2017

O amor na era digital

por Francisco Bosco

Resumo

Já se vão quase 900 anos desde que as narrativas do mito de Tristão e Isolda apresentaram ao mundo a formulação radical do amor cortês, para a qual o afeto em questão deve recusar a sua própria satisfação – “a fim de melhor se conservar”, como observa Denis de Rougemont.

Como se sabe, esse elogio da paixão atravessa a história e, transformado, secularizado e combinado a outros elementos, permanece vigente na contemporaneidade.

Com efeito, o estado passional é ainda um valor forte nos dias de hoje. Mas é duplamente depreciado, assim como o é a experiência do amor como construção de uma “perspectiva da diferença”, como o define Badiou. De um lado, pelo interesse subjetivo em esvaziar-lhes os riscos constitutivos, submetendo o imponderável de seu acontecimento a uma espécie de encontro arranjado moderno, uma mentalidade “securitária” (ainda Badiou), propiciada por sites de relacionamentos que, através da onipresente lógica do algoritmo contemporânea, prometem “o amor sem o acaso”, o match sem arestas; de outro, por uma sobrevalorização extrema do sexo, espécie de materialismo radical (no fundo, um narcisismo viciado e nada radical), facilitado por sua vez pelos aplicativos de pegação (Grindr, Tinder, Blendr, Happn etc.).

Assim, no mundo dos sites e aplicativos, o que sobressai parece ser a um só tempo a vontade da relação, esvaziada entretanto do elemento da diferença, e sua recusa, isto é, o triunfo do imaginário, o sexo e – tal como na fórmula de Lacan – sua impossibilidade de relação. Basicamente, prevalece o princípio da identidade. Nada surpreendente, no contexto do egoísmo organizado do capitalismo.


A era digital a que alude o título deste ensaio deve ser compreendida como a inflexão mais recente de uma mutação decisiva do século XX: a tecnologia de produção de imagens. A partir dos anos 1950, as imagens começaram a ser produzidas em escala industrial e com difusão planetária. É à articulação dessa possibilidade técnica com a lógica do capitalismo que se deve a emergência do que Debord chamou de sociedade do espetáculo. Esse conceito não designa apenas uma mera hegemonia da linguagem visual, mas uma relação social mediada por imagens, sob a lógica do capital. Aqui é preciso evocar tanto a luta por reconhecimento hegeliana quanto o conceito lacaniano de imaginário. Para Hegel, como se sabe, é constitutiva da experiência humana a luta por obtenção de reconhecimento pelo outro, sem a qual não acedemos a uma certeza objetiva quanto a nossa própria existência. Lacan demonstrou, por sua vez, que o registro da formação do eu, bem como de sua sustentação fundamental, é a imagem. Acresça-se a esse caldo o esvaziamento do espaço público a partir da década de 1970 – com a transformação do capitalismo em capitalismo de consumo e a resturação do enrijecimento das estruturas políticas do mundo – e a retração, desse modo, do lugar da experiência subjetiva para o próprio eu (em detrimento das atuações de sentido coletivo), fenômeno

bem estudado por Cristopher Lasch em seu Cultura do narcisismo.

Tudo articulado, temos a emergência do espetáculo como uma mundialmente onipresente instância de reconhecimento, feita da matéria-prima mesma do narcisismo, numa época de retração do espírito público e triunfo da lógica do capital. Essa equação resulta na expressão precisa cunhada por Elizabeth Badinter, capitalismo do eu.

É essa a hipótese histórica de fundo que orienta a desconfiança sugerida ao longo deste ensaio: a de que o culto contemporâneo ao eu, ao princípio da identidade, configura uma antinomia fundamental relativamente à experiência do amor, que é constitutivamente, como quer que se a proponha, uma experiência radical da alteridade. Esse culto ao eu encontra vasto alimento nessa inflexão recente da tecnologia de produção de imagens que é o espaço digital, com suas novas possibilidades de socialização, agravando assim a dita antinomia. Porque o espaço digital faz parte de uma cultura mais abrangente do capitalismo e do narcisismo é que o chamo de era digital, na verdade uma era que começa, como disse, com a articulação entre produção industrial de imagens e lógica do capital. Tudo isso, contudo, não é simples ou homogêneo, nem tampouco o fenômeno se encontra aqui estudado em maior profundidade. Sobretudo os encaminhamentos finais do ensaio não passam de meros tateamentos feitos nesse ponto obscuro que se situa bem embaixo da lâmpada ofuscante do contemporâneo. No fim das contas, meu objetivo foi o de mobilizar informações históricas, perspectivas teóricas e algumas interpretações críticas suficientes para abrir a questão, de modo a oferecer subsídios

importantes para que ela possa ser mais bem pensada.

Não foi por acaso, já se observou, que Platão colocou na boca de Aristófanes o discurso instaurador do mito do amor como unidade perdida. Bufão e difamador de Sócrates, o autor de As nuvens, enquanto personagem de O banquete, cumpre a função de deslegitimar essa perspectiva por ser ele a encampá-la num livro que pretende ter no discurso de Sócrates o seu apogeu teórico (seguido de uma igualmente pretensa homenagem ao mestre de Platão; refiro-me ao “barraco” de Alcibíades, uma curiosa mistura de hagiografia e escândalo, que viria a ser deslida por Lacan[1] e mobilizada justo contra a ideia de eros segundo Sócrates/Diotima).

A Antiguidade greco-romana não poderia ver com bons olhos a ideia do amor como uma dependência radical, ontológica mesmo, do outro.

Não apenas na Grécia clássica, com seu ideal de medida, inexiste o seu elogio. Também não encontramos antes personagens nas tragédias que encarnem e encenem propriamente uma relação amorosa: Fedra se consome numa paixão solitária; Medeia, num ciúme solitário; “Egisto e Clitemnestra”, como observa Octavio Paz, “são unidos pelo crime, não pelo amor[2]”. Já no período helenístico, nenhuma das vertentes filosóficas prescreve o amor aristofânico, amor-paixão, como receita em suas economias do melhor viver. Epicuro via no amor uma ameaça à serenidade da alma. Tampouco os escritores lhe faziam o elogio. Menandro, o comediante, referia-se ao amor como uma doença. Plutarco se lhe referia em termos semelhantes, dizendo que os apaixonados devem ser perdoados, como se estivessem enfermos. Em suma, é de todo provável que o próprio Platão concordaria com o juízo proferido por Michel Houellebecq, segundo o qual O banquete é “o livro maldito entre todos”, por ter legado à humanidade a ideia de uma “incurável nostalgia”[3].

Pois o eros platônico, isto é, aquele de Sócrates/Diotima, como se sabe, nada tem a ver com isso. Não será ocioso repisar aqui uma das noções mais conhecidas – e menos afeitas à sensibilidade moderna – da cultura ocidental, pois sua retomada preparará uma pergunta decisiva para o desenvolvimento da argumentação. Transcrevamos, assim, um trecho definidor da metáfora da escada do amor:

Essa é a forma correta de abordar ou ser iniciado nos mistérios do amor, começar com exemplos da beleza nesse mundo, e usá-los como degraus para ascender continuamente rumo a seu objetivo, a beleza absoluta, de uma instância da beleza física a duas instâncias, e de duas a todas, e então da beleza física à beleza moral, e da beleza moral à beleza do conhecimento, até que do conhecimento de diversos tipos chega-se ao supremo conhecimento, cujo único objetivo é aquela beleza absoluta, e se sabe finalmente o que é essa beleza absoluta[4].

Como se pode ler, nesse percurso ascencional, o outro é apenas um “exemplo da beleza nesse mundo”, destituído portanto de singularidade, de que o amante se serve para cumprir sua trajetória rumo à “beleza absoluta”, o céu das ideias platônico, lugar da verdade. Esse processo ilustra o que Lacan chama de função metonímica do desejo, isto é, um movimento que se encaminha para algo que está além de todos os objetos, através desse objetos, “rumo a uma perspectiva sem limite[5]”.

O outro, no eros platônico, é portanto meramente um instrumento, um objeto de que se serve o érastès, o amante, em seu percurso ascencional. Daí Octavio Paz se perguntar: “será que é mesmo do amor que trata o discurso de Sócrates/Diotima?[6]”. O ensaísta mexicano compara o amante platônico aos libertinos de Sade, suas imagens invertidas. Pois tanto em um como nos outros a experiência em jogo é marcada por uma flagrante assimetria, uma hierarquia, um desequilíbrio constitutivo e fundamental. O érastès filósofo platônico “sobe” em cima de seus érôménoï, seus amados, usa-os como degraus de uma escada cujo objetivo não é compartilhado. De modo análogo, os libertinos de Sade se servem dos outros como meros objetos de seu prazer (sabemos que essa anulação do caráter de sujeito dos outros deixa-os à mercê de uma violência sem limites): “Para o libertino, a relação erótica ideal significa poder absoluto sobre o objeto sexual, e uma igualmente absoluta indiferença quanto a seu destino; enquanto o objeto sexual é totalmente complacente com os desejos e caprichos de seu mestre. Daí que os libertinos de Sade demandam a perfeita obediência de suas vítimas[7]”.

A comparação entre o amante platônico e o Dolmancé dos romances

sadianos pode ser estendida, retrospectivamente, para outro personagem célebre da literatura ocidental: Don Juan, consagrado pelas obras de Molière e Mozart, um precursor, certamente menos esclarecido e radical, dos libertinos do XVIII (sua profissão de fé ateísta está distante da sofisticação argumentativa dos personagens sadianos, e ainda mais de suas consequências práticas), e cujo perfeito correlato histórico é Casanova, o homem de 122 mulheres, veneziano representante de uma aristocracia já desprovida do heroísmo feudal, e em cujo imaginário o Don Juan da ficção exerceu grande influência. “Lendo certas passagens de O banquete”, observa Octavio Paz, “é impossível não pensar, a despeito da sublimidade dos conceitos, em um Don Juan filosófico[8].” Nessa espécie de imagem invertida, o movimento do sedutor blasfemo é descendente e termina no inferno, enquanto o do amante platônico é ascencional e mira o céu das ideias perfeitas.

Em todos esses casos o traço comum é o da relação instrumental com o outro, uma objetificação esclarecida. À sua própria pergunta, Octavio Paz responde que não se trata, aí, de amor – e sim de erotismo. Na conhecida tipologia de A dupla chama, Paz diferencia sexo, erotismo e amor. O primeiro registro sendo o mais vasto e primordial, confundindo-se com a própria origem da vida de todos os seres de reprodução sexuada. Já o erotismo é definido como uma prática exclusivamente humana, uma experiência simbólica, irredutível portanto à finalidade reprodutiva ou ao mecanismo instintivo da atividade sexual. O erotismo, assim, está para o sexo como a poesia para a linguagem cotidiana: ambos se desviam de suas finalidades “naturais” (a reprodução e a comunicação). No erotismo, a finalidade do sexo é o próprio prazer – e, evidentemente, sendo sua instância o simbólico, a imaginação, pode até mesmo prescindir do sexo ou de qualquer efetivação física para se realizar. Finalmente, o amor abrange o erotismo (não há aquele sem este), mas se diferencia dele precisamente pelo estatuto do outro em seu interior. Enquanto o erotismo é primeiramente uma experiência individual (posso desenvolver uma situação erótica com alguém sem que essa pessoa sequer tenha consciência disso – em sonhos, devaneios ou masturbações, por exemplo), o amor é constitutiva e necessariamente uma relação, no sentido estrito da palavra, isto é, que exige a participação ativa do outro. Justamente, para tanto é preciso que esse outro não seja um mero objeto, e sim um indivíduo livre, cuja liberdade se efetive na relação. Numa palavra, no amor, o outro é um sujeito.

Minha proposta aqui será retomar marcos fundamentais da história

do amor no Ocidente sob essa perspectiva do outro. Por meio dela será possível compreender a emergência histórica de diversas concepções do amor, procurar deslindar a trama complexa entre amor, paixão, erotismo e sexo – e finalmente lançar luz sobre as transformações recentes dessas

experiências no contexto do capitalismo avançado e, mais especificamente, a partir das possibilidades abertas pelas tecnologias de comunicação do espaço digital.

Sob a perspectiva do outro, podemos identificar a princípio três registros, que se interseccionam, mas não se confundem: o erotismo, a paixão e o amor. No erotismo, o outro é um objeto; na paixão, é a própria cisão entre objeto e sujeito que se dissolve em uma fusão imaginária (outro e eu são Um, imaginariamente); no amor, o outro é um sujeito. Expliquemos e problematizemos essa tipologia.

É oportuno começar pela questão sempre embaraçosa do começo: quando surgiu o amor no Ocidente? A própria formulação da pergunta já é inquietante, na medida em que sugere uma origem histórica. Ora, o senso comum costuma perceber o amor como um sentimento universal e natural, presente em todas as épocas e culturas. Essa seria, segundo o psicanalista Jurandir Freire Costa, a principal das afirmações que “sustentam o credo amoroso dominante[9]”. Mas será mesmo assim? Acreditar na universalidade e naturalidade do amor implica acreditar que há um denominador comum sentimental entre todas as formas em que essa experiência emocional se realizou e se compreendeu ao longo da história. E, contudo, em poucas páginas já pudemos constatar que, por exemplo, até no interior de uma mesma época, de uma mesma cultura, de um mesmo livro há experiências radicalmente diferentes, como as do eros segundo Aristófanes e segundo Sócrates/Diotima, abrigadas sob o mesmo nome.

Nesse momento não precisamos ir muito mais longe para prosseguir o argumento. A língua grega tem palavras diferentes para descrever essas experiências emocionais que, mais tarde, passariam a ser designadas, em outras línguas do Ocidente, pelo mesmo nome (em português, amor). Eros, conforme já vimos, mas também ágape. Se eros designa sempre uma relação com um outro específico (ainda que instrumentalizável), ágape é o termo que designa o amor ao próximo. Se eros é o termo que designa experiências diversas para a cultura grega antiga, ágape é o termo da língua grega que viria a designar uma experiência da cultura do cristianismo, cultura profundamente diversa da grega. Aqui não cabe entrar em detalhes, mas é evidente a diferença entre a fusão aristofânica, a ascensão solitária do amante filosófico platônico e o amor ao próximo cristão. Nesse último não há fusão, nem solidão, e sim comunhão. A experiência do amor ao próximo decorre da doutrina cristã – fundamentalmente diversa da perspectiva das religiões pagãs – segundo a qual o filho de Deus desceu até os homens. A encarnação como que legitima a humanidade, torna as criaturas iguais (em relação a Deus) e igualmente dignas de serem amadas, por Deus e uns aos outros: “amarás a teu próximo como a ti mesmo”. Diferentemente, assim, de religiões pagãs – o maniqueísmo, por exemplo – para as quais não há mediação possível entre o dia e a noite, o transcendental e o imanente. Nessas, a matéria é depreciada, logo também os homens, que não são dignos de amor e devem procurar uma fusão com a transcendência, com Deus ou o Ser universal (no caso do budismo).

Desse modo, o mandamento do amor ao próximo, ágape, é uma experiência afetiva indissociável de uma crença cognitiva. E isso é extensivo, evidentemente, a todas as experiências afetivas, emocionais que viríamos a abrigar sob o nome de amor. Em outras palavras, “o amor foi inventado como o fogo, a roda, o casamento, a medicina, o fabrico do pão, a arte erótica chinesa[10]” etc. “Nenhum de seus constituintes afetivos, cognitivos ou conativos é fixo por natureza.” A palavra amor tem um estatuto aná- logo ao da palavra arte: uma espécie de anacronismo semântico. Assim como a palavra amor, arte reúne, nesse único significante, experiências históricas e culturais radicalmente diversas, a ponto de ser muito difícil (a meu ver impossível) identificar um mesmo denominador comum, uma linha, mesmo que tênue, inquebrantável, que ligue as pinturas rupestres, os mausoléus egípcios, a estatuária clássica, os mosaicos bizantinos, a perspectiva renascentista, as maçãs de Cézanne, os ready-made de Duchamp, os desvios situacionistas e as performances de Marina Abramovic’. Da mesma forma que, quando olhamos para uma pintura rupestre e chamamos aquilo de arte, estamos efetivando um anacronismo, isto é, pensando uma prática antiga, cujo sentido só poderia se revelar a partir da compreensão da cultura em que ela foi produzida, sob critérios modernos – quando dizemos que o amor é universal “estamos dizendo que sabemos reconhecer em experiências emocionais passadas semelhanças ou identidades com experiências amorosas presentes[11]”. Entretanto, prossegue Jurandir Freire Costa:

A capacidade para reconhecer semelhanças ou diferenças em fatos afastados no tempo e no espaço é ensinada e aprendida como qualquer outra. Quem nos ensina que o amor de Helena por Páris, de Romeu por Julieta, de Cleópatra por Marco Antonio, de Tristão por Isolda é igual ao amor que sentimos já selecionou previamente, nos fatos passados, o que deve ser identificado com os traços relevantes dos amores atuais.

Em suma, não existe, propriamente, o amor, enquanto um sentimento com características estáveis atravessando todas as épocas e culturas. Talvez possamos falar, como propõe Octavio Paz, de um sentimento que, “em sua forma mais simples e imediata”, qual seja, “a atração passional que sentimos em relação a uma pessoa entre tantas”, pertence “a todos os tempos e lugares”, e de que “a existência de uma imensa literatura cujo tema central é o amor” seria evidência conclusiva[12]. Ainda assim, é evidente, para o olhar de um historiador, que esse sentimento assume diversas formas ao longo da história. Talvez seja ociosa a questão sobre o haver um mínimo denominador comum a partir do qual possamos falar de um sentimento universal, como quer Paz. O importante é compreender as diferenças das experiências emocionais que, em diversas épocas e culturas, encontram-se hoje abrigadas sob o nome de amor. É essa compreensão que nos permitirá pensar a experiência emocional do amor tal como a vivemos contemporaneamente.

Retomemos então a pergunta, agora em condições melhores para lidar com ela: quando surgiu o amor no Ocidente? Conforme se depreende da argumentação acima, para começar a respondê-la precisamos definir que amor, isto é, que experiência emocional estamos procurando. Como parece ser de consenso entre os historiadores do amor, o espaço e tempo histórico-cultural em que se configura uma experiência emocional, cognitiva e estética que reúne alguns traços fundamentais do que hoje compreendemos como amor foi a região da Provença, atual Sul da França, durante os séculos XI a XIII. Foi aí que surgiu a cultura da cortezia, uma ética, uma estética e um sentimento que viria a passar para a história do Ocidente como o acontecimento do amor cortês. Terá sido esse o momento inaugural em que o suposto sentimento amoroso universal assumiu uma determinada forma, configurou-se como uma espécie de cultura e transmitiu-se pela história, chegando até nós em alguns de seus traços decisivos. São esses: a relação dual, envolvendo indivíduos livres e singulares; a valorização das emoções intensas e desmesuradas, constitutivamente produtoras de sofrimento; a aceitação e mesmo valorização de sentimentos vis e irracionais, como o ciúme; e o elogio da paixão em detrimento do equilíbrio, da ordem e dos benefícios materiais característicos do casamento.

Antes, contudo, de adentrarmos as questões do amor cortês, permaneçamos ainda um pouco mais na Antiguidade, pois é aí que, segundo a perspectiva de Octavio Paz, podemos encontrar uma pré-história do amor (tomando, portanto, como referência o amor como o conhecemos desde a Provença). Já vimos que uma experiência emocional reunindo os traços descritos acima é radicalmente diferente das experiências vividas pela Antiguidade grega e pelo cristianismo. Sob vários aspectos e por diversas razões. O ideal clássico jamais poderia admitir a valorização de emoções desmesuradas, comprometedoras da autonomia do indiví- duo, que o deixam à mercê do outro. Nem tampouco sentimentos vis, como o ciúme, que antes testemunham uma prática que vai contra o aperfeiçoamento do indivíduo, sua busca pelo bom, belo e justo. Já o ágape cristão é primordialmente um amor ao próximo, caritas, diferente da ideia de uma relação estritamente dual. E, claro, para o cristianismo a institucionalização sagrada da experiência amorosa é o casamento, que repudia a paixão, suas rupturas, violências, desequilíbrios e ilusões. Assim, podemos até encontrar esparsamente, na Grécia clássica, manifestações do amor tal como o passaríamos a reconhecer a partir do século XI, mas são manifestações ou difusas ou, embora já claramente formuladas, não valorizadas e sedimentadas culturalmente (como o discurso de Aristófanes em O banquete).

É somente, para Octavio Paz, no período helenístico que encontramos em maior quantidade e melhor definição documentos que testemunham experiências emocionais mais próximas ao que reconhecemos como amor. Poetas como Teócrito, Calímaco e Safo, escritores como Apuleio e Longus criaram obras onde se podem verificar a intensidade passional, as ambivalências emocionais e a experiência psicológica características do amor como o reconhecemos.

Assim, por exemplo, no poema “A feiticeira”, de Teócrito, escrito no primeiro quarto do século III a.C., “é a primeira vez que aparece na literatura – e ainda mais descrito com tal violência e força – um dos grandes mistérios humanos: o inextricável entrançamento de ódio e amor, desprezo e desejo[13]”. O poema põe em cena uma mulher, Simaeta – que, dado importante, não pertence à aristocracia –, preparando um filtro para trazer de volta o homem que ela ama, e enquanto isso repensa a história des- se amor e o examina. Diversos afetos, de alegria e tristeza, são evocados. Como observa Octavio Paz, “o amor de Simaeta é feito de persistentes desejo, desespero, raiva, desamparo. Estamos muito distantes de Platão”.

Outro exemplo é a narrativa “Eros e Psique”, que consta na coletânea de histórias O asno de ouro, de Apuleio. Nela, um deus, Eros, se apaixona por uma mortal, Psique. A tradição identifica na narrativa a influência direta das ideias platônicas: Psique, graças ao amor por Eros, eleva-se progressivamente até a imortalidade. Temos aí, com efeito, a teoria das reminiscências que descreve a ideia de alma para Platão. A alma (psiquê, em grego) seria originalmente uma entidade celestial, que eventualmente cai na Terra, encarna nos humanos, mas carrega em si a nostalgia do céu das ideias perfeitas, para o qual o amor (éros) é uma chance de retorno. Paz, entretanto, observa que se trata de uma transformação inesperada do platonismo. Não apenas porque a narrativa é uma história de amor realista (em vez de uma aventura filosófica solitária), mas sobretudo porque há nela uma novidade: um deus se apaixona pela alma de um mortal, ou seja, pela totalidade de sua pessoa. Essa novidade encerra o traço decisivo da experiência amorosa – lá onde ela se distingue do erotismo – para o ensaísta mexicano: o amor é uma relação dual entre pessoas livres, que se relacionam com a totalidade do outro, logo enquanto sujeitos. Por isso o amor não poderia ter surgido na Grécia clássica ou em outra cultura da Antiguidade. Houve um fator social decisivo que propiciou seu acontecimento:

O poema de Teócrito não poderia ter sido escrito na Atenas de Platão. Não somente por causa da misoginia ateniense, mas pela situação da mulher na Grécia clássica. No período Alexandrino, que tem mais de uma semelhança com o nosso, uma revolução invisível tem lugar: as mulheres, antes trancadas no gynaeceum, saem para o ar livre e apa- recem na superfície da sociedade. […] Essa mudança não foi limitada à aristocracia, mas se estendeu à imensa e fervilhante população de comerciantes, artesãos, pequenos proprietários, trabalhadores, e todas aquelas pessoas em grandes cidades que viveram e vivem ainda com muito pouco dinheiro[14].

A mudança do estatuto social das mulheres é o fator que propiciou o acontecimento da relação de amor. Como se sabe, na Grécia de Péricles, democrática, os homens livres tinham na política seu ideal superior. A vida pública era o valor maior (vida privada, como guarda o significado da palavra, era uma experiência limitada). Daí seus maiores filósofos terem se dedicado à política. No período helenístico, se por um lado as tiranias causaram uma retração da vida pública – e por isso mesmo conduziram os filósofos a se dedicarem à questão ética do melhor viver – por outro, em consequência do imperialismo alexandrino, o período deu origem a cidades de caráter cosmopolita, com os efeitos típicos de desprovincianização dos costumes provocados pelos cruzamentos culturais:

Período helenístico – a transformação da cidade da Antiguidade. A polis, fechada sobre si mesma e ciumenta de sua autonomia, abriu-se para o exterior. As grandes cidades se tornaram genuínas cosmópolis por meio do intercâmbio entre pessoas, ideias, costumes e crenças. […] Essa grande criação civilizatória foi alançada em meio às guerras e ti- ranias que marcam o período. A novidade mais dramática terá sido o surgimento, nas novas cidades, de uma mulher mais livre[15].

É, portanto, nas grandes cidades da Antiguidade helenística, como Alexandria e Roma, que o objeto erótico foi começando a se transformar em sujeito.

A relação erótico-emocional entre dois sujeitos, dois indivíduos livres e no exercício de sua liberdade, pode se efetivar de diversas maneiras. No casamento cristão, por exemplo, o que se busca é a serenidade, a duração, a fidelidade. Já vimos que o sentimento da paixão não era estranho à Antiguidade greco-romana, mas nunca fora valorizado por ela. Ou ainda, mesmo que louvado por poetas, esse sentimento não se inscrevera ainda em “uma doutrina do amor, um conjunto de ideias, práticas e comportamentos incorporados e compartilhados por uma coletividade[16]”. É isso o que acontece a partir do século XI, na Provença. Primeiro em langue d’oc, depois difundindo-se por outras regiões e línguas, alguns traços essenciais do amor cortês avançaram séculos adentro, configurando o núcleo básico ao qual remonta o credo amoroso moderno. Entre esses traços essenciais, talvez o mais decisivo seja a valorização da paixão.

Como o tema do amor cortês é tão complexo e controverso quanto repisado, e nos interessam mais os seus efeitos para a história do amor por vir do que analisar o fenômeno em si mesmo, procurando esclarecê-lo em detalhes, apenas indiquemos suas coordenadas principais[17].

A primeira delas é sociológica. Algumas características da sociedade feudal daquela região foram determinantes para o surgimento do amor cortês: a) no século XII o casamento havia se tornado para os senhores um puro e simples meio de enriquecimento e anexação de terras oferecidas em dote ou prometidas em herança. O casamento era um negócio entre famílias nobres, uma operação comercial que excluía a liberdade de decisão dos envolvidos e anulava a dimensão sentimental da união; b) como observa Octavio Paz, o surgimento do amor cortês teria sido impossível sem uma mudança no estatuto das mulheres. As mulheres da aristocracia, em particular, gozaram de uma liberdade maior do que tiveram as suas avós durante a Idade das Trevas. Diversas circunstâncias favoreceram esse desenvolvimento. Entre elas, o fato de que o cristianismo havia dotado as mulheres de uma dignidade desconhecida nos dias do paganismo; c) num mundo constantemente em guerra, guerra às vezes em terras distantes, as longas ausências eram frequentes, e os senhores feudais tinham que deixar o governo de seus reinos às suas esposas. A fidelidade conjugal não era rigorosa, e exemplos de relações extraconjugais abundam; e d) a prática do casamento como relação comercial punha em jogo o futuro da casa. Isso obrigava à prudência, prolongava a mocidade do primogênito e deixava os outros eventuais filhos homens em uma situação de exclusão: “casar um filho era sempre amputar o patrimônio para estabelecer o novo esposo e garantir o dote, isto é, as arras esponsalícias de sua mulher”. Assim, como observa Jurandir Freire Costa, “é dessa massa dos sem-herança que vão surgir os cavaleiros. O problema da privação de terras e bens é o problema que a sociedade de cortesia vai tentar enfrentar com a cultura cavalheiresca e com o amor cortês[18]”.

Sociedade refinada de corte, mulheres livres, casamentos comerciais, maridos distantes, jovens cavalheiros excluídos do arranjo – eis o caldo social de onde surgirá uma erótica (fin’amors é como os trovadores se referiam ao “movimento”) e uma estética sofisticadas, vazadas em poemas e canções, cuja ética afirma de forma veemente o valor do laço sentimental em detrimento do casamento. Com efeito, entre as regras do Código do Amor encontrado num manuscrito do século XII, o primeiro preceito é: “A alegação de casamento não é uma desculpa válida contra o amor[19]”. O casamento, portanto, se opõe ao amor. Embora haja alguns pontos controversos na interpretação da experiência amorosa do amor cortês, é inequívoco que se trata da afirmação de um sentimento intenso, exaltado, em suma, passional. Algumas das outras regras desse manuscrito não deixam dúvida: “Toda pessoa que ama empalidece diante do amado”, “Quem está tomado por pensamentos de amor come e dorme menos”, “Uma pessoa que ama é ocupada pela imagem do amado assiduamente e sem interrupção”. O elogio da paixão encontraria sua forma mais consolidada e fecunda numa derivação do amor cortês provençal: o romance de Tristão e Isolda, assimilação da cortezia pelas lendas celtas, cujas primeiras versões (não há um original do romance) começaram a circular pelo Norte da Europa no século XII, rapidamente se irradiou pelo continente e ganhou uma versão “definitiva” no século XIX, que acabou traduzida para todas as línguas do Ocidente, influenciando a literatura e a cultura em geral durante esse processo e chegando até nós como, repito, o núcleo básico do amor-paixão romântico.

A segunda importante coordenada do surgimento do amor cortês é sua origem religiosa. Aqui parece valer a pena um pequeno excurso. É bastante conhecida – e controversa – a tese de Denis de Rougemont, segundo a qual há uma ligação estreita entre o amor cortês e o catarismo, que é uma das heresias gnósticas surgidas no primeiro milênio do cristianismo. Os cátaros (do grego catharoi, puros), como os gnósticos em geral, descendem da religião dualista, como a doutrina de Maní (de onde vem o maniqueísmo). O dualismo estabelece a existência absolutamente heterogênea do Bem e do Mal, isto é, de dois mundos e duas criações. O argumento é simples, e essa simplicidade – lógica, até – explica o sucesso com que se alastrou rapidamente: se Deus é bom, não pode ser o criador de tudo o que há de imperfeito ou abjeto. Para o dualismo, “Deus é amor, mas o mundo é mau. Por conseguinte, Deus não poderia ser o autor do mundo, de suas trevas e do pecado que nos encerra[20]”.

Para as religiões orientais, como as filiadas ao princípio do dualismo, toda matéria é degradada, é má, não é criação de Deus. “A que aspira a ascese oriental?”, pergunta Rougemont. “À negação da diversidade, à absorção de todos no Uno, à fusão total com o deus, ou, se não existir deus, como no budismo, com o Ser Uno universal[21].” É nesse passo que Rougemont faz sua articulação. Diferentemente do que se passa no cris-tianismo – em que a encarnação dignifica o homem, ou seja, torna-o digno de ser amado – o amor no contexto das religiões orientais deve transcender a matéria:

Eros deseja a união, a fusão essencial do indivíduo no deus. O indivíduo separado – esse erro doloroso – deve elevar-se até se perder na divina perfeição. Que o homem não se ligue às criaturas, pois elas não têm qualquer excelência e, como seres particulares, representam apenas defeitos do ser. Não temos, portanto, próximo. E a exaltação do amor será ao mesmo tempo sua ascese, a via que conduz para além da vida[22].

Rougemont vê nos temas da renúncia, da distância, da idealização e do sofrimento, presentes nos documentos do amor cortês, a influência fundamental do catarismo (a heresia cátara e o amor cortês se desenvolvem simultaneamente no tempo – século XII – e no espaço – Sul da França). Interpretando o fenômeno por essa chave, afirma que ele “se opõe à ‘satisfação’ do amor[23]”. Define a poesia dos trovadores como uma “exaltação do amor infeliz”. Enxerga “uma preferência pelo que entrava a paixão, pelo que impede a ‘felicidade’ dos amantes, os separa e martiriza”. Em suma, para Rougemont o amor cortês instaura a experiência de uma paixão, mais do que idealizada ou sublimada, devotada à transcendência. Por isso, para ele, o romance de Tristão e Isolda é o mito definitivo do amor cortês: nas impossibilidades sucessivas da estabilização da união entre os amantes, em seu sofrimento atroz, em sua morte final, Rougemont vê a verdade última do amor cortês (o dualismo cátaro tende à recusa absoluta da matéria). A laicização progressiva do mito nos séculos seguintes, passando por Petrarca, Romeu e Julieta (a grande tragédia do amor cortês), Rousseau etc., até chegar ao cinema hollywoodiano, é para Rougemont a degeneração do elogio da paixão, sua versão cada vez mais mundana e vulgar.

Porquanto foge ao nosso interesse imediato, cabe apenas, primeiro,

observar que Rougemont fala a partir de uma defesa do cristianismo e do casamento cristão (as páginas finais de sua História do amor no Ocidente, em que exerce essa defesa de forma explícita, são das melhores do livro), isto é, valores opostos aos do amor-paixão, que portanto ele deprecia. E, depois, observar que muitos intérpretes importantes do amor cortês e da história do amor em geral não ratificam a sua perspectiva. Octavio Paz, por exemplo, a desconstrói sob diversos aspectos, tanto com argumentos sociológicos[24], quanto religiosos[25] e literários[26].

Essa breve – e a um tempo longa – exposição do amor cortês foi necessária para destacarmos a questão da fusão na experiência da paixão. Se o erotismo designa uma relação em que o outro se revela um objeto; e se o amor designa uma relação em que o outro se apresenta como sujeito – na paixão o outro é imaginariamente anulado, os amantes se fundem no Um imaginário. A paixão é uma supressão do objeto – mas também do sujeito. Ela é, nos termos de Bataille, um violento ataque, talvez o mais violento ataque à descontinuidade dos seres humanos:

A paixão venturosa acarreta uma desordem tão violenta que a felicidade em questão, antes de ser uma felicidade cujo gozo é possível, é tão grande que é comparável ao seu oposto, o sofrimento. Sua essência é a substituição de uma descontinuidade persistente por uma continuidade ma- ravilhosa entre dois seres. Mas essa continuidade é sobretudo sensível na angústia, na medida em que ela é inacessível, na medida em que ela é busca na impotência e na agitação. […] A paixão nos engaja assim no sofrimento, uma vez que ela é no fundo a procura de um impossível[27].

Daí que, assim como o amor cortês, outro fenômeno precursor do amor romântico moderno foi a experiência dos místicos cristãos, como São João da Cruz e Santa Teresa D’Ávila. Esses, em vez de procurarem a fusão com o outro, ser humano e descontínuo, procuraram a fusão com Deus, com a continuidade por definição. Com efeito, como observa Bataille, “o que a experiência mística revela é uma ausência de objeto” que “introduz em nós o sentimento da continuidade”[28]. Para o cristianismo, a unidade com Deus é impossível na Terra, mas “essa união impossível, entrevista aqui e ali em momentos extáticos, era o mote para a criação de um vocabulário em tudo similar ao do ‘amor infeliz’ no gênero do amor cortês[29]” (a infelicidade, note-se, não é portanto desejo de morte, como quer Rougemont, mas consequência do desejo impossível de fusão). Que o diga Santa Teresa:

Já não pode, Deus meu, esta vossa serva suportar tantas aflições como as que lhe vêm de ver-se sem Vós. Se tem que viver, não quer descanso nessa vida nem se vós o derdes. Quereria já esta alma ver-se livre. Comer mata-a. Dormir a angustia. Vê que se passa o tempo de sua vida em passá-la em regalos e que nada pode regalá-la fora de Vós. Parece que vive contra a sua natureza, uma vez que já não quereria viver em si, mas em Vós[30].

Qualquer questão pode ser pensada em qualquer escala. Pode-se tratar do amor, nossa questão, em um aforismo como em um tratado – com consequências e possibilidades diferentes, é claro. Aqui, a escala é orientada desta maneira: é preciso apresentar o mínimo de história necessária para abrir a questão. A questão, no caso, são os modos do outro no erotismo, na paixão e no amor. Esses modos do outro me pareceram um caminho oportuno para se pensar os impasses do amor no mundo contemporâneo e as práticas com que se tem lhe respondido.

O fenômeno do amor cortês foi seminal para o Ocidente. A valorização da paixão como a suprema aventura psicoemocional de um sujeito se difundiria história adentro e chegaria até nós como um dos valores mais fortes da nossa cultura. Entretanto, esse percurso, evidentemente, não é simples nem tampouco linear. Ele se desenvolve numa linhagem que passa por Dante, Petrarca, os célebres amantes de Verona, Rousseau, o Werther, a ressurreição wagneriana do Tristão e Isolda, o romantismo em geral, os romances do século XIX, o cinema hollywoodiano, as telenovelas, as canções populares. Ele convive ainda com uma contralinhagem, que passa pela gauloiserie (um gênero literário licencioso contemporâneo aos trovadores da langue d’oc), por Boccaccio, pelo Don Juan, pelo materialismo blasfemo do século XVIII (Sade, Laclos, os libertinos), por romancistas como D. H. Lawrence e Henry Miller, desembocando em toda a valorização contemporânea do sexo, do erotismo, da materialidade, das sensações, do individualismo etc. Isso para ficar apenas nos limites muito estreitos e simplificados de nossa escala.

Seguindo o critério de parar apenas em determinados marcos decisivos, é relevante mencionar Rousseau. Talvez seja em sua obra que se encontre o ponto de articulação mais acabado entre os traços do amor cortês e o que viria a ser o amor romântico tal como o conhecemos. Basicamente, Rousseau promove a conciliação entre algumas características até então dispersas e inconciliáveis. Como vimos, para o platonismo o amor era o caminho para o Bem supremo – mas tanto o sexo, considerado em si mesmo, era depreciado, quanto o eram os sentimentos intensos, desmedidos e ambivalentes. Para o cristianismo, o amor, pelo casamento, se harmonizava com o interesse social (garantindo a ordem e a reprodução dos seres), mas o sexo era apenas tolerado como um mal menor, e a paixão era preterida à serenidade, fidelidade e duração do casal. Para o amor cortês, a paixão era o valor supremo, o sexo era aceito, desde que refinado por uma erótica sofisticada, o casamento era o inimigo maior. Já para Rousseau, “o sexo pode ser convertido em força útil, posta a serviço da felicidade do sujeito e da sociedade[31]”. O filósofo francês imagina “a drenagem da sexualidade para a construção da sociedade justa como a harmoniosa conjunção entre sexo, amor e casamento, na unidade da família conjugal”. Uma vez que homens e mulheres têm uma atração recíproca natural, “trata-se de tirar partido dessa inclinação para criar filhos, organizar a família e criar, em seu interior, o sentimento da cidadania”. Numa palavra, Rousseau conciliou o sexo, a paixão e o casamento; a matéria, a transcendência subjetiva e o bem social. Pensou o amor como “a dobradiça entre o empirismo das sensações e o idealismo do amor ao outro”. Criou, em suma, “operadores conceituais que permitiram a conversão de elementos até então rebeldes a qualquer tentativa de conciliação”. Como observa Rougemont: “a propósito de A nova Heloísa, seria fácil retomar toda a nossa exegese de Tristão”, com a diferença decisiva de que “Rousseau culmina no casamento”[32].

É com essa equação, montada no século XVIII, que fundamentalmente ainda temos que lidar. O problema é que ela foi montada a partir do contexto cultural daquele século, a partir da abertura de suas possibilidades (é impossível, por exemplo, pensar uma tal atitude diante do sexo em um momento anterior à instauração da modernidade) e como uma tentativa de responder a seus desafios. Não importa aqui analisar até que ponto essa experiência foi bem-sucedida no próprio século XVIII, e sim pensar até que ponto ela corresponde aos traços culturais fundamentais do século XXI e, consequentemente, se permanece uma equação adequada para tentar resolver nossos próprios problemas.

A experiência do amor contemporâneo se revela como uma série de antinomias: paixão x casamento, monogamia x desejo, sentimento x sensação, alteridade x egoísmo, “liberdade” x família – são as mais evidentes. Algumas delas são constitutivas da ideia de amor romântico, desde o seu surgimento (no século XVIII), como a impossibilidade de conciliar, no tempo, os valores da paixão e do casamento (basta pensar em todos os grandes romances de adultério do XIX). Esses valores andaram separados por muitos séculos antes da modernidade, como vimos. A experiência do amor cortês afirmava a paixão contra o casamento. Não havia dúvidas a esse respeito. Já o cristianismo afirma o casamento contra a paixão. Não é de modo algum na intensidade emocional de tipo passional que o casamento cristão encontra seu fundamento (no duplo sentido, de fundação e apoio). Esse fundamento está, no limite, na filiação do homem e da mulher envolvidos à doutrina cristã. É ela quem dá um suporte transcendental, exterior (logo, imune às diferenças do casal e as dificuldades delas decorrentes), ao juramento que consagra a união. Ser fiel ao outro, no casamento, é ser fiel a Deus. Quebrá-lo é quebrar a fidelidade a Deus.

O estabelecimento dessa gravidade – transcendental, repito – é o grande trunfo da manutenção do casamento cristão. Ocorre que a instituição casamento atravessou a história, como um valor, com maior força do que a própria instituição Igreja católica. Ora, desprotegido do juramento, o casamento na época moderna se expõe a tentações, riscos, infelicidades, aporias e rupturas.

Por isso essa antinomia básica permanece irredutível, desde a sua formação, na era moderna. É ela, como nota Rougemont, que está sem dúvida na origem da invenção da figura do happy end, essa espécie de operação recalcante do entretenimento: o casal que, vencidos os obstáculos, internos ou externos, típicos do momento do encontro e da paixão, enfim se une e estabiliza sua união, é envolto por um coração e desaparece num beijo, a que se seguem a palavra fim e os créditos do filme. Em outras palavras, a narrativa termina no momento em que a relação amorosa, propriamente, iria começar. É preciso que o filme acabe antes que a anti- nomia paixão x casamento se forme. Como a muitas de nossas antinomias psíquicas, o recalque dá alívio imediato a essa grande antinomia cultural. Mas todo recalcado retorna – atrás das telas.

Quanto às outras antinomias da série acima, podemos considerar que elas se formaram progressivamente, à medida que a vida contemporânea foi adquirindo certos traços culturais dominantes. Assim, a inflexão do capitalismo em capitalismo de consumo favorece a lógica do desejo – que é a da substituição, da série infinita – e não a da monogamia (que é a lógica do bem, por assim dizer, de uso durável). A era do sentimento (os leitores dos romances do século XIX sabem exatamente do que estou falando) deu lugar a uma era das sensações: a interiorida- de psicológica e sentimental, com sua densidade característica, foi se transformando num mundo cada vez mais materialista, que valoriza o efêmero, a leveza, o descompromisso, o gozo. A experiência radical da alteridade exigida pela relação amorosa, esse ponto talvez seja o mais descompassado: se, por um lado, o século XX, com todas as suas conquistas de igualdade de direitos (no campo dos gêneros, principalmente), tornou a relação amorosa muito mais próxima de se realizar como uma relação entre iguais, isto é, desierarquizada, por outro lado parece ser também um consenso que o egoísmo foi se estabelecendo como a regra do laço social. Ora, essa convivência entre uma exigência profunda de aceitação da alteridade e uma intensificação do narcisismo, da identidade e do individualismo não tem como ser pacífica. Finalmente, se por um lado vivemos a era da infância, em que os filhos são valorizados como o maior bem emocional que um sujeito pode ter, por outro a cultura afirma igualmente o valor da liberdade, entendida como mobilidade, indeterminação, descompromisso.

Como se trata de valores culturais contraditórios, ninguém está, em alguma medida (a variar de acordo com características subjetivas, sociais, religiosas, econômicas etc.), imune a essas tensões. São elas o pano de fundo a partir do qual se exercem as práticas sexuais, eróticas e amorosas no espaço digital.

Desde pelo menos as duas últimas décadas, surgiram no espaço digital inúmeros sites e APPs que têm o objetivo de propiciar matchs entre pessoas que, em geral, não se conhecem fisicamente. Esses sites e APPs podem ter o objetivo estrito de propiciar relações duráveis, compromissadas, casamentos, ou encontros de natureza mais efêmera, meramente sexual. Entre os primeiros, um dos maiores do mundo é o eHarmony.

Fundado em 2000 por um psicólogo americano que atuava como conselheiro de casais, o eHarmony, sediado em Los Angeles, atua em 150 países, declara ter hoje mais de 33 milhões de membros e afirma que, por meio de seu site, mais de quinhentas pessoas se casam todos os dias, apenas nos Estados Unidos. O “diferencial” da empresa está no algoritmo desenvolvido por ela, baseado na crença, por seu psicólogo fundador, de que a identificação de características pessoais permite associar os indivíduos, por um princípio de compatibilidade, e produzir relacionamentos mais satisfatórios e bem-sucedidos. Numa palavra, o princípio orientador do site é o de que “opostos se atraem, depois se atacam” (“opposites attract, then attack”). Tentemos pensar o que o sucesso desse site – e de outros análogos – pode revelar enquanto sintoma social, bem como pensar sua pertinência teórica e suas possibilidades e limitações práticas.

Alain Badiou começa seu livro Elogio do amor contando que ficara impressionado com uma publicidade de um site de encontros francês, chamado Meetic. Os slogans de sua campanha publicitária eram frases como essas: “Obtenha o amor sem o acaso”, “Pode-se amar sem se apai-

xonar” (On peut être amoureux sans tomber amoureux), “Você pode amar sem sofrer” etc. Essas frases convergem para o que Badiou chama de concepção securitária do amor[33]. Como se pode perceber, trata-se de uma estratégia semelhante àquela dos casamentos arranjados em sociedades pré-modernas, só que ela não é proposta “em nome da ordem familial por pais déspotas, e sim em nome de uma segurança pessoal, por um arranjo prévio que evita todo acaso, todo encontro, e finalmente toda a poesia existencial, em nome da categoria fundamental da ausência de riscos[34]”. É preciso, portanto, primeiro compreender de que risco se trata, o que esses cibercasamentos arranjados querem evitar; em seguida, procurar entender por que essa estratégia subjetiva tem conquistado tantos adeptos; e, finalmente, fazer a sua crítica, isto é, apresentar as suas possibilidades e limitações.

Comecemos por essa frase: “Obtenha o amor sem o acaso”. Eis um slogan um tanto enigmático; por que, afinal, o acaso seria indesejável no encontro amoroso? Badiou, nesse pequeno livro, estabelece quase que uma brevíssima teoria do amor, descrevendo sua estrutura e dinâmica. Para ele, uma relação amorosa se desenvolve em etapas distintas. A primeira delas é o encontro, a que ele atribui o estatuto de acontecimento, isto é, de algo que emerge de forma insuspeitada, com força de desestabilização. Estamos aqui diante do momento inaugural da paixão. Já vimos que a paixão é tradicionalmente compreendida como um estado de fusão. Mas é preciso tanto entender o que significa essa metáfora, quanto identificar um movimento simultâneo, porém de sentido inverso, no interior desse mesmo estado.

Aqui devemos chamar Freud em nosso socorro. O sentimento de fusão, no estado passional, é um fenômeno imaginário. Ele é uma espécie de locupletação psíquica, em termos de economia libidinal e narcísica. Da perspectiva da economia libidinal, estar apaixonado significa investir uma enorme massa de energia libidinal (a paixão é uma alteração drástica na distribuição da libido) num único objeto. Ser correspondido significa, por sua vez, receber de volta todo esse investimento. Assim, se, num primeiro momento, ocorre “um empobrecimento do ego em relação à libido em favor do objeto amoroso[35]”, em seguida, possuir o objeto amado enriquece-o mais uma vez. A recompensa sendo proporcional ao investimento (daí, portanto, um primeiro e óbvio risco da paixão: o de empobrecer radicalmente seu ego, sem a garantia de recuperar o investimento).

Além disso, e de maneira mais singular (pois a recompensa do investimento libidinal pode ser encontrada de outras maneiras, com outros objetos), a paixão correspondida representa um estado intenso de felicidade narcisista. Entendamos. Para Freud, há dois paradigmas de escolha objetal amorosa: ou bem se ama a mãe, ou se ama a si mesmo. No primeiro caso, chamado por ele de escolha objetal de ligação, o sujeito buscará o objeto que reproduza as condições do narcisismo primário da criança que ele foi, ou seja, vai eleger como objeto de amor alguém em quem ele identifique os traços essenciais do cuidado materno (ou paterno; em suma, parental). No segundo caso, o sujeito buscará o objeto no qual ele identifique traços fundamentais de seu eu ideal. O eu ideal é a imagem de si que o sujeito gostaria de ter, gostaria que os outros tivessem, e se esforça para atingir. Diferentemente do que se pode pensar a princípio, a vida moral não é puro altruísmo; ela oferece gratificações no interior do próprio sistema psíquico. Em outras palavras: toda vez que o eu age à altura do eu ideal, ele encontra uma satisfação narcísica (e a recíproca é verdadeira: toda vez que age em desacordo com o eu ideal, se dá uma ferida narcísica).

Segundo esse paradigma, a paixão correspondida é uma tremenda dopamina narcísica. Na escolha objetal de ligação, o sujeito reencontra a satisfação de seu narcisismo primário, sendo amado por alguém que o trata como sua mãe: um amor sem arestas, todo feito de cuidados, e onde o desejo do outro é extremamente previsível. Na escolha objetal narcisista, ao apaixonar-se o sujeito dá ao objeto amado uma perigosíssima procuração, que confere a esse último o direito de proferir a verdade sobre sua autoimagem. Se o sujeito vê no outro o seu próprio eu ideal, isso significa que, sendo a paixão correspondida, estará confirmando o eu ideal do sujeito apaixonado. É como ser amado intensamente pelo seu próprio eu ideal. Ou seja, é tornar-se, sem sombra de dúvida, o seu ideal. Nesse estado, portanto, desaparece a décalage habitual entre o eu e o eu ideal, que produz sofrimento. Eu e eu ideal estão perfeitamente alinhados. É isso o sentimento de fusão – e é por isso que a paixão tem uma tendência a sair do mundo, a permanecer nesse circuito fechado de investimento libidinal, em que a realidade exterior, com seus objetos hostis, não pode ameaçar a plenitude da gratificação psíquica.

Por outro lado, e ao mesmo tempo, a completude imaginária pode conviver com uma disjunção radical, produzida pelas diferenças subjetivas dos dois indivíduos apaixonados. Cada sujeito é uma totalidade muito mais complexa do que os traços eleitos pelo amante como o espelho de seu eu ideal. Assim, à fusão imaginária pode corresponder uma dificuldade extrema de alinhar, numa vida em comum – isto é, numa relação – todo o conjunto de gostos, hábitos, valores, idiossincrasias, sinto- mas, preferências sexuais etc., um conjunto que abrange desde aspectos conscientes e superficiais (logo mais passíveis de serem voluntariamente modificados) a outros inconscientes e frutos de identificações primitivas (dificilmente modificáveis).

Compreendemos então o slogan “Obtenha o amor sem o acaso”. É o acaso que torna o encontro uma roleta imponderável no que concerne a todo o campo das características do outro que ultrapassam aquelas que, inconscientemente, foram objeto da escolha amorosa. E daí, consequentemente, o sucesso de um site como o eHarmony: trata-se de garantir, via algoritmo, que a relação não produza um choque de alteridade, difícil demais de lidar. A operação, entretanto, apresenta uma importante lacuna e uma ainda mais importante perda potencial, uma perda de natureza existencial. Quanto à primeira, refiro-me a que o questionário enviado aos candidatos a um encontro no eHarmony – que serve de base para os cálculos do algoritmo – só pode contemplar, por definição, o campo dos valores, preferências e características conscientes. Toda a lógica do inconsciente passa batida por ele, e ela é decisiva tanto da perspectiva do sujeito (do amante) quanto do objeto (do amado). Ou seja, o candidato que responde às perguntas nunca poderá senão dar uma ideia superficial de si; seus sintomas, ambiguidades, fantasias, tudo isso escapará a si mes- mo e, logo, ao outro que o poderá escolher. Da mesma maneira, o que nos faz escolher um objeto amoroso tem uma dimensão que geralmente não identificamos, ou só o conseguimos fazer retrospectivamente. Em suma, o algoritmo não sabe calcular o inconsciente, de modo que muitas variáveis importantes ficam fora da equação final. Por isso Badiou comenta que, a seus ouvidos, as promessas do casamento securitário soam como aquela promessa do Exército americano de uma “guerra sem mortes[36]”. O eHarmony não é a panaceia universal do cibercasamento arranjado (diga-se ainda de passagem que os casamentos tradicionais tinham sobre sua versão digital a vantagem de contarem com uma ordem social que funcionava como um suporte do outro).

Benéfico no que tange à atenuação do choque de alteridade numa eventual relação amorosa, o algoritmo implica, tendencialmente (só não digo constitutivamente porque a ausência da lógica do inconsciente pode fazer aparecer essa dimensão de forma inesperada), o que podemos chamar de uma perda existencial. Refiro-me, justamente, ao choque de alteridade. O encontro com um outro radicalmente diferente, com um outro que se revela muito maior e mais complexo do que a dimensão de espelhamento de nossa escolha objetal (narcísica ou de ligação), esse encontro pode produzir um enriquecimento e uma transformação inigualáveis de nossa subjetividade. Pois pode acabar por demonstrar que entre nosso eu ideal – na sua versão encarnada pelo outro – e nosso eu efetivo há uma diferença abissal. Estar então à altura do outro, isto é, à altura de si, de seu eu ideal, pode ser uma aventura imensamente sofrida – e imensamente engrandecedora.

O que Badiou chama de ameaça securitária[37] ao amor responde, portanto, a esses dois problemas: o risco da disjunção (o choque de alteridade) produzida por um encontro regido pelo acaso e entregue à lógica do inconsciente; e o risco da paixão não correspondida (“Você pode amar sem se apaixonar”), e até mesmo o risco da paixão correspondida. Pois se, em um caso, o ego perde totalmente o seu investimento libidinal, ficando miserável até que seja capaz de retirar esse investimento (é o trabalho do luto), no outro a recompensa geral não é capaz de evitar inesperadas derrubadas das ações, que são experimentadas como feridas narcísicas, embora breves, exasperantes.

Tudo somado, o mundo da paixão é um mundo em que o eu se encontra radicalmente desprotegido, à mercê do outro, de quem sua sorte passa a depender como em quase nenhuma outra experiência psíquica. Ora, se há um lugar comum nas mais diversas teorias sociais das últimas décadas, desde os anos 1970-80 – e que a realidade cultural não cessa de comprovar – é que vivemos numa época narcisista. Como observa Jurandir Freire Costa, “é certamente plausível descrever a economia psíquica dos sujeitos modernos como sendo narcísica[38]”. Da cultura do narcisismo, de Lasch, ao capitalismo do eu, de Badinter; das evasões de privacidade das subcelebridades ao fenômeno dos paus de selfie – eis uma interpre- tação dificilmente questionável. Não há como conciliar sem tensões o valor romântico ainda vigente do amor com uma cultura cada vez mais devotada ao culto do eu. No caso desses sites de encontro amoroso, o saldo é uma solução de compromisso, ou seja, o sucesso do eHarmony e seu algoritmo se revela uma tentativa de conciliação entre o valor do amor e a segurança identitária: uma experiência de alteridade protegida por guardrails identitários. Aqui, é a paixão, com seus traços arriscados de dependência do outro, que é sacrificada. Mas o amor, digo, a relação amorosa, compreendida como uma construção que não se confunde com a fusão passional, também é uma forma profunda de desafio ao culto do eu. Outras práticas contemporâneas no espaço digital respondem a esse desafio recusando-o veementemente.

Voltemos a Badiou para aprofundarmos o esclarecimento da tipologia que vem servindo como leitmotiv dessa narrativa teórica: os modos do outro nos registros do erotismo, da paixão e do amor. É possível dizer que na experiência humana não há sexo sem erotismo, uma vez que o desejo é sempre mediado pelo simbólico. Como veremos adiante, entretanto, talvez seja possível falar em um esvaziamento da dimensão imaginativa, simbólica, que quase reduz o erotismo ao puro sexo. Já vimos que, no erotismo, o outro se apresenta ao modo do objeto. Cabe ainda compreen- der em que termos.

Evoquemos a famigerada frase de Lacan: “Não existe relação sexual”. O que ela significa? Que “na sexualidade, em grande parte, cada um está na sua, por assim dizer. Há a mediação do corpo do outro, claro, mas no fim das contas o gozo será sempre o seu gozo. O sexual não reúne, ele separa[39]”. No sexo, o que acontece são confirmações imaginárias (é isso o frisson da conquista), que portanto reenviam o sujeito ao seu próprio eu. Diferentemente da imagem icônica dos corpos nus entrelaçados, não há penetração, no sentido de acessar a alteridade. O sexo, ao menos o sexo fora do contexto amoroso, é sempre 1 + 1; não chega a formar a experiência do Um, nem a experiência do 2. O sexo é uma relação imaginária entre duas identidades que não se transformam por essa relação, por isso ele é 1 + 1.

Já a experiência amorosa é definida por Badiou como a construção de um mundo a partir da diferença. É o que ele chama de cena do Dois. “Que o mundo possa ser reencontrado e experimentado de outro modo que por uma consciência solitária, eis aquilo de que todo amor nos dá provas[40].” A experiência amorosa surge da sobrevivência da cena passional do Um, que deverá dar lugar, por um processo de abertura da identidade à alteridade, do eu ao outro, à cena do Dois. Se Lacan foi capaz de falar do amor como “a mais profunda, mais radical e mais misteriosa relação entre os sujeitos[41]”, esses atributos se devem a que em nenhuma outra relação ocorre uma tamanha abertura da identidade à diferença, do eu ao outro. Insistamos então que, além do traço dominante do narcisismo na cultura contemporânea, há um outro fator que concorre contra a afirmação dessa experiência. Refiro-me ao processo de conquistas de direitos durante o século XX, sobretudo a partir dos anos 1960, e notadamente no campo dos gêneros, que tornou o outro dotado de uma alteridade muito mais efetiva. Trocando em miúdos – e para ficar apenas no exemplo da relação de poder tradicionalmente mais assimétrica, a heterossexual –, era mais fácil para um homem lidar com uma mulher cujos papéis de gênero eram bem definidos e esvaziavam sua liberdade efetiva, e com ela seu potencial de alteridade. Hoje, nesse começo de século XXI, o outro é radicalmente outro, dotado de desejos, idiossincrasias, fantasias, valores etc. que se afirmam em pé de igualdade hierárquica no interior de uma relação. Em suma, no momento histórico em que as subjetividades são atravessadas por um culto ao eu, o outro se apresenta como uma alteridade radical. A conta não fecha.

Daí, talvez, certas recusas veementes à intimidade, ou seja, a qualquer vislumbre de relação amorosa. É o que vemos em Shame. O filme é a anatomia de um sintoma contemporâneo (como em Freud, o estudo do exagero serve para elucidar a normalidade). A experiência da sexualidade de seu protagonista é destituída de toda subjetividade, de toda interioridade. O sexo está por toda parte: em outdoors, na televisão, em sites de pornografia, no ambiente de trabalho. A moral culpada por gozar, de apenas algumas décadas atrás (até as primeiras do século XX), deu lugar a um imperativo permanente de gozo que se culpa por não gozar. O interdito, que inflava a fantasia, deu lugar a uma permissividade que a esvazia (como diria o anjo pornográfico: “Toda nudez será castigada”). A alteridade é recusada, e até o objeto é reduzido à sua objetificação máxima. Nesse contexto, o que ameaça é a intimidade. A única mulher que denuncia ao protagonista seu sintoma é aquela que, se aproximando de sua intimidade, o faz broxar. Ele broxa, portanto, não por falta de en- volvimento subjetivo, mas pelo insuportável de sua aparição. É salvo por uma prostituta: o sexo pago, desobrigado de subjetividade, recoloca-o em campo familiar.

Entretanto, como sustenta Lacan, o sexo é meramente narcísico. Ao gozar, o sujeito reencontra o seu próprio eu. É esse o vazio constitutivo da experiência sexual. Ele advém do envio repetido do sujeito à sua própria identidade. E daí também a sua tendência à repetição sucessiva: como se fosse mobilizado pela esperança de encontrar alguma alteridade, algo que transcendesse o seu eu. Esse vazio subjetivo da mera experiência sexual, suspeito, acaba reenviando os sujeitos à possibilidade do amor.

Tendo cumprido todo um percurso histórico e teórico, e tendo ainda avançado na compreensão de traços dominantes das subjetividades contemporâneas – constitutivamente reforçados pelo espaço digital, fundado que está na lógica da imagem, logo, próximo ao imaginário e ao narcisismo – podemos finalmente chegar ao centro de nossa proposta de investigação. Esse centro pode ser formulado de maneira simples: “A tecnologia da comunicação do século XXI é uma ajuda ou um impedimento para relações seguras?[42]”. Em outras palavras, as práticas no espaço digital afirmam ou recusam o amor?

Uma primeira resposta, um pouco enganosa, é a de que o espaço digital potencializará a tendência já contida nas diferentes subjetividades. Ou seja, os sujeitos que, segundo a attachment theory[43], têm um perfil de relacionamentos seguros – isto é, desejam a ligação, se entregam ao outro e procuram a mesma entrega etc. –, se servirão do espaço digital para intensificar essa tendência. Já aqueles designados com um perfil de relacionamentos inseguros – que se incomodam com a excessiva intimidade, que afirmam uma maior autonomia na relação etc. – o utilizarão segundo esse fim. O primeiro, portanto, “se apoiará na tecnologia para se sentir mais proximamente conectado todo o tempo, enquanto o último se sente tranquilizado pela distância que a tecnologia propicia[44]”. Assim, um serviço de encontros virtuais do Reino Unido alega que atualmente “uma em quatro relações começam on-line[45]”, enquanto um artigo publicado no New York Daily News afirma que “um terço dos casais americanos se conhece on-line” (converge para o mesmo sentido o fenômeno dos sites de encontros amorosos, como já vimos). Por outro lado, “todos os dias existem aparentemente 68 milhões de buscas por pornografia na internet e mais de 4 milhões de sites pornográficos, que são parte de uma imensa indústria cujos lucros superaram aqueles de Hollywood e da indústria da música[46]”.

Essas quantificações por si sós não nos permitem chegar a conclusões quanto a tendências de recusa ao amor em nome de experiências mais protegidas da alteridade, com seus riscos e dificuldades (e grandes recompensas). Mas talvez seja possível sustentar que, tendo como pano de fundo uma cultura narcísica – e sendo parte fundamental dela –, o espaço digital concorre sobretudo para aprofundá-la, e, logo, testemunha práticas cada vez mais avessas à experiência da diferença. Basicamente, o espaço

digital oferece possibilidades nunca vistas no sentido de propiciar uma vida rica para os que querem permanecer no registro da sua identidade. Tomemos o caso da pornografia, por exemplo. A pornografia digital não é apenas uma mera extensão e expansão da pornografia “real”. “Acessibilidade, anonimato e baixo custo são os seus maiores motores. On-line e se sentindo invisíveis, as pessoas não precisam verbalizar seus desejos para outros que poderiam julgar suas escolhas ou preferências[47].” Isto é, o meio altera a experiência; no caso, cria condições que tendem a estimulá-la. Com efeito, alguns psicoterapeutas trazem relatos de pacientes cuja vida sexual é exclusivamente feita de pornografia on-line. Muitos deles só se excitam sexualmente com imagens, não com pessoas reais. Aqui, não são apenas a intimidade e a relação amorosa que são recusadas, mas mesmo a forma mais elementar de alteridade, o contato direto com o outro, que obriga a reconhecê-lo como um sujeito livre, no exercício de seu desejo. Há um ponto em que as novas tecnologias digitais são particular- mente perigosas ao amor: refiro-me aos cuidados parentais com bebês e crianças pequenas. Os smartphones permitem que, por exemplo, uma mãe realize tarefas com seu bebê fazendo outras coisas ao mesmo tempo. Assim, há mães que amamentam enviando mensagens pelo WhatsApp, pais que dão almoço aos filhos checando o Facebook, em suma, todo um conjunto de atividades que é realizado de forma a reduzir as tarefas à sua dimensão instrumental, alienando-as da atenção, da troca psíquica, do afeto. Essas práticas, aparentemente inofensivas – e progressivamente habituais – podem ser muito nocivas a bebês e crianças pequenas ainda no início de seu desenvolvimento psíquico e emocional. Tanto da perspectiva lacaniana quanto da winnicottiana, o desenvolvimento dos bebês está ligado à sua interação com o outro cuidador. Para Winnicott, “a experiência de ser carregado com segurança e manipulado com prazer leva a que o bebê tenha um corpo, que venha a habitar sua própria pele[48]”. O desempenho atencioso dos aspectos ligados à fase do colo são essenciais para que ocorra a integração entre o psíquico e o corporal pelo bebê. Em termos lacanianos, se o que forma a autoimagem do eu é o olhar do outro, um olhar disperso, cindido, tende a produzir no bebê uma autoimagem igualmente dispersa, com efeitos danosos a seu desenvolvimento.

O uso de gadgets eletrônicos por cuidadores na primeira infância tem ainda uma outra dimensão grave. Christoph Türcke tem mostrado que o que a psiquiatria chama de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) deve ser considerado não uma patologia, uma anormalidade, mas apenas a manifestação em um grau mais intenso de uma transformação da percepção humana que atinge a todos nós, em alguma medida. Essa transformação decorre da sobrecarga de estímulos sensoriais cada vez mais excitantes, que fragmentam nossa percepção e vão tornando cada vez mais difícil o desenvolvimento das capacidades de elaboração, sedimentação psíquica, concentração, espera. Nosso cotidiano foi domi- nado por esses estímulos, sobretudo visuais, que apagaram as fronteiras entre o espaço profissional e o doméstico, o trabalho e o lazer. Toda a vida contemporânea transcorre sob um bombardeio de estímulos sensoriais vindos de múltiplas telas, de todos os tamanhos. É essa a cultura do TDAH. Todos estamos expostos a ela, mas os bebês e crianças, uma vez que ainda não desenvolveram suas capacidades de elaboração, sedimentação, con- centração, espera e até mesmo imaginação, são os mais prejudicados. São eles os candidatos favoritos a manifestações intensas de TDAH. É preciso compreender que, se eles manifestam incapacidade crônica de atenção, “a atenção que eles não são capazes de dar foi antes retirada deles mesmos[49]”. Prossegue Türcke:

[…] não se sabe qual será o efeito na criança de mães que telefonam durante a amamentação ou de pais que checam e-mails constantemente enquanto brincam com seus filhos. […] Muitas vezes, crianças com TDAH não têm lesões manifestas nem sofrem de falta de cuidado ou ausência excessiva dos pais – no entanto, elas devem ter sofrido algum tipo de privação vital, caso contrário não haveria agitação motora contínua, uma busca constante por algo que ainda não adotou a forma de um objeto perdido. Só mais tarde, quando os envolvidos coletivamente passam a rodear máquinas de imagem como insetos ao redor da luz, fica evidente de onde vem a agitação. Muito antes de conseguirem perceber máquinas de imagem como objetos, a tela como coisa, eles vivenciaram o poder de seu brilho em absorver a atenção: como privação. E é preciso repetir essa privação para ultrapassá-la. Ela abranda o desejo dessas crianças retrocedendo ao ponto em que ela se originou. E, assim, essas crianças procuram tranquilidade nas máquinas, as mesmas que foram os agitadores cintilantes de sua tenra infância[50].

Finalmente, o uso de smartphones e afins por pais durante a primeira infância pode lesar os bebês também no nível bioquímico. Determinados hormônios, como a oxitocina, têm natureza relacional e são estimulados pelo contato amoroso, pele a pele. Segundo estudos científicos, a oxitocina aumenta a imunidade e protege contra a ansiedade e a depressão[51]. De volta ao amor sexual, e já nos aproximando do fim desse percurso, é oportuno olhar para o Japão, onde as possibilidades do espaço digital são desenvolvidas da forma mais avançada. É possível que, em alguma medida, resguardadas as suas características socioculturais específicas, a sociedade japonesa antecipe tendências a serem percorridas pelos países do Ocidente (se é que ainda faz sentido falar de Ocidente, como se houvesse o seu outro).

Pois bem, o Japão vem apresentando evidências sociais nítidas de recusa a relações amorosas, e mesmo sexuais. Como revelou uma reportagem do jornal inglês The Guardian, “os japoneses abaixo de 40 anos parecem estar perdendo o interesse em relações convencionais. Milhões nem sequer estão tendo encontros, e números cada vez maiores não se importam com sexo[52]”. Uma pesquisa de 2011, conta a reportagem, des- cobriu que 61% dos homens e 49% das mulheres solteiras não estavam em nenhum tipo de relação amorosa. Outro estudo revelou que um terço das pessoas abaixo de 30 anos nunca tiveram um encontro. Uma terceira pesquisa, encomendada pelo governo japonês, concluiu que 45% das mulheres entre 16 e 24 anos não se interessavam por ou desprezavam o contato sexual. Mais de um quarto dos homens sentiam o mesmo. Diante desse quadro, uma sexóloga japonesa afirmou que o país experimenta “uma fuga da intimidade humana[53]”.

Há uma série de fatores sociais especificamente japoneses que contribuem para isso. O país é um dos piores do mundo no ranking de igualdade de gênero. O casamento, e sobretudo a maternidade, praticamente decreta o fim da carreira profissional das mulheres. Quanto aos homens, o papel de provedor não lhes é atraente: o emprego está cada vez mais inseguro (a economia japonesa está praticamente estagnada há duas dé- cadas), e, num país de território pequeno, as moradias são excessivamente caras, não sendo muitos os que podem bancar apartamentos para todos os seus familiares e cuidar dos gastos relativos a eles.

É assim que as relações amorosas vão se tornando progressivamente recusadas. “O Japão pode se tornar um povo pioneiro onde indivíduos que nunca se casam existem em número significativo[54].” Essa ausência dá lugar a outras formas de relação, como o sexo casual, o afastamento radical da interação com o outro, por meio de pornografia on-line – ou o mero desinteresse até pelo sexo.

É aqui que o desenvolvimento avançado do espaço digital assume o protagonismo. Muitos jovens japoneses têm se afastado de qualquer tipo de contato, mesmo social, com o outro. Esse comportamento se manifesta da forma mais radical nos hikikomoris, adolescentes que se tornam eremitas em seus próprios quartos, de onde não saem, às vezes por anos, não tendo contato direto nem mesmo com seus pais (que lhes passam comida pela porta). Nessa espécie de ciber-retiro, os jovens ficam jogando em seus computadores e se relacionando com outros cibereremitas em chats on-line.

Talvez seja possível dizer que o tipo sociológico do hikikomori é como certas patologias para Freud, ou o TDAH para Türcke: apenas a maneira mais intensa de traços que existem em toda cultura.

  1. Jacques Lacan, O seminário, Livro 8: A transferência, Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
  2. Octavio Paz, The Double Flame: Essays on Love and Eroticism, London: the Harvil Press, s.d., Kindle edi- tion, cap. 2. [Tradução minha para todas as citações.]
  3. Apud Aude Lancelin; Marie Lemonnier, Os filósofos e o amor: amar, de Sócrates a Simone de Beauvoir, Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 29.
  4. Platão, The Symposium, London: Penguin Books, s.d., p. 94. [Tradução minha.]
  5. J. Lacan, op. cit., p. 166.
  6. Octavio Paz, op. cit., cap. 2.
  7. Ibidem.
  8. Ibidem.
  9. Jurandir Freire Costa, Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico, Rio de Janeiro: Rocco, 199s,

    p. 13.

  10. Ibidem, p. 12, para essa citação e a seguinte.
  11. Ibidem, p. 13, para essa citação e a seguinte.
  12. Octavio Paz, op. cit., cap. 2.
  13. Ibidem, cap. 3, para essa citação e a seguinte.
  14. Ibidem. O gynaeceum era uma parte da casa destinada às mulheres, um espaço mais distante das áreas de sociabilidade, próximas à rua.
  15. Ibidem.
  16. Ibidem, cap. 4.
  17. Sobre o fenômeno do amor cortês, sigo principalmente a leitura de Denis de Rougemont em seu His- tória do amor no Ocidente, São Paulo: Ediouro, 2003.
  18. Jurandir Freire Costa, op. cit., p. 44.
  19. Ibidem, p. 47, para essa citação e as seguintes.
  20. Denis de Rougemont, op. cit.
  21. Ibidem, p. 94.
  22. Ibidem.
  23. Ibidem, pp. 4s-9, para essa citação e as seguintes.
  24. “Se lermos os textos, verificaremos que não há ambiguidade: a consumação do amor era a realização carnal completa. Era uma poesia cavalheiresca, escrita por nobres e endereçada a damas de sua própria classe. Mas então apareceram poetas profissionais. Muitos deles não pertenciam à aristocracia e ganha- vam suas vidas dos seus poemas, alguns vagando de castelo em castelo, outros gozando da proteção de um grande senhor ou de uma mulher de linhagem nobre. A convenção poética que na origem tornara o senhor em vassalo de sua dama deixou de ser uma convenção e passou a refletir a nova realidade social: os poetas eram quase sempre hierarquicamente inferiores às damas para as quais compunham seus poemas. Era natural que o idealismo dos poemas se acentuasse.” Octavio Paz, op. cit., cap. 4.
  25. “O amor cortês louvava as relações extraconjugais, desde que não fossem inspiradas por mero desejo sexual e fossem santificadas pelo amor. O crente cátaro condenava o amor, mesmo em sua forma mais pura, porque ele enlaçava a alma à matéria.” Ibidem.
  26. “Os poetas não o chamavam amor cortês; eles usavam outra expressão: fin’amors, isto é, amor purifi- cado, refinado. Um amor que não tinha como objetivo o prazer carnal ou a reprodução.” Ibidem. Paz observa ainda que há um gênero de poemas corteses chamado alba, que, como o nome sugere, são escritos após a realização sexual.
  27. George Bataille, O erotismo, Porto Alegre: L&PM, 19s7, p. 19.
  28. Idem, p. 22.
  29. Jurandir Freire Costa, op. cit., p. 56.
  30. Santa Teresa D’Ávila, Livro da vida, São Paulo: Penguim/Companhia das Letras, 2010, p. 150.
  31. Jurandir Freire Costa, op. cit., pp. 6s-9 para essa citação e as seguintes.
  32. Denis de Rougemont, op. cit., p. 295.
  33. Alain Badiou, Éloge de l’amour, Paris: Flammarion, 2009, p. 14. [Tradução minha.]
  34. Ibidem, p. 15.
  35. Sigmund Freud, “Sobre o narcisismo: uma introdução”, in: Sigmund Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. xmv, São Paulo: Imago, 2006, p. 95.
  36. Alain Badiou, op. cit., p. 16.
  37. Ibidem, p. 15.
  38. Jurandir Freire Costa, op. cit., p. 136.
  39. Alain Badiou, op. cit., p. 23.
  40. Ibidem, p. 40.
  41. J. Lacan, op. cit., p. 211.
  42. Linda Cundy (org.), Love in the Age of the Internet: Attachment in the Digital Era, London: Karnac Books, Kindle edition, cap. 1. [Tradução minha.]
  43. A attachment theory (teoria do apego), fundada pelo psiquiatra e psicanalista John Bowlby, é a teoria que descreve certos aspectos, a curto e longo termo, de relacionamentos entre humanos e entre outros primatas.
  44. Linda Cundy, op. cit., cap. 1.
  45. Ibidem para essa citação e a seguinte.
  46. Ibidem, cap. 2.
  47. Ibidem.
  48. Apud Linda Cundy, op. cit., cap. 1.
  49. Christoph Türcke, “Cultura do déficit de atenção”, Revista Serrote, n. 19, Instituto Moreira Salles, 2015.
  50. Ibidem.
  51. Linda Cundy, op. cit., cap. 1.
  52. Abigail Haworth, “Why have young people in Japan stopped having sex?”, The Guardian, disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2013/oct/20/young-people-japan-stopped-having-sex>, acesso em: mar. 2017.
  53. Ibidem.
  54. Ibidem.

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