2010

Há situações em que é imoral pensar? O duplo fundamento insuficiente do ato moral

por Vladimir Safatle

Resumo

Haveria momentos em que é imoral pensar (entendendo pensar como a deliberação racional a partir dos cálculos de consequências e determinações de justificações)? Haveria situações em que se deve “simplesmente agir” e agir contra o ordenamento jurídico?  Em certas situações, ações normalmente vistas como imorais se transformam em ações morais. Da mesma forma, ações normalmente vistas como morais podem facilmente se transformar em ações imorais. A ação moral não exigiria algo que, longe de ser puro logos, parece estar enraizado em certa experiência corporal de aversão ao sofrimento do outro?

Tal questionamento pode abrir as portas para uma reflexão sobre os problemas para a fundamentação do ato moral. Para tanto, seria o caso de partir do reconhecimento de certo encaminhamento encontrado na filosofia de Adorno. Em algumas ocasiões Adorno fala do “impulso imanente ao comportamento moral, a pura angústia física e o sentimento de solidariedade com o corpo torturável, nas palavras de Brecht”. Digamos, inicialmente, que não se pode impedir, a partir da injunção em seguir um princípio formal de universalização, a tortura em casos, por exemplo, onde a vida de muitos está em jogo. Nestes casos, parece racional e plausível aceitar a tortura. Sendo assim, de onde vem a nossa aversão a tortura em quaisquer circunstâncias? Talvez ela não venha da força impositiva de um princípio formal resultante de nossa capacidade judicativa de deliberação racional, mas de um impulso corporal que é a base do que se chamou um dia de compaixão.

No entanto, por sua vez, não se deve entender imediatamente tal impulso como compaixão pelo outro. O que está em jogo é, na verdade, a capacidade de fundar um ato moral no reconhecimento da afinidade mimética com o corpo torturável, ou seja, com este corpo que revela sua subjetividade mesmo lá onde ele não parece mais portar a imagem de um Eu. De fato, isto pode revelar como a ação moral talvez seja feita em nome da capacidade de se pôr naquilo que ainda não é humano ou do que não porta mais a imagem do homem. Não se trata aqui de tentar reconstruir alguma versão de moralidade dos sentimentos, mas de dar forma a um materialismo que procura indicar as situações existenciais fundamentais que se relacionam às experiências conflitantes do sujeito com seu próprio corpo.


Faz parte da moral não estar em casa na própria casa.

Adorno, Mínima moralia

§18

Considere o instante no qual um refugiado pede por abrigo. Se neste instante colocamos em movimento todo o aparato de considerações ao invés de simplesmente agir (ganz einfach so zu handeln) e dizer: “Aqui está um refugiado que deverá ser morto ou cair nas mãos de um estado policial em algum país e que, por isso, precisa ser escondido e protegido; tudo o mais deve se subordinar a isto”; se a razão faz aqui uma falsa entrada, então a razão advém irracional (widervernunftig)[1].

Esta consideração de Theodor Adorno aparece em um curso ministrado em 1963 com o título de Problemas de filosofia moral. Seu interesse está em nos colocar diante de um problema fundamental, a saber, haveria situações em que, de uma certa forma, é imoral pensar? Haveria situações que nos mostrariam como a ação moral exige algo que não é “pensar” – no sentido de avaliação de escolhas possíveis tendo em vista a deliberação racional a partir de regras consensuais de julgamento -, mas que é (e não sabemos ainda o que tal noção pode significar) “simples ação” que se entrega a um instante? Simples ação que Adorno não teme definir como “irracional”, como carregando um resíduo de “absurdo”, provavelmente por ela pressupor alguma forma de decisão sem fundamentação segura? Este é o assunto a respeito do qual gostaria de discutir aqui.

A partir desta e de outras colocações, Adorno trata de apresentar certas limitações de alguns modelos hegemônicos de compreensão da natureza da ação moral, assim como de abrir o caminho para um modelo alternativo que será apresentado na segunda metade do texto.

A fim de começar, notemos como há vários pressupostos escondidos no apólogo acima apresentado. Primeiro, fica claro como, para Adorno, há situações em que devemos “simplesmente agir” e dizer: a partir deste ponto, devo (com todo o peso moral que a palavra “dever” tem neste contexto) esconder pessoas, mentir; em suma, agir contra o ordenamento jurídico. Em certas situações, ações que normalmente vemos como imorais se transformam em ações morais. Da mesma forma, ações que normalmente vemos como morais podem facilmente se transformar em ações imorais.

No entanto, por mais que tais considerações soem peculiares, apólogos como este descrito por Adorno não deveriam significar grandes dificuldades para uma reflexão sobre a ação moral. Pois todos nós podemos admitir, sem muita dificuldade, situações de dissociação entre exigências de justiça e regulações normativas do direito atualmente existente. Nem sempre justiça e direito caminham juntos, embora não seja imediatamente evidente o que devemos entender por ”justiça” neste contexto.

Tais momentos de dissociação podem ser unidos sob o conceito de “situações de exceção”. Eles indicam, por exemplo, situações nas quais o direito cria aparatos jurídicos que visam legitimar estados policiais, golpes de estado e ditaduras militares e, com isso, destrói a possibilidade de realização da liberdade. Nesses casos extremos, admitimos que sujeitos violem preceitos legais em nome de exigências substanciais de justiça[2]. No entanto, há um elemento complicador na posição de Adorno. Para identificá-lo, basta levarmos a sério o peso de afirmações como:

A razão pela qual o problema da filosofia moral tornou-se algo tão problemático atualmente é inicialmente que a substancialidade dos costumes, assim como a possibilidade de uma vida correta (richtigen Lebens) nas formas nas quais a comunidade existe, que seria pretendida e presente, tornou-se radicalmente obsoleta (hinfällig), isto não é dado e atualmente as pessoas não podem, de maneira alguma, contar com ela[3].

Notemos quão importante é tal afirmação para nosso problema. À sua maneira, ela parece radicalizar uma temática hegeliana clássica referente à erosão daquilo que o filósofo alemão chamava de eticidade (Sittlichkeit).Tal erosão nos leva, necessariamente, à impossibilidade de realizarmos o que Hegel chamava de “vida ética” (sittliches Leben)[4]Por eticidade podemos entender, neste contexto, o conjunto de costumes, hábitos e estruturas sociais (com suas leis e instituições) que permitem a constituição de uma forma racional de vida, ou seja, um modelo social de vida capaz de realizar exigências objetivas de liberdade (embora tenhamos que discutir com mais calma a natureza profundamente indeterminada e problemática do termo “liberdade”). Isso fica bastante claro nos Fundamentos da filosofia do direito, em que Hegel define a eticidade como: “o conceito de liberdade transformado em mundo presente e natureza da consciência-de-si”[5]. Ou seja, ela é a ideia de liberdade efetivada enquanto mundo social no qual interajo e enquanto natureza das minhas ações, desejos e vontades.

Por sua vez, é a possibilidade de os sujeitos agirem de maneira livre que caracteriza o caráter moral de suas ações. Ações feitas por obrigação ou por compulsão não podem ser vistas como ações morais, mesmo que elas tenham a aparência de ações morais. No entanto, Hegel insiste que a liberdade não pode ser entendida simplesmente como “livre-arbítrio”, ou seja, como a capacidade que indivíduos isolados teriam de escolher, a partir de uma norma racional internalizada, o que fazer ou não, tomar distância ou não de papéis e padrões sociais de conduta. Reduzir a discussão sobre a liberdade à dimensão do livre-arbítrio implica, entre outras coisas, ignorar um problema central para correntes maiores do pensamento contemporâneo, a saber, o que deve acontecer aos sujeitos para que eles sejam vistos como capazes de escolher? Como eles devem se formar, como eles devem reportar-se a seus desejos e inclinações para que suas escolhas sejam reconhecidas por outros sujeitos como escolhas racionais? Pois há uma formação em direção à moralidade e tal formação implica internalizar sistemas de costumes e hábitos, leis e instituições que têm realidade social. O que demonstra como a problemática da ação moral não visa apenas responder à questão: “O que devo fazer?, mas ‘”que tipo de pessoa procuro ser?”, “que forma de vida procuro fazer minha?”. Isto significa: não há inteligibilidade da ação moral sem compreendê-la inicialmente como ação social, como ação capaz de levar em conta uma reflexividade para além do solipsismo da consciência individual[6].

Mas notemos o ponto fundamental aqui. Se tais sistemas, leis e instituições, com seus valores e normas, não forem vistos como racionais, mas apenas como dotados de força de coerção, então os sujeitos que a eles se submetem, que neles se formam, não poderão agir livremente e, por consequência, não poderão agir moralmente.

Notemos como “razão” e “racional” descrevem, nesse contexto, uma ideia bastante precisa. A razão não seria apenas modo de se orientar no julgamento a partir de critérios capazes de instaurar exigências de validade que se fundamentam no interior de procedimentos comunicacionais não coercitivos. Ela seria, acima de tudo, movimento instaurador de formas de vida.

Diremos então que uma forma racional de vida seria aquela organizada a partir de processos potencialmente institucionalizáveis, capazes de permitir aos sujeitos reconhecerem a correção, aceitarem como legítimas práticas sociais que aspiram à universalidade.

Assim, ao falar que a substancialidade dos costumes institucionalizados nas formas sociais existentes não é capaz de possibilitar uma vida correta, Adorno acaba por dizer algo pleno de consequências, a saber: que os valores que aspiram à universalidade e que nos guiam, assim como as instituições (como a família, o Estado, a escola) e o ordenamento jurídico que organizam nossa forma atual de vida – esta que se realiza de maneira hegemônica em nossas sociedades democráticas liberais – e que produzem a noção social de individualidade, não podem fundamentar a moralidade de nossas ações, não podem realizar exigências de liberdade. Como se os sujeitos não reconhecessem a correção de tais valores, processos e instituições (embora ainda não saibamos onde eles devem se colocar para criticar processos que os produziriam como sujeitos). “Não há vida correta na falsa”[7], dirá Adorno, isto a fim de afirmar que a vida reproduzida através da internalização dos valores e normas que nos permitem ser sujeitos capazes de agir e julgar moralmente, a vida que nossas estruturas normativas querem conservar seria, em larga medida, uma vida falsa.

Alguém poderia criticar tal visão de Adorno como demasiadamente simplista. Afinal, nenhum sistema social, nenhuma instituição se impõe apenas a partir de sua força de coerção. Sua imposição se dá a partir de sua força de lei, ou seja, de sua autoridade. Tal autoridade, por sua vez, não é simplesmente coercitiva, mas fundada nas expectativas que desenvolvo a respeito da capacidade que teria de satisfazer certas exigências que considero vitais para minha autorrealização (como segurança, reconhecimento, autoconservação etc.). No entanto, poderíamos dizer que, dentre as exigências vitais de autorrealização há, na modernidade, uma de importância fundamental, a saber, a exigência de que as instituições sejam conflituais, que elas sejam capazes de dar forma a conflitos sociais maiores a respeito do sentido de valores. Nesse sentido, elas perderiam sua legitimidade quando não fossem mais capazes de garantir quadros institucionais para conflitos e antagonismos a respeito de valores que visam racionalizar a vida social (como liberdade, autonomia, singularidade etc.). Nesse sentido, não é o conteúdo positivo da normatividade social que importa, mas a possibilidade que instituições teriam de transformar antagonismos e conflitos em dinâmicas abertas no interior de nossas formas de vida, de reconhecer antagonismos e conflitos como processos determinantes para a relação com o outro e si mesmo. É bem provável que é algo referente ao esvaziamento institucional dessa experiência de negatividade que anime o diagnóstico adorniano.

DIREITO E JUSTIÇA

Antes de entendermos por que Adorno faz uma afirmação totalizante quanto esta e, principalmente, para onde ele quer nos levar, vale a pena lembrarmos da extensão que tais considerações podem tomar. Elas nos levam, por exemplo, a um antijuridismo profundo, expresso em afirmações como:

O meio no qual o mal, em virtude de sua objetividade, alcança um ganho de causa e conquista para si a aparência do bem é, em larga medida, esse da legalidade, que certamente protege positivamente a reprodução da vida, mas em suas formas existentes; graças ao princípio destruidor da violência, ele traz à tona seu prlncípio destrutivo.[…] Que o singular receba tanta injustiça quando o antagonismo de interesses o impele à esfera jurídica, não é, como Hegel gostaria de dizer, sua culpa, como se ele fosse cego para reconhecer seus próprios interesses na norma jurídica objetiva e suas garantias, mas ela é, muito mais, culpa da própria esfera jurídica.[8]

Reconheço que alguns gostariam de simplesmente chamar tal posição, que insiste na indissociabilidade entre direito e violência, de niilismo moral. Afinal, eliminada a referência a uma norma que visa realizar uma legalidade universalmente válida, afirmado seu caráter essencialmente violento, onde encontraríamos esteio para falar em “injustiça”? Além do que, a crítica de Adorno parece não ser simplesmente dirigida a este direito atualmente vigente, mas à hipóstase da noção de norma tal como podemos derivá-la da dinâmica procedurial própria do jurídico[9]. Como se aquilo que sustenta nossas noções de justiça e injustiça não fosse exatamente uma norma, ou seja, uma sentença que prescreve, que determina previamente o que deve ser feito e que, como uma regra (ou ainda, como um esquadro – isto se quisermos retomar a acepção latina de norma), supõe uma regularidade generalizável enquanto valor a ser realizado[10]. Notemos como, assim, Adorno parece querer criticar um modelo de procedimento e normativo de filosofia moral cujo horizonte regulador fundamental seria a transformação da esfera jurídica em campo de realização de aspirações de moralidade.

Mas não deixa de causar estranhamento dizer que o que sustenta nossas noções de justiça e injustiça não é uma norma. Pois quando afirmamos, por exemplo, que tal situação é injusta, aparentemente queremos dizer que ela impede o reconhecimento de nossa condição de portadores de certos direitos potencialmente normativos e generalizáveis, que ela nos exclui de uma forma de vida racional cujo sentido seria, em larga medida, partilhado de maneira não problemática. Se a injustiça não está necessariamente ligada à exclusão em relação a uma norma racional que gostaríamos de generalizar, se a essência do conflito social não é o embate pela generalização de normas racionais, então a que ela está vinculada?

A fim de tentar responder a este ponto, notemos como Adorno parece pressupor uma distinção importante e estrutural entre direito e justiça que não deixa de nos remeter a um outro filósofo, que também não foi poupado de acusações de niilismo e irracionalismo, a saber, Jacques Derrida.

Eu lembraria aqui dessa passagem fundamental do texto Força de lei, de Derrida, no qual o filósofo afirma: “Quero logo reservar a possibilidade de uma justiça, ou de uma lei, que não apenas exceda ou contradiga o direito, mas que talvez não tenha relação com o direito, ou mantenha com ele uma relação tão estranha que pode tanto exigir o direito quanto excluí-lo”[11].

Notemos bem o que está por trás desse “estranhamento” essencial entre direito e justiça. É verdade que podemos claramente aceitar que, longe ser de um aparato monolítico, o direito em sociedades democráticas é uma construção heteróclita, onde leis de vários matizes convivem formando um conjunto profundamente instável e inseguro. Por exemplo, nossa Constituição de 1988 não teve força para mudar vários dispositivos legais criados pela constituição totalitária de 1967. Ainda somos julgados por tais dispositivos.

Nesse sentido, podemos colocar perguntas como: não seriam certas “violações” do estado de direito condições para que exigências mais amplas de justiça se façam sentir? Foi pensando em situações dessa natureza que Derrida aceitava ser o direito objeto possível de uma desconstrução que visa expor as superestruturas que “ocultam e refletem, ao mesmo tempo, os interesses econômicos e políticos das forças dominantes da sociedade”. Quem pode dizer em sã consciência que tais forças não agiram e agem para criar, reformar e suspender o direito? Quem pode dizer em sã consciência que o embate social de forças na determinação do direito termina necessariamente da maneira mais justa?

No entanto, tanto Adorno quanto Derrida parecem dizer algo a mais do que esse problema “contextual”. Pois o reconhecimento do caráter heteróclito do direito poderia nos levar, simplesmente, a dizer que há leis justas e leis injustas, o que eliminaria toda a necessidade de uma crítica totalizante. No entanto, leis que atualmente garantem a realização da justiça podem, em outros contextos, legitimar situações injustas. Jurisprudências estabelecidas não garantem necessariamente justiça. Elas garantem apenas que formas de julgamento aceitas no passado continuarão em vigência. Podemos aceitar que as decisões passadas não são simplesmente arbitrárias, mas daí não se segue que elas sejam necessariamente e sempre justas.

Nesse sentido, quando Derrida fala, por exemplo, que o direito é sempre desconstrutível, isto enquanto a justiça não é desconstrutível, trata-se de uma maneira de afirmar que a justiça é exatamente o que nos lembra o caráter desconstrutível de toda norma positiva. Isso fica claro quando ele afirma: “O direito não é a justiça. O direito é o elemento do cálculo, é justo que haja um direito, mas a justiça é incalculável, ela exige que se calcule o incalculável”[12]. Mas sendo assim, como posso saber se ajo ou não de maneira justa? Mais uma vez podemos colocar a questão: de onde vem o sentimento de injustiça, senão de uma norma positiva que, mesmo não tendo ainda realidade jurídico-institucional, pode potencialmente chegar a tê-la? Poderíamos dizer que nem tudo o que me leva a agir moralmente é uma norma?

É aqui que podemos encontrar um dos maiores pontos do encaminhamento de Derrida. Digamos que é por pensar dessa forma que ele poderá colocar a pergunta fundamental: “Mas quem pretenderá ser justo poupando-se da angústia?”. Pois se aceitamos que há algo na ação moral que não é pensável sob a forma da norma, abre-se necessariamente um espaço que poderíamos chamar de “insegurança ontológica”. O que nos permite colocar uma outra questão, a saber: quem disse que há segurança no interior da ação moral? Não seria característica fundamental da ação moral a necessidade de realizá-la, mesmo sem termos previamente clareza completa de suas causas e consequências? A ação moral não seria exatamente essa que nos coloca, ao mesmo tempo, diante da urgência da “simples ação” e da insegurança angustiante de não sabermos o que acontecerá depois? Nesse sentido, nunca posso ter completa certeza do caráter moral de minha ação e esta incerteza é talvez o traço essencial, distintivo da ação moral. Notemos como Adorno, pensando em uma chave semelhante, chega a claramente afirmar: “Todo ato moral é falível (Fehlbarkeit)”. Pois “Segurança moral não existe; pressupô-la seria já imoral, um falso aliviar o indivíduo em relação ao que deveria ser chamado de eticidade. Quanto mais impiedosa a sociedade, até o cerne de cada situação, em seus antagonismos objetivos, tanto menos é assegurado que uma determinada decisão moral particular seja a correta”[13].

No curso sobre Problemas de filosofia moral, Adorno volta a essa posição, a fim de dizer que a primeira virtude ética é a consciência de nossa falibilidade. A análise demorada das causas, a conformidade a princípios e valores consensuais, nada disso pode garantir a natureza moral de nossas ações. Mas o que, afinal, uma proposição como esta poderia significar? Pois, agora sim, parecemos estar diante de alguma forma de niilismo moral que se apoia em diagnósticos globais relativos à “erosão da substancialidade ética da vida social”. A não ser que sejamos capazes de mostrar como tal falibilidade estrutural é condição para o desenvolvimento de um modelo renovado de julgamento moral.

Se quisermos seguir a segunda opção, devemos estar atentos para uma certa oscilação presente na posição adorniana: movimento pendular que, longe de ser signo de uma impotência a julgar, é sinal de uma estratégia de julgamento a respeito da qual ainda precisamos muito pensar. Estratégia claramente enunciada através da afirmação: “O desesperador no bloqueio da prática fornece, paradoxalmente, um tempo (Antepause) para o pensamento. Não utilizar este tempo seria um crime. Ironia maior: o pensamento aproveita-se atualmente do fato de não termos o direito de absolutizar seu conceito”[14].

Digamos que esse tempo que devemos saber utilizar é o tempo de um cálculo do incalculável porque cálculo entre dois fundamentos insuficientes.

PODE A PROCURA DA AUTONOMIA PRODUZIR UMA VIDA DANIFICADA?

A fim de explicar este ponto, retomemos aqui o diagnóstico adorniano de que estamos distantes de uma vida ética porque os modos de reprodução social de nossas formas de vida tendem a produzir aquilo que ele chamou um dia de vidas danificadas (beschiidigten Leben). Mesmo que em vários momentos Adorno sirva-se do argumento marxista de que parte da danificação de nossas formas de vida vem do fato de elas terem sido invadidas pela intervenção da racionalidade econômica, pela colonização do mundo da vida pela forma-mercadoria, como se o homo oeconomicus fornecesse a lógica de relação a si e ao outro, há uma dimensão mais interessante do diagnóstico que tende a ser normalmente negligenciada.

Levando em conta tal dimensão, poderíamos dizer que nossas vidas são danificadas porque mesmo os valores que guiam nossas expectativas racionais e nossas tentativas de realizar o conceito regulador de liberdade acabaram por produzir o inverso do que deveriam. Ou seja, a questão aqui não diz respeito à impossibilidade de nossas formas de vida racionalizarem a vida social a partir de valores e princípios consensuais (como, por exemplo, autodeterminação, autenticidade, tolerância, autonomia etc.) devido a problemas de redistribuição, de colonização do mundo da vida pela esfera econômica etc. A questão refere-se a problemas nos próprios valores e princípios que constituem nossos modos de julgar e agir.

Um exemplo privilegiado aqui é o valor de autonomia, valor fundamental para a constituição da noção moderna tanto de ação moral quanto de liberdade. Lembremos como, para nós, a perda da autonomia (tanto para a clínica das doenças mentais quanto para a política e a filosofia moral) é vista imediatamente como bloqueio da liberdade, ou seja, como alienação. No entanto, vale a pena lembrar também como nossa discussão sobre a autonomia é, ainda hoje, claramente marcada pelos encaminhamentos abertos pela filosofia moral kantiana. Por isso, a autonomia nos aparece, normalmente, como a capacidade de os sujeitos porem para si mesmos a sua própria lei moral, transformando-se assim em agentes morais capazes de se autogovernar. Vinda de Rousseau, para quem “a obediência à lei que uma pessoa prescreveu para si mesma é liberdade”, esta noção de autonomia ganha, com Kant, contornos novos e decisivos.

Não se trata de expor aqui detalhadamente a doutrina kantiana da autonomia. Gostaria apenas de lembrar um de seus traços fundamentais. Trata-se da ideia de que, ao serem legisladores de si próprios, os sujeitos poderiam se autodeterminar. Esta noção de autodeterminação é central, pois traz para dentro do humano um movimento próprio àquilo que conhecemos por “substância primeira”, a saber, o movimento de ser causa de si mesmo, causa sui. O sujeito autônomo pode se autodeterminar porque, de uma forma bastante peculiar, a causa da sua ação lhe é imanente, ela não lhe é externa, já que é fruto de sua própria liberdade. Kant falará, neste caso, de uma causalidade pela liberdade, estritamente distinta da causalidade mecânica própria aos fenômenos naturais, causalidade esta que me submete como quem se submete a leis heterônomas e pretensamente mecânicas próprias dos fatos da natureza.

Insistamos mais nesse ponto. Primeiro, sabemos que esta lei que os sujeitos prescrevem para si mesmos a fim de se afirmarem como sujeitos autônomos não é uma lei particular, ligada aos interesses egoístas da pessoa privada. Antes, ela é incondicionada, categórica e universal. Lei capaz de abrir as portas para o reconhecimento de um campo intersubjetivo de validação da conduta racional e que levaria o sujeito a guiar suas ações em direção à realização de uma ligação sistemática dos diversos seres racionais por leis comuns. Para que ela tenha realidade, faz-se necessário então que os sujeitos tenham algo mais do que desejos particulares e “patológicos”. Eles precisam ter uma vontade pura que age por amor à universalidade da Lei, e não apenas conforme à Lei; ou, se quisermos utilizar os termos de Kant, um ato pflichtmässig ou aus Pflicht[15]Distinção importante, pois um ato simplesmente conforme à Lei não pode ser, em última instância, compreendido como um ato moral[16].

Neste ponto, encontramos outro elemento importante da argumentação kantiana. Pois Kant insistirá que nunca posso saber, com todas as garantias, se um ato foi feito por amor à Lei ou simplesmente por conformação à Lei. Meus desejos particulares sempre podem interferir nas inclinações em direção à ação. Isso significa dizer que, por exemplo, não saberei jamais se digo a verdade por medo das consequências da descoberta da mentira ou por amor desinteressado à Lei. Mas isso não coloca maiores problemas para a definição da ação moral porque sempre saberei qual a forma do ato feito por amor à Lei. Eu sempre sei que, em qualquer circunstância, contar mentiras é contra a lei moral. Daí uma afirmação decisiva como: “Julgar o que deve ser feito a partir desta lei [a lei moral], não deve ser algo de uma dificuldade tal que o entendimento mais ordinário e menos exercido não saiba resolver facilmente, mesmo sem nenhuma experiência do mundo”[17].

Este é um ponto central porque tudo se passa como se não houvesse indecidibilidade no interior da práxis moral. Para Kant, razão prática sempre será razão prática pura, ou seja, a capacidade a priori de distinguir certo e errado, bem e mal. Por isso, Adorno insiste que a estratégia kantiana era dependente de uma certa articulação entre significação do ato e transcendentalidade que se mostra através da pressuposição de uma imanência entre a forma geral do ato e a intencionalidade moral. Como se não houvesse maiores problemas na “passagem da consciência correta (richtigen Bewusstsein) para a ação correta.”[18] Isso levou, por exemplo, Hegel a insistir que Kant não era capaz de distinguir procedimentos de fundamentação de um princípio e reflexão sobre suas condições de aplicação. Pois tudo se passa como se Kant trabalhasse com um modelo que poderíamos chamar de racionalidade procedurial, que precisa partir do pressuposto que a dimensão procedurial da Lei condiz com uma visão unívoca de sua dimensão semântica.

Mas notemos um ponto fundamental para Adorno. Para que a decisão sobre o que deve ser feito apareça a priori, de maneira completamente segura para sujeitos autônomos, faz-se necessário que eles estabeleçam uma distinção estrita entre vontade livre e desejos patológicos; ou seja, esses desejos que se impõem a mim sem que eu possa determinar, de maneira autônoma, seus objetos[19].

Assim, o preço da liberdade será o afastamento (Adorno fala em repressão – Unterdruckung) daquilo que, em mim, se guia a partir da contingência dos sentimentos, da inconstância das inclinações, do acaso dos encontros com objetos que não são deduzidos de uma lei que dou para mim mesmo. O que significa não apenas estabelecer uma distinção estrita entre liberdade e natureza que nos remete às distinções clássicas entre humanistas animalitas (o que explica por que Adorno afirmará que o imperativo categórico não era outra coisa que a elevação do princípio de dominação da natureza à condição de absoluto[20].

Acima de tudo, isso significa que nada do que é da ordem dos sentimentos e dos impulsos pode nos auxiliar na determinação da ação moral. Do ponto de vista da determinação do julgamento moral, teremos assim uma certa indiferença em relação à particularidade do vínculo a objetos sensíveis e, no limite, falta de sensibilidade a contextos particulares de ação. Daí porque, lembrará Adorno, Kant recusa tão fortemente dar dignidade moral a um sentimento como a compaixão. Por outro lado, devido a essa clivagem entre moralidade e impulsos, Adorno espera mostrar como essa autonomia aparece aqui necessariamente como “controle de si” solidário de uma certa rigidez psicológica, inibição de afetos e divisão entre exigências racionais e abertura afetiva.

É verdade que Kant reconhecerá a dignidade moral de um sentimento como o respeito, o que, a princípio, poderia colocar em questão o argumento adorniano. No entanto, o “puro respeito” (reine Achtung) pode aparecer como explicação para o conceito de dever por este se tratar de respeito à lei moral, ou seja, resultado de uma atividade da razão, e não dos sentidos. Kant dirá que aquilo que reconheço imediatamente para mim como uma lei, reconheço com respeito. Tal respeito significa a subordinação da minha vontade a uma lei, sem a mediação de qualquer outra influência do meu sentir.

No entanto, a ideia kantiana de que o respeito não tem origem empírica (daí seu caráter purificado) talvez seja dificilmente sustentável. Estamos tão acostumados, ao menos em filosofia, a tomar como não problemática a distinção entre psicológico e transcendental, que perdemos a capacidade de nos perguntar em que o sentimento empírico de respeito que desenvolvemos em nossa relação a autoridades como os pais, as instituições, a igreja etc., determina o modo de configuração do respeito que temos pela lei moral. É possível que a autoridade da lei moral seja sempre apoiada na autoridade que devo reconhecer no interior de processos de socialização e de formação da individualidade.

Digamos que essa é uma questão extremamente explorada por alguém como Sigmund Freud. Para Freud (uma referência importante para Adorno), a autoridade que garante a força da lei (e aqui poderíamos fornecer uma espécie de base psicanalítica para a temática do respeito como sentimento moral), ou antes, a consciência da autoridade da lei não é autônoma em relação à produção social de representações imaginárias da força presente em instituições sociais, em especial, na família. Esta fundação fantasmática faz, entre outras coisas, com que a vida social não seja estruturada por meio de regras potenciadas pelo ordenamento jurídico, mas por fantasias que determinam a significação e os modos de aplicação de injunções que têm força de lei. Este seria o resultado de admitir que aquilo que procura ter validade categórica e incondicional para nós é indissociável de sua gênese empírica ou, se quisermos, de sua gênese psicológica[21]. Tal admissão nos obrigaria, por exemplo, a rever a ideia de que impulsos e inclinações empíricas, “patológicas”, não podem nos auxiliar na determinação da ação moral.

UMA MORALIDADE DOS SENTIMENTOS?

Voltemos, neste ponto, ao nosso apólogo do refugiado que pede abrigo. Quando Adorno fala de ação moral como aquilo que se abre para o instante da simples ação, ele estaria pensando em recuperar isso que não é exatamente logos, mas pathos, isso que não é exatamente pensar, mas sentir, e que nós chamamos normalmente de “compaixão”? Nesse sentido, o outro modelo de ação moral que poderíamos derivar de Adorno seria, no fundo, uma modalidade de recuperação da moralidade dos sentimentos? Quando dizemos que há algo na ação moral que não é norma, estaríamos nos referindo a impulsos e sentimentos empíricos.

Todos conhecemos os problemas que aparecem quando se defende uma moralidade dos sentimentos. Pois os sentimentos são inconstantes, particulares e exclusivistas. Mas, antes de recuperar mais uma vez tais argumentos, sigamos os passos de Adorno. Em dado momento de seu curso sobre filosofia moral ele traz esse problema, tão atual para nós, da legalidade ou não de, em “situações excepcionais”, se recorrer à tortura. Ele lembra que não posso impedir, a partir da injunção em seguir um princípio formal de universalização (do tipo “Aja de forma tal que sua ação possa servir de máxima universal”), a tortura em casos, por exemplo, onde a vida de muitos está em jogo. Todos conhecemos o velho jogo moral que consiste em perguntar: é legítimo torturar um terrorista quando sua confissão poderá impedir que uma bomba exploda, matando, digamos, cinquenta pessoas inocentes? Afinal, cinquenta é maior do que um. Da mesma forma que cinquenta é maior que dois, que dez, que quarenta e nove. Mas e se eu precisar torturar cinquenta e uma pessoas para salvar cinquenta, isso ainda será racional?

Se eu admitir que não se trata afinal de um problema de proporção numérica, mas de ação forte visando aniquilar de vez a imoralidade do terrorismo, então posso lembrar que, sendo a ordem “aniquilar”, de nada adianta torturar um ou outro. Logo os grupos terroristas se recomporão. Melhor seria eliminar fisicamente seus membros, já que eles não se deixam prender facilmente. Mas também de nada adianta eliminar apenas os membros. Tenho todo o direito de acreditar que os filhos e irmãos dos membros alimentarão o ódio contra o inimigo e pegarão em armas na primeira oportunidade. Devemos ter a responsabilidade preventiva de eliminar também os filhos e irmãos. Que tal, por exemplo, entregando os filhos dos torturados para os carrascos, como foi feito na Argentina? Esta seria uma sequência racional. Ou seja, como dizia Hegel, as piores catástrofes são normalmente feitas com as melhores razões.

Dito isto, poderíamos nos perguntar de onde vem então nossa aversão à tortura em quaisquer circunstâncias. Do medo da realização dessa sequência catastrófica? Adorno dirá que essa transposição da exigência moral em uma “lógica das consequências” (Konzequenzlogik) é um equívoco, até porque eu sempre posso utilizar o argumento do custo social. A partir de certo momento, o custo social das ações adviria irracional. Torturar uma pessoa teria um custo social baixo, pois posso alegar situação excepcional, posso esconder mais facilmente a ação diante da opinião pública etc. Já torturar cinquenta pessoas exige a constituição de uma espécie de aparato jurídico, preciso flexibilizar algumas leis de proteção da integridade física, preciso criar leis sobre “práticas duras” em interrogatórios. Ou seja, o custo social adviria alto e talvez dificilmente negociável.

Na verdade, para Adorno, nossa aversão à tortura em quaisquer circunstâncias não vem da força impositiva de um princípio formal, mas de um impulso corporal, de certa angústia física que talvez seja a base do que se chamou um dia de compaixão. É isso que ele tem em vista ao falar do “impulso imanente ao comportamento moral, a pura angústia (Angst) física e o sentimento de solidariedade com os, nas palavras de Brecht, corpos torturáveis”[22]. Ou seja, para Adorno, o problema da tortura não pode ser resolvido com a ideia moral que me obriga a tratar o outro como fim em si mesmo. Até porque, o que podem ser os fins do outro, a não se uma projeção das estruturas dos meus fins? O que deve ser o outro para que eu o reconheça como tendo fins em si mesmo?

Por outro lado, o imperativo de não tratar o outro como meio para a realização dos meus interesses é contraditório, pois simplesmente inviabilizaria toda e qualquer relação humana. Em alguma dimensão, o outro é sempre meio para a obtenção de algum interesse (nem que esse interesse seja segurança, necessidade de afeto, reconhecimento). Vale a pena lembrar que nem sempre é degradante ser o instrumento do outro.

No entanto, não devemos entender imediatamente tal impulso corporal como compaixão pelo outro[23]. Adorno reconhece existir, ao menos, um elemento de verdade na crítica nietzschiana à compaixão. Trata-se da recusa em colocar o outro sob a condição negativa da impotência e da vitimização. Adorno chega a falar que se trata de “injustiça” contra alguém tratá-lo preferencialmente sob a figura da impotência (Bernstein, 2001, p. 258). Poderíamos completar dizendo que se trata, sobretudo, de não psicologizar o sofrimento do outro, pois esse processo transforma seu sofrimento em exigências de reparação subjetiva da individualidade lesada em seus sistemas de interesses, em demandas individuais de cuidado. Trata-se de uma lógica que, ao mesmo tempo em que reconhece a correção das demandas sociais, desloca-as para um campo fora do político com sua dinâmica de modificações estruturais, ou seja, para um campo de demandas “terapêuticas” de reparação direcionadas a um poder que deve ser reconhecido como tal para poder satisfazê-las.

Mas se não se trata exatamente de compaixão, o que significaria esse impulso corporal que, ao menos segundo Adorno, nos leva a não suportar o corpo torturável? Freud falava da “indignação” (Empörung) resultante de um processo de desenvolvimento cultural não muito distinto da domesticação de animais selvagens[24]. Processo baseado na dominação da vida pulsional pelo intelecto e na interiorização do impulso agressivo, com todas as consequências vantajosas e perigosas que isso pode ter. Freud chega mesmo a dizer tal indignação tinha, assim, fundamentação orgânica. Tudo se passa como se Adorno, ao falar de angústia física diante do corpo torturável, do corpo no seu limite de reconhecimento como humano, quisesse transformar tal fundamentação orgânica em um importante fundamento para a ação moral. No entanto, que o impulso moral apareça como angústia em relação à desintegração do corpo do outro, que essa angústia do corpo do outro reduzido a carne seja, afinal, um sentimento moral que impõe a urgência como temporalidade, eis algo que deve ser explicado. Pois isso pode nos mostrar como é racional não toda a ação feita em nome do sistema de interesses da pessoa individual, mas aquela em nome da identificação corporal e mimética, da capacidade de se colocar no que ainda não é humano ou do que não porta mais a imagem do homem. Essa ideia é importante porque Adorno conhece bem a natureza culturalista da noção de “humanidade”. Como ele próprio dirá: ”A humanidade é como sempre, inumana contra estes que ela marcou com o selo de não civilizados”[25]. Lembremos ainda como o discurso da ”humanidade” confunde a figura atual do homem com todo e qualquer sujeito possível, esquecendo que, “do ponto de vista da liberdade, os sujeitos não são idênticos a si mesmos, porque o sujeito ainda não é sujeito, e isso devido a sua instauração como sujeito: o si é o inumano”[26]. Podemos compreender tal afirmação da seguinte forma: sendo os processos de socialização e formação incapazes de formar sujeitos como sujeitos livres, ainda não há humanidade que possa realizar seu próprio conceito. Nesse sentido, reconhecer o si mesmo no que aparece como inumano, isto no sentido de desprovido da imagem do homem, pode ter forte potencial emancipatório. Daí porque a compaixão enquanto impulso corporal só pode ter sua função quando eu for capaz de me ver no que ainda não é humano ou naquele que não porta mais a imagem do homem[27].

OS PARADOXOS DA RESPONSABILIDADE INFINITA

No entanto, esse fundamento também é marcado pela insuficiência. Não só devido ao argumento clássico referente ao caráter parcial, instável, movediço daquilo que durante muito tempo alojou-se no interior de discussões sobre a compaixão e a simpatia. Há também o risco de que façamos a crítica de um princípio de identidade ligado à forma geral da ação para cairmos em outro princípio de identidade imediata, mas agora ligado à imediaticidade dos impulsos e pulsões. A fim de conservar o que essa experiência nos fornece de fundamental (ou seja, não exatamente um outro princípio positivo de conduta, mas o modelo estrutural de uma relação entre não idênticos), devemos determinar a ação a partir de dois fundamentos irredutíveis, ambos insuficientes quando tomados isolados e hipostasiados. Como se devêssemos afirmar: toda ação moral é um cálculo entre impulsos e prindpios que podem nos fornecer leis. Um cálculo entre pathos logos, entre fundamentos não idênticos, que podem muitas vezes entrar em contradição. Nesse sentido, podemos dizer que encontramos aqui um modelo de liberdade que não é imediatamente derivada da capacidade de dar para si mesmo uma lei em condições de autonomia, mas da capacidade de saber reconhecer a racionalidade do que não se apresenta como lei, mas como pathos.

Aqui, encontramos uma ideia importante que podemos derivar da filosofia moral de Adorno. Ela consiste na necessidade de aceitarmos a existência de impulsos corporais como motivos para a ação. No entanto, tal existência implica aceitação de uma espécie de “salto” no interior de cadeias explicativas causais. Ou seja, impulsos corporais são elementos importantes na determinação da ação moral. Mas como eles produzem saltos no interior de cadeias explicativas causais, eles não nos fornecem exatamente regras.

Talvez por isso, devemos insistir que esse cálculo entre impulsos e princípios é feito às escuras, sem garantia de sucesso, já que não há um sistema de regras que me permita determinar, de maneira segura, o procedimento de articulação entre os dois fundamentos. Calcular sem regras é a verdadeira situação daquele que se vê diante da iminência de produzir um ato. Por isso, a falibilidade do ato é traço essencial: o ato moral é aquele que deve ser assumido enquanto falível, como se racional fosse saber agir sem garantias de orientação na conduta.

Mas esse reconhecimento da opacidade de todo ato que se queira moral não implica aporia nem niilismo. Trata-se, na verdade, de redimensionar a noção de responsabilidade moral. Não se trata de oferecer um fundamento mais seguro. Trata-se de compreender que a insegurança do fundamento joga minhas ações para a dimensão da análise dos efeitos, para uma moralidade das consequências de cunho complexo. Retirada a garantia ontológica de alguma forma de identidade imediata no interior da ação moral ou, se quisermos, retirada a garantia de que a ação moral não se inverterá em catástrofe, em amoralidade, minha responsabilidade em relação ao ato é uma responsabilidade infinita, como dirá Derrida. Mesmo que todas as consequências da ação não dependam do meu controle, o engajamento em relação à ação exige que o cálculo seja infinitamente refeito a partir do desdobrar de suas consequências, a partir da maneira com que o Outro interpretará e reagirá à minha ação. Dessa forma, nos confrontamos com uma ação que, por saber-se falível e patológica, deve-se reorientar continuamente a partir do seu desdobramento em contextos que nunca serão completamente legíveis. Lembremos de um ponto fundamental. Através da experiência, posso adquirir não apenas a consciência do que fazer em certas situações. Posso adquirir também a consciência da fragilidade de meus modelos de ação, da fragilidade de sua eficácia. Uma forma de vida racional talvez seja, no fundo, aquela capaz de se organizar levando em conta tal fragilidade. Por isso, ela trata a instabilidade e o movimento para dentro da normatividade social.

Compreendamos isso, insistindo em um problema suplementar na estratégia de apelar à responsabilidade infinita. Pois não é claro quais são os limites de um contexto. À verdadeira ação não cabe apenas interpretar infinitamente os contextos aos quais ela se refere. Ela precisa determinar e limitar seus contextos. Tarefa particularmente complicada, pois poderíamos lembrar desta afirmação de Merleau-Ponty em um texto maior sobre Maquiavel: “Na ação histórica, a bondade é por vezes catastrófica e a crueldade menos cruel do que o temperamento bonachão”[28]. No entanto, se a crueldade atual pode revelar-se amanhã como bondade, se não é possível dissociar moral e história, de qual perspectiva posso avaliar as reais consequências da crueldade e da bondade em ações que se desenrolam na história, a não ser a partir da perspectiva totalizante de um observador onisciente da história? E o que acontece quando concluímos, como era o caso de Adorno, que essa perspectiva não nos é dada? Como Adorno parte de um diagnóstico histórico de desagregação da substância normativa da eticidade e de ausência de sujeitos históricos capazes de garantir o sentido de processos sociais (como era o caso de proletariado para Marx), ele deve admitir uma situação de “insegurança ontológica” para a ação moral.

Gostaria de comentar esse aspecto lembrando de um trecho maior de “A decisão”, de Bertolt Brecht. Nele, se lê:

O indivíduo tem dois olhos

O Partido tem milhares de olhos

O Partido vê sete países

O indivíduo vê uma cidade

O indivíduo tem a sua hora

Mas o Partido tem muitas horas

O indivíduo pode ser aniquilado

Mas o Partido não pode ser aniquilado.

Esse trecho causava especial aversão a Adorno por esquecer que há situações nas quais os dois olhos do indivíduo veem mais do que os mil olhos do partido. Na verdade, no nosso momento histórico, poderíamos mesmo dizer que o século XX cansou de nos mostrar isso. Pois, se Brecht tivesse realmente seguido a dialética, ele teria compreendido que o indivíduo nunca é apenas o indivíduo. Ele é o ponto a partir do qual os mil olhos do partido podem se voltar contra si mesmos. Nesses casos, o sofrimento do individual pode desvelar o ponto cego no interior da fascinação pela força de justificação integral de processos que se colocam na perspectiva onisciente da realização da história. O indivíduo sabe que a violência da justificação é a maneira mais segura de tais processos não se realizarem[29]Por isso, ele é a função que nos lembra que não devemos (no sentido radicalmente moral) recorrer à perspectiva de um observador onisciente da história.

Por isso, devemos terminar lembrando que a compaixão tem, por sua vez, um elemento de verdade (e não se deve em hipótese alguma esquecer essa inversão dialética), por mostrar como é no sofrimento do singular que encontramos a formulação de demandas universais e universalizáveis de reconhecimento. O sofrimento do singular, quando tomado em seu real valor, sempre é mais do que o sofrimento de um. Por isso, a compaixão deve ser criticada sem ser completamente descartada. Como sempre se volta a velhas palavras, devemos dizer que a compaixão deve ser superada mediante uma negação que conserva.

Talvez seja o caso de insistir que há uma modificação qualitativa na dimensão moral quando os sujeitos admitem a opacidade constitutiva do ato moral (opacidade ao menos para uma moralidade fundada sobre formas de racionalidade procedurial)[30]. O sujeito que reconhece tal opacidade é capaz de pensar contra si mesmo e reconhecer que o engajamento significa não exatamente ser fiel a um princípio, por mais claro que tal princípio possa lhe parecer, mas ser fiel ao esforço infinito de pensar e rever as consequências que se seguem àquilo que, em um dado momento, é claro para nós. Isso pode parecer pouco. Mas talvez seja muito mais do que imaginamos.

Tal opacidade nos permite compreender por que, talvez, a frase mais importante de Adorno a respeito da filosofia moral seja, no final das contas: “toda ação moral é falível”. Talvez, ao final só nos resta admitir que a ação moral é sempre feita em situação de angústia. “Fazer coisas que não se sabe o que, a respeito da qual não se sabe o nome”. Era esta uma descrição de Adorno a respeito da posição atual do artista. É bem possível que tal posição tenha se generalizado.

Dificilmente, as verdadeiras decisões morais, mesmo aquelas ligadas à esfera da vida individual e “doméstica”, não serão mais marcadas pela angústia de quem se vê obrigado a inventar algo antes que tudo quebre. Como as revoluções nos ensinaram, todo verdadeiro ato é uma estrada construída perto demais de um abismo. Vai da astúcia de cada um saber não olhar para baixo.

Referências bibliográficas

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Há situações em que é imoral pensar? 155

  1. Theodor Adorno, Probleme der Moralphilosophie, Frankfurt: Suhrkamp, 1996, p. 45. 
  2. Esta é, na verdade, a consequência da ideia de que toda ação contra uma estrutura normativa ilegal é uma ação legal. No que diz respeito ao Ocidente, é bem provável que tal ideia nasça da Reforma Protestante, com a noção de que os valores maiores presentes na vida social podem ser objeto de problematização e crítica. Ela está presente, por sua vez, no artigo 27 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793, documento fundador da modernidade política; artigo que afirma: “que todo indivíduo que usurpe a soberania seja assassinado imediatamente pelos homens livres”. Ainda hoje, ela aparece no Artigo 20, Parágrafo IV da Constituição alemã como “direito à resistência” (Recht zum Widerstand). Encontramos um direito similar enunciado em várias Constituições de estados norte-americanos (New Hampshire, Kentucky, Tennesse, Carolina do Norte, entre outros). 
  3. Artigo 27 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793. 
  4. Para o conceio de vida ética em Hegel, ver Jean-François Kervégan, “Haveria uma vida ética?”, revista Dois Pontos, vol. 3, n. 1, 2006, pp. 83-107, e Robert Pippin, “Hegel’s ethical rationalism”, in Idealism as modernism, Cambridge University Press, 1997. 
  5. Hegel, Grundlilien der Philosophie des Rechts, Frankfurt: Suhrkamp, 1986, § 142. 
  6. Neste sentido, devemos aceitar uma consideração de Robert Pippin, segundo a qual liberdade consistiria “em estar em uma certa relação reflexiva e deliberativa consigo mesmo (que Hegel descreve como capacidade em dar uma ‘forma racional’ a minhas inclinações e interesses) que só é possível se já estamos em uma certa relação (em última instância, institucional, governada por normas) com outros, se já somos participantes de certas práticas” (Robert Pippin. Hegel’s practical philosophy. rational agency as ethical life, Cambridge University Press, 2008, p. 4). 
  7. T. Adorno, Mínima moralia, § 18. Ou ainda, em um tom claramente marxista de denúncia da submissão da vida à racionalidade operativa na esfera econômica: “Aquilo que outrora o filósofo entendia por vida, reduzido à esfera privada e depois só à do consumo, vê-se arrastado, sem autonomia e sem substância própria, como apêndice do processo de produção material” (/d., Negative Dialektik, Frankfurt Suhrkamp, 1973, p. 145). 
  8. Theodor Adorno. Negative Dialektik, op. cit. pp. 303-304. Notemos como esta afirmação parece desdobrar uma colocação que encontramos em O mal-estar na civilização, de Freud: “Grande parte das lutas da humanidade centralizam-se em torno da tarefa única de encontrar uma acomodação conveniente, ou seja, um compromisso (Ausgleich) que traga felicidade entre reivindicações individuais eculturais; e um problema que incide sobre o destino da humanidade é o de saber se tal compromisso pode ser alcançado através de uma formação determinada da civilização ou se o conflito é irreconciliável”. (Sigmund Freud, Das Unbehagen in der Kultur, ln: Gesammelte Werke vol. x1v, Frankfurt: Fischer, 1999) 
  9. O que nos explica afirmações peremptórias como: “O direito é o fenômeno originário da racionalidade irracional (Recht ist das Urphanomen irrationaler Rationalitat). Nele, o princípio formal de equivalência transforma-se em norma. tudo é medido com a mesma régua” (T. Adorno. id., p. 304). 
  10. Sobre a possibilidade de um outro modelo de reflexão sobre a norma. modelo este que não siga a dinâmica procedurial do jurídico. ver Georges Canguilhem. O normal e o patológico, sobretudo o segundo capítulo da segunda parte. 
  11. Jacques Derrida. Força de lei: o fundamento místico da autoridade, São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 8. 
  12. ld., p. 30. 
  13. Theodor Adorno. Negative Dialektik, op. cit., p. 241. 
  14. ld., p. 243. 
  15. Cf. Kant, Kritik der praktischen Vernunft, Frankfurt; Suhrkamp, 1974, p. 203. 
  16. Notemos como é bem provável que o problema da distinção entre “conforme à” e “por amor à” é um problema de sinceridade. Se sempre ajo conforme à Lei (mesmo sem amor pela Lei), posso perguntar se realmente sei o que sinto, se conheço as artimanhas do meu amor. 
  17. lmmanuel Kant; Kritik der praktischen Vernunft, Berlin: Walter de Gruyter, 1969, p. 65. Ou ainda, a respeito da identidade entre forma geral da ação e intencionalidade moral: “Qual forma na máxima convém e qual forma não convém à legislação universal, isso o entendimento ordinário (gemeinste Verstand) pode distinguir sem instrução (Unterweisung)” (id., pp. 49-50). O que levava Adorno a associar a ética kantiana a uma ética da convicção. 
  18. Adorno, id., p. 166. 
  19. Isso demonstra como uma das referências fundamentais dessa noção de autonomia é o conceito grego de autarkeia com sua tentativa de fundar a dominação de si na negação direta dos vínculos privilegiados a objetos sensíveis, recorrendo assim a um conceito negativo de liberdade. Essa liberdade, antes de ser “liberdade de fazer determinadas ações”, é “libertação em relação a certos objetos e paixões”. 
  20. Ver Adorno, id., p. 155. 
  21. Para uma análise mais sistemática deste ponto, tomo a liberdade de remeter a Vladimir Safatle, “Freud como teórico da modernidade bloqueada”. Revista A peste, n. 2, São Paulo, 2010. 
  22. Theodor Adorno, Negative Dialektik, op. cit., p. 281. 
  23. Pois a compaixão não deixa também de ser tocada pelo processo de autorreificação: “even in the sactuary of private life, the presumptive home of the voice of care, we cannot perceive how life is to be lived” (Jay Bernstein, Adorno, disenchantment and ethics. Cambridge University Press, 2001, p. 48). 
  24. Ver Freud, Warum Kríeg? in Gesammelte Werke, vol. XVI, op. cit., p. 26. 
  25. Adorno, Negative Dialektik, op. cit., p. 281. 
  26. ld., p. 294. 
  27. Procurei explorar esse ponto de maneira mais sistemática em Vladimir Safatle, “Sobre a potência política do inumano”, in Adauto Novaes. A condição humana, Rio de Janeiro: Agir; São Paulo: Edições SESC SP, 2009. 
  28. Maurice Merleau-Ponty, Notas sobre Maquiavel, in Signos, São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 242. 
  29. Essa é minha crítica à leitura de Slavoj Zizek a respeito da peça de Brecht, tal como ela aparece em Slavoj Zizek. The ticklish subject: the absent centre of political ontology, London: Verso, 1999, pp. 378-380. Um dos fundamentos de sua leitura consiste em afirmar que o ato ético revolucionário: “não é a simples devoção e fidelidade à Revolução, mas, antes, a aceitação consciente do papel de ‘mediador evanescente’, do executor excessivo que deve ser executado (como traidor) para que a Revolução realize seu último objetivo” (p. 379). Como se, para quebrar os interesses individuais dos particulares, a revolução devesse se servir de uma violência excessiva que depois deveria ser, por sua vez, anulada de forma violenta pela própria revolução. Zizek tem clara consciência da impossibilidade de ocuparmos o lugar de observador onisciente da história (de grande Outro, para usar um termo lacaniano). No entanto, talvez seja o caso de duvidar da necessidade de uma negação simples dos interesses individuais. Pois tais interesses nunca deixarão de se voltar contra a revolução, o que obrigará uma institucionalização perene da violência. O papel de executor excessivo nunca estará totalmente completo. Por outro lado, nem tudo no interior dos interesses individuais é expressão particularista que deve ser negada. 
  30. Nesse sentido, estas colocações servem, também, para redimensionarmos o problema do reconhecimento enquanto base para toda filosofia moral. Pois a perspectiva de Adorno talvez nos sirva para mostrar como “devemos considerar uma certa leitura pós-hegeliana da cena do reconhecimento na qual minha própria opacidade para mim mesmo produz minha capacidade para conferir um certo tipo de reconhecimento dos outros. Talvez isso pudesse ser uma ética baseada na partilha de nossa cegueira parcial e invariável a respeito de nós mesmos. O reconhecimento de que alguém é, em toda situação, não totalmente idêntico à maneira com que se apresenta no discurso disponível, pode implicar uma certa paciência com os outros, o que poderia suspender a demanda de que eles sejam autoidênticos (self sarnes) a todo momento” (Judith Butler, Giving an Account of Yourself, New York: Fordham University Press, 2005, pp. 41-42.) 

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