sistemas de regulações sistemáticas capazes de lutar contra a porosidade do mundo legal e do ilegal[60]. Desse ponto de vista, o projeto de criar uma polícia com a ajuda da França ou o de integrar o conjunto das polícias municipais nos corpos de polícia de cada um dos estados da federação não devem iludir. A questão é também internacional; ela concerne à ONU, aos Estados membros da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) e à Organização dos Estados Americanos (OEA), mas também aos cientistas sociais que fazem pesquisas sobre o México. A ONU e a OCDE sempre foram de uma inacreditável complacência com a mistura de incúria e de corrupção dos governos mexicanos. Como escreveu sem floreios Edgardo Buscaglia[61], os funcionários das diferentes agências da ONU brilharam por sua obsequiosidade, evitando empregar os dispositivos regulamentares pregados por esse organismo para combater o crime organizado e a corrupção. Preferiram contar com as boas graças das autoridades mexicanas que financiam suas missões, portanto, seus altíssimos salários. Os países da OCDE se alinharam com a política dos Estados Unidos de buscar petróleo a baixo preço e favorecer a ação de suas grandes empresas, poupando críticas sobre os hábitos de corrupção, mesmo que estas últimas estivessem dispostas a fazê-las. E, se as questões do narcotráfico foram evidentemente abordadas, sempre se procedeu como se esse fenômeno pudesse ser isolado dos hábitos mais gerais no México e nos países da América Central, onde o consumo de entorpecentes cresce em todos os meios sociais. Assim, os diplomatas dos países da OCDE geralmente evitaram repetir ou levar a sério propostas inteligentes e refletidas do grupo de ex-presidentes latino-americanos, como também de Portugal e da Holanda, em matéria de descriminalização. A atitude da França, com exceção de algumas propostas corajosas como a de Daniel Valliant, ex-ministro do interior, é emblemática dessa miopia. Enfim, cumpre reconhecer que a grande maioria dos cientistas sociais teve o maior cuidado de não se envolver nos debates, seja para descrever a sério os fenômenos ou para analisá-los. Com raras exceções, preferiram conduzir pesquisas de acordo com as temáticas ou teorias dominantes no momento[62]. Com isso, pintam um México imaginário muito distante do México de carne y hueso, um México que permite fazer carreira, mas não compreender o que se passa no país, menos ainda ajudar para que emerja nesse país um reformismo democrático consequente.

Notas

  1. A tradução do presente texto, incluindo as citações de obras feitas pelo autor, é de Paulo Neves.
  2. Jan Martínez Ahrens “EE UU se suma a la presión para esclarecer la matanza de Tlatlaya” (Estados Unidos aderem à pressão para esclarecer a chacina de Ilatlaya), El País, 19 set. 2014. Disponível em: <http:// internacional.elpais.com/internacional/2014/09/19/actualidad/1411145417_763406.html>, acesso em: mar. 2015; Pablo Ferri Tórtola, “Testigo revela ejecuciones en el Estado de México” (Testemunha revela execuções no Estado do México), Esquire México, 18 set. 2014. Disponível em: <http://aristeguinoticias. com/1909/mexico/militares-los-mataron-uno-por-uno-en-edomex-esquire/>, acesso em: mar. 2015.
  3. Sobre esse assunto, leia o excelente artigo de Jorge Volpi, “El desamparo de Ayotzinapa” (O desamparo de Ayotzinapa), El País, Madrid: nov. 2014, e o do correspondente francês Frédéric Saliba, “Au nom des disparus d’Iguala” (Em nome dos desaparecidos de Iguala), Le Monde, Paris: nov. 2014.
  4. Uma boa recensão desses trabalhos pode ser encontrada na bibliografia do livro de Ioan Grillo, El narco, New York: Bloomsbury Press, 2011.
  5. Alejandro González Iñárritu, México: Altavista/Zeta 2000, 154 min, cor, 35 mm. Lançado no Brasil com o título Amores brutos.
  6. Rodrigo Pla, Espanha: Morena/Buenaventura, 2007, 97 min, cor, 35 mm. Lançado no Brasil com o título Zona do crime.
  7. Luís Estrada, México: Bandidos, 2010, 145 min, cor.
  8. Gerardo Naranjo, México: Canana, 2011, 113 min, cor, 35 mm.
  9. Carlos Bolado, México: Udachi/Alebrije, 2012, 100 min, cor.
  10. Sobre esse ponto, ver Ioan Grillo, op. cit., particularmente o capítulo “Culture” (Cultura).
  11. Para redigir esse ponto me vali do estudo “Gestion politique des violences au Venezuela et au Mexique” (Gestão política das violências na Venezuela e no México), encomendado e financiado pelo Conseil Supérieur de la Formation et de la Recherche Stratégique e realizado por Julie Devineau, pesquisadora associada ao Centre d’Études Sociologiques et Politiques Raymond Aron (Cespra), a quem agradeço por ter generosamente permitido que eu utilizasse os dados de sua pesquisa, em particular os mapas, e pelas conversas que tivemos sobre o assunto.
  12. Vários desses vídeos são encontrados no blog de informação <www.blogdelnarco.com>.
  13. Ver o site criado em memória das vítimas: <http://72migrantes.com/recorrido.php>.
  14. Séverine Durin, “Los desplazados por la guerra contra el crimen organizado en México. Reconocer, diagnosticar y atender” (Os deslocados pela guerra contra o crime organizado no México. Reconhecer, diagnosticar e atender), em: El desplazamiento interno forzado en México: Un acercamiento para su análisis y reflexión (A migração interna forçada no México: uma aproximação para sua análise e reflexão), Ciudad de México: Ciesas, 2013.
  15. Ioan Grillo, “Autodefensas, héroes o villanos?” (Autodefesas, heróis ou vilões?), Letras libres, maio 2014. Ver também o artigo de Lourdes Cárdenas, “Michoacanos al grito de guerra” (Michoacanos em grito de guerra), disponível em: <www.nexos.com.mx/?p=23081>.
  16. Lourdes Cárdenas, op. cit.
  17. Salvador Maldonado, “El futuro de las autodefensas michoacanas” (O futuro das autodefesas michoacanas), Nexos, 3 abr. 2014, disponível em: <www.nexos.com.mx>.
  18. Ver o retrato feito dele por Sanjuana Martínez, “Las batallas del doctor Mireles” (As batalhas do doutor Mireles), Nexos, jul. 2014, disponível em: <www.nexos.com.mx/?p=21605>.
  19. Sigo aqui a análise feita por Marco Antonio Estrada Saavedra, “L’État et les mouvements sociaux durant la transition à la démocratie (2002-2012)” (O Estado e os movimentos sociais durante a transição à democracia [2002-2012]), Problèmes d’Amérique Latine (Problemas da América Latina), jan. 2014, n. 89.
  20. Enrique Krauze, “What Mexico’s President Must Do” (O que o presidente do México deve fazer), New York Times, New York: dez. 2014.
  21. Marcelo Bergman, “La violencia en México: algunas aproximaciones académicas” (A violência no México: algumas aproximações acadêmicas), Desacatos, Ciudad de México: Ciesas, set.-dez. 2012, n. 40.
  22. As ruas onde proprietários instalam, na maior ilegalidade, guardas que filtram as entradas.
  23. Carlos Vilas, “(In)Justicia por mano propia: linchamientos en el México contemporáneo” ([In]Justiça pelas próprias mãos: linchamentos no México contemporâneo), Revista Mexicana de Sociologia, Unam, 2001, vol. 63, n. 1, pp. 131-60.
  24. Adam Jones, “Los muertos de Ciudad Juárez” (Os mortos de Ciudad Juárez), Letras Libres, abr. 2004, disponível em: <www.letraslibres.com/revista/letrillas/los-muertos-de-ciudad-juarez>. Notemos que, enquanto 37 mulheres foram mortas de 1985 a 1992 e 269 de 1993 a 2001, não são menos que 249 os homens mortos de 1990 a 1993 e 942 de 1994 a 1997.
  25. Quarenta e cinco pessoas, na maioria mulheres e crianças, membros de uma organização próxima do Exército Zapatista de Libertação Nacional (ezln) – Las Abejas –, foram mortas por uma milícia de camponeses do PRI.
  26. Vinte e seis zapotecas foram assassinados por vizinhos em consequência de um litígio de terras.
  27. Fernando Escalante, “Homicidios 1990-2007” (Homicídios em 1990-2007), Nexos, set. 2009, disponível em: <http://nexos.com.mx/?=13270>.
  28. Ver sobre esse assunto o livro extremamente útil de Daniel Pécaut, Les Farc, une guérilla sans fin? (As Farc, uma guerrilha sem fim?), Paris: Lignes de Repères, 2008.
  29. Edgardo Buscaglia oferece inúmeros e excelentes exemplos dessas práticas em seu recente ensaio Vacíos de poder en México (Vazios de poder no México), Ciudad de México: Penguin Random House/ Debate, 2013.
  30. Especialmente Anabel Hernández em alguns artigos de Proceso, bem como em seu livro Los señores del narco (Os senhores do tráfico), Ciudad de México: Penguin Random House/Grijalbo, 2011.
  31. Ioan Grillo mostrou muito bem a fragilidade dessa tese em El narco, op. cit.
  32. Ioan Grillo, El narco, op. cit.
  33. Gabriel Zaid, “El negocio de los narcos” (O negócio dos narcos), Contenido, México: set. 2007.
  34. Idem, “Por una ciencia de la mordida” (Por uma ciência do suborno), El progreso improductivo (O progresso improdutivo), Ciudad de México: Siglo xxi, 1979.
  35. Wil G. Pansters (org.), Violence, Coercion and State-Making in Twentieth-Century Mexico: The Other Half of the Centaur (Violência, coerção e política de Estado no México do século XX: a outra metade do centauro), Stanford: Stanford University Press, 2013, e Edgardo Buscaglia, op. cit., analisam muito bem esses mecanismos.
  36. Émile Durkheim, “Distinction du normal et du pathologique” (Distinção do normal e do patológico), em: Les règles de la méthode sociologique, Paris: PUF, p. 67. Edição brasileira: As regras do método sociológico, São Paulo: Martins Fontes, 2014.
  37. Thierry Pech, La Sécession des riches (A secessão dos ricos), Paris: Seuil, 2011.
  38. Magali Modoux, Démocratie et fédéralisme au Méxique, 1989-2000 (Democracia e federalismo no México, 1989-2000), Paris: Karthala, 2006.
  39. Edgardo Buscaglia, op. cit., pp. 109-10.
  40. A região montanhosa situada no encontro dos estados de Durango, Chihuahua e Sinaloa.
  41. Ver o documentário sobre o assunto feito por Agnès Gattegno, Narco-finance, les impunis (Narcofinanças, os impunes), divulgado em Arte, 24 out. 2014, ou o livro recente de Roberto Saviano, Extra Pure (Extra puro), Paris: Gallimard, 2014.
  42. Julio Scherer Garcia, La reina del Pacífico: es hora de contar (A rainha do Pacífico: é hora de contar), Ciudad de México: Penguin Random House/Grijalbo, 2008.
  43. A região montanhosa situada no encontro dos estados de Durango, Chihuahua e Sinaloa.
  44. Ver o documentário sobre o assunto feito por Agnès Gattegno, Narco-finance, les impunis (Narcofinanças, os impunes), divulgado em Arte, 24 out. 2014, ou o livro recente de Roberto Saviano, Extra Pure (Extra puro), Paris: Gallimard, 2014.
  45. Julio Scherer Garcia, La reina del Pacífico: es hora de contar (A rainha do Pacífico: é hora de contar), Ciudad de México: Penguin Random House/Grijalbo, 2008.
  46. Natalia Mendoza Rockwell, Conversaciones del desierto: cultura moral y tráfico de drogas (Conversas do deserto: cultura moral e tráfico de drogas), Ciudad de México: Cide, 2008, Colección Estudantil. A autora desse livro apresenta a vila onde realizou sua pesquisa com outro nome, “San Gertrudis”; posteriormente ela revelou o nome verdadeiro do município, “Altar”, em vários outros artigos.
  47. Salvador Maldonado, “Violence d’État et ordre criminel: Les coûts de la guerre perdue du Michoacán, Mexique” (Violência de Estado e ordem criminosa: os custos da guerra perdida de Michoacán, México), Problèmes d’Amérique Latine, jan. 2014, n. 89.
  48. Idem, op. cit.
  49. Ver sobre esse ponto o relatório do Human Rights Watch, “Neither Rights Nor Security: Killings, Torture and Disappearances in Mexico’s ‘War on Drugs’” (Nem direitos nem segurança: assassinatos, tortura e desaparecimentos da “guerra contra as drogas” do México), 2011.
  50. Danilo Martucelli, Existen individuos en el sur? (Existem indivíduos no sul?), Santiago: lom, 2010. Ver especialmente a passagem intitulada “Un imaginario de la riqueza” (Um imaginário da riqueza), pp. 185-ss.
  51. Subgênero musical do norteño-corrido mexicano. [n.t.]
  52. Pode ser lida com proveito sobre o assunto a pesquisa de Maria Luisa de la Garza, Pero me gusta lo bueno: una lectura ética de los corridos que hablan del narcotráfico y de los narcotraficantes (Mas gosto do que é bom: uma leitura ética dos corridos que tratam do narcotráfico e dos narcotraficantes), Ciudad de México: Miguel Ángel Porrúa, 2008.
  53. Edward Banfield, The Moral Basis of a Backward Society (A base moral de uma sociedade retrógrada), Glencoe: The Free Press, 1958.
  54. Um dos primeiros a refletir sobre esses fenômenos no México foi Gabriel Zaid, em “El progreso improductivo”, op. cit., depois em La economía presidencial (A economia presidencial), Ciudad de México: Debolsillo Random House, 2011, e enfim em Empresarios oprimidos (Empresários oprimidos), Ciudad de México: Debolsillo Random House, 2009.
  55. Cf. Claude Lefort, “Esquisse d’une genèse de l’idéologie” (Esquema de uma gênese da ideologia), em: Les Formes de l’histoire: Essais d’anthropologie politique (As formas da história: ensaios de antropologia política), Paris: Gallimard, 1978.
  56. John Kenneth Galbraith, The New Industrial State (O novo Estado industrial), New Jersey: Princeton University Press, 2007. Idem, Economics and the Public Purpose (Economia e o propósito político), Boston: Houghton Mifflin Company, 1973.
  57. Jorge Castañeda, “El rumbo que necesita México” (O rumo de que o México necessita), El País, Madrid: 14 nov. 2014.
  58. Cf. o relatório da ONU (4/12/2014) redigido por Juan E. Meéndez.
  59. É muito esclarecedor o balanço de Gerardo Esquivel sobre o assunto em “La croissance économique mexicaine pendant les gouvernements du PAN et au-delà” (O crescimento econômico mexicano durante os governos do PAN e além), Problèmes d’Amérique Latine, jan. 2014, n. 89.
  60. Pensemos, por exemplo, em Edgardo Buscaglia, op. cit.
  61. Ibidem, p. 157.
  62. Tomaremos como exemplo dois livros recentes emblemáticos desse tipo de abordagem, o de Hélène Combes, Faire Parti: trajectoires de gauche au Mexique (Tomar partido: trajetórias de esquerda no México), Paris: Karthala, 2011, e o de Paula López Caballero, Les Indiens et la nation au Mexique (Os indígenas e a nação no México), Paris: Karthala, 2012.

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