O nacional e popular na cultura brasileira – CINEMA III
Resumo
A década de 60 é a que desperta o maior interesse dos pesquisadores do cinema brasileiro. Nela se aguçam as questões estéticas e políticas com o surgimento do Cinema Novo, que procura ser uma afirmação cultural e uma resposta revolucionária a problemas que já vinham sendo colocados. Seu slogan “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” se opõe claramente à produção industrializada (que levara à crise da Vera Cruz paulista) e afirma um estilo próprio (como fará em música a Bossa Nova), sem escrúpulos técnicos e sem copiar o cinema holywoodiano. Mas sua estética não é apenas negação, dirá Glauber Rocha. Ela reivindica um relacionamento íntimo entre teoria e prática, ao valorizar os exteriores, a fotografia direta, uma linguagem despojada e seca. A emergência da televisão veio mostrar que o cinema deve ser uma arte autônoma. Mas as antigas questões – arte, educação, produção, mercado – não tardam a reaparecer. O cinema independente volta a esbarrar na questão da indústria e Gustavo Dahl, na década de 70, renegará o princípio básico do cinema de autor, o antiindustrialismo. O Cinema Novo apenas criou o seu público restrito, de estudantes e intelectuais; o grande público, acostumado à eficiência emocional do cinema americano, não leva a sério filmes que fogem aos padrões conhecidos. Sua importância, portanto, limitou-se a ser uma forma de conhecimento e pesquisa, não resolveu a equação entre cinema de elite e cinema de mercado. No entanto, observou o cineasta Joaquim Pedro de Andrade (O padre e a moça), “se um artista faz uma obra importante no tempo dele, original e única, ele opera uma revolução.” É o que mantém o Cinema Novo como um marco na memória.
Dividimos, grosso modo, a abordagem dos anos 60 em três blocos: a questão popular, a situação colonial e as propostas para um novo cinema nacional. É evidente que não se trata de compartimentos estanques – ao contrário, o que justamente procuramos mostrar, desde os anos 50, é o modo como as ideias se interrelacionam o tempo todo – mas, por razões puramente operacionais, nos pareceu mais simples tratar separadamente os textos em que a ênfase maior recai sobre uma ou outra destas questões.
Também não há uma rígida compartimentação no tempo: remetemo-nos a momentos anteriores ou posteriores ao período tratado sempre que isto nos pareceu necessário ou simplesmente útil. E deixamos de tratar inúmeras questões pertinentes aos anos 60 sempre que sua colocação nos pareceu mero prolongamento das ideias já discutidas no período anterior.
Com relação aos textos, os problemas que enfrentamos foram de ordem diversa dos que vimos encontrando até agora.
Por um lado, a quantidade de textos importantes que levantamos, estimulantes para a reflexão e diretamente relacionados com os nossos objetivos, foi tão grande que tratá-los à todos seria impossível no âmbito deste trabalho.
Por outro lado, embora haja ainda muito a pesquisar em matéria de levantamento de informações, e muita reflexão a ser feita, a década de 60 é até agora a que maior interesse vem despertando em pesquisadores do cinema brasileiro, e a que melhor foi trabalhada. Desde o Brasil em Tempo de Cinema, de Jean-Claude Bernardet, até as recentes teses universitárias de Raquel Gerber e Ismail Xavier, as ideias e questões em torno do Cinema Novo vêm sendo expostas e discutidas sob enfoques bastante diversos e muito ricos. Vários outros trabalhos em andamento (como os de Elza de Mauro Baptista, Mário Ortiz, Giselle Gubernikoff, Vânia Debs, José Marinho de Oliveira) tratam da obra de autores como Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos, da temática nordestina no cinema brasileiro, das relações cinema/política, de diferentes grupos de filmes e textos em que as ideias de nacional e popular se impõem como os próprios temas centrais da discussão. Questões como a do cinema de autor, a produção independente, a linguagem “nacional”, as relações cinema/Estado, o povo como tema, o cinema brasileiro e o seu público, vêm sendo amplamente discutidas, e não nos pareceu que fosse o caso de retomá-las sob o mesnio enfoque – que a rigor é o da nossa pesquisa. Por isso nos limitamos a indicar a gênese de tais questões e a analisá-las no momento em que se propõem enquanto problemas.
Textos fundamentais como “Uma Estética da Fome” e outros de Glauber Rocha, e as ideias girando em torno de suas propostas, não foram diretamente tratados neste trabalho porque pouco tínhamos a acrescentar ao que disseram a respeito Ismail Xavier e Raquel Gerber. Inversamente, os textos de alguns autores, como Gustavo Dahl, acabaram adquirindo maior relevo porque, densos de ideias e até agora pouco trabalhados, utilizávamos de preferência estes textos, que poderiam traçar a evolução do pensamento de um autor, mesmo quando havia outros equivalentes de outros autores.
Há, no entanto, uma série de autores e de questões ,importantes que não foram, ao que saibamos, suficientemente tratados em nenhum trabalho. Entre os autores, fundamentalmente alguns críticos e realizadores cariocas; as pesquisas que mencionamos vêm sendo todas elas realizadas em São Paulo e, afora os de Alex Viany, que não incluem os anos 60, não conhecemos nenhum levantamento sistemático de informações sobre cinema brasileiro efetuado em jornais cariocas a que pudéssemos recorrer. Entre as questões – e meramente a título de exemplo, porque o próprio levantamento das questões pertinentes nos parece incompleto, a partir dos textos que coletamos – as diferentes fases do Cinema Novo, a flutuação das ideias de nacional e popular conforme o enfoque predominantemente político ou antropológico, o desenvolvimentoe a bifurcação das propostas estéticas e de produção embricadas na fórmula “uma câmara na mão e uma ideia na cabeça”. Tais questões também não foram aprofundadas no nosso trabalho – o que consideramos efetivamente uma omissão. Mas a quantidade de temas a tratar era tão grande que a seleção se impôs: o volume de textos crescia a olhos vistos, as questões se tomavam mais complexas e entrelaçadas, e não nos foi possivel costurá-las todas no âmbito desta pesquisa.
1. UM CINEMA POPULAR
Sociedade, cultura, cinema
Até agora, nos apoiamos em textos específicos sobre cinema. E isto, fundamentalmente, porque a reflexão cinematográfica em boa parte se desenvolvia como fato isolado – ou pelo menos não diretamente vinculado à reflexão geral sobre a cultura.
Até os anos 50, o pensamento cinematográfico retomava, de um modo degradado, as mesmas ideias desenvolvidas anteriormente a propósito da literatura (porém com frequência não se tem a sensação de cópia ou apropriação de ideias – que a formação precária e pouco sistemática dos cineastas não favorecia – e sim de algo muito mais penoso, um lento e tortuoso trabalho de reflexão cujo único resultado consistiu na recuperação de ideias que já estavam em circulação desde o século XIX).
Esta situação se modifica a partir dos anos 50-60 quando o cinema entra em sintonia com outras áreas da cultura. O fato, para o cinema brasileiro, foi de tal modo importante que a todo momento é enfatizado:
“O principal resultado (do Cinema Novo) foi a afirmação cultural do cinema brasileiro. (…) O cinema brasileiro não é mais uma atividade divorciada das demais atividades culturais de nível mais alto do país. Assim, o Cinema Novo (…) deu ao cinema brasileiro essa categoria de manifestação, de expressão de nossa cultura. Hoje, o diretor de cinema está no mesmo nível do que qualquer outro intelectual integrado no processo cultural brasileiro, o que não acontecia antigamente (…).” (Nelson Pereira dos Santos, Revista Civilização Brasileira, nº 1, março de 1965).
Por vezes mesmo, os participantes do movimento do Cinema Novo tinham a impressão de que o cinema estava na vanguarda da sua época. Diz Carlos Diegues:
“O cinema brasileiro deixou de ser uma crônica da sociedade brasileira, deixou de ser um estereótipo, um pastiche, e passou a adotar uma visão antropológica do homem brasileiro, penetrand alma do homem brasileiro, da própria cultura do povo bfllsileiro. Eu acho, de fato, que o Cinema Novo não (apenas) se integra na cultura brasileira; eu acho que, neste momento, o Cinema Novo é como que o espírito universal da cultura brasileira, é aquele instrumento cultural que detém hoje o maior índice de representatividade de uma antropologia brasileira.” (Revista Civilização Brasileira, nº 2, maio 1965)
“Já estavam (…) agindo os jovens desconhecidos que iriam provocar uma reviravolta no cinema brasileiro, sintonizando-o com o tempo nacional e conferindo-lhe, pela primeira vez, um papel pioneiro no quadro da nossa cultura”,
diria Paulo Emílio anos mais tarde (“Cinema – Trajetória no subdesenvolvimento”, Argumento, nº 1, 1974).
* * *
A sintonia com o “tempo nacional” se dá num momento de grande efervescência social, política e cultural. É sintomático que todos os depoimentos colhidos pela FUNARTE para esta pesquisa principiem com a descrição dos tempos.
Nestes depoimentos – e de modo especial os das pessoas ligadas à atividade cinematográfica – o que nos interessou sobretudo foi a exposição dos temas que então preocupavam as pessoas vistos à luz de suas preocupações de hoje. Dentre estas últimas, é quase uma constante a referência à recrudescência das ideias que são o tema do nosso trabalho. Por vezes, como subtexto, há mesmo em alguns depoimentos algo difuso que nos dá a sensação de advertência, como se as pessoas estivessem dizendo “sejam mais lúcidos, não repitam os nossos erros” – é como se houvesse uma lição a ser aprendida da história das últimas décadas. Vem daí – nos parece – a insistência em autocriticar a inconsequência do passado, o otimismo fácil, vem daí o constante repisar a ideia de ilusão política e cultural. E também um certo tom de amargura, mais sensível em alguns, na atitude cética que se segue à destruição de qualquer grande mito que já nos foi caro.
Arnaldo Jabor:
“Havia um clima eufórico de realizações, de esperança política e cultural (…). Era a grande euforia de uma geração (…), uma esperança talvez ingênua, infantil, de um país que ainda não tinha tido uma experiência politica mais traumática (…). Uma espécie de impressão generalizada de que as coisas seriam fáceis de realizar no Brasil. De que a história se acomodaria porque o bem teria um caminho livre e largo. (…) a gente conversava, nessa época, sobre como o mundo era infeliz lá fora, (enquanto) nós, no Brasil, tínhamos uma chance, uma das chances privilegiadas da humanidade, porque estávamos em condições de ser sujeitos da nossa História (…). Havia a sensação de que se.ia fazer a História indolormente (…). Em suma, nós estávamos iludidos (…).”
A sensação de privilégio histórico descrita por Jabor é compartilhada por toda a sua geração. Diz Carlos Diegues:
“(…) o dado novo que surge na cultura dos anos 60 é a introdução da luta política, da luta pelo poder, em suma. É a cultura participando da luta pelo poder, (…) a cultura (…) que se nega como manifestação secundária da sociedade e assume um papel de transformação da sociedade (…). Isto alcança seu apogeu e seu fracasso nos anos 60, porque vai ficar demonstrado que realmente ela não transforma objetivamente a sociedade, a não ser a longo prazo com a modificação do pensamento, com instigação para outras manifestações, etc. (…). (A questão básica dos anos 60) é saber ‘quem é politizado, quem não é politizado’? (…). ‘Quem é que está a fim de uma cultura que participe da luta pelo poder (…)? Quem é que quer se alienar dessa luta pelo poder?’ (…) É o momento do Brasil, do eu sou mais eu(…). Até 68 – depois de 68 isto desaparece – a sensação que eu tinha é que eu podia tudo, não havia nada que me impedisse de nada(…) não tinha limites(…). Uma outra característica (deste momento) – a primeira é a politização – é a onipotência absoluta. Não há possibilidade de haver engano quanto a esse axioma da cultura que fizemos no Brasil nos anos 60. Nós podíamos tudo, e de fato até um certo momento podíamos, não é? (…) eu tenho certeza de que vivi os anos mais felizes deste país, e também os mais enganosos, porque nada daquilo era verdade. (…) O país estava indo à bancarrota mesmo,(…) por baixo do pano corria o diabo. Agora, isso a gente sabe hoje, na época eu não sabia, na época realmente era um país que estava se construindo, diferentemente de todos os outros – é a tese da irrefletibilidade do Brasil, (…) um país absolutamente original, é a vitória de macunaíma, a vitória absoluta do macunaíma, um herói sem nenhum caráter. É a vitória da malandragem, é a vitória da bossa, é a vitória do gingado (…) a vitória do sou mais eu, entende? E isso tudo gerou esse sentimento de onipotência. (…) as coisas aconteciam muito depressa, (…) a gente tinha a sensação de que o novo de ontem era o velho de hoje, você tinha que todo dia estar inventando uma novidade, (…) a velocidade do país era uma velocidade fórmula um(…), não havia como frear aquele troço – e havia, tanto que foi freado (…) violentamente. A terceira coisa era um pouco talvez até a consequência dessas duas primeiras, a politização e a onipotência (…). No caso da politização, o sentimento de compromisso, de responsabilidade social, e no caso da onipotência o sentimento da possibilidade de transformação (…).
Eu me sentia extremamente responsável por este país, eu pessoalmente me sentia responsável (…) a gente podia mudar as coisas(…) então a terceira coisa era o compromisso com o país.”
E Leon Hirszman:
“Havia toda uma situação em que, não só para a intelectualidade, não só para a arte, mas para os partidos políticos, para a vida social, para a nação,(…) a questão democrática era entendida como uma questão (…) de participação efetiva das pessoas no processo decisório” – e isto incluía a “participação no sentido da produção cultural: se estou aí e estou dando o meu recado, é isso q e é participação.(…) A gente queria avançar numa sociedade mais justa, através das reformas, e a intelectualidade estava engajada nisso.”
* * *
A grande efervescência social e revolucionária da época foi fator decisivo na constituição de uma postura voltada para a cultura popular. Basicamente, foi este desejo de participação social e política, e a convicção de que a atividade cultural era uma forma importante de participação, o que conduziu os jovens que se interessavam por arte e cultura em geral, e pelo cinema·em especial, à participação nos movimentos de cultura popular.
Diz Leon Hirszman, um dos fundadores do Centro Popular de Cultura:
“O CPC foi uma tentativa de divulgar a cultura no sentido de uma informação consciente, em que se partia da necessidade (e da convicção) de que o espectador ia ser o sujeito da história, em particular sµjeito daquele momento do espetáculo. (…) Então era doar instrumentos dos quais ele pudesse ser o sujeito.”
Iniciando com a atividade teatral, o CPC ampliou o seu enfoque para a cultura em geral, um tipo de cultura que se autodefinia como “nacional e popular”.
No que diz respeito à questão que nos interessa em especial – as ideias de nacional e popular no cinema brasileiro – o Cinema Novo, que surgiria paralelamente aos movimentos de cultura popular, foi muito influenciado pelo desenvolvimento dessas mesmas ideias em outras áreas da cultura; muitos dos seus participantes vêem nesta influência, mais do que nas raízes das ideias de nacional e popular que se poderiam encontrar no próprio cinema brasileiro, a fonte da reflexão sobre um “cinema nacional e popular”.
Diz por exemplo Glauber Rocha:
“O Cinema Novo surgiu com sua força cultural no momento em que a chamada cultura popular se definiu melhor. Embora tenhamos alguns filmes válidos em nosso passado, inclusive Agulha no Palheiro e Rio Quarenta Graus”, que foram “os primeiros filmes a procurar uma visão séria, em termos culturalmente dramáticos, da realidade brasileira”, tais filmes foram apenas tentativas.” (“Cinema Novo: origens, ambições, perspectivas”, Revista Civilização Brasileira, nº 1, março 1965)
Não se leva em conta – ou pelo menos não se enfatiza nos textos – o desenvolvimento das ideias sobre um cinema nacional que tivesse como tema o homem brasileiro – o povo -, e que foi uma das tônicas do pensamento cinematográfico dos anos 50, fortemente influenciado pelas ideias do nacional-desenvolvimentismo. Os autores que vêm dos anos 50 e se integram no grupo do Cinema Novo (fundamentalmente Nelson Pereira dos Santos e Alex Viany) apontam nos anos anteriores a presença em filmes ou nas ideias de alguns autores de componentes importantes para o desenvolvimento de um cinema nacional centrado no povo brasileiro (Alinor Azevedo, Moacir Fenelon, os primeiros filmes da Atlântida etc.). Porém, nos anos 60, o que se faz sobretudo é identificar a presença dessas mesmas “novas” ideias em outras áreas da cultura, e localizar, na sua transposição para o cinema, a origem das ideias do Cinema Novo. Do próprio cinema, guardam-se os filmes que, mais ou menos bem-sucedidos, se consideram “tentativas válidas”, e que são sempre os mencionados por Glauber Rocha – fundamentalmente Rio Quarenta Graus. Prossegue Glauber:
“Antes de surgir o Cinema Novo surgiu o movimento de renovação do teatro brasileiro (com o Teatro de Arena), dentro daquela consciência de nacionalismo que começou a tomar forma nos últimos anos de Getúlio Vargas.”
O movimento teatral estimulou as primeiras tentativas de um cinema popular, e além destes “muitos são os fatos, instituições, tendências e pessoas que contribuíram para a nossa tomada de consciência (…) e o Cinema Novo surgiu como consequência disso tudo: o Cinema Novo veio assim no momento exato. Não aconteceu ao acaso: está ligado não só às próprias tentativas do cinema como também a todo esse paralelismo da cultura, os movimentos de cultura popular, tudo isso. O Cinema Novo surgiu disso, e sofrendo influências disso e procurando contribuir para isso. (…) foi justamente nessa época que o Brasil passou a pensar em termos mais definidos: os problemas de nacionalismo foram encarados quase numa tentativa de sistematização, os problemas da cultura brasileira, de cultura popular, e os problemas da arte em geral.” (mesma fonte anterior)
Este “paralelismo da cultura” não iria significar identidade de posições entre o Cinema Novo e outros movimentos culturais – pelo contrário, não tardarão a surgir divergências de ordem estética e ideológica, afastando o Cinema Novo das ideias defendidas pelos chamados “movimentos de cultura popular”. Mas, no que se refere à ideia de um cinema nacional entendido como popular, a origem comum justifica que voltemos nossa atenção para textos de reflexão genérica sobre a cultura que podem nos ajudar a tomar pé na reflexão especificamente cinematográfica.
A cultura popular
O que mais precisamente, se entendia por “cultura popular” nos anos 60? Não é fácil dizer, embora a expressão tenha sido fartamente definida pelos teóricos do “movimento de cultura popular” desde o início da década, sobretudo em textos que discutiam as propostas e atividades do Centro Popular de Cultura – e dentre estas atividades estava o cinema. Aos novos significados que textos de Carlos Estevam Martins ou Ferreira Gullar cunhavam para a expressão, agregava-se toda a gama de significados antigos, de uso corrente ou erudito, ligados à própria palavra “popular”.
Tentando pôr ordem na questão, Sebastião Uchoa Leite (Revista Civilização Brasileira, nº 4, set. 1965, “Cultura Popular: Esboço de uma resenha crítica”) procura destrinchar estes diferentes significados por aproximações sucessivas.
“Até a data fixada (…) como sendo a do início, a fase de arranque do desenvolvimento brasileiro – o ano de 1955, em que começa o (…) governo de Kubitschek – o que se chamava de cultura popular era a cultura vinda do povo, em suas várias manifestações. Se havia um problema a se colocar, era o de distinguir entre os termos popular e folclórico. A partir desta fase, em que se incutiu no povo brasileiro uma mentalidade desenvolvimentista, começaram a aparecer problemas novos. Surgiu, com máxima agudeza, a consciência da defasagem cultural entre as diversas classes. Com os governos posteriores de Jânio Quadros e João Goulart, acelerou-se ainda mais o processo político, e a necessidade de participação dos intelectuais nesse processo se tornou uma das questões mais enfatizadas. A partir deste período é que o termo cultura popular, com significações muito diversas, começou a ter um trânsito intensificado. Surgiram grupos culturais que praticamente lançaram o termo com uma concepção de caráter nitidamente político. O mais destacado destes grupos foi o CPC (…). Foi posta em ação a tese de que a cultura popular não era apenas a cultura que vinha do povo, mas sim a que se fazia pelo povo. A cultura popular é então conceituada como um instrumento de educação, que visa dar às classes economicamente (e ipso facto culturalmente) desfavorecidas uma consciência política e social.”
Embora não haja em textos sobre cinema a preocupação específica com definições desta ordem, é claramente perceptível a distinção entre um “cinema popular”, entendido como algo que direta ou indiretamente vem do povo, e o “cinema novo” dos anos 50 e 60, que pretende dirigir-se ao povo, com intenções didáticas ou destituído delas. Assim, em textos que criticavam nas comédias populares o seu tom popularesco – o humor chulo, a grosseria, o primarismo – tais qualidades, dadas ou não como apreciadas pelo povo, eram entendidas como algo proveniente dele; assim como nos textos – raros – que elogiavam na chanchada o seu aspecto de crônica de costumes, de “retrato do povo”, o que se elogiava era o fato de que tais filmes expressavam algo que vinha do povo – diferentes aspectos da cultura popular. Em textos que na década de 60 se propunham a ser reflexões históricas, como os que citamos referentes ao cinema paulista ou os de Alex Viany, a expressão “cinema popular” aplicada a diferentes grupos de filmes tinha o mesmo sentido.
A ideia de um cinema popular no sentido novo que a expressão adquire quando associada aos significados de “cultura popular” no período posterior a 1955 – algo que expresse a “consciência de defasagem cultural entre as diversas classes sociais”- na verdade surge no pensamento cinematográfico brasileiro um pouco mais cedo do que a data indicada. E quando surge, ela vem diretamente vinculada à preocupação de transformar o cinema em instrumento de descoberta e reflexão sobre a realidade nacional – ela surge como um cinema empenhado em que a ideia de popular é inseparável da de nacional. Já em textos do início dos anos 50 (por exemplo “Cinema Brasileiro a serviço do povo”, de Mauro de Alencar, e os textos de Nelson Pereira dos Santos, Rodolfo Nanni ou Alex Viany, que discutem o cinema independente) a ideia de cinema popular indica a preocupação de dirigir-se ao povo, e não apenas de expressar o que vem dele. Tal preocupação se traduz em filmes pelo menos desde Rio Quarenta Graus (1954), talvez o primeiro filme brasileiro a que possamos chamar de “popular” no sentido novo apontado por Uchoa Leite. Embora não haja, na proposta inicial de Nelson Pereira dos Santos, nada que autoriza atribuir ao filme qualquer intenção didática, trata-se sem dúvida de um filme feito tendo em vista o povo – ou mais especificamente, para usar uma expressão várias vezes presente em entrevistas do autor, “a favor do povo”. De qualquer modo, e qualquer que seja a expressão usada, ela expressa o engajamento político da proposta (cinematográfica) cultural.
No Cinema Novo, uma preocupação marcante seria a utilização de elementos da cultura popular como ponte para atingir o povo: a ideia é que se faça um cinema popular (que se dirija ao povo) com matéria-prima popular (que vem do povo). Visando o estabelecimento comunicação mais íntima e direta com o povo, os autores procuram inspirar-se (senão apoiar-se diretamente) na cultura popular incorporando elementos que provêm dela:
“(…) parte-se das raízes culturais nacionais do povo, transforma-se o folclore popular, a tradição literária, as lendas, os mitos, apresentando ao povo, com linguagem mais elaborada, aquilo que já lhe pertence.” (Carlos Diegues, Cinea Cinema, nº 5, citado por Vânia Debs)
Não se trata, é claro, de simples transposição: é preciso reelaborar criticamente os dados brutos da cultura popular que se incorporam aos filmes. Nesta reelaboração é que precisamente reside a possibilidade de os filmes contribuírem para a conscientização do povo – mas é também através dela que os filmes se “elitizam”, e esta seria uma das principais críticas que se fariam ao Cinema Novo: a de, visando dirigir-se ao povo e assumindo uma atitude mimética em relação à cultura popular, transpor os seus elementos para um plano de percepção estética inatingível ao povo. O resultado seriam filmes eruditos feitos sobre o povo mas apenas acessíveis a um público igualmente erudito, uma vez que recolhem e filtram por processos estéticos tipicamente eruditos a matéria-prima popular de que se apropriam.
De fato a complexidade do conceito de cultura popular não se esgota na distinção entre o que vem do povo e o que é feito tendo em vista o povo. Tomando como ponto de apoio o clássico estudo de Empson sobre literatura popular, Uchoa Leite aplica suas reflexões aos diferentes significados que, conjunta ou alternadamente, estavam contidos na expressão “cultura popular” no Brasil dos anos 60, e chega a um “sentido mais amplo” da expressão que incluiria na cultura popular o que fosse (citando Empson) “feito pelo povo, para o povo e sobre o povo”.
Acontece que “muitas histórias e baladas tradicionais, embora feitas pelo povo e para o povo, não são sobre o povo; enquanto que a literatura pastoral, embora seja sobre o povo, não é feita pelo povo nem para o povo” (Empson). “A última frase da citação equaciona o problema na sua complexidade” – diz Uchoa Leite.
No Brasil dos anos 60, tais distinções não são feitas com a devida clareza: Não se distingue a produção do consumo, o qu e’um primeiro passo fundamental.
No caso específico do cinema brasileiro, a ideia de um cinema feito pelo povo (embora apareça em alguns textos, como por exemplo o já citado por Mauro de Alencar), não tem sentido lógico nos anos 50 e 60: a complexidade técnica da atividade cinematográfica e seus altos custos de produção tornavam a hipótese destituída de significado concreto. A não ser, é claro, que por “povo” se entendesse não as “classes desfavorecidas”, mas a coligação das “forças progressistas” da nação que incluía também setores da classe média e da burguesia.
A influência marcante do ISEB em todos os setores da vida cultural brasileira – e especificamente da definição isebiana de povo (ver a respeito a análise que faz Marilena Chauí, no Relatório nº 1 à FUNARTE, das ideias expressas nos Cadernos do Povo Brasileiro) – não deixou de atingir direta ou indiretamente o cinema.
No próprio CPC, que se auto-institui como “orgão do povo”, a ideia de uma arte popular revolucionária feita por artistas cuja origem não é popular se legitima pela identificação do artista com o povo. Diz Carlos Estevam Martins:
“Os membros do CPC optaram por ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos do seu exército no front cultural (…). O povo não é uma entidade homogênea em sua composição, uma vez que dele faz parte não apenas a classe revolucionária mas também outras classes e estratos sociais os mais diversos. Assim, via de regra ocorre que o artista do CPC, embora pertencendo ao povo, não pertence à classe revolucionária senão pelo espírito, pela adoção consciente da ideologia revolucionária.”
Assim, a arte popular é feita pelo povo porque o artista com ele se identifica, escolhe ser povo.
Fora deste sentido explícito, no estágio atual de nossos conhecimentos sobre o cinema brasileiro, os únicos filmes que a rigor, até esta época, se poderia considerar como feitos pelo povo – pequenos artesãos ou operários – são os paulistas do período mudo que já mencionamos. O público consumidor que tiveram estes filmes seguramente não foi um público burguês, mas o próprio povo; embora seus autores pudessem idealmente destiná-los a um público amplo, por sua linguagem mesma, pela limitação de seus recursos técnicos e estéticos e pela má qualidade, eles só podiam satisfazer às necessidades de consumo de um público pouco refinado culturalmente, e neste sentido são filmes para o povo. Pelo que deles sabemos, nem sempre são filmes sobre o povo: os seus temas com frequência se distanciam do cotidiano vivido por seus autores/seu público e se dirigem para um sonhado e nunca atingido universo burguês. O retrato da burguesia e de temas burgueses que apresentam é sempre estilizado de uma forma que nos parece revelar uma transferência de aspirações que, frustradas no plano da realidade, se projetam no plano da imaginação artística, num processo bastante semelhante ao que Uchoa Leite aponta na literatura de cordel. Neste sentido, eles refletem a realidade do povo, embora indiretamente, e portanto informam sobre o povo. E talvez tais filmes sejam rejeitados pela burguesia justamente enquanto reflexos do povo. Não nos ocorre, porém, nenhum outro exemplo de filmes brasileiros que se pudessem considerar feitos pelo, para e sobre o povo.
Nos anos 50 e 60, a ideia de um cinema popular no sentido de feito pelo povo é puramente retórica. O fato de que os filmes deverão ser sobre o povo é ponto pacífico, e a discussão se concentra no para o povo: como dirigir-se a ele de forma a que a obra que lhe é dirigida possa ser considerada “popular” – “a favor do povo”? E, diretamente relacionado com o fato de que se trata de uma cultura produzida para o povo, há um novo termo que se introduz na questão: o por que se faz a cultura.
“Da resposta a (esta) pergunta é que se revela a atitude fundamental do indivíduo em relação à sociedade (…), consequentemente a sua concepção do papel a ser desempenhado pela cultura nessa sociedade e nesse tempo determinado. Esta questão encerra, portanto, um problema de opção, logo um problema de responsabilidade individual. Tais distinções não são fáceis de fazer, especialmente em momentos em que a efervescência cultural se confunde com as transformações sociais e políticas que um país atravessa. Nestas fases os instrumentos da cultura se confundem com seus fins (…). (Assim), o termo cultura popular em seu novo trânsito passou a significar um meio para atingir um determinado fim, no caso, dar consciência e capacidade de escolha política às massas consumidoras. Subverteu-se direcionalmente: deixou de ser aquilo de onde se parte e passou a ser aquilo para onde se dirige, ou, mais propriamente, a maneira pela qual se realiza determinado fim como conscientização e politização.”
Esta inversão de direções tem consequências que não se limitam a um reenfoque da cultura popular sob um novo ponto de vista. A mais grave delas é a possibilidade de o novo enfoque conduzir à negação da própria validade da cultura popular entendida no sentido tradicional – aquilo que vem do povo – na medida em que o conteúdo da produção popular é considerado “alienado” e/ou “alienante”. No caso do cinema, é típico desta postura o repúdio à chanchada, “contra” a qual se colocava boa parte dos novos autores dos anos 60 que se propunham a realizar um cinema popular. E em termos de reflexão geral sobre a cultura popular, podemos tomar como exemplo a posição de Carlos Estevam Martins em A Questão da Cultura Popular (1963), profundamente marcada pelo conceito de alienação.
Carlos Estevam inclui neste livro um texto transcrito em Arte em Revista (nº 1, jan.-mar. 1979), “Anteprojeto do Manifesto do CPC”, redigido em 1962, documento que segundo ele pela primeira vez discutiu no Brasil os
“fundamentos de um trabalho concreto no campo da arte revolucionária destinada às massas”.
Num subcapítulo deste texto, “O povo e suas três artes”, Carlos Estevam distingue as diferentes formas de cultura que se relacionam com o povo:
“(…) é antes de mais nada necessário distinguir com clareza as características que diferenciam a arte do povo da arte popular (grifos nossos), e ambas da arte praticada pelo CPC a que chamamos arte popular revolucionária (grifo do autor). São três tipos de manifestações artísticas que têm em comum o fato de não terem como público as minorias culturais, mas que, fora esta semelhança, conservam entre si diferenças marcantes.”
Na especificação do que seja a “arte do povo” – a que provém diretamente dele, fundamentalmente o folclore – Carlos Estevam esclarece suficientemente as razões que o farão rejeitar de forma categórica este tipo de cultura pelo seu primarismo e atraso:
“A arte do povo é predominantemente um produto das comunidades economicamente atrasadas e floresce, de preferência, no meio rural ou em áreas urbanas que ainda não atingiram as formas de vida que acompanham a industrialização. (…) nela o artista não se distingue da massa consumidora. Artistas e público vivem integrados no mesmo anonimato e o nível de elaboração artística é tão primário que o ato de criar não vai além de um simples ordenar os dados mais patentes da consciência popular atrasada.”
A categoria que nos interessa é a próxima, a “arte popular”; nada existe na “arte do povo” que se traduza em cinema, a não ser o seu registro, mas a “arte popular” tem uma versão cinematográfica no chamado “cinema popular” no sentido tradicional – as comédias e melodramas populares. Para Carlos Estevam, a arte popular se distingue da arte do povo,
“não só pelo seu público, que é constituido pela população dos centros urbanos desenvolvidos, como também devido ao aparecimento de uma divisão de trabalho que faz da massa a receptora improdutiva de obras que foram criadas por um grupo profissionalizado de especialistas.” Carlos Estevam não tem sobre a “arte popular” melhor opinião que sobre a “arte do povo”:
“A arte do povo e a arte popular, quando consideradas de um ponto de vista cultural rigoroso, dificilmente poderiam merecer a denominação de arte; por outro lado, quando consideradas do ponto de vista do CPC, de modo algum podem merecer a denominação de popular ou do povo.”
E se se retira destas formas de arte a sua qualidade de populares é justamente por seu caráter alienado ou alienante.
“Com efeito, a arte do povo é tão desprovida de qualidade artistica e de pretensões culturais que nunca vai além de uma tentativa tosca e desajeitada de exprimir fatos triviais dados à sensibilidade mais embotada. É ingênua e retardatária e na realidade não tem outra função que a de satisfazer necessidades lúdicas e de ornamento.”
Quanto à arte popular, sendo
“por sua vez mais apurada e apresentando um grau de elaboração técnica superior, não consegue entretanto atingir o nivel de dignidade artística que a credenciasse como experiência legítima no campo da arte, pois a finalidade que a orienta é a de oferecer ao público um passatempo, uma ocupação inconsequente para o lazer, não se colocando para ela jamais o projeto de enfrentar os problemas fundamentais da existência. (…) a arte popular é a produção em massa de obras convencionais cujo objetivo supremo consiste em distrair o espectador em vez de formá-lo, entretê-lo e aturdi-lo em vez de despertá-lo para a reflexão e a consciência de si mesmo. A arte popular não pretende operar transformações em seu público; tudo se passa como se a finalidade máxima dessa arte fosse conservar o povo imobilizado no estado em que se encontra. Em suas múltiplas manifestações é sempre visível a presença da atitude escapista que diante dos conflitos do mundo só consegue resolvê-los fingindo que o mundo não existe com seus conflitos (…). A arte popular é escapista porque não constrói seus valores por um processo de aprofundamento e intensificação das experiências vividas pelo homem do povo.”
E se assim é,
“Tanto a arte do povo (…) como a arte popular (…) não podem ser aceitas pelo CPC como métodos válidos de comunicação com as massas, pois tais formas artísticas expressam o povo apenas em suas manifestações fenomênicas e não em sua essência.”
Em resumo, não pode haver cultura popular sem que haja intenções políticas: uma arte alienada, escapista, artisticamente indigna, ilegítima, inconsequente, convencional, não é popular. A verdadeira arte do povo é a arte popular revolucionária: nesta,
“tudo começa pela essência do povo e entendemos que esta essência só pode ser vivenciada pelo artista quando ele se defronta a fundo com o fato nu da posse do poder pela classe dirigente e a consequente privação de poder em que se encontra o povo enquanto massa dos governados pelos outros e para os outros. Se não se parte daí não se é nem revolucionário nem popular, porque revolucionar a sociedade é passar o poder ao povo. (…) nossa arte revolucionária pretende ser popular quando se identifica com a aspiração fundamental do povo. (…) os traços positivos do povo só poderão se realizar pela prática dos atos negativos e destruidores que suprimem o povo enquanto ser escravizado. Na ação revolucionária o povo nega a sua negação(…). Por esse movimento gera-se toda a matéria-prima de que necessita a arte popular revolucionária para elaborar seus produtos, pois o conteúdo desta arte não pode ser outro senão a riqueza, em suas linhas gerais e em seus meandros, do processo pelo qual o povo supera a si mesmo (grifos nossos) e forja seu destino coletivo. Eis porque afirmamos que, em nosso país e em nossa época, fora da arte política não há arte popular (…). Expressando-se ações e situações de outra ordem, que não revertem em último termo ao denominador político, não se trata mais do povo como protagonista de seu próprio drama e promotor de seu próprio destino (…). É uma verdade que paira acima de qualquer contestação a tese de que não pode haver dois métodos distintos, um para o povo tomar o poder, outro para se fazer arte popular. Por isso repudiamos a concepção romântica (…) de artistas brasileiros (…) para os quais a arte popular deve ser entendida como formalização das manifestações espontâneas do povo. Para tais grupos o povo (…) se reduz a um objeto estético (…); nós, ao contrário, vemos nos homens do povo acima de tudo a sua qualidade heroica de futuros combatentes do exército de libertação nacional e popular.”
Carlos Estevam Martins não foi o único teórico do CPC, e talvez nem o mais importante. As posições de Ferreira Gullar, mais matizadas e consequentes, eliminam boa parte do dogmatismo que caracterizou a primeira fase do CPC, sob a direção de Carlos Estevam. Mas, se nos detivermos sobretudo nas ideias deste último sobre a cultura popular, é porque foi justamente em torno dessas ideias que se explicitou a primeira polêmica que, separando o pensamento cinematográfico do que era genericamente o pensamento dos “movimentos de cultura popular”, nos permite uma aproximação mais consistente da ideia de “cinema popular”.
O CPC e o Cinema Novo
O cinema não chegou a ter, nos centros populares de cultura, a importância que tiveram outras artes, como o teatro, a música ou a literatura. Além de várias tentativas frustradas (entre as quais um longa-metragem rodado quase inteiro, Um Cabra Marcado para Morrer, que focalizava as ligas camponesas em Pernambuco e teve sua filmagem interrompida pelo golpe de abril), os únicos filmes produzidos pelo CPC foram quatro dos cinco curta-metragens que compõem Cinco Vezes Favela. Mesmo assim, fazendo cinema, teatro ou música, desde o início o CPC tem em seus quadros alguns nomes que seriam figuras importantes no cinema brasileiro: Arnaldo Jabor, Leon Hirszman, Carlos Diegues, posteriormente Eduardo Coutinho, Nelson Xavier, Sérgio Ricardo, Vladimir de Carvalho etc., e muitos deles salientam a importância que teve em sua formação cultural a experiência dos centros populares de cultura.
Leon Hirszman considera a montagem de A Mais-valia Vai Acabar como o verdadeiro ponto de partida para a inclusão do cinema nas discussões sobre cultura popular no CPC. Além do problema específico do entrosamento cinema/teatro (filmes eram intercalados em trechos da peça), havia a questão mais importante, segundo Leon, de inventar um método de trabalho:
“A mais-valia foi que de certa forma sedimentou as bases da necessidade de a gente compreender o mundo (…) não só de uma forma abrangente, mas com um método que realmente nos desse uma segurança de que tinha um caráter cientifico; ou seja, de que a gente podia se aproximar da realidade que estava vivendo, não tentando esquadrinhá-la no modo empírico da experiência do dia-a-dia, mas com as armas de um conhecimento que desse realmente a capacidade de transformar aquela realidade que para nós era penosa, difícil, injusta.”
Neste “cientificismo” estava em germe um primeiro ponto de atrito entre o CPC e o que seria o futuro Cinema Novo. A tendência do CPC era a de legitimar como verdade científica suas posturas ideológicas, o que de imediato conduzia a uma atitude normativa e cerceadora da liberdade de criação artística. A própria noção de liberdade artística, tal como formulada por Carlos Estevam, é reveladora desta tendência:
“(…) o problema relativo à liberdade de criação só pode ser analisado em seus devidos termos quando visto nos quadros da relação artista-público (…). Os artistas do CPC (…) têm no povo o público de sua opção (… ).
Entretanto, por sua origem social como elemento pequeno-burguês, o artista está permanentemente exposto à pressão dos condicionamentos materiais de hábitos enraigados, de concepções e sentimentos que o incompatibilizam com as necessidades da classe que decidiu representar. Havendo conflito entre o que dele é exigido pela luta objetiva e o que dele brota como expressão de sua individualidade comprometida com outra ideologia, é que então surge o dever de se imporem limites à atividade criadora, cerceando-a em seu livre desenvolvimento. É preciso, no entanto, indagar de quem parte a imposição de limites. Não é do CPC que ela procede, mas do próprio artista. O criador engajado é quem se proíbe a si mesmo de trair a classe revolucionária.” (“Anteprojeto do Manifesto doCPC”)
De um modo geral, os jovens cineastas que se dispunham a participar dos movimentos de cultura popular não estavam igualmente dispostos a autocercear sua liberdade criadora. Ao contrário, a possibilidade de livre criação era precisamente um dos pontos de incentivo à atividade artística. A divergência de posturas se configura de imediato na única observação crítica que encontramos de Carlos Estevam sobre a primeira produção cinematográfica do CPC, Cinco Vezes Favela, que ele considera, “em sua maior parte e em sua concepção”, um filme “debochável” (O Metropolitano, 3.10.62). As razões que o levam a renegar, senão o filme como um todo, pelo menos alguns de seus episódios e a sua concepção, não estão diretamente especificadas no texto, mas o contexto refere-se a filmes cuja “verdade ideológica” Carlos Estevam põe em questão e que não são populares porque não contam com a adesão do povo: deles “a massa debocha”.
Para Carlos Diegues, é justamente em função da “massa” e tendo em vista seus interesses que se deve preservar a liberdade de os autores expressarem seus diferentes pontos de vista: se se oferece ao povo uma única opção, ele não tem o que escolher.
“Para o intelectual de esquerda, dois problemas se colocam, um decorrendo do outro. Por um lado, a preocupação com uma arte que transforme; por outro, a garantia de liberdade entre as alternativas que esta arte possa ter como expressão/comunicação. (…) compreendemos esta liberdade de alternativas, não como defesa pessoal dos intelectuais comprometidos, mas como instrumento de autodefesa dessas mesmas massas, aptas a escolherem no momento oportuno.” (O Metropolitano, 3.10.62)
Porém, do ponto de vista de Carlos Estevam, não pode haver duas verdades: admitir a possibilidade de opção entre caminhos diversos seria negar a cientificidade do único verdadeiro. Para o CPC, a verdadeira liberdade criadora decorre da fundamentação científica que têm as posições assumidas pelo artista revolucionário; por meio da
“consciência dos condicionamentos a que está submetida nossa atividade artística e cultural é que adquirimos a possibilidade de realizar um trabalho criador verdadeiramente livre. A liberdade de que não desfruta a grande maioria dos artistas brasileiros, nós a conquistamos ao compreender que nosso pensamento e nossa ação se inserem num contexto social dominado por leis objetivas. É pelo conhecimento das relações reais que articulam os fenômenos uns aos outros que se afasta o perigo da falsa consciência da liberdade artística, porque somente tal conhecimento é capaz de possibilitar a ação conforme leis científicas, ou seja, a ação que é essencialmente livre porque é eficaz no mundo da objetividade e nunca é esmagada e anulada pelas leis, visto que nunca se insurge contra elas. Não ignorando as forças propulsoras que, partindo da base econômica, determinam em larga medida nossas ideias e nossa prática, não podemos ser vítimas das ilusões infundadas que convertem as obras dos artistas brasileiros em débeis instrumentos da dominação, em lugar de serem, como deveriam ser, as armas espirituais da libertação material e cultural do nosso povo.”
Uma das acusações que o CPC dentro em breve faria aos cineastas do Cinema Novo era precisamente a de se estarem transformando em instrumentos da dominação, fundamentalmente em razão da falta de firmeza com que assumiam sua posição de “artistas revolucionários” em obras que por isso mesmo se tornavam “anti-revolucionárias”. Assim Porto das Caixas, por exemplo, será um filme “colonialíssimo”.
“Os rapazes (do Cinema Novo) estão entalados na encruzilhada de duas contradições: 1) a defesa de um cinema social hermético, ou 2) a defesa, feita por revolucionários, mas em nome da cinematografia, do cinema anti-revolucionário.” (Carlos Estevam, O Metropolitano, 3.10.62)
Leon Hirszman, colocando-se explicitamente numa posição de neutralidade como co-participante dos dois movimentos – o do Cinema Novo e o dos centros populares de cultura – tenta destrinchar as raízes do desentendimento: para os rapazes do CPC que pretendiam tornar-se cineastas,
“importante era partir para a atividade prática. Em relação ao processo que desencadearia a cultura popular, (…) foi a experiência da mais valia (…) (que encaminhou a discussão) no sentido pragmático da realização de filmes (…) . Foi aí que se viu uma grande diferença, a disparidade que veio a dar no Cinema Novo (… ). A conquista do métier, do savoir-faire, da capacidade de realização, era de certa forma o principal – junto à denúncia social, a tentativa de compreensão da realidade sócio-política, etc. (…) Mas não era uma coisa que correspondesse a uma unidade de caráter ideológico. Com relação ao cinema, era o fazer e ocupar um espaço vazio enorme (…). Uma das grandes qualidades do Cinema Novo, artisticamente, foi que ele não propôs nenhum projeto de ordem ideológica (…), quer dizer, não simplificou, assumiu a complexidade e a adversidade de suas posições, e a partir daí tentou crescer. Um crescimento que não tinha direção no sentido de uma proposta ideológica.”
Com esta última afirmação concordam todos os participantes do movimento do Cinema Novo – encontramos declarações semelhantes de David Neves, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Arnaldo Jabor e vários outros. E, num outro contexto, de um ponto de vista em que o enfoque é o do panorama cinematográfico brasileiro e não as discussões em torno dos eventuais caminhos de uma “cultura popular”, Paulo Emílio vê na dita “indefinição ideológica” do Cinema Novo exatamente o que ele tem de mais estimulante:
“O Cinema Novo brasileiro propriamente ainda não existe, o que não impede que já tenha adquirido certa celebridade e, sobretudo, esteja cumprindo plenamente sua missão. Cinema Novo é um grito de guerra à procura das guerras que mais lhe convêm. É uma bandeira indiscutivelmente revolucionária que ainda não encontrou sua revolução. Aliás, na hora do encontro não será uma mas muitas revoluções que se lhe oferecerão no campo ético, social e estético. Isso significa que no momento de sua vitalidade maior o Cinema Novo será ainda mais indefinível do que hoje. Ainda bem, pois sua força emana dessa indefinição e da liberdade decorrente. Cinema Novo, hoje, é muito mais manifestação do que manifesto ou programa, e oxalá no futuro ele escape às configurações dos relatórios e balanços dos livros de história e permaneça imagem de um tempo vivido intensamente. Na medida em que se procura identificar com o fluir e o fruir do tempo presente, o Cinema Novo envolve todos nós. O mecanismo de participação do Cinema Novo não é o de aceitação de ideias ou filmes, mas o da descoberta de que nossas emoções, ações e palavras são parte integrante de um processo em curso (…). Para não asfixiá-lo dentro ou fora de mim, tão cedo não vou tentar definir o Cinema Novo brasileiro.” (“Primavera em Florianópolis”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 6.10.1962)
Mas, no que diz respeito à polêmica com o CPC, as “indefinições” do Cinema Novo são um ponto crucial de discordância. Se “artisticamente falando” a ausência de projeto ideológico podia ser considerada uma qualidade por Leon Hirszman e seus companheiros, politicamente falando era algo de indefensável do ponto de vista do CPC, que subordinava a arte à politica.
Arnaldo Jabor expõe de modo mais complexo sua visão do relacionamento entre o CPC e o Cinema Novo. O CPC, assim como o movimento teatral que lhe deu origem, teriam sido fases necessárias na superação do ideologismo fácil e simplista da geração de esquerda que depois se dedicou ao cinema. Ele opõe ao Cinema Novo as experiências do Teatro de Arena e dos centros populares de cultura, mas integra-as no próprio Cinema Novo na medida em que faz delas a tese e a antítese de que o Cinema Novo seria a síntese. O Teatro de Arena era o teatro social, mas
“o teatro social não era o bastante, havia a necessidade de um teatro que induzisse à ação política. O teatro social observa o homem como objeto da história, e o teatro político seria aquele que colocasse o homem como sujeito da história e da ação concreta. (…) o teatro social observa o homem, as lutas sociais e os processos sociais como se observa um micróbio na lâmina; e o teatro político seria um teatro de intervenção direta. (…) (Da busca deste teatro político) surgiram então os centros populares de cultura. (…) O CPC tentava ir diretamente ao oprimido (…) tinha essa vontade de intervenção política na ordem real, e a atitude estética do CPC em relação ao que vinha antes era de simplificação intencional dos conteúdos e das formas para que eles fossem entendidos pelas camadas populares.(…) Havia a sensação de que bastava ensinar a verdade e a verdade seria praticada e bastava simplificar para que ela fosse entendida (…). O CPC fundou uma estética (…) que visava uma simplificação formal e uma violência de recados. (…) era como se o Teatro de Arena fosse uma espécie de tese, o CPC uma espécie de antítese, e o Cinema Novo – que começou a surgir por volta de 59, 60, e surgiu mesmo em 61, 62 – fosse uma espécie de síntese, uma vontade de participar politicamente da nação, sem, vamos dizer, este aspecto reformista social-democrata do Teatro de Arena, e sem por outro lado a ingenuidade pseudovirulenta, a grossura formal e as esperanças politicescas do CPC; alguma coisa que fosse uma reflexão mais profunda sobre a realidade brasileira (…), uma tentativa de instalar uma visão mais ambígua sobre a realidade brasileira. (…) um trabalho de questionamento, de assunção da ignorância em relação a essa própria realidade (…). (O Cinema Novo) não tinha a petulância de agitação que o CPC de alguma forma tinha, nem tinha o calmo olhar descritivo das realidades injustas (que tinha o Arena). O cinema brasileiro tinha uma característica de alto questionamento formal, e de questionamento de um enigma social, político, econômico, estético, ou o que seja, da realidade brasileira. O Brasil não era mais algo a ser apenas demonstrado, o Brasil era uma coisa a ser pesquisada, criticada, questionada, e as dúvidas se instalariam. Eu acho que o cinema novo abriu espaço para a dúvida, o que é fundamental (…).”
No CPC, a ideia de “verdade científica” efetivamente eliminava qualquer espaço de dúvida. Daí as acusações que lhe eram feitas de sectarismo e visão simplista, mecânica dos processos sociais. E é sobretudo tendo em vista o CPC (mesmo quando os movimentos de cultura popular não são especificamente tomados como ponto de referência) que se contrapõe ao dogmatismo do pensamento cultural da esquerda nacionalista a maior complexidade e acuidade da visão de esquerda do Cinema Novo.
“(…) pelo menos como proposta (…) o que existe como raiz e como semente do Cinema Novo (…) é a possibilidade de se fazer uma arte materialista que não fosse simplista” – diz ainda Arnaldo Jabor. A compreensão “do materialismo não mais como uma coisa didática, chata, conscientizante, limitada, (…) visão do mundo estratificada, mecânica, que tira do homem a sua grandeza espiritual, o seu mistério, que tira da humanidade a sua possibilidade dinâmica, a sua imprevisibilidade, como se o mundo pudesse ser reduzido a quatro ou cinco conteúdos ou estruturas ou dinamismos.”
Diretamente relacionada com a discussão sobre a liberdade de criação e a valorização da pluralidade de pontos de vista, no Cinema Novo, estava a questão do “cinema de autor”. O Cinema Novo reivindicava para o cinema brasileiro a “liberdade de autoria”: um cineasta não é verdadeiramente um “autor” se não puder expressar livremente as suas ideias, da forma que escolher, do ponto de vista que lhe parecer mais correto. O que de forma alguma significa descompromisso com a realidade social – como veremos adiante – mas apenas recusa de submeter-se à imposição de uma linha politica pré-determinada, qualquer que ela fosse.
O joio e o trigo
Se o objetivo inicial e declarado do Cinema Novo era sacudir o ambiente cinematográfico brasileiro com “algo de novo” – que, como veremos, podia ser muita coisa diversa – Glauber Rocha já em setembro de 1962 considera missão cumprida:
“Com a exibição de Boca de Ouro e Barravento, coloquemos um selo sobre aquilo que se chamou ‘Cinema Novo’. (…) em dois anos e meio aconteceram mais coisas do que se poderia imaginar numa indústria falida e numa cultura inexistente. Verdade é que o trabalho não foi fácil e gerou a grande confusão de agora. Mas a confusão foi necessária para se ferir o monstro no olho sagrado. Todavia os tempos mudam: o monstro está morto e com ele o pessimismo dos produtores, o ceticismo do público, o fel da crítica, a inércia dos realizadores.”
Isto posto, trata-se agora de esclarecer a confusão criada e ver quem está de que lado. Os filmes
“foram desastrosos em vários pontos de vista – uns gerando equívocos, outros definições – todos figurando sob a mesma manchete rigorosa para a chanchada e concessiva para os fujões. Agora, (…) é bom que (…) coloquemos a cruz na sepultura deste cinema mistificado pela fé e pela publicidade: a briga, em termos decentes, é separar o joio do trigo, separar o autor do artesão, separar o autor diletante do autor empenhado, separar o autor comercial do autor que se opõe a servir às maquinações industriais dos teóricos que já levaram (…) este cinema à falência.”
A separação autor/artesão é simples e já tinha sido delineada por Paulo Emílio – muitas vezes citado por Glauber Rocha a propósito de tudo – em “Artesãos e autores” (Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 14.4.61). A diferença é que, para Paulo Emílio, a classificação
“não implica em hierarquia de valores”,
enquanto que, para Glauber e outros cineastas do Cinema Novo que reivindicam para si a qualificação de “autores”, claramente implica.
Mais complexa é a separação entre si dos diferentes tipos de autores. Um bom exemplo são as atitudes opostas que se assume face a Walter Hugo Khoury. Para Glauber, este autor se afasta progressivamente dos princípios do Cinema Novo:
“A Ilha, isoladamente, persistiu nas mesmas intenções de autoria que cada vez mais marginalizam Walter Hugo Khoury e parecem conduzi-lo num caminho oposto ao tempo.”
Já para Gustavo Dahl, que enfatiza em Khoury a sua “consciência de autor”,
“(…) hoje, no Brasil, ninguém melhor do que ele conseguiu usar a câmara para se exprimir (…) e é isto que faz dele o eventual pai do cinema brasileiro.” (“Importância de Khoury”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 21.5.1960)
Tanto para Glauber como para Gustavo, o que garante a Walter Hugo Khoury a sua qualidade de “autor” é o caráter pessoal de sua obra e a originalidade criadora face ao cinema corrente; porém não basta que um cineasta seja criador; um autor não se define apenas pela caracterização da autoria em si, mas pela própria substância da sua linha ideológica. O prosseguimento do artigo de Glauber deixa claro que é este o sentido da separação dos autores entre si. Procurando esclarecer os “equívocos” que o rótulo “Cinema Novo” indiferentemente aplicado a filmes e autores muito diversos poderia causar, Glauber Rocha acha indispensável
“enumerar nomes, à medida que se delineia um conceito: Anselmo Duarte, Carlos Coimbra, Rubem Biáfora, Lima Barreto, Roberto Farias, estão verdadeiramente preocupados com um cinema de espetáculo que ‘dê dinheiro e tire prêmios’, enquanto Rui Guerra, Miguel Torres, Alex Viany, Paulo Saraceni, Nelson Pereira dos Santos e o grupo de Cinco Vezes Favela se preocupam mais com um cinema que exprima a transformação da nossa sociedade, comunicando e processando esta transformação.”
E, prosseguindo na distinção, Glauber Rocha introduz a questão de um cinema vinculado à cultura popular:
“São duas vertentes – a primeira desejando e fazendo um cinema que adjetiva a tradição do populismo brasileiro, exaltando o romântico e as constantes de uma desastrosa mitologia popular; os segundos enfrentam a violenta pobreza de nossa cultura de elite, mergulhando no complexo e na contradição de toda a cultura popular, situando-se como artistas responsáveis e entendendo o cinema como o próprio substantivo desta cultura.”
Temos, portanto, de um lado a tradição populista que se apóia nas constantes de uma “desastrosa” mitologia popular, e de outro o cinema que, assumindo a complexidade da “contradição” da cultura popular, é entendido como o “próprio substantivo” desta cultura. De um lado, o cinema “comercial”, em que o popular é exotismo e folclore, do outro o cinema “empenhado”, que comunica e “processa” a transformação da sociedade.
Logo abaixo, falando da segunda vertente mencionada, Glauber Rocha nos permite identificar a cultura popular com a própria cultura nacional:
“(…) este cinema crescerá além de qualquer anterior proposição sobre as possibilidades de nossa cultura. O que se acumulou no terrível e caótico diálogo Rui Guerra & Nelson Pereira dos Santos & Paulo Saraceni & eu mesmo & Alex Viany & Jean-Claude Bernardet & Gustavo Dahl & Joaquim Pedro de Andrade & Leon Hirszman & Roberto Pires & Miguel Torres & Mário Carneiro & Miguel Borges & Marcos Farias & Eli Azeredo & Davi Neves, pode agora, com plenas divisões internas estabelecidas, gerar este fantástico cinema novo – ‘novo’ agora, não como resistência à chanchada, mas ‘novo’ como expressão substantiva da cultura brasileira e novo como resposta à anarquia e o suicidio reinante no cinema envelhecido dos Estados Unidos e das duas Oropas.”
O Cinema Novo, que é “o próprio substantivo” da cultura popular, é novo como “expressão substantiva” da cultura nacional. O outro cinema, que meramente “adjetiva” a tradição popular, só expressa da cultura brasileira a superfície, porque não se propõe a analisá-la em profundidade; e, pior que isso, é um cinema que serve à “ideologia do entorpecimento”. Falando da função da críticacinematográfica, conclui Glauber Rocha:
A crítica deve “esclarecer a cada minuto (…) de que forma é preciso o público recusar a mistificação comercial de filmes grandiloquentes pelos estudos & expressões deste país em transe. Preparar o público para aceitar e estabelecer a grande discussão, agora muito mais difícil (…). 1963 será o ano da grande prova – quando o cinema experimental dos autores de agora enfrentará, para esmagar, o cinema de efeito fácil, a expressão contemplativa da miséria nacional transformada em fonte de renda pelos produtores a serviço de uma ideologia do entorpecimento.”
* * *
O artigo de Glauber Rocha que acabamos de expor (“Cinema Novo, fase morta [e crítica]” – O Metropolitano, 26.9.62) provoca uma violenta reação de Carlos Estevam, configurando-se o desentendimento total que iria afastar a maior parte dos representantes do Cinema Novo do grupo do CPC.
Dentre os cineastas que, segundo Glauber, realizam um “cinema de efeito fácil, a expressão contemplativa da miséria nacional” estão os diretores que, para Carlos Estevam, realizaram as duas únicas obras “socialmente revolucionárias” do Cinema Novo: Assalto ao Trem Pagador e O Pagador de Promessas. Carlos Estevam mantém a separação de Glauber, mas inverte o sentido das oposições:
“O comentário de Glauber Rocha (…) veio engrossar uma série de declarações, injustas quanto aos outros cineastas e pretensiosas quanto a si mesmos, feitas pelos rapazes do Cinema Novo. A fim de separar gatos no saco do Cinema Novo – coisa que realmente está na hora de ser feita – Glauber coloca, de um lado, o autor diletante, o autor comercial e os teóricos das maquinações industriais; do outro, o autor empenhado e o autor que se opõe a tais maquinações. Este critério, de tão infeliz, levou a ver, do lado ‘empenhado’, ‘diletantes’ como Porto das Caixas, Os Cafajestes, etc., e do lado ‘comercial’, os ‘empenhados’ Assalto ao Trem Pagador e O Pagador de Promessas. De saída, como pode ser adequado um critério que versa sobre pessoas (‘os autores’) e não sobre obras? Todos os dias vemos artistas ‘empenhados’ transformarem-se em ‘desempenhados’ e vice-versa: (…) o mesmo Nelson Pereira dos Santos fez Rio Quarenta Graus e Mandacaru Vermelho. O que interessa são as obras, e estas, do ponto de vista revolucionário – único de que me ocupo – dividem-se em socialmente revolucionárias e socialmente anti-revolucionárias. Para exemplificar, pode-se dizer que a atual safra do Cinema Novo só deu dois filmes socialmente revolucionários: O Pagador de Promessas e Assalto ao Trem Pagador.” (“artigo vulgar sobre aristocratas”, O Metropolitano, 3.10.1962)
Na polêmica centrada nas posições opostas de Glauber Rocha e Carlos Estevam quanto ao que sejam os filmes verdadeiramente “populares”, Carlos Diegues interfere com um artigo intitulado “Cultura Popular e Cinema de Autor” (O Metropolitano, 3.10.1962), decididamente do lado de Glauber Rocha.
E, comentando hoje a discussão, diz Carlos Diegues (depoimento à FUNARTE):
“Eu poderia dizer, aliás, (que este) foi o primeiro conflito da cultura dos anos 60, da cultura da minha geração – responder à pergunta: é a cultura, a criação artística ou o que se quiser chamar, um instrumento da luta política, ou não? Quer dizer, deve ser ela um instrumento da luta política? É a velha questão da instrumentalização da criação artística (…). Esse foi o primeiro rompimento que houve nos anos 60, (…) quando o CPC levou sua experiência ao nível em que de repente a criação artística passou a ser pura manifestação de militância política (…) subordinada a programas partidários(…). Neste momento surge o cinema novo e (…) diz que, de um modo geral, não é bem assim (…), ele está à procura de um tipo de manifestação cultural que tenha uma inserção na sociedade brasileira num nível mais antropológico, num nível de verificação, de avaliação do homem brasileiro como objeto de análise antropológica. Muito menos como uma área de transformação política imediata, (…) vitória de um partido, ou de um grupo, etc., como era no caso dos últimos anos do CPC. (…) O CPC foi muita coisa, não foi uma coisa só; (…) em 63, se não me engano, surgiu um célebre documento do Carlos Estevam (…) que dividiu, rachou ao meio, e aí a gente do cinema caiu fora.”
No artigo de 1962 em que polemiza com Carlos Estevam, Carlos Diegues começa por encampar o partidarismo do intelectual que coloca sua obra a serviço do povo:
“A responsabilidade é uma das características mais fundamentais na tipologia do intelectual de esquerda. Responsabilidade que é, evidentemente, uma relação entre sua obra (…) e o que almeja. Um homem com essa característica imbuirá sua obra, sempre, das posições (mesmo que eventuais) que correspondam, naquele momento, às palavras-de-ordem da vasta frente única que, entre as forças sociais em choque, se formou de um dos lados – justamente aquele lado a que se sente ligado e a que pretende representar na área artística. A gravidade desta colocação se ressalta se dermos ao termo ‘intelectual de esquerda’ o seu devido significado: aquele que acredita que a sociedade está dividida entre opressores e oprimidos, senhores e escravos, e que escolheu a luta destes últimos como a finalidade de sua existência. Que decidiu e escolheu por levar as massas ao poder.”
Não se trata, portanto, de pôr em questão a utilização da arte como instrumento político – Carlos Diegues declara de início que a obra do intelectual de esquerda deve estar subordinada aos fins que ele almeja.
O intelectual de esquerda
“enfrentará os fatos culturais e sociais em sua dupla face – a tática e a essencial. Certos intelectuais, entretanto, ligados a grupos e entidades da maior seriedade e respeito” – também não se trata, portanto, de repudiar o CPC, mas apenas as declarações de seu presidente – “não se inibem em comprometer a seriedade e o respeito delas (o que nunca alcançarão: elas são maiores que eles) com intervenções que tática e essencialmente são simplesmente primárias, no pior e mais vasto sentido do termo. Taticamente, eles trocam, com a maior sem-cerimônia, a disponibilidade, a seriedade e, principalmente, a representação social das forças mais progressistas na área da cultura, pela subserviência, pela conciliação, pela mediocridade a serviço de senhores e causas escusas. O grau de irresponsabilidade vai ao clímax de um homem que se diz de esquerda desprezar qualquer análise social de uma conjuntura especifica, no caso a do cinema, desleixando a pesquisa sobre as origens das personagens de suas críticas (ou diatribes), o onde, como e quem (grifos do autor) se encontra por trás de tudo isso como representação social.”
De fato, para o Cinema Novo, a análise do que poderiam significar os diferentes tipos de autores como “representação social” era questão básica que ultrapassava a mera consideração do “conteúdo” político dos filmes. Assim, Anselmo Duarte é visto como representante do “velho cinema”, herdeiro da Atlântida e da Vera Cruz – o que, do ponto de vista dos novos cineastas, está longe de ser revolucionário em termos de “significação social”. Para Cacá Diegues, um filme como O Pagador de Promessas, mesmo que ponha na tela personagens “populares”, reverte seu drama em exotismo e folclore e dá do povo uma imagem falsa e reacionária.
Por outro lado, “separar o joio do trigo” era entre outras coisas – dada a especificidade da conjuntura cinematográfica – levar em consideração a forma de inserção dos filmes no mercado, a sua vinculação à concepção tradicional do cinema e a sua linguagem. No confronto de posições entre Cacá Diegues e Carlos Estevam, mais do que a “questão da instrumentalização da criação artística” o fundamental é mesmo a questão da “linguagem popular”.
Uma forma popular?
Diferentemente do que acontecia até os anos 50, não é mais apenas o conteúdo o que, para o Cinema Novo, define o caráter nacional e/ ou popular de um filme, mas também a sua forma. A ideia de um cinema-linguagem universal que alimentou as décadas anteriores é explicitamente negada pela busca de uma linguagem “nacional”, de uma linguagem “popular” e com frequência de uma linguagem “nacional e popular”.
Outra divergência flagrante que desde logo se evidencia entre o CPC e o Cinema Novo diz respeito à concepção da linguagem da arte popular – ou, como diria Carlos Estevam, à questão da forma.
Carlos Estevam separava como instâncias diversas a forma e o conteúdo das obras, e preconizava a manutenção de “formas” tradicionais e convencionais da arte popular que envolveriam um “conteúdo” inteiramente novo, compondo a “arte popular revolucionária”.
“A ideia básica era aquela a que tínhamos chegado através de nossos primeiros contatos com plateias populares, a de que se deveria colocar conteúdos políticos dentro de formas de cultura popular (…). Não havia exigências em termos de criação estética, e a filosofia dominante no CPC era essa: a forma não interessava enquanto expressão do artista. Interessava era o conteúdo, e a forma enquanto comunicação com o público, com o nosso público.(…) a concepção do CPC (era a) de que deveríamos usar as formas populares e rechear estas formas com o melhor conteúdo ideológico possível” – diz Carlos Estevam em “História do CPC” (Arte em Revista, nº 3, março 1980)
E no “Manifesto do CPC”:
“Tendo optado pelo público na forma de povo, a arte popular revolucionária nada tem a ver, quanto ao seu conteúdo, com a arte do povo e a arte popular, mas delas necessita se aproximar em seus elementos formais, pois é nelas que se encontra desenvolvida a linguagem que se comunica com o povo. Na medida em que nossa arte pretende ser porta-voz dos interesses reais de uma comunidade, necessariamente temos que nos servir dos processos pelos quais o artista popular se faz ouvir e se torna representativo das qualidades e dos defeitos próprios ao falar do povo (…). O acentuado espírito conservador com que o povo se imobiliza no uso das formas (…) permite que o artista revolucionário retome tais formas e as recupere para a veiculação de conteúdos inteiramente distintos daqueles que lhes deram origem.”
O Cinema Novo, por seu lado, tinha na pesquisa formal uma das suas metas. À busca de uma linguagem própria para o cinema nacional associava-se a constante preocupação de adequação de forma e conteúdo: a um conteúdo novo deve corresponder uma nova forma.
Do ponto de vista do CPC, os novos cineastas afastavam-se do povo na razão direta em que se embrenhavam cada vez mais a fundo na elaboração formal e no esteticismo. Se Carlos Estevam considera “populares”, no sentido da arte popular revolucionária, filmes como O Pagador de Promessas ou Assalto ao Trem Pagador, é porque estes filmes ao mesmo tempo mostram o povo e são por ele compreendidos, enquanto que obras como Porto das Caixas ou Os Cafajestes, além de “alienadas” são incompreensíveis para o povo:
“Os rapazes (do Cinema Novo) (…) não querem compreender que, para falar com o povo, é preciso usar a linguagem que o povo entende. Na medida em que comprovam a tese de que o artisticamente fácil é muitas vezes socialmente difícil, deixam entrever a suspeita de que, no fundo, não estão lá com tanta vontade assim de falar ao povo. Temos um povo inculto e alienado que vibra com os ‘pagadores’ e pode assimilar o conteúdo desses filmes porque não encontra obstáculos formais naquela linguagem fácil, convencional, ‘comercial’, familiar, popular. Os rapazes, ao contrário, estão ‘empenhados’ em derrotar essa linguagem chinfrim. Para eles é como se ela fosse mais inimiga que o imperialismo, o latifúndio, a burguesia. Querem criar uma nova linguagem e, por isso mesmo, o que conseguem é ficar falando sozinhos enquanto a plateia solta piadas e prefere se divertir consigo mesma, desinteressada daquela linguagem que, de tão nova e diferente, até parece estrangeira.” (O Metropolitano, 3.10.62)
E no depoimento a Arte em Revista, analisando retrospectivamente a questão, Carlos Estevam contrapõe engajamento político e criação artística como irreconciliáveis – o que não fazia na época – e classifica de ilusória a tentativa de conciliação entre estes pólos opostos:
“A convicção de cada um que trabalhava no CPC era de que o que se fazia era de uma utilidade enorme e que cada um era absolutamente indispensãvel à marcha da História. Não havia nenhuma dúvida, nenhuma hesitação. O problema que havia era o da carreira artística dos que eram mais talentosos. Havia falta de espaço para a criação propriamente dita. Aqueles que tinham talento (…) mantinham a ilusão, e eu alimentei essa ilusão, de que era possível fazer arte ali dentro. Eu dizia que o problema estava na falta de talento deles, em não terem ainda descoberto um jeito de fazer alguma coisa que fosse popular e, ao mesmo tempo, com valor artístico (…). Mas eu estava careca de saber que não ia dar nunca. Que a tendência era cada vez mais baixar o nível, e eu lutei para que cada vez mais baixasse o nível, não do conteúdo, mas da forma. (…) Este conflito interno percorreu a história do CPC. As pessoas faziam parte do CPC porque eram artistas ou porque queriam fazer uma carreira artística e entraram na aventura do CPC porque achavam que era possível ser artista e ao mesmo tempo fazer arte para o povo. As pessoas que não tinham pretensões artísticas, como era o meu caso, perceberam rapidamente que isso era um barco furado. Quer dizer, ou se fazia pedagogia política, usando a arte para produzir conscientização política, ou então nada feito, voltava-se para o teatro de elite, a música, a literatura, o cinema de elite (…). Isso deixava o pessoal que era artista com mágoa. O Glauber Rocha, por exemplo, não conseguiu se ligar à gente (…) Glauber, que sonhava ser um grande artista, não podia aceitar aquela camisa de força, uma atividade que, se tivesse algum mérito, seria educacional e nunca artístico.”
Na verdade as divergências são mais profundas. Não se trata de os cineastas colocarem a arte acima da política, mas sim de que eles entravam na discussão ideológica das próprias formas – que não são inocentes e trazem em si significados que é preciso desmascarar. Não basta “rechear” as formas populares com conteúdos políticos, para o Cinema Novo não é assim que se chegará a uma “linguagem popular”. Esta mesma linguagem que, para Carlos Estevam, é “popular”, para o Cinema Novo é instrumento de mistificacão do povo:
“O que pode significar” – pergunta Cacá Diegues – “na perspectiva de levar o povo ao poder, uma cultura que se faz compreendida mas não revela sua origem alienada, fruto de séculos e séculos de marginalismo que pesam nas costas deste mesmo povo? Como explicar ao povo que ele é marginal da cultura, como uma das consequências de uma estrutura social injusta? Como explicar se somos os primeiros a embromá-lo com uma linguagem, esta sim, fruto do imperialismo, do latifúndio e da burguesia? Como denunciar alguma coisa se nós somos os primeiros a embromá-lo com uma linguagem, quase à essência, do objeto da denúncia?” (O Metropolitano, 3.10.1962)
A alternativa, é claro, é pesquisar uma “nova linguagem” que não embrome o povo – o que, do ponto de vista do CPC, é esteticismo, elitismo, anti-revolucionarismo. Combatendo a “orgia de experimentos formais” do Cinema Novo, Carlos Estevam sugere a possibilidade de que a linguagem da chanchada (obviamente apenas a·linguagem, porque o conteúdo deve ser revolucionário e o da chanchada brasileira é alienado) pode ser um dos caminhos para o cinema popular, e exemplifica:
“Quando estive em Cuba, o filme de maior aceitação popular que assisti foi uma chanchada mexicana construída na base dos infalíveis ingredientes: ação contínua e acumulativa, estrutura melodramática e comédia mecânica. Isso em Cuba (onde também é sucesso Chaplin e certos filmes cubanos, típicos ‘pagadores’), país sem analfabetos, no terceiro ano do maior bombardeio cultural já havido na história das Américas. Para quem quer ver, este fato social ensina que proezas formais são belezinhas ou coragenzinhas a serem colocadas por último na ordem das coisas que começa por arroz e feijão. (…) Que o leitor repare bem nos pintas que engrossam as filas dos cinemas para ver Oscarito e coleguinhas. Quando toda essa moçada estiver nas ruas dando tiro e botando banca, que o leitor se lembre que foram tão longe sem a ajuda das maiores vedetes desse tal de ‘cinema empenhado’.” (O Metropolitano, 3.10.1962)
Ora, a chanchada era justamente um dos redutos do cinema comercial brasileiro contra os quais lutava o Cinema Novo. À sugestão de Carlos Estevam, responde Cacá Diegues:
“(…) sei bem o que foi a discussão entre o Hoy e o Revolución, e que os intelectuais deste último (por mais que se citem as chanchadas mexicanas) se tomaram vencedores do debate e buscam, hoje, uma cultura revolucionãria para um povo sufocado pelas fórmulas fáceis, inebriantes, pelos ‘jingles’ e tudo que signifique impossibilidade de pensar.” (O Metropolitano, 3.10.1962)
Para o Cinema Novo, é isto o essencial: que as obras populares não sejam passivamente recebidas pelo povo, mas suscitem a reflexão. As “fórmulas fáceis” induzem à passividade e em nada contribuem para o aprimoramento social ou cultural do povo. É preciso buscar a aproximação com o povo sem fazer concessões.
“Estamos preocupados em transformar consciências, não levá-las a novas formas de entorpecimento” – diz Cacá Diegues. ”Transformá-las profundamente, levá-las a novas formas de raciocínio (no caso do cinema, até formas visuais de raciocínio) condizentes com sua situação de classes novas, que precisam do poder, não apenas para assaltar o Estado e usar sua máquina com novos fins, mas, como disse Lenin, para a transformação deste próprio Estado. Não nos interessa tocar e dirigir consciências. Interessa-nos acordá-las e fazê-las criar seu novo ser.”
Numa posição bem mais matizada que a de Carlos Estevam, Ferreira Gullar pondera sobre a necessidade de se encontrar um justo meio termo entre a subordinação da arte à política ou vice-versa. E condenando em depoimento recente o sectarismo simplista que leva ao “exagero de subestimar a qualidade artística”, a “tendência de ver na qualidade artística um resíduo da atitude elitista”, chama igualmente a atenção para os riscos do extremo oposto da atitude simplificadora, a elaboração formal excessiva que no limite pode se tornar incompreensível e estéril:
“(A) tese de que uma arte revolucionária tem necessariamente uma forma revolucionária tem que ser examinada com muita atenção e cautela.(…) o novo está sempre misturado com o velho. Se você quiser criar uma linguagem absolutamente nova, ninguém entenderá. Uma linguagem absolutamente nova não existe, e se existir ninguém entenderá, é o processo de elaboração que transforma o velho em novo. A rejeição radical (…) das formas usuais da linguagem conduz ao empobrecimento da linguagem (…). Essa é uma atitude tão radical quanto a outra do CPC que negava o estético privilegiando o ideológico-político.” (Depoimento à FUNARTE)
Mas, diferentemente de Carlos Estevam, Ferreira Gullar nunca acusou especificamente o Cinema Novo de radicalismo formalista. E, historiando por sua vez a trajetória do CPC, relata uma significativa mudança de postura face à questão arte/política, fruto da própria experiência dos movimentos de cultura popular:
“(…) a ruptura tende sempre a extremar posições, depois a própria experiência reconsidera e reavalia. O CPC fez isso. Já no fim do CPC, as discussões eram basicamente de autocrítica sobre o nosso trabalho (…) inclusive coloc(ando) o problema do padrão de qualidade (…). Se tinha sacrificado a qualidade do trabalho e não se tinha atingido o público que se visava (…) o que nos fez compreender que não era por aí. Que era necessário enriquecer a expressão, dar qualidade a ela sem abrir mão dos nossos propósitos, da nossa intenção de atingir um público mais amplo, de deselitizar a expressão artística brasileira.”
Porém o CPC não durou tempo bastante para pôr em prática a sua nova posição teórica sobre a arte popular.
Uma “arte popular” consciente ou conscientizadora
Criticando a concepção de arte popular de Carlos Estevam Martins, Uchoa Leite chama a atenção para o viés ideológico fundamental que lhe dá origem:
“Quando Carlos Estevam chega à conclusão de que não pode haver cultura popular sem que haja intenções políticas, chega a uma visão, digamos, stalinística do problema, e a uma visão que apesar da coerência formal apresenta um fundo contraditório. A contradição está em que para se fazer uma arte não só para o povo como a favor do povo seja preciso negar a validade da arte que vem desse mesmo povo. O que implica em negar que haja nos produtores dessa arte a possibilidade de uma abertura para uma consciência maior de sua, própria situação. Também o método de se utilizar de formas artísticas populares para nelas se introduzir um conteúdo politizante é ainda uma solução contraditória. Se se entende que a politização é uma maneira de abrir a consciência popular e dar condições ao povo – no sentido, é óbvio, de classes proletárias – de escolher o seu caminho politico, apossar-se de suas formas artísticas para lhe oferecer um novo conteúdo político será implicitamente uma negação de sua capacidade de arbítrio. A não ser que não haja, como pensamos, uma correlação entre os termos conscientização e politização. (…) se esta correlação é admitida, torna-se contraditório oferecer ao povo condições para uma opção política e ao mesmo tempo negar-lhe o arbítrio da criação estética (…).”
O que nos interessa, na colocação de Uchoa Leite, é a possibilidade que ele abre, a partir da críticaàs concepções do CPC, de se encarar a arte popular, ela própria, como potencialmente crítica e conscientizadora. Prosseguindo, Uchoa Leite acaba por propor ele também uma concepção de cultura popular, no sentido novo da expressão, que aliás se aproxima das propostas de Ferreira Gullar:
“Sem querer apresentar fórmulas, pensamos, contudo, que o caminho certo para uma solução seria o de proporcionar ao povo condições culturais para que o conteúdo de suas produções artísticas se enriquecesse, a partir de uma consciência nova de sua situação. Para isso seria necessário reconhecer que já existe dentro do que foi produzido a potencialidade dessa abertura. E não é tão difícil verificar que ao lado das produções irrealistas e ingênuas (…) (da arte popular) se encontram também exemplos de uma abertura crítica, principalmente através das variadas formas de sátira e humor.”
Não encontramos, no pensamento cinematográfico deste momento, nada de parecido a esta colocação de Uchoa Leite. Nem mesmo Alex Viany, e os poucos autores que como ele viam no “cinema popular” (no sentido tradicional – as chanchadas, musicais, melodramas) o mérito de se fazer compreendido pelo povo numa linguagem efetivamente “popular” e de ser “reflexo do povo” na sua maneira de ser, jamais aventaram a hipótese de o cinema popular ser ele próprio crítico e conscientizador.
Porém, nos anos 70 tal possibilidade se coloca nas reflexões sobre a comédia brasileira de autores como Miguel Chaia, Mário Chamie e Jean-Claude Bernardet.
“A chanchada são filmes críticos, não tenha a menor dúvida quanto a isso (…)”,
diz Jean-Claude Bernardet. Qualificando a chanchada como um tipo de sátira essencialmente ligado à vida cotidiana, Jean-Claude mostra como o que alimenta as piadas e situações são problemas políticos, geralmente municipais, mas podendo ampliar-se a âmbitos maiores, chegando à própria discussão do poder (Revista Cinema, Fundação Cinemateca Brasileira, nº 3, jan. 1974).
Miguel Chaia se propõe a estudar a chanchada como expressão política, e relaciona especificamente chanchada e populismo. Mário Chamie, partindo do mesmo pressuposto, relaciona chanchada e autoritarismo político. E Jean-Claude Bernardet, discutindo estes possíveis relacionamentos, exemplifica com Nem Sansão nem Dalila, uma chanchada de grande sucesso popular que ele considera um filme essencialmente político:
“A verdade é que a chanchada conheceu seu apogeu na década de 50, isto é, no segundo governo Vargas, (…) um governo desenvolvimentista e populista (…). Em relação ao esquema autoritário, há a seguinte hipótese: os astros, Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade, apresentam certos tipos urbanos bem caracterizados (…), tipos que o público é capaz de identificar e com que pode se identificar. (…) o público é levado a rir desses sujeitos, quer dizer, é levado a rir dos próprios sujeitos com quem se identifica. Aí, Mário Chamie veria uma maneira de um público, que não consegue fazer uma crítica global à sociedade nem de sua participação nessa sociedade, usar como válvula de escape a degradação de si mesmo (…) (Mas certos filmes colocam a questão política de uma forma muito mais complexa). Nem Sansão nem Dalila é realmente uma fita de âmbito nacional (…) um dos melhores filmes políticos brasileiros, (…) trata-se de um golpe de estado populista: um cara chega ao poder e toma medidas consideradas como de interesse do povo, só que o povo não toma parte dessa tomada de medidas (…) (depois) há um contragolpe de tipo militar”, etc. “(…) Tudo isso prova o seguinte: havia a possibilidade de tratar os mesmos temas que o cinema novo tratou, havia a possibilidade de tratar desses temas, não em termos de tese, como fez o cinema novo, dirigindo-se àquele público que tinha possibilidade de análise, mas basea(ndo) a estrutura narrativa do enredo numa situação social (…) destacada do dia-a-dia (…) vista com certa complexidade (…). Mas como se tratava de uma chanchada” – conclui Jean-Claude – “os críticos intelectualizados a menosprezaram.” (mesma fonte anterior)
Deste modo, as observações que Uchoa Leite desenvolve sobretudo tendo em vista a literatura popular seriam perfeitamente aplicáveis ao cinema popular:
“(…) a arte popular (no sentido tradicional) (…) é como toda arte, sem levar em conta a discussão de seus valores estéticos, o documento de uma situação humana. Como tal não pode ser posta de lado se se deseja realmente encarar os problemas da cultura popular dentro de uma perspectiva concreta da evolução histórica. (…) Se é verdade que algumas manifestações da arte popular (…) apresentam fórmulas esteriotipadas muitas vezes desligadas da situação real em que se localizam séus realizadores, não é menos verdade que essas fórmulas escondem aspirações subjacentes, que pelo menos denotam a situação referida. Isso, quando não se dá o caso de que tal situação se apresente em toda a sua clareza, mesmo que o seja em grau de consciência ainda primário.”
Em Nem Sansão nem Dalila, como vimos, era precisamente este o caso, e nada indica que fosse o único caso, a não ser nosso desconhecimento do assunto. Mas para que pudessem ao menos aventar tal hipótese nos anos 50-60, seria preciso que os autores que se dedicavam à reflexão sobre o cinema popular (no novo e no velho sentido) se interessassem um pouco mais pela chanchada, o que efetivamente não acontecia.
2. A SITUAÇÃO COLONIAL
Uma situação colonial?
A década de 60 foi toda ela marcada pelo impacto de um texto deflagrador no pensamento cinematográfico brasileiro, com repercussões inclusive em outras áreas da cultura: “Uma Situação Colonial?”, de Paulo Emílio Salles Gomes.
A salientar desde logo que, nas discussões que durante anos o texto provocou, a interrogação do título é inteiramente ignorada, e dá-se por indiscutível o fato de que a situação colonial do cinema brasileiro é afirmada de modo categórico e sem qualquer dubiedade. Quem põe em dúvida a própria ideia de “colonialismo cultural” é o presente, e se começamos por salientar a indagação do título é porque nos permitimos projetar sobre os anos 60 questões que pertencem à nossa atualidade.
Comentando, entre outros da mesma década, o texto de Paulo Emílio, Roberto Schwarz (debate “Arte e Política”, Paço das Artes, 14.5.1979, transcrição datilografada a partir de gravação, arquivo FCB) salienta a impropriedade conceitual com que se empregava a palavra ”colonialismo”:
“(…) a ideia de que nós vivemos, no Brasil, uma situação colonial e de que precisamos descolonizar (…) ocupou muito a cabeça de todo mundo nos anos 60. Ocorre que o Brasil, como todos sabem, não era mais uma colônia, o Brasil é independente desde 1822. E é certo que a ideia de que a nossa situação seja colonial é muito imprópria sociologicamente.”
Assim sendo, por que teriam as pessoas se aferrado à “noção de colonial e da descolonização”? E depois de chamar a atenção para a vinculação ideológica destas ideias com o nacionalismo desenvolvimentista, Roberto Schwarz salienta a eficiência de sua utilização:
“É que essa noção, apesar de obviamente imprópria – não é preciso ser sociólogo para perceber – contém alguma coisa que interessava às pessoas.” Esta coisa era a possibilidade de denunciar que “as mentalidades estavam colonizadas. O que se entendia por isso? A ideia é a de que o modelo (…) de nossa vida cultural são as formas artísticas existentes nos países, digamos, mais prestigiosos culturalmente, e que acontece serem também os que são economicamente desenvolvidos. Quando as pessoas sentiam que era preciso descolonizar a nossa cultura, descolonizar a nossa cabeça, imagino que pensavam que, com estes modelos, de certo modo o que nós fazíamos era decapitar a nossa próprian experiência social. (…) adotávamos modelos que não tinham lugar, ou que substituíam a nossa experiência real. O esforço de descartar esses modelos e de encontrar forma para essa experiência real, penso que esse esforço é que era visado na ideia de descolonização. Porque obviamente tal ideia não está sendo usada em seu sentido próprio.”
Em sentido próprio ou figurado, o que entendia Paulo Emílio por “situação colonial”? O texto não se preocupa com definições, mas na sua conclusão – num comentário cujo efeito retórico o próprio autor sugere – se explicita o que Paulo Emílio considera a “fórmula clássica” definidora da situação colonial:
“Se introduzirmos, cedendo ao gosto da imagem, um comentário a respeito das chamadas co-produções, isto é, a utilização por cineastas estrangeiros de nossas histórias, paisagens e humanidade, caímos plenamente na fórmula clássica sobre a exportação de matéria-prima e importação de objetos manufaturados.”
Pondo de parte o “gosto da imagem”, no contexto do artigo a co-produção é uma questão menor face aos outros problemas que Paulo Emílio aborda. Acirrada na época pela tramitação no Congresso de uma lei que pretendia regulamentar co-produções com países estrangeiros, na medida em que existia, a exportação de “nossas histórias, paisagens e humanidade” sob a forma de exotismo se fazia muito mais já manufaturada pelo próprio cinema brasileiro do que como matéria-prima em estado bruto. O sucesso do Orfeu do Carnaval de Camus – fantasma que assombrou a esquerda da época – não trouxe a esperada enxurrada de co-produções que supostamente afogariam a nossa “pobre produção” sob o domínio dos “poderosos capitais” de eventuais co-produtores, transformando a “nossa imagem” em “lucrativa matéria-prima” (citamos textos da época).
A segunda parte da fórmula clássica, porém, a importação de produtos manufaturados, era a questão básica em torno da qual girava a discussão de todos os problemas do cinema brasileiro: o filme nacional não tinha vez no seu próprio mercado porque o filme estrangeiro o ocupava, e tudo o mais era decorrência. Num outro texto aproximadamente da mesma época, Paulo Emílio se descarta da exportação de matérias-primas e guarda explicitamente como elemento
“definidor do estatuto colonial, a importação de objetos manufaturados”. (“Uma revolução inocente”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 18.3.1961)
Assim, o fator básico que explica a “situação colonial” do cinema brasileiro é o fato de que o “produto importado” ocupa o seu lugar. Trata-se, portanto, de uma definição de ordem econômica que será metaforicamente transposta para o campo da cultura. Importamos não apenas objetos manufaturados mas ideias prontas – e formas, modelos , estruturas de pensamento – forjadas em função de realidades diversas que correspondem mal à nossa própria realidade. Estas ideias ocupam um tal espaço em nossas mentes que pouco sobra para que nelas se desenvolvam ideias próprias. Além de produtos industriais, os filmes são também produtos culturais. Juntamente com os filmes, importamos toda uma concepção de cultura – e uma concepção de cinema. que identifica com o próprio cinema o cinema estrangeiro. Nisto reside o cerne da “colonização” cultural: a “situação colonial” – cuja “marca cruel” e inescapável é a mediocridade – se configura quando se adota um modelo importado que não se tem condições de igualar.
Assim, quando no Brasil se ambiciona fazer bons filmes, estes terão como objetivo ser iguais aos estrangeiros, e na medida em que não conseguem não são cinema. Trata-se de limitações mal feitas de coisas que os estrangeiros fazem muito melhor, e em consequência o público, que tem à sua disposição originais bem feitos, rejeita as cópias.
Estes filmes, embora maus, têm ambições artisticas. Mas hâ outros que, visando meramente o lucro, não as têm, e não se preocupam com imitar os filmes estrangeiros. Seus próprios produtores os desprezam.
“As fitas que fabricam, aliás, não são propriamente cinema para o público, mas o prolongamento de espetáculos que este admira no rádio, televisão ou teatro ligeiro.”
Estas são suas fontes de inspiração, e não o modelo estrangeiro. Não tomando como modelo o filme estrangeiro, este cinema não sofre comparações desfavoráveis. Mas por isso mesmo – na medida em que nada tem a ver com o modelo – não é cinema, e como tal não é considerado nem por quem o faz nem por quem o consome.
“Cria-se assim” – diz Paulo Emílio – “uma harmoniosa combinação de pontos de vista entre os produtores e o público desses filmes brasileiros. Para ambos, cinema mesmo é o de fora, e outra coisa é aquilo que os primeiros fazem e o segundo aprecia.”
É na medida em que seu ponto de referência para o cinema é o filme estrangeiro que produtores e público do cinema brasileiro são “colonizados”. Importadores e exibidores, por sua vez, vivem em função do filme estrangeiro, e sua atividade é reflexo
“de realidades sociais situadas fora de nossas fronteiras”, não corresponde “às exigências do nosso dinamismo nacional. Sua prosperidade não está condicionada ao processo de emancipação e enriquecimento da comunidade.” Assim, “a situação de coloniais implica em crescente alienação (…) Esses homens práticos não estão capacitados para nenhuma ação de consequências no quadro geográfico e humano brasileiro.”
O mesmo acontece com a crítica. Como importadores e exibidores, também
“o crítico cuida de algo que recebe passivamente e sobre o que não possui elementos de influência. (…) Por motivos óbvios, o crítico brasileiro não dialoga com os autores das obras importadas”, mas, “assim como a prosperidade do importador está condicionada a realidades econômicas estrangeiras, o enriquecimento cultural do crítico gira progressivamente na órbita de um mundo cultural distante.”
Deste modo, a “situação colonial” do crítico também implica alienação: para ele
“o filme nacional é um elemento perturbador no mundo, artificial mas coerente, de ideias e sensações cinematográficas que (…) criou para si próprio.”
O cinema nacional, também para o crítico, é “outra coisa” e não cinema.
E tendo analisado a situação do cinema brasileiro sob diferentes aspectos, “culturais, industriais e comerciais”, Paulo Emílio conclui que
“a mediocridade reinante (…) é resultado de uma conjuntura muito precisa”.
Através do exame das diversas categorias da cinematografia brasileira;
“delineiam-se com precisão as linhas de uma situação colonial”.
Assim, em sentido próprio ou metafórico, a interrogação do título é respondida afirmativamente.
Anos mais tarde, Paulo Emílio voltaria a estas mesmas questões num outro texto fundamental para o pensamento cinematográfico brasileiro (e talvez mais que isso, para a reflexão sobre a cultura brasileira de um modo geral): “Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento” (1974). Neste texto, a oposiçãoclonizador/colonizado é substitruída por outra mais rica e ambígua, na análise do subdesenvolvimento – a oposição “ocupante/ocupado”. Não é nosso propósito no momento discutir este texto, mas apenas chamar a atenção para o fato de que ele supera a ideia de “situação colonial” na medida em que matiza e aprofunda a compreensão das questões em pauta.
• • •
Se para Paulo Emílio a ideia de colonialismo aplicada à cultura tem como ponto de partida uma formulação de ordem econômica, para outros autores que classificam de “colonial” a situação do cinema brasileiro a ênfase recai sobre as implicações políticas da “situação colonial”. Assim, para Cavalheiro Lima, por exemplo, que considera o Brasil um
“território que cinematograficamente é um protetorado” (uma quase colônia, portanto), “o fator principal da crise do cinema brasileiro (…) reside na formulação errada de uma legislação dita protecionista mas que, na verdade, revela mentalidade colonial” (discurso de abertura da Primeira Convenção Nacional da Crítica Cinematográfica, São Paulo; 1960 – Arquivo Fundação Cinemateca Brasileira)
O que define o colonialismo, para Cavalheiro Lima, é o fato de que o Estado brasileiro legisla em função dos interesses da “metrópole”, no caso os Estados Unidos:
“Protecionismo governamental para cinema sempre existiu no Brasil. Só que para o estrangeiro.”
No discurso de Cavalheiro Lima, esta frase está longe de ser demagogia, pois ele comprova a afirmativa denunciando o mecanismo cambial de importação e remessa de lucros, entre muitas outras medidas que, visando não importa o que – as razões vão desde a diversão barata para o povo até a exportação do café – traziam como resultado concreto a proteção do cinema estrangeiro.
Para a esquerda da época, no entanto (assim como para boa parte da atual), não havia a menor dúvida quanto aos objetivos visados, que importavam e muito: a defesa dos interesses “imperialistas”. É neste ponto que Paulo Emílio diverge radicalmente da esquerda que então se preocupava com o cinema brasileiro – ao ponto de Nelson Pereira dos Santos lembrar que
“antes de conhecê-lo pessoalmente, para mim um papo com Paulo Emílio era impensável. Seria mais fácil o nosso grupo se entender com um conservador do que com um socialista dissidente.” (depoimento a MRG)
A ortodoxia nacionalista colocava a questão do nacionalismo – politico, econômico e cultural – em termos radicais e taxativos:
“Um histórico dos bastidores do cinema brasileiro revelaria como o imperialismo minou e continua a minar a segurança do nosso cinema.
(…) No bojo do colonialismo político-econômico vinha o colonialismo cultural, resultado de um propósito consciente de transplantação de culturas, para a conquista do poder e maior garantia da exploração econômica (…). (Em decorrência) o cinema nacional sofreu o peso de uma cultura colonial.” (Flávio Moreira da Costa, “Uma introdução ao (novo) cinema brasileiro”, in Cinema Novo Cinema Moderno, José Álvaro Editores, Rio, 1966) (grifos nossos).
Sem descartar-se da análise econômica sobre a situação do cinema brasileiro que, a partir das pesquisas de Jacques Deheinzelin e Cavalheiro Lima, serviu de base para as reflexões da esquerda (ao contrário, encampando-a), Paulo Emílio no entanto rejeita inteiramente as implicações de ordem política que se associam à situação de domínio econômico. Tais implicações são para ele uma completa “ficção”:
“Graças à propaganda comunista e nacionalista, cuja miopia na matéria é tradicional, atribuiu-se uma força extraordinária aos representantes dos interesses cinematográficos estrangeiros no Brasil. Examinando a questão de perto, constata-se que a única fonte de poder desses delegados de fábricas americanas ou europeias é a completa indiferença manifestada até há pouco tempo pelo fato cinematográfico nos altos setores da vida política brasileira. No mais, são apenas os ‘public relations’ habituais que cumprem suas tarefas normais de criar para os produtos que vendem uma atmosfera acolhedora e simpática. Na perspectiva em que nos colocamos, os tão decantados interesses cinematográficos estrangeiros não passam de um paralítico à espera do soco.” (“Uma revolução inocente”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 18.3.1961)
Isto não significa evidentemente negar a dominação econômica que o cinema estrangeiro comprovadamente exercia sobre o nosso mercado, mas apenas que este fato se traduzisse em dominação política. Se na prática o efeito da legislação cinematográfica brasileira foi
“subvencion(ar) a produção cinematográfica estrangeira” (“Agonia da Ficção”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 24.12.1960),
a razão não é o maquiavelismo imperialista, mas simplesmente o descaso do Estado pelo “fato cinematográfico”, com o qual nunca se preocupou o suficiente para proteger-nos ou aos estrangeiros.
São muitos os textos em que Paulo Emílio se insurge contra o que considera mera transposição para a situação do cinema de esquemas interpretativos da esquerda nacionalista da época, que têm sua origem no combate ao imperialismo. Por exemplo:
“A fundação da Vera Cruz trouxe no bojo de suas contradições a possibilidade de melhoria do pensamento sobre a cinematografia no Brasil”, mas mesmo com esta melhoria “persistiam no entanto a debilidade e a confusão de ideias. O comunismo era então uma presença viva na sociedade brasileira e dava o tom aos diferentes movimentos em favor do cinema nacional. Acontece que a compreensão do que se passa no mundo real nunca foi o ponto forte dos comunistas brasileiros. Eles limitavam-se a aplicar no terreno cinematográfico os esquemas de denúncia então em curso. Falava-se muito em imperialismo, mas em nenhum momento foi esclarecido, mesmo parcialmente, o sistema que sufoca o desenvolvimento do cinema nacional.” (“Agonia da ficção”)
Se as explicações da esquerda em nada contribuíam para a compreensão dos fatos, é porque não os tomavam como ponto de partida, e sim modelos ideológicos que lhes eram totalmente exteriores – o que em suma tornava a esquerda brasileira tão “colonizada” quanto os outros setores da sociedade. Em política, o subdesenvolvimento favorece o
“florescimento da ficção (…) as forças que se opunham às conservadoras não escapavam por sua vez ao desvio ficcionista.”
Quando tais discussões eram transpostas para o campo do cinema, o clima ideológico não favorecia o
“exercício de um pensamento propriamente racional. Como os dados exatos das questões em pauta eram ignorados, tudo banhava numa atmosfera de mistério, no sentido mágico da expressão. Os interesses estrangeiros eram praticamente definidos em termos de espíritos maléficos, poderosos, onipresentes e ambíguos, ou então encarnados por tal personalidade política brasileira: ou um funcionário de empresas americanas. Os discursos, declarações, manifestos e moções não tinham a natureza de um empreendimento lógico, tratava-se de exorcismos. Essas diferentes manifestações (…) eram reflexos do passado, as últimas e mais vigorosas afirmações do mundo fictício no qual se envolvera desde o começo do século o empreendimento cinematográfico brasileiro.” (“Agonia da Ficção”)
E mais:
“Ainda a respeito do imperialismo, se por um lado se chegava ao ponto de ignorar sua existência, por outro a imagem da penetração dos interesses estrangeiros proposta pelo setor revolucionário era com excessiva frequência a expressão de uma fantasia bastante arbitrária. As brochuras da Terceira Internacional foram instrumentos irrisórios para a compreensão da realidade brasileira. As formulações da ideologia anti-imperialista (…) constituíam um romance. Mais do que isso, a polêmica ideológica nos países subdesenvolvidos foi durante décadas uma batalha de Itararé, isto é, um acumpliciamento na irrealidade das forças em presença.” (“Um mundo de ficções”, Suplemento Literário de O Estado deS. Paulo, 17.12.60).
A “polêmica ideológica” se explica fartamente na reflexão sobre cinema brasileiro desenvolvida nos· congressos dos anos 50. Bastam como exemplo os textos que discutem os entraves para a concretização da sonhada “indústria cinematográfica nacional”.
Uma cinematografia subdesenvolvida
Em 1949, um artigo de Salvyano Cavalcanti de Paiva publicado em A Cena Muda (citado em Vera Cruz, a Fábrica de Sonhos) vincula diretamente o atraso do cinema brasileiro ao subdesenvolvimento geral do país:
O cinema brasileiro “não é mais do que o reflexo fiel das próprias condições de vida do país”, é “consequência lógica e inevitável dessas condições de vida”.
Ou, em outras palavras: nosso cinema é subdesenvolvido porque somos um país subdesenvolvido.
Nos anos 50, Paulo Emílio – como veremos adiante – equaciona diferentemente a questão: somos um país em desenvolvimento, estamos nos industrializando a passos rápidos, deixando para trás e cada vez mais longe o Brasil arcaico; o cinema brasileiro, no entanto, não é reflexo do progresso do país, mas setor retardatário numa economia que se moderniza.
De um modo ou de outro, o fato de que o cinema brasileiro é subdesenvolvido é ponto pacífico, e lutar contra esse subdesenvolvimento é a meta proposta, não apenas para a classe cinematográfica, mas para todo o povo brasileiro, que tem no cinema a sua mais “moderna” e “autêntica” possibilidade de expressão. Uma das resoluções mais citadas da Primeira Convenção Nacional da Crítica é
“Assumir atitude clara e definida perante os problemas que sufocam a nossa indústria, esforçando-se por libertar o Brasil de sua condição de país cinematograficamente subdesenvolvido.”
O caminho apontado para o desenvolvimento cinematográfico – como aliás para o desenvolvimento nacional em geral – era a industrialização. A pedra de toque para tais discussões era assim a necessidade de rápida industrialização do cinema brasileiro, feita, é claro, com capitais brasileiros, sendo o cinema estrangeiro – os “interesses imperialistas” – o principal obstáculo para que tal objetivo se concretizasse. Tratava-se então de “denunciar o imperialismo” – a ocupação do mercado, a remessa de lucros, a invasão de capitais estrangeiros etc.
Cabe lembrar que tal “invasão” – de que se enfatizam as trágicas consequências em países europeus – é no Brasil puramente hipotética: basta para comprová-lo o relato que faz Mário Audrá dos pobres resultados que obtém a Maristela na sua luta por conseguir um mínimo de inversão de capitais estrangeiros na sua produção. Mas apesar disso a simples hipótese de capitais estrangeiros “invadindo” a produção nacional provoca enorme grita. Quando Cavalcanti, prevendo as dificuldades de um pequeno capital de giro para a Vera Cruz, sugere a possibilidade de inversão de capitais de uma distribuidora estrangeira, tal como ocorrera no México, não apenas a esquerda faz dele o exemplo vivo do entreguismo, mas a própria Vera Cruz, cujos representantes se associam ao ideário da burguesia nacionalista, rejeita decididamente a proposta. No cinema, como em qualquer outro campo da atividade industrial, o imperialismo jamais permitiria que as forças nacionalistas promovessem a industrialização do país.
Acontece – como lembra Paulo Emílio em “Uma revolução inocente” (Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 18.3.61) – que no momento mesmo em que tais discussões se davam, o Brasil começava a se industrializar. Como o “elemento definidor” do colonialismo é a ausência de indústria (a importação de produtos manufaturados), no momento em que nós estamos bem ou mal nos industrializando estamos deixando de ser coloniais; é por isso que Paulo Emílio qualifica os comunistas e nacionalistas de míopes – nao enxergam a indústria siderúrgica e automobilistica, ou vêem apenas na industrialização a penetração de capitais estrangeiros e a espoliação do país.
“Fazer filmes é mais difícil do que fabricar sabonete ou sapato, sendo por isso compreensivel que a importação maciça do divertimento manufaturado tenha permanecido como um dos mais tenazes resquícios do lamentável passado brasileiro. Por outro lado, porém, é incomparavelmente mais fácil implantar uma indústria cinematográfica do que a siderúrgica, a petrolifera ou a automobillstica. É sobretudo depois de termos realizado a proeza de criá-las no País, que a conjuntura cinematográfica brasileira aparece cada vez mais como incompreensivel, inadmissivel e escandalosa.”
Subdesenvolvido não é mais o Brasil que se desenvolve, é o cinema brasileiro mesmo. A própria compreensão do que sejam os seus problemas desenvolveu-se, e a mediocridade, “marca cruel do subdesenvolvimento”, já não marca a parte da crítica cinematográfica que se voltou para o cinema brasileiro e seus problemas: o significado atribuído por Paulo Emílio à Primeira Convenção Nacional da Crítica é o de “marco histórico”, coroamento de um longo processo de conhecimento em torno do cinema brasileiro e
“início de tempos novos, a passagem da luta pela cinematografia brasileira a uma etapa superior de desenvolvimento” (Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 25.3.1961)
Durante o período do otimismo desenvolvimentista, o verdadeiro Brasil, para Paulo Emílio, é aquele em que apontam os seguros sinais de aceleração dos processos de modernização, industrialização e urbanização. Em “Autores e Artesãos”, ao “Brasil real” – “moderno, litorâneo e sulista” que já se estava constituindo nos primeiros tempos republicanos, confusos e ingratos, ele contrapõe o Brasil nordestino, interiorano e atrasado – “mundo arcaico, em decomposição e condenado“.
E mais. Ainda que em modesta medida, o próprio cinema brasileiro começava a se “industrializar” – ou pelo menos caminhava para isso. Em que pesasse a derrocada das grandes empresas cinematográficas paulistas em meados dos anos 50, nem por isso a produção cinematográfica diminuiu – ao contrário, aumentou de forma considerável em função das sucessivas conquistas de reserva de mercado e outras formas de legislação protecionista – independentemente dos interesses imperialistas ou apesar deles. E era neste contexto, precisamente na luta pela legislação protecionista, que Paulo Emílio, reivindicando o apoio do Estado para o cinema brasileiro, apontava o vazio do esquema antiimperialista.
Vinte anos mais tarde, a “polêmica ideológica” continua de pé: a “invasão de capitais estrangeiros” nas atividades cinematográficas, que “ameaça sufocar” a produção brasileira, continua sendo um dos fantasmas da esquerda nacionalista (vide a reação em torno de Carlo Ponti, ou a recente campanha em defesa da EMBRAFILME, indispensável entre outros motivos porque “única força em que podem se apoiar os produtores para lutar contra a invasão de capitais estrangeiros que se anuncia na produção cinematográfica brasileira”).
Para Roberto Schwarz, esta polêmica é simplesmente comédia:
“(…) o centro de todas estas teses é a situação colonial ou subdesenvolvimento. Em perspectiva histórica, a comédia ideológica que está se passando (vem desde) que o Brasil começou a se industrializar a sério, a partir do governo Juscelino, com a entrada da indústria automobilística” – portanto com o capital estrangeiro. “Ao mesmo tempo em que o país por este lado se industrializava, a esquerda (…) mantinha com atraso a ideia de que o capital estrangeiro não estava interessado na industrialização do país…”
Não são, é claro, os capitais estrangeiros o componente único da “comédia ideológica”. Mas no cinema brasileiro a questão adquiriu tal relevância que merece ser enfocada mais de perto, na tentativa de destrinchar um pouco mais a ambiguidade da reflexão nacionalista a respeito.
Os capitais estrangeiros
Acompanhando passo a passo os textos que nos anos 50 e 60 discutem a possibilidade de aplicação de capitais estrangeiros no Brasil – fundamentalmente através de co-produções – chama a atenção uma alternância de posições da classe cinematográfica em que os eventuais investidores estrangeiros, sempre os inimigos, são no entanto acusados por razões opostas: ora porque investem, ora porque não investem no Brasil os seus “poderosos capitais”.
O caso Vera Cruz é curioso. Partindo de uma posição nitidamente nacionalista, e tendo recusado a possibilidade de investimento da Columbia Pictures em sua produção inicial, a companhia entrega a distribuição de seus filmes à Universaí Intemational. Ao final do quarto filme, coberta de dívidas e já agora com conhecimento suficiente do mercacdo é das características específicas do negócio cinematográfico no Brasil para perceber a necessidade de um sólido capital de giro, a Vera Cruz abandona a Universal, enre outros motivos porque, auferindo altos lucros nas suas transações comerciais no Brasil, esta empresa não se dispões a arriscar um tostão nesse negócio altamente rendoso, não investindo sequer sob a forma de adiantamentos sobre a distribuição, prática corrente da Columbía Pictures no seu relacionamento com algumas cinematografias latino-americanas. A Vera Cruz entrega então a distribuição de seus filmes à Columbia, e procura usar a intermediação da distribuidora para conseguir co-produtores americanos, ao mesmo tempo em que Zampari, tal como Mário Audrá, volta-se para a possibilidade de co-produções com a França e a Itália. No entanto, o único co-produtor americano que se apresenta à Vera Cruz (a Robert Stillman Productions) não assume o contrato firmado, e a companhia paulista – depois de durante meses ter sofrido o ataque da esquerda nacionalista em função da anunciada co-produção – parte por seu lado para a denúncia dos estrangeiros, que só se interessam por extrair vantagens dos produtores nacionais e não por auxiliá-los no desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional.
Quando, vez por outra, a política de co-produções das empresas industriais paulistas consegue se efetivar num ou noutro filme, as co-produtoras nacionais são prevenidas com insistência para que se precavenham contra seus associados estrangeiros. É o caso da Maristela, que se dispõe a “vender a nossa imagem” ao capital estrangeiro co-participando da produção de Magia Verde. Ao mesmo tempo, Mário Audrá informa que, embora a participação financeira da Maristela na produção tenha sido muito pequena, o investimento rendeu “bom lucro em dinheiro e prestígio” para o cinema brasileiro e continua a apontar a co-produção como um dos caminhos para o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional. Como exemplo, ele cita o reforço recíproco que significaram para as cinematografias italiana e francesa as co-produções franco-italianas, e tenta pôr em prática a lição aprendida com os europeus propondo co-produções com diferentes países latino-americanos, fundamentalmente México e Argentina.
Deixando de lado as co-produções, a questão da “venda da imagem” nacional o aproveitamento de “nossas histórias, paisagem e humanidade” sob a forma de matéria-prima exportável – provoca tal indignação, nos anos 60, que Arnaldo Jabor se dispõe a denunciá-la num filme, Rio, Capital do Cinema, documentando as filmagens de companhias estrangeiras no Rio de Janeiro (“no momento havia um filme de Tarzan sendo feito na Barra da Tijuca, outro baseado numa história de Vinicius de Morais em Itaipu, e ainda um com Claudia Cardinale na Praia do Botafogo”, lembra um membro da equipe, Vladimir de Carvalho).
As produtoras estrangeiras filmando aqui provocam o temor que o Brasil se transforme numa “segunda Espanha”; ou ainda, mais perto de nós, cita-se o exemplo das pradarias argentinas transformadas em cenografia de faroeste. Isto é péssimo, mas não é o pior que pode acontecer. Mais graves são os casos em que as produtoras estrangeiras, inteiramente donas de suas produções, criam testas-de-ferro nacionais para que falsamente possam apresentar seus filmes como co-produções, usufruindo assimas vantagens de lei: a regulamentação das co-produções garante aos filmes co-produzidos por companhias nacionais o estatuto de produtos nacionais, tomando-os aptos a gozar das vantagens que a lei garante ao filme brasileiro.
O apoio legal às co-produções é por vezes apontado como “arma de dois gumes”; mas em geral se salientam, ora suas vantagens (fundamentalmente o incentivo à entrada de novos capitais reforçando a indústria cinematográfica), ora seus perigos (fundamentalmente o reforço à dominação estrangeira no mercado nacional).
Quando, no início dos anos 60, a discussão em torno das co-produções é reacesa pelo projeto de lei que associa a co-produção à retenção da remessa de lucros das companhias estrangeiras, permitindo que estes lucros sejam aplicados em produções nacionais, a simples tramitação de um tal projeto é suficiente para que contra ele se abra intensa campanha.
“Que Alá que é grande e misericordioso nos livre dessa praga!”. – diz Gustavo Dahl (“A Solução Única”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 21.10.61)
Pouco mais tarde, no entanto, quando, regulamentada a questão, não se realizam as temidas co-produções, lamenta-se o fato. Comentando a ineficiência do GEICINE (Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica), que o governo mantém na posição de “órgão consultivo e não executivo, como o nome assegurava”, diz o mesmo Gustavo Dahl:
“Sua tentativa mais importante, a de criar um mercado de capitais através da retenção de (um percentual) dos lucros a serem remetidos ao exterior pelas companhias estrangeiras, que seriam usados em co-produções com os brasileiros, não teve o menor alcance. Algumas companhias estrangeiras preferiram perder esse dinheiro a aplicá-lo na indústria nacional. Outras empreenderam longuíssimas conversações com um ou outro diretor brasileiro, sem chegar, dois anos depois do estabelecimento da medida, a qualquer resultado concreto. Além disso, em carta (…) a Carlos Lacerda, a FIAPF (Federação Internacional das Associações de Produtores de Filmes) pedia a intervenção desse político junto ao governo federal, no sentido da derrubada de certas medidas cambiais (…) argumentando também sobre a inutilidade da retenção de lucros a serem usados em co-produções, devido à pouca disposição dos produtores europeus de se associarem aos produtores brasileiros. Não será pela colaboração com o capital estrangeiro que se afirmará a indústria cinematográfica brasileira” – conclui Gustavo Dahl (“Cinema Novo e estruturas econômicas tradicionais”, Revista Civilização Brasileira, nº 5/6, março 1966)
Assim, periódica e alternadamente, os investidores estrangeiros passam de inimigos potenciais a sonho irrealizável. Quinze anos mais tarde (em depoimento a Giselle Gubernikoff), Nelson Pereira dos Santos, que havia sido bastante criticado por associar-se aos interesses estrangeiros ao dirigir um filme em que o produtor principal era Gerard Lecléry, compartilha da mesma descrença que manifesta Gustavo Dahl em 1965 quanto às possibilidades de investimentos estrangeiros na produção nacional: para ele o financiamento estrangeiro é um privilégio dificil que poucos autores nacionais conseguem alcançar. Os estrangeiros são hoje as multinacionais, que não têm interesse em se associar conosco, e
“Você acha que as multinacionais vão nos dar dinheiro? Nunca!”
A conclusão de Nelson é que o único sócio em potencial que pode auxiliar o produtor brasileiro co-produzindo seus filmes é o Estado (depoimento em 5.2.1980).
Outro tema que surge com frequência a propósito das co-produções é a ausência de . reciprocidade das vantagens usufruidas por produtores estrangeiros em território nacional, criando uma relação de dominação em que os dominados, dentro ou fora do Brasil, são sempre os brasileiros. A propósito de Yerma, co-produção ítalo-hispano-brasileira, a ser filmada na Espanha e dirigida por Cavalcanti, informa este último que a quantidade de empecilhos colocados à tentativa de Mário Audrá de investir capitais brasileiros num país europeu foi de tal ordem que, após meses de negociações e preparo da produção, o produtor brasileiro viu-se obrigado a desistir da empresa. Mário Audrá, por seu lado, resume os empecilhos todos em
“simplesmente desinteresse, o mais completo desinteresse dos europeus, que só vêem vantagens em associar-se entre si”. (Depoimento a MRG)
Lembra ainda Zampari que o desconhecimento do produtor brasileiro sobre os mecanismos de funcionamento do mercado internacional no negócio cinematográfico fazem dele em qualquer circunstância um parceiro mais fraco e facilmente engolido por seus associados, que se movem em terreno próprio.
Trigueirinho Neto, partindo da denúncia desta desigualdade de condições, chega a uma conclusão pouco usual (pelo menos não encontramos a questão abordada sob esse ângulo e nenhum outro texto nos anos 60): para ele o problema é que os estrangeiros que filmam no Brasil são maus cineastas; se fossem bons, “verdadeiros homens de cinema”, não haveria problemas:
“Americanos, franceses, alemães, mexicanos e argentinos têm vindo filmar aqui (…) (e seus) produtos completam a volta ao mundo. (…) Nenhum produtor brasileiro teve a mesma liberdade de ação e as mesmas regalias em solo estrangeiro que estrangeiros, nem sempre credenciados, quando vêm para o Brasil. (…) Essa mesma argumentação (que condena a presença de estrangeiros no Brasil) não caberia é lógico, no caso do Brasil ser visitado, como foi a Índia, por um Jean Renoir, ou qualquer outro verdadeiro homem de cinema. Infelizmente os que aqui aportam não passaram, até hoje, de medíocres artesãos repelidos pelas respectivas indústrias e cujas ambições nada tiveram de artísticas ou convenientes a nós em outros sentidos.” (Tese apresentada à Primeira Convenção Nacional da Crítica, arquivo FCB, datilografado)
De um modo geral, porém, não é esta a argumentação empregada para combater as co-produções. De Camus, por exemplo, mesmo quando se condena a utilização que ele faz da “matéria-prima nacional”, reconhecem-se os méritos de “artesão” ou mesmo “autor” cinematográfico. Por outro lado, quando o diretor do filme co-produzido é brasileiro, condenam-se os co-produtores estrangeiros por, na sua qualidadede de dominadores, cercearem a liberdade de criação dos autores nacionais.
Em termos culturais, o tema fundamental na discussão em torno das co-produções é o desvirtuamento que sofre a realidade nacional ao ser transformada em matéria-prima para utilização internacional. Visando fundamentalmente o mercado externo, o co-produtor estrangeiro amolda o Brasil à visão de exotismo e folclore que o tornará um produto vendável no exterior. A indignação da esquerda nacionalista contra essa forma de apropriação atinge o auge quando, demonstrando flagrantemente a nossa ”colonização cultural”, alguns destes filmes se transformam em grandes sucessos de público e crítica no próprio território nacional. Exemplo típico é a polêmica que se estabelece entre Rubem Braga e Alex Viany a propósito de Orfeu do Carnaval; Rubem Braga elogia o filme porque ele expressa toda a riqueza cultural existente na nossa música, dança, usos e costumes populares, coisa que os cineastas brasileiros não conseguiam expressar, e Alex Viany “responde à altura” (depoimento de Abílio Pereira de Almeida a MRG; o caso é também mencionado por Glauber Rocha em Revista Civilização Brasileira, nº 1, março1965, p. 191).
Um artigo de Luiz Carlos Pires Fernandes, “Cinema Novo: uma forma de luta ameaçada”, publicado em a Parte, nº 2 (maio-jun. 1968), ilustra exemplarmente a conjugação de todos estes temas, que – com pequenas variações conjunturais – já eram os mesmos dez anos antes e continuarão a sê-lo dez anos depois:
“Por falha de uma lei pretensamente nacionalista, segundo a qual é facultada às companhias estrangeiras que operam no Brasil a reaplicação de parte de seus lucros em co-produções com produtoras nacionais, o cinema brasileiro está em vias de.ser sufocado ou, quando muito, sujeito a tornar-se um cinema sem condições de depoimento, análise e crítica, ou de se manter como instrumento de luta por nossos costumes, nossa cultura e a nossa gente.”
Esta lei, anterior à criação do Instituto Nacional de Cinema, foi mantida pelo INC com intuitos louváveis de proteção ao cinema nacional, porém os seus efeitos resultam precisamente no contrário. Assim, uma posição nacionalista consequente consistiria em abolir tal lei. Ao mesmo tempo que ela
“é combatida por todos os que fazem ou se identificam com um movimento de cinema independente”, é também “defendida apenas por grupos estranhos e alheios aos interesses nacionais.”
A lei em questão é nefasta aos interesses nacionais de dois modos: “sob o aspecto econômico e do ponto de vista cultural”. Do ponto de vista econômico, a consequência da lei é o fato de que o co-produtor brasileiro é seguramente lesado na negociação, além da possibilidade aberta para a formação de trustes de produção/ distribuição/ exibição que só fazem aumentar o domínio do cinema estrangeiro sobre o mercado nacional. Do ponto de vista cultural, as consequências se possível são ainda mais graves: trata-se da “desnacionalização” de um cinema dito “brasileiro” mas que na verdade não o é. Deste modo,
“a lei da remessa de lucros, inicialmente elaborada para assegurar e fomentar o desenvolvimento da indústria cinematográfica brasileira, é (…) escandalosamente aviltada em seus princípios, tornando-se uma arma econômica que se volta contra a própria indústria cinematográfica brasileira, já tão desprotegida e esquecida por parte de nossas autoridades.”
Segue-se uma relação de filmes co-produzidos por firmas estrangeiras, sem que se estabeleça a menor diferenciação entre os filmes relacionados, que efetivamente são bastante diversos entre si sob vários pontos de vista. Vários deles são filmes marcantes, num ou noutro sentido, para o cinema brasileiro. E dentre os autores beneficiados com as co-produções estão alguns dos mais importantes nomes do cinema brasileiro da época (à guisa de exemplo, citemos Nelson Pereira dos Santos, Walter Hugo Khoury, Roberto Santos, Anselmo Duarte). No entanto, tais considerações não têm, a rigor, nenhuma importância no contexto da discussão, porque a reflexão sobre as consequências da co-produção “sob o ponto de vista cultural” ignora inteiramente a análise do seu resultado: os filmes co-produzidos. A argumentação contrária às co-produções é inteiramente aprioristica – interessa a forma de produção e não o filme pronto – e se refere a um conjunto indiferenciado – as co-produções -, não cabendo portanto a análise deste ou daquele filme em particular.
No que diz respeito ao “aspecto cultural” da questão, o texto abaixo explicita com toda a clareza a ideologia política e cultural que justifica a campanha contra a co-produção:
“Apesar da (…) demonstração de que estamos ameaçados economicamente (…) por uma lei que fere os interesses nacionais, outro ponto a meu ver muito mais importante porque ainda mais maléfico deve ser aqui abordado: o aspecto cultural também vítima dos elementos alheios aos nossos interesses. (…) o associado brasileiro tem que submeter à aprovação dessas companhias (estrangeiras) o argumento e o roteiro das estórias que pretende realizar (…) Ora, o movimento do Cinema Novo se afirmou em termos de crítica e de reconhecimento de suas qualidades artísticas no Brasil e no exterior, a partir de uma temática realmente nossa, da luta por uma transformação social, da retratação de uma cultura brasileira. Na medida em que as companhias estrangeiras começam a se apoderar da nossa produção de cinema, optando pela escolha dos temas, evidentemente as posições primeiras do Cinema Novo, que são em última instância as razões e causas da sua existência, estarão reduzidas, mutiladas e esmagadas. Se isto não for denunciado já, se não nos unirmos numa luta de vida ou morte contra esse tipo de espoliação, se não engrossarmos fileiras com todos os que acreditam em nossas proposições, sucumbiremos. Os homens que fazem cinema no Brasil terminarão como assalariados de um capital estrangeiro, sem condições de dizer o que pretendem, de lutar por uma reestruturação de nossa sociedade, de retratar a realidade brasileira. Isto, evidentemente, será não só o esmagamento do nosso cinema, mas o sufocamento de uma forma de luta. Porque o Cinema Novo brasileiro é principalmente isso!
Retirando do texto a especificação “Cinema Novo” e colocando em seu lugar o “cinema brasileiro” em geral, boa parte dos atuais produtores e realizadores brasileiros sem dúvida assinaria este texto de Luiz Carlos Fernandes.
3. UM NOVO CINEMA NACIONAL
Um “estilo nacional” de cinema
Quando se discutem os problemas que enfrenta o cinema brasileiro no seu desenvolvimento, o enfoque varia segundo o que se considere que deva ser fundamentalmente desenvolvido: a arte do filme ou a indústria cinematográfica. Diante da questão “cinema brasileiro, arte ou indústria”, a ênfase num dos polos significa fazer do outro decorrência do primeiro. Assim, não teremos bons filmes enquanto não se desenvolver uma indústria cinematográfica nacional, ou não teremos uma indústria cinematográfica nacional enquanto não fizermos bons filmes. Em outras palavras: a qualidade só pode surgir da quantidade ou vice-versa.
“Resta formar uma consciência cinematográfica e uma ação de esclarecimento do país em relação aos problemas especificos da nossa cinematografia, dentro da tese de que a causa da crise do nosso cinema não é estética. Ela decorre de razões bem mais profundas, definíveis como falta de uma legislação industrial”,
diz Cavalheiro Lima na Primeira Convenção Nacional da Crítica Cinematográfica.
Nesta mesma convenção, Walter da Silveira, concordando inteiramente quanto à necessidade de uma legislação protecionista para o cinema brasileiro, discorda no entanto radicalmente da primeira afirmativa: para ele, um dos problemas fundamentais do cinema brasileiro é precisamente de ordem estética:
“A história do cinema brasileiro é a história de uma crise permanente. (…) Que tem faltado às produtoras brasileiras para não acabar essa crise permanente, que corrói a economia mas sobrettudo devora a arte do filme? (…) Sem estilo não ingressaremos na história da estética cinematográfica: continuaremos na pré-história. Também sem estilo não nos libertaremos da crise econômica permanente (…). O erro fundamental dos dois congressos que, anos atrás, reuniram críticos e realizadores foi desconhecer essa questão do estilo nacional. Definiu-se o filme brasileiro do ponto de vista jurídico e econômico. Mas, nenhuma definição do ponto de vista estético (…). Estavam absorvidos pelo problema da defesa material do nosso cinema e não sentiram que, para defendê-lo financeiramente, necessitavam saber em que consistia, ou deveria consistir, artisticamente.”
Para Walter da Silveira, questão não é positivamente saber no que consiste, mas no que deve consistir um “estilo nacional” de cinema – para ele, o cinema brasileiro existente sequer tem estilo, nem merece que se lhe dê atenção.
“Existe hoje quem se pronuncie na imprensa com lucidez e erudição sobre o cinema europeu, asiático ou americano, sobre o cinema tout-court, mas nunca, ou raramente, sobre o cinema brasileiro.”
Isto que, para Paulo Emílio, constitui a marca da mediocridade da crítica cinematográfica nacional – “colonizada” justamente porque ignora a realidade do cinema nacional, tomando como ponto de referência para a sua atividade o cinema estrangeireiro ou os ideais estéticos forçados em função do cinema estrangeiro – para Walter da Silveira não é culpa da crítica e sim do cinema nacional. Médíocres não são os críticos, são os filmes:
“Se fosse apenas uma atitude de desdém, a crítica deveria ser acusada (…). (Mas) a verdade é que, nos últimos anos, poucos filmes poderiam ser objeto de uma análise consistente. Em vão se esperou que algum merecesse exame largo e profundo. Só houve obras menores. Em vez de nos aproximarmos da ideia de um filme nacional, nos distanciamos mais.”
Justifica-se, assim, que se procure o “estilo nacional” do cinema brasileiro, não nos filmes existentes, mas no hipotético ideal do cinema brasileiro que um dia virá a existir.
Trata-se de “criar” um estilo cinematográfico nacional – o que não parece simples nem estão claramente configurados os seus componentes. E mesmo alguns dos componentes classicamente invocados como ingredientes típicos para o cinema brasileiro – tais como os que se encontram à disposição dos cineastas na “exuberante” natureza nacional – são postos em dúvida. A propósito de um artigo de Alberto Cunha, cuja preocupação é “indicar a necessidade da criação de um estilo cinematográfico brasileiro”, diz Paulo Emílio:
“(…) temo que seu nacionalismo seja por demais superficial (…). Quero desde já previnir os jovens cineastas (…) contra a ilusão de que ‘temos ótimos cenários naturais, desde o Oiapoque até a Lagoa do Mirim’. A natureza brasileira acessível num esquema normal de produção cinematográfica é pobre e, devido talvez à brutalidadeda nossa luz, fotogenicamente ingrata (Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 27.7.1957)
“De onde partir? Onde chegar?” – pergunta Walter da Silveira. Já vimos que, para ele, não certamente do cinema brasileiro existente. E
“talvez o conhecimento de algo indispensável não seja o da própria cultura cinematográfica” – especifica Walter da Silveira. “A não ser que a história comparada do filme habilite a saber como outros povos atingiram sua condição de criadores cinematográficos”.
Temos assim mais uma vez expressa a ideia de que o cinema estrangeiro – pelo menos o que é feito por povos criadores – poderá nos ensinar a sermos criadores nós próprios, criando um “estilo nacional” que justamente poderá nos diferenciar de outros povos. Mas não é esta, para Walter da Silveira, a principal fonte de nossa “autenticidade” nacional. O cinema estrangeiro pode ajudar, mas não fornece os “componentes” da nacionalidade, que devem ser buscados na própria cultura nacional:
O cinema brasileiro “deve partir da origem e do desenvolvimento da cultura literária e artística nacional. Examinando as fontes do pensamento brasileiro, o processo de autonomia do romance, do teatro, das artes plásticas ou da música, poderá a crítica entender melhor onde se acham os componentes também da nossa autonomia cinematográfica. Por que o romance de José de Alencar ou José Lins do Rego é brasileiro? Por que é brasileiro o teatro de Martins Pena ou Ariano Suassuna? Por que são pintores brasileiros Almeida Júnior ou Di Cavalcanti? Por que Mignone, Guerra Peixe, Cláudio Santoro, Camargo Guarnieri são compositores brasileiros? Por que Lúcio Costa e Oscar Niemeyer fundaram uma arquitetura brasileira? A resposta desses porquês será mais importante para a compreensão e definição do filme brasileiro do que toda a aquisição teórica ou historiográfica do passado europeu ou americano no próprio campo do cinema.”
O que não se propõe para Walter da Silveira nem para ninguém neste momento é a ideia de que o estudo teórico ou historiográfico do próprio cinema brasileiro poderia ser altamente informativo sobre os caminhos desta busca de “autenticidade nacional” que é tema obsessivo da crítica cinematográfica. Com resultados que, tendo em vista os objetivos, a crítica dos anos 60 certamente acharia bastante discutíveis, os caminhos indicados por Walter da Silveira na verdade sempre fizeram parte do ideário cinematográfico brasileiro. À guisa de exemplo, e mantendo o enfoque que o autor dá ao problema, basta lembrar que, mesmo sem preocupar-se com os “porquês”, a adaptação de romances brasileiros (de Alencar, José Lins do Rego e muitos outros escritores considerados indiscutivelmente “nacionais”) sempre foi um dos caminhos trilhados pelo cinema brasileiro desde os anos 1910 na sua vontade de “ser nacional”; o mesmo se pode dizer (embora não de Martins Pena) da adaptação de peças teatrais tidas como “bem brasileiras”, e isto desde o regionalismo; da tentativa de reprodução cenográfica de clássicos da pintura nacional, pelo menos desde São Paulo Sinfonia da Metrópole; e ainda da colaboração de músicos como Mignone, Guerra Peixe, Cláudio Santoro ou mesmo Villa-Lobos na composição de trilhas musicais para filmes. É evidente que a simples incorporação de tais componentes não responde à pergunta formulada por Walter da Silveira – porque são nacionais tais componentes. Mas talvez o exame dos filmes que deles se apropriavam – bem como. de outros que procuraram outros caminhos para se tomarem brasileiros – pudesse conduzir à constatação de que talvez existisse, afinal, um “estilo nacional” no cinema brasileiro. Independentemente de se apreciá-lo ou não.
Pouco mais tarde, a ânsia de encontrar “raízes nacionais” no próprio cinema brasileiro levaria à redescoberta de Humberto Mauro. Mas no momento apenas Alex Viany se dedica a esta procura – e o fato de encontrar um “estilo brasileiro” (ele não usa esta expressão), ainda que rudimentar e primário, na comédia popular, faz com que a maior parte da crítica não se disponha a acompanhá-lo nesta pesquisa.
Para Alex Viany, e desde os anos 50, a questão não se limita à busca do nacional: o enfoque é deslocado para o popular, porque é o popular o caminho para o nacional. E, na medida em que as outras artes (ele se refere especificamente ao teatro e à literatura) não encontraram senão muito recentemente o popular, não representam a verdadeira cultura brasileira – a cultura do povo – e portanto não faz sentido tomá-las como ponto de apoio para o cinema nacional:
“É sempre bom lembrar que a cultura brasileira em geral – o que se chama de cultura num sentido científico – é muito recente. (…) no geral, o que acontece no Brasil é que a cultura – no sentido pernóstico ou aristocrático da palavra – tem estado sempre muito divorciada do povo, que se ia definindo como povo e constituindo a sua própria cultura. A regra” – cujas únicas exceções são para Alex Viany as Memórias de um Sargento de Milícias e as obras de Martins Pena e Lima Barreto – “era a idealização das personagens, os diálogos pomposos, segundo moldes estrangeiros: uma coisa que não refletia o nosso povo.” A arte “realista, social e politicamente motivada”, de “fixação de tipos populares (…) é, vamos reconhecer, coisa quase de nossa geração.”
Assim, o cinema nacional não poderia encontrar pontos de apoio numa literatura ou num teatro que se distanciavam do povo brasileiro.
“No cinema (…) havia a mesma distância. (…) A chanchada, creio eu, foi a primeira tentativa legitima de captação de tipos e da maneira de falar do povo que houve em nosso cinema. Sabemos todos que a, chanchada não se realizou: não há uma só que seja boa (…) mas há trechos válidos de chanchada, e há toda essa contribuição que não deve ser subestimada. É um rumo que pode ser retomado amanhã.” (“Cinema Novo: origens, ambições e perspectivas”, Revista Civilização Brasileira, nº 1, março 1965)
Num texto de Paulo Emílio que já citamos (“Perplexidades brasileiras”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 11.4.59), ele também sugere que se tome a comédia carioca como realidade básica do cinema brasileiro e que se procure trabalhar o gênero, aprofundá-lo e elevá-lo. Para a maior parte da crítica, porém, essa “realidade básica” era inaceitável como algo que caracterizasse o nacional.
Tal como Walter da Silveira, Paulo Emílio também vê nas artes nacionais em geral um ponto de apoio para um estilo brasileiro de cinema. Num outro artigo, “Artesãos e Autores” (Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 14.4.61), ele sugere que a tarefa de construção de um cinema nacional é grandemente facilitada quando os filmes se apóiam em temas já trabalhados pela literatura ou as artes plásticas, portanto já existentes “como ficção aceita e cultivada pela imaginação coletiva”, dado que “sofreram durante gerações o processo de estilização artística”. Paulo Emílio se refere especificamente ao cinema rural (ver adiante “Brasil rural e Brasil urbano”), porém não se trata – como para a linha do regionalismo tipo Antônio Campos – dos “usos e costumes”, exterioridades do nacional, e sim de “algo que já existe dentro de nós como ficção” – foi portanto interiorizado por ação da própria arte.
Este texto de Paulo Emílio de novo nos dá a ideia de um certo “manancial” de cultura brasileira concretamente existente, sem que no entanto o autor se preocupe em saber donde vem sua “brasilidade”. Porém, para Walter da Silveira, que se propõe a questionar outras formas de arte para saber no que consiste o carãter nacional das obras reconhecidas como brasileiras, o problema que se coloca é que elas também não têm respostas prontas. A própria cultura brasileira não é um dado, mas algo em processo:
“Enquanto em povos mais velhos, de personalidade nacional já completada, o cinema pôde surgir e firmar-se acima de qualquer subordinação direta com as outras – às vezes contra elas – refletindo apenas a totalidade cultural da nação, no Brasil esse desligamento é impossivel porque a cultura ainda está se formando, ou se formou há pouco tempo, paralelamente à exigência de um cinema nacional. (…) o primitivo cinema americano (…) não teve necessidade de qualquer justificativa cultural aparente, bastou-lhe o retrato sem artifícios do homem e da paisagem. Foi um nascimento espontâneo. Ao contrário da situação brasileira de agora, em que o nascimento de um cinema representativo da nacionalidade carece de um ato pensado, amadurecido, sem concessões ao primarismo ou à aventura.”
Também para Walter da Silveira é preciso ir além da exterioridade para atingir a essência do nacional:
“Em nenhum país do mundo a escola nacional nasceu da aparência da obra de arte fílmica, mas do seu espírito”
e este espírito é que deve ser buscado na cultura nacional.
E mais: não se poderá chegar a fundamentos específicos para o cinema nacional, trata-se de descobrir os fundamentos gerais da cultura nacional e aplicá-los ao cinema.
“Os primeiros fundamentos estéticos de qualquer juízo de valor sobre um filme nacional – em face da indagação de ser ele ou não um resultado artístico do país – somente podem ser encontrados na cinematografia depois que forem achados na cultura geral da nação.”
Resta descobrir o “espírito” que subjaz às obras dotadas de brasilidade, o que há de peculiar na cultura brasileira; porque
“É sempre através do peculiar que os vários países se legitimam e se afirmam artisticamente.”
É neste peculiar que se apóia no cinema o “estilo nacional” – e que, para Walter da Silveira, se dá um primeiro cruzamento entre o nacional e o popular: o peculiar que define o “estilo nacional” diz respeito ao povo. Assim,
“o western é o filme-tipo americano porque as aventuras do Oeste representam, no cosmopolitismo dos Estados Unidos, o que há de mais original como fato de um povo.”
De um povo, e não de indivíduos isoladamente. De nada nos adiantam filmes como Limite – “cuja importância estética é indiscutível, podendo ser incluído numa antologia mundial” sem que no entanto “tivesse caráter nacional” – para a definição de um estilo brasileiro.
“(…) deve ser lembrado que o cinema não é uma arte de minoria, é uma arte tão pública quanto um comício. (… ) um filme tão pessoal como Limite (…) não forma escola. Escola formam, apesar de conterem mais vicios que virtudês, filmes como O Cangaceiro ou Rio Quarenta Graus. Mas não tiveram continuadores.”
Independentemente do fato de que esta última afirmação é bastante discutível (e já era em 1960), não está dito no que consiste a peculiaridade nacional destes dois filmes que poderiam formar escola, nem quais os vícios que ultrapassam suas virtudes. Mas a ideia de uma escola cinematográfica nacional será retomada por outros autores, notadamente Gustavo Dahl, que vê no então nascente movimento do Cinema Novo a possibilidade de sua concretização.
“Boas são todas as ocasiões para pensar, e mais do que pensar, para dizer cinema brasileiro – nunca ‘nacional’ (…)”, afirma Gustavo (“Coisas Nossas”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 14.1.61),
e o contexto deixa claro que o “nunca nacional” se deve ao fato de os filmes brasileiros existentes – que devem ser sempre vistos e discutidos – ainda não configurarem um “cinema nacional”. Também para Gustavo Dahl, como para Walter da Silveira, a criação de um cinema “nacional” é tarefa coletiva, mas ele começa por sugerir o contrário:
“Um cinema nacional, no sentido sadouliano do termo, pode ser um homem. O sueco é Bergman, o argentino é Torre Nilson (…). Um homem verdadeiro, com raízes na terra onde é feito o filme e não um ‘camus’ qualquer. Um nome (…) que se mantenha em continuidade no tempo e não vá, como Lima Barreto, dormir embriagado por um prêmio. (…) Um homem e um nome que consigam impor-se em seu próprio país, pois é muito mais fácil fazê-lo no exterior, isto quer dizer, que resista à tentação de, explorar a contingência de sermos uma terra e um povo exótico.”
Porém o conceito sadouliano de cinema nacional não se ajusta à própria “noção de nação”:
“O que venho de dizer é falso, peço desculpas. Peço desculpas por ter-me deixado empolgado pela ânsia, que é também a minha, de termos um cinema, custe o que custar. É evidente que os casos excepcionais são exceções. (…) um grande criador pode impor o cinema em que vive ao resto do mundo, e mesmo, em nosso caso, destruir a equação ‘filme brasileiro = frustração artística’. (…) Mas será sempre um ‘ersatz’, um substitutivo, algo que faz ‘às vezes de’ um cinema nacional. E será sempre uma e uma única experiência individual, impossível de ajustar-se à noção de nação, não apenas porque esta noção é supra-individual, mas principalmente porque ela implica na existência de um conjunto de individualidades diversificadas entre si (…). Um cinema nacional, o nosso cinema nacional, só poderá ser uma ‘escola’ (…) Não é impunemente que as escolas (…) sejam sempre jovens cinemas, hoje ou ontem, alemães ou russos, franceses ou poloneses. São sempre jovens os grandes movimentos. A única salvação para o cinema brasileiro é a juventude. Logo, a “bossa nova” é a nova religião, e Glauber Rocha o seu profeta, pois foi o primeiro a colocar publicamente a questão numa perspectiva extra-regional, a sugerir a necessidade da articulação dos diversos esforços e um sistema de articulá-los em filmes (…). (Devemos) voltar nossos olhos para um (movimento) que começa – mas já começa – a aparecer em todo o Brasil.”
E para Gustavo a importância do movimento é tão evidente que ele sequer julga necessário precisar do que se trata:
“Definir ‘bossa nova’ é ocioso, ou melhor, é bossa velha…”
Quanto a Walter da Silveira, falta dizer que, para ele, a função de definir um “estilo nacional” para o cinema brasileiro caberá, não aos realizadores, mas à crítica cinematográfica, que abre o caminho e aponta o rumo a ser seguido:
“A crítica deve exigir de si mesma, antes de exigir dos realizadores, o conhecimento das fontes estéticas do cinema brasileiro; a crítica deve, com a maior urgência, de posse desse conhecimento, definir as características nacionais do filme brasileiro; a crítica (…) deve assumir o papel vanguardista de reveladora dos fundamentos estéticos do cinema brasileiro, antecipando-se aos realizadores, em lugar de segui-los.” (“O papel vanguardista da crítica cinematográfica no Brasil”, mimeografado, 1960, arquivo FCB)
E dentre as Resoluções Finais da Primeira Convenção Nacional da Crítica, uma delas foi
“afirmar a necessidade do cinema nacional fundamentar-se, sempre que possível, nos nossos costumes, na realidade política e cultural da terra e da gente brasileira, aproveitando-se da experiência e das obras do nosso teatro, da nossa literatura, da nossa música e das nossas artes plásticas, criando assim um estilo próprio que retrate fielmente a paisagem, o homem e a vida brasileira.”
O que (não) é cinema acional?
Tudo isto dito, afinal o que é cinema nacional, no que consiste o caráter nacional do cinema brasileiro? Se repetirmos, para os anos 60, a pergunta formulada no início deste trabalho, de novo não teremos uma resposta única e precisa. E mais ainda, na década de 60 esta própria indefinição é com frequência colocada como um problema.
Mas para muita gente trata-se de um falso problema. Enfarado com a inconsistência das respostas a esta pergunta, Humberto Didonet propõe que simplesmente se deixe de lado a questão, tratando em vez disso de esclarecer o público sobre os filmes nacionais. Tendo realizado uma série de enquetes junto ao público para saber sua opinião sobre. o cinema nacional, Didonet julga da maior importância uma campanha de esclarecimento, porque um dos resultados de suas pesquisas foi mostrar que
“um público que julga Watson Macedo um clássico jamais irá apoiar um cinema empenhado” – que ele não define qual seja. “Valorizar tudo o que de bom e autêntico, embora imperfeito, o cinema nacional produz, parece-me mais frutuoso do que querer definir o conceito de cinema nacional.” (“A crítica e o cinema nacional” – arquivo FCB, datilografado)
Só que também não se define – no máximo afirma-se – o que é bom ou autêntico.
Mas não há dúvidas quanto ao que seja o mau cinema: a chanchada. E, para Moraes de Oliveira, essas “comédias vulgares”, além de serem mau cinema, são “cinema desonesto”. Preocupado com o mesmo problema que afligia Humberto Didonet – a possibilidade de que o público desinformado identificasse o cinema nacional com a chanchada-, o que ele propõe, ao contrário de Walter da Silveira e tantos outros, é que se examine com atenção este cinema vulgar e desonesto, mas nem por isso menos digno de respeito:
“O que é ‘cinema nacional’, ou seja: o que vamos apoiar? Todos nós sabemos, ou julgamos saber, o que é cinema honesto e o que é cinema desonesto. O sucesso comercial e o dinheiro ganho por este último deve-se a fatores bem conhecidos como o baixo nível de alfabetização do nosso povo e a deformação do gosto das plateias, que tombam vítimas dos filmes de má qualidade. Mas, perguntamos, parte ponderável deste êxito não se deve à omissão de nossa crítica em executar plenamente seu papel de orientação e esclarecimento, no caso dos maus filmes nacionais? Quantas vezes o tom fácil das comédias vulgares produzidas no pais transferiu-se para as colunas de cinema, tornando-o para milhares de pessoas a própria essência do cinema brasileiro? (…) Pensando nisso (…) propomos (…) uma revisão de critérios que resulte em tratamento digno, respeitoso do filme nacional, mesmo quando se trata de subprodutos, dos quais devem ser apontados os erros e os excessos, à guisa de colaboração. Esta revisão pode e deve servir em muitas latitudes, mas principalmente no binômio bom e mau cinema”, sendo que “mau cinema (é o que) desfigura e desorienta, e bom cinema (o que) constrói e orienta”. (“A crítica e o cinema nacional” – mimeografado, arquivo FCB, 1960)
Como vemos, para Moraes de Oliveira – ao contrário de Alex Viany ou Paulo Emílio – não se trata de valorizar na chanchada o que ela tem de bom e sim de (respeitosamente) apontar suas falhas, impedindo assim que se veja nela a “essência” do cinema nacional.
Jean-Claude Bernardet, embora não exatamente pelos mesmos motivos, concorda inteiramente com Humberto Didonet quanto à inutilidade das discussões sobre o que deve ser um cinema nacionál, num artigo em que expõe suas “Impressões da Convenção” (Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 3.12.1960):
“(…) reabriram-se questões que, há dez anos, são tratadas nos mesmos termos sem que se efetue o menor progresso. Trata-se da ‘brasilidade’ do cinema nacional. Lê-se, nas resoluções tomadas pelo congresso, que o crítico deve definir as características nacionais da película brasileira. Ora, o crítico é um homem de palavras. Quer dizer que deveria dar a priori uma definição verbal de uma arte, à qual o artista deveria em seguida submeter-se. (…) isso não é da alçada da crítica, que só pode trabalhar numa matéria já existente.”
A maioria dos críticos que se manifestaram na Convenção discorda radicalmente desta última afirmativa e reivindica para a crítica, tal como Walter da Silveira, a função de traçar as coordenadas para o cinema nacional. Ou, mesmo quando teoricamente concordariam com que isto não seja em circunstâncias ideais a função da crítica, as circunstâncias mais do que precárias do cinema brasileiro justificam que a críticaultrapasse as suas funções; diz por exemplo Almeida Salles: A função do crítico é a de julgar a obra de arte realizada. Mas num país onde a criação artística não encontra condições benéficas para o seu espontâneo florescimento – e principalmente uma forma de arte, como o cinema, comprometida pelos seus próprios fatores inerentes de criação, a atividade industrial – ao lado da função de compreender e julgar, o crítico, naturalmente o agente mais lúcido e isento do complexo cinematográfico, além do exercício de sua alta função, deve investir-se da missão de traçar caminhos, denunciar erros e omissões e defender a plenitude e a dignidade do cinema.” (Discurso de abertura da Convenção – arquivo FCB)
E Walter da Silveira:
“O mal da crítica brasileira é limitar-se a olhar o cinema no que ele é ao invés de traçar-lhe diretrizes para estipular o que deve ser.” (“A importância da criação de um cinema brasileiro”, mimeografado, arquivo FCB, 1960)
Afora o fato de que a afirmação de Almeida Salles sobre a maior lucidez da crítica poderia ser discutida (e foi, pelo menos por alguns realizadores), para Jean-Claude Bernardet é justamente esta atitude normativa que deve ser evitada:
“(…) todos sabemos como é perigoso aceitar uma estética normativa, pois obra de arte transforma-se num exercício escolar; com mais forte razão, quando essa estética tem um caráter nacionalista, o que conduz ao folclore turístico ou à propaganda, dois inimigos da arte. Dir-se-ia, portanto, que os convencionais se preparam para dar um passo em falso, que a urgência do problema e a angústia que ele provoca podem ajudar a compreender, mas não a admitir. Sei, por outro lado, que a minha qualidade de estrangeiro pode tornar suspeita a minha opinião. Não estou preconizando que se deva abandonar ao léu o aspecto brasileiro do cinema nacional, é indispensável criar-lhe circunstâncias favoráveis.” Porém, “não serão os críticos, com suas palavras, que hão de criá-las; só podem contribuir para isso, e sobretudo fazendo apelo para o que a arte brasileira produziu recentemente de mais autêntico (grifos nossos) (…). Para que se forme um cinema autenticamente brasileiro, é necessário fazer silêncio e criar um estado receptivo, uma atmosfera acolhedora para as coisas brasileiras, sem preocupação de saber se os cineastas poderão direta e imediatamente, tirar o seu proveito. Somente quando esta atmosfera tiver um significado profundo em nós, e for mais do que um desejo,[1] nascerá espontaneamente, sem que ninguém se esforce por obedecer a esta ou àquela regra, a fita ‘brasileira’.”
Devem-se acolher as coisas brasileiras para que se forme um “autêntico” cinema brasileiro, isto está dito; e também que se deve prestigiar o “bom” cinema nacional, ou o “empenhado”, “verdadeiro”, “honesto”, “construtivo” etc. Mas além destas continuamos sem outras respostas para a questão que nos ocupa – afora o fato de que a própria pergunta é posta em dúvida como uma falsa questão.
Um outro caminho para aproximar-se de uma resposta é anotar as (inúmeras) definições por oposição: se as considerações em torno do que deve ser o cinema brasileiro são vagas, de um modo geral sabe-se exatamente o que ele não deve ser. Por exemplo, para a crítica tradicional de que Humberto Didonet pode ser um representante, cinema brasileiro não é o que faz Watson Macedo. E, genericamente, não é a chanchada. Não apenas o tipo de cinema (vulgar e desonesto) representado pela chanchada não é cinema, e portanto não pode expressar cinematograficamente a cultura nacional, mas é também pernicioso, porque a desencaminha de seus verdadeiros rumos; num folheto de publicidade de El Justicero, de Nelson Pereira dos Santos (citado por Giselle Gubernikoff), afirma-se que o filme
“significa, como obra, um resultado novo para o cinema brasileiro: a comédia brasileira tradicional e chanchadística é posta por terra, já que tão perigosa para a cultura nacional.”
Assim, definido pela negação, o resultado novo que se alcança em direção ao cinema brasileiro é o fato de não fazer chanchada.
Além de acolher o que há de bom (autêntico, honesto, verdadeiro etc. etc.) no cinema nacional, deve-se, é claro, respeitosamente ou não, repudiar o que há de ruim. A ideia de que o cinema nacional é arma eficaz para a educação do povo reforça, ainda uma vez, na crítica cinematográfica a atitude censória e normativa. Walter da Silveira ressalta a importância da indústria cinematográfica
“porque retém uma missão cultural na sua penetração popular”, por isso “deve-se tão somente prestigiar o bom cinema nacional e censurar o precário”. (“A importância da criação de um cinema brasileiro”)
Por outro lado, é através da função educativa do cinema, do aprimoramento cultural que por meio dele se pode levar ao “povo brasileiro”, que em textos como este de Walter da Silveira se dá mais um cruzamento entre o popular e o nacional: apontar caminhos para o cinema brasileiro – e/ou impedi-lo de desencaminhar-se, deseducando o povo – é a contribuição do crítico para o desenvolvimento nacional. Assim procedendo,
“Considero estar adotando uma posição nacionalista em face do problema, mas, a meu ver, esta é a única atitude possível e honesta no Brasil de hoje.”
Tal “posição nacionalista” – que Jean-Claude Bernardet parece ser o único neste momento a achar “perigosa” – é compartilhada por grande parte da crítica cinematográfica, e para Cavalheiro Lima (discurso inaugural da Primeira Convenção Nacional da Crítica) deveria sê-lo pela sua totalidade. Dentre os críticos presentes à convenção,
“não se encontrará um sequer que tenha compromissos senão com o ideal do cinema brasileiro, que (não) negue a imitação do alienígena, mas também nada conceda a uma produção cujo nível técnico e artístico se constitui numa caricatura do que seja cinema.”
Assim, o cinema brasileiro continua sendo um (futuro) ideal, que não é o cinema brasileiro existente (este nem é cinema, é caricatura) e também não é cópia do cinema estrangeiro.
A definição do nacional pela negação do estrangeiro – embora em si mesma pouco esclarecedora enquanto definição – é uma constante. Aliás, ser ou não esclarecedor é algo que não parece ter muita importância na afirmação do que seja nacional, que com frequência cai na mera tautologia: são inúmeros os textos que (desacompanhados da adjetivação de praxe tipo “autêntico” ou “verdadeiro” que qualifica um dos termos) se limitam a definir o nacional pelo brasileiro ou vice-versa. A própria definição de “cinema” que antecede à de “cinema nacional” é por vezes negativa e/ou tautológica – como no chamado “Manifesto Bola-Bola” de Miguel Borges. Historiando as discussões que tinham a respeito Glauber Rocha e os jovens cariocas que então estreavam no cinema, lembra Paulo César Saraceni que, em 1960, o grupo resolveu sistematizar suas ideias sobre o cinema nacional num
“Manifesto do Novo Cinema Brasileiro, e o Miguel Borges foi o encarregado de fazer a síntese de todas as nossas discussões teóricas – o que não era fácil. O manifesto acabou sendo o máximo da alienação, pois começava assim: ‘Não queremos mais cinema literatura, não queremos mais cinema teatro, não queremos mais cinema música, não queremos mais cinema ballet, não queremos mais cinema arquitetura, não queremos mais cinema pintura, não queremos mais cinema escultura, queremos cinema cinema.”
Nem todos, é claro, concordavam com a vagueza da definição:
“isso é igual ao filho pedir ao pai uma bola, não de futebol, nem de basquete, nem de vôlei, nem de tênis, nem de pingue-pongue, eu quero é uma bola bola! E o manifesto ficou sendo chamado de Manifesto Bola-Bola.” (Paulo César Saraceni, Cinema Novo-Viagem, datilografado, arquivo Giselle Gubernikoff)
A citação dá uma boa ideia do tipo de “cultura cinematográfica cineclubística que influenciou a formação do grupo: tal como os clássicos do pensamento cinematográfico francês dos anos 20, os jovens brasileiros procuram, em primeiro lugar, a autenticidade do cinema – que é ainda um cinema abstrato e genérico – e não especificamente do cinema nacional.
Dito o que não deve ser o cinema, passa-se à explicitação do que não deve ser o cinema nacional. Antes de mais nada, autêntico cinema nacional é o que não copia, não repete fórmulas do cinema estrangeiro. Que fórmulas, precisamente, é mais difícil responder: ora são umas, ora são outras (sua linguagem, suas estruturas dramáticas, seus personagens, o artificialismo do estúdio, o sistema de produção etc.).
Em primeiro lugar, trata-se de não copiar um determinado tipo de cinema estrangeiro: o cinema americano hollywoodiano. Prosseguindo na exposição do texto de Miguel Borges, Paulo César Saraceni precisa um pouco mais o tipo de cinema que não se queria fazer:
“O manifesto tinha coisas importantíssimas e refletia demais as nossas preocupações e ambições de fazer um novo cinema diferente do pingue-pongue do campo e contra-campo do cinema fórmula Hollywood.”
Repudiam-se as fórmulas do cinema hollywoodiano, mas não o cinema americano em geral, porque – embora na maior parte só se saiba da existência desses filmes por ouvir falar deles – louva-se ao “novo cinema americano” ou aos cineastas independentes americanos o rebelarem-se contra estas fórmulas. É assim que, já nos anos 50 e ambiguamente em meio ao noticiário da Vera Cruz, que justamente pretendia reproduzir no Brasil as mencionadas fórmulas hollywoodianas, pode-se encontrar uma referência elogiosa ao cineasta George Stevens, que abandona a Paramount Pictures porque a produtora
“está sendo orientada por uma política de standartização (…) que impede a realização de filmes de valor”. (Citado em Vera Cruz, a fábrica de sonhos, p. 102)
Alguns críticos, como Salvyano Cavalcanti de Paiva e Alex Viany, têm tal admiração pelo novo cinema americano desconhecido no Brasil que o denominam de “neo-realismo americano” num momento em que o neo-realismo (italiano) era tido pela crítica brasileira como o que de mais progressista havia no cinema mundial – e de passagem, criticam-se as distribuidoras americanas por não trazerem ao Brasil estes bons filmes, mas apenas a produção standartizada e sem valor.
Porém, mesmo na produção americana corrente, há aspectos importantes a serem copiados, ou incorporados, que são precisamente os que denotam o domínio técnico do cinema como meio de expressão. Aqui, há uma nítida diferença entre o pensamento dos anos 50 e o dos anos 60: na década de 50, o domínio técnico ainda não conquistado pelo cinema brasileiro era incontestavelmente um valor. Diz Alex Viany:
“A técnica, em Caiçara, fez com que a primeira peça da Vera Cruz recuperasse, num relance, um atraso de vinte anos no campo da cinematografia brasileira” (A Cena Muda, nº 51, 21.12.1950) e a técnica era a que o cinema americano tornara universal. E mais: “a correção técnica não é de espantar”, dado o fato de que todos – inclusive Alex Viany, um dos críticos mais radicais ao tipo de cinema brasileiro representado pela Vera Cruz – consideram altamente louvável de ter a companhia importado a “maravilhosa equipe de estrangeiros” (mesma fonte anterior). (Comparem-se estas afirmações feitas em A Cena Muda com as posições do autor em Fundamentos, que transcrevemos anteriormente.)
Nos anos 60, já estava realizada a “revolução técnica” que a Vera Cruz efetivamente trouxe ao cinema brasileiro – a “conquista da linguagem”. O “domínio dos recursos expressivos” era um fato, algo que efetivamente existia, e contra o que (se se julgasse que era o caso) se podia lutar. Enquanto tal coisa não existiu, não apenas ninguém era contra ela, mas considerava-se altamente desejável que ela existisse. Os depoimentos de um Nelson Pereira dos Santos ou um Roberto Santos sobre o surto industrial paulista são bastante esclarecedores a este respeito (ver Vera Cruz, a Fábrica dos Sonhos, e “Raízes do cinema independente em São Paulo”, Revista Cinema, nº 5, FCB, 1980). A desmistificação da técnica e da sintaxe de um tipo de cinema tido como universal (o “pingue-pongue do campo e contracampo”, ou mais genericamente, como diria Glauber Rocha, a “câmara alfabetizada”) é um primeiro passo decisivo para a constituição, nos anos 60, de uma estética para o cinema brasileiro que não se defina apenas pela negação.
Um “novo” cinema nacional
Na mesma Convenção em que foram apresentados alguns destes textos que discutimos, apresentaram-se também vários filmes-documentários em torno dos quais começariam a tomar forma as definições afirmativas sobre o cinema nacional. Poucos meses mais tarde, a discussão destes mesmos filmes, reapresentados na Bienal de São Paulo, daria origem à fórmula clássica do Cinema Novo: “uma câmara na mão e uma ideia na cabeça”
“(…) o lançamento definitivo do Cinema Novo se deu na Bienal de São Paulo (…). A exibição de Aruanda, Arraial do Cabo e Couro de Gato estoura para o Brasil e o mundo o movimento do Cinema Novo. Das brigas que tivemos, eu e o Glauber, com César Mêmolo e Carlos Alberto de Souza Barros, nasce a frase – quem foi que disse, eu ou o Glauber, nunca pude saber – ‘câmara na mão e uma ideia na cabeça’.” (Paulo César Saraceni, Cinema Novo – Viagem)
Maurice Capovilla, enfatizando à importância deste debate, aumenta, não apenas o número de participantes e de filmes apresentados, mas a variedade dos temas debatidos:
“A propósito dos documentários – Aruanda, Arraial do Cabo, O Poeta do Castelo, O Mestre de Apicucos, Um Dia na Rampa, O Livro, Apelo, não me lembro mais quais – foram discutidos os temas que nós pensávamos que eram novos e que iriam revolucionar o cinema brasileiro. Fundamentalmente, havia três pontos:
1) um novo tipo de produção, sem escrúpulos técnicos;
2) o homem como tema, isto é, a tentativa de encontrar o homem brasileiro, o homem da rua, o homem da praia e do sertão, a busca deste homem, de sua maneira de falar, de andar, de se vestir, de existir, seu trabalho, sua estrutura mental, etc., etc.;
3) uma nova linguagem, que se esboçava naqueles filmes. (…)
Basicamente eram estes os três pontos que, sem esta clareza esquemática, de forma ainda pouco precisa, se discutiam. (…) As discussões começaram logo após o impacto da apresentação de Aruanda – um filme deflagrador, na história do cinema brasileiro. Houve uma violenta polêmica entre os participantes do debate. Formaram-se dois grupos: de um lado os Jovens, os aspirantes a cineastas, e do outro, o velho pessoal tarimbado na luta do cinema desde os tempos da Vera Cruz. Dentre os mais velhos, os que mais falavam eram Galileu Garcia, César Mêmolo, Carlos Alberto de Souza Barros, aquela turma; Roberto Santos falava pouco, mas era um dos centros da discussão – tinha sido o autor de O Grande Momento. Também participavam Paulo Emílio, Rudá de Andrade e alguns críticos. E o pessoal jovem, absolutamente empolgado com alguns dos documentários apresentados – não me lembro de todos, mas havia o Glauber, Jean-Claude, eu, Trigueirinho Neto, o Cacá, Paulo César, uma porção de estudantes e toda a turma frequentadora dos cineclubes, sobretudo o Dom Vital. Para nós, Aruanda foi uma explosão, uma descoberta completa e total cujas implicações não tardariam a surgir (…). Mas diante do nosso entusiasmo, e das reflexões que os filmes suscitavam, apontando um novo rumo para o cinema brasileiro, delineando ideias até então mal formuladas e imprecisas, os velhos explodiram por sua vez indignados, querendo nos contar tudo o que eles haviam feito antes e nós não estávamos levando em conta (…): ‘Mas tudo isso nós já pensamos, já discutimos, já tentamos pôr em prática!’ ‘Só que não conseguiram’ – era a resposta.” (Depoimento a MRG e Lucilla Ribeiro Bernardet)
O que encaminha decididamente a questão para fora do campo das ideias abstratas – “chega de palavras!”, proclamam os jovens críticos – centrando a atenção nas realizações. E Leon Hirszman confirma:
“Nossa teorização é a nossa prática, entende?” (debate gravado em 1962, citado por Flávio Moreira da Costa em “Introdução ao (novo) cinema brasileiro”)
A novidade é a prática, e é por isso que a teoria correspondente é nova, porque os jovens realizadores souberam encarnar em filmes as novas ideias sobre temática, linguagem e produção no cinema nacional. Justamente uma das coisas que o Cinema Novo iria reivindicar como absoluta novidade, contribuição sua ao cinema brasileiro, era o íntimo relacionamento entre teoria e prática:
“O Cinema Novo conseguiu reunir à realização (…) uma teoria intimamente relacionada com a produção. Foi a primeira vez na história do cinema brasileiro que se deu essa relação entre uma posição crítica teórica e a realização cinematográfica.” (Nelson Pereira dos Santos, Revista Civilização Brasileira, nº 1, março 1965)
Examinando mais de perto a questão, nos pareceu útil esmiuçar um pouco os “pressupostos teóricos” em que se apoiava a novidade destes novos filmes. Especialmente Aruanda, que tanto impressiona a nova geração, e que para Paulo Emílio poderia transformar-se no “manifesto artístico” do novo cinema brasileiro: este
“documentário quase em estado bruto (…) produz ecos profundos no espectador e cria expectativas. A caminhada de uma família escrava que procura a paz de um planalto longínquo tem uma universalidade bíblica e prolonga suas raízes no cerne mais íntimo da longa e insuportável miséria brasileira. A figura de um negrinho nu – saci poético, inocente e condenado – trotando pelos caminhos ásperos ou subindo em galhos esquálidos para contemplar ninhos de pássaros, talvez assuma o significado de um manifesto artístico.” (“Fisionomia da Primeira Convenção”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 26.11.1960)
Vladimir de Carvalho, membro da equipe de Aruanda, historiando a realização do filme enfatiza justamente a preocupação do grupo em vincular a prática cinematográfica a um sólido embasamento teórico. Definido um tema adequado aos seus objetivos de “retratar o homem da terra”, denunciar a “miséria de sua condição humana”, e resolvido que se faria o filme,
“aí nos danamos a ler (…) o Tratado de la Realización Cinematográfica, de Leon Kulechov, que era um resumo de todas as teorias e técnicas cinematográficas”, e baseado nelas foi feito o roteiro, “que se parecia mais com um livro-caixa de contabilidade, porque tinha tudo o que você pode imaginar organizado em colunas, como um livro de produção, complexo, o negócio do ‘roteiro de ferro’, como chamavam os russos, no qual (se) obedecia o que era planejado. Era uma total falta de entendimento do que era o cinema documental. Claro que durante a filmagem (tivemos que) romp(er) com esse roteiro (…) improvisamos, naturalmente, (…) (mas) isto porque as circunstâncias o exigiram.” (Depoimento a José Marinho de Oliveira)
Assim, uma das bases teóricas para a realização do filme que se colocou como fundamento estético do novo cinema brasileiro foi o estudo e a tentativa de pôr em prática as lições do que na Vera Cruz se chamava a “Cartilha de Kulechov”.
Linduarte Noronha, o autor de Aruanda, acrescenta a estas outras lições, a começar pelas de Cavalcanti:
“Nunca me esqueço do velho Cavalcanti quando disse que o cinema só pode se desenvolver em áreas altamente capitalizadas (…). Em áreas subdesenvolvidas (era quase impossível fazer cinema) (…), o nordeste era uma região que não estava preparada para isso.(…) A grande escola para nós, aqui na província, foi o cinema comercial, os grandes filmes do período áureo de Hollywood.(…) houve uma fase (de entusiasmo) muito grande de cineclubes (…) mas eu, pessoalmente, nunca fui muito fanático por cineclube, meu fanatismo sempre foi em torno das grandes teorias do cinema (…). Eu me interessava mais por um tratado de cinema do que em tomar parte naquelas discussões bizantinas. (…) havia muita teoria na cabeça: Bela Belaz, Kulechov, Eisenstein, e Cavalcanti, que dizia em Filme e Realidade: ‘Você terminou seu roteiro, terminou seu filme’ – por isso é que se investiu tanto trabalho no roteiro de Aruanda (…). E houve uma publicação no Brasil que teve influência em nossa geração (…), foi a famosa A Cena Muda (…), um negócio de uma importância absoluta.(…) me impressionou profundamente uma antiga entrevista que eu li n’A Cena Muda, do velho Flaherty… Essas coisas ficam, não é? A experiência das gerações anteriores… Então a minha preocupação, quando fui fazer Aruanda, foi o problema do movimento, porque eu já sabia o que os velhos mestres iam dizer: cuidado com o estático, cuidado com o elemento morto, cuidado com aquilo que não é vida (…).”(Depoimento a José Marinho de Oliveira)
Em suma, para Linduarte Noronha, como para os velhos mestres, o cinema continua sendo a “arte das imagens em movimento”. Paradoxalmente, o autor do “deflagrador” Aruanda aponta como fatores decisivos na sua formação o que havia de mais tradicional em matéria de cultura cinematográfica.
Mas a teoria a que se relaciona a prática da realização de Aruanda não é a que lhe deu origem e sim a que o filme suscitou. Em torno de Aruanda a “nova crítica” começa a esmiuçar os componentes da fórmula do “novo cinema nacional” – assunto brasileiro, o povo como tema, rejeição de folclore e exotismo, produção barata, pequena equipe, desmistificação da técnica:
“Por sua produção e sua posição diante da realidade, Aruanda pode marcar uma data na cinematografia brasileira. Já foi vista por muitos jovens, prontos a se tornarem cineastas, e que amaram a fita. Perceberam que, se desejam expressar-se por intermédio do cinema, não necessitam esperar: um fotógrafo inteligente e pequenos meios bastam. Perceberam que o processo que leva o aspirante à direção através de vários cargos na produção rotineira, com o intuito de ensinar-lhe a técnica, é um mito, e não tem outro fim senão o de convertê-lo ao conformismo. (…) A fita é importante porque, além de tratar de assunto brasileiro, o faz de uma maneira que pode se tornar um estilo e dar ao cinema brasileiro uma configuração particular – fora de qualquer emprego de folclore, exotismo, naturalismo, etc. – o que este, ao que eu saiba, nunca possuiu nem de longe. Se Aruanda não tiver filiação, permanecerá um fato isolado e interessante, mas sem maior importância. É de se esperar, contudo, que tenha. O documentário forma um certo espírito, cria uma certa mentalidade; é isto que importa, muito mais do que o ensino técnico. (…) as deficiências (da fita), ultrapassando o primitivismo, chegam a ser um estilo.” (JCB, “Dois documentários”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 12.8.1961)
E aqui temos, afinal, um estilo para o cinema brasileiro. E além disso um “espírito”, uma “mentalidade” que irão compor a “nova escola” de que fala Gustavo Dahl.
E, entre muitas outras coisas, o novo sistema de produção que se esboça para o cinema nacional está relacionado com a preocupação de busca do popular. Falando ao mesmo tempo de Arraial do Cabo e Aruanda, diz Jean-Claude Bernardet:
“A fita (Arraial do Cabo) existe e foi feita sem recursos, falta que (…) de problema se tornou sistema de produção. Tipo de produção, aliás, que conhecem a Itália, a França, e agora a América do Norte, pelo menos. A falta de recursos atua diretamente sobre o conteúdo e o estilo cinematográfico. São deixados de lado as filmagens de estúdio, os elencos caros, as cenografias e os vestuários originais, as iluminações complexas. Filma-se de preferência em exteriores, com um mínimo de atores; há uma maior aproximação do real, uma maior aproximação do povo; a fotografia mais grosseira transmite mais diretamente o realismo. Está claro que uma produção pobre não engendra automaticamente trabalhos significativos e populares. É preciso que esteja bem empregada, que haja um ambiente propício (…). Produção pobre também possibilita especulações formais e ‘poéticas’. Mas, de um modo geral, leva a certos assuntos e a um estilo mais brutal e mais seco. Aruanda (…) encaixa-se nesta situação.” (“Dois documentários”)
Aumentou consideravelmente a quantidade de componentes da nova fórmula para o cinema nacional: rejeição do estúdio e seu aparato técnico, dos grandes elencos, do formalismo, da falsa poesia e de quaisquer enfeites; valorização de exteriores, da fotografia direta, do realismo, da linguagem seca e despojada; aproximação da realidade e do povo.
“E diante de tanta coisa, tanta ‘novidade’ que os ‘novos’ críticos e ‘novos’ cineastas propunham para o novo cinema brasileiro, você bem pode compreender a mágoa dos ‘velhos’ cineastas – sendo que o mais velho devia então estar longe dos quarenta. Eles reivindicavam para Roberto Santos o privilégio de ter usado em O Grande Momento a primeira ‘câmara na mão’ que no cinema brasileiro se fez acompanhar de uma ‘ideia’. Na verdade não havia no Cinema Novo uma única ideia que não fizesse parte das propostas do cinema independente paulista, e isto eu lhe digo sem qualquer parti pris, porque àquela altura o inimigo era eu…” (Abílio Pereira de Almeida, depoimento a MRG)
Sem entrar no mérito da questão, lembremos que o Cinema Novo não se esgota nos componentes que até agora arrolamos, e sequer tais componentes esgotam as discussões sobre os seus primeiros filmes. Na medida em que se misturam os diferentes elementos da fórmula, e em que novos filmes suscitam a rediscussão destes mesmos elementos, as questões vão se tornando mais e mais complexas.
Assim, no que diz respeito à aproximação do povo e da realidade, não basta que o cineasta se disponha a tratá-los com objetividade, é preciso que assuma uma posição diante dos fatos e situações que expõe:
“Ver que há um problema não basta, descrever este problema não basta: tem-se que tomar posição com relação a ele (…). Talvez tudo o que está na fita (Arraial do Cabo) seja verdade, mas o naturalismo não basta. Não adianta mostrar às coisas como são sem se atingir o que há de problemático nelas.” (“Dois documentários”)
E mais. Também não basta enfrentar situações problemáticas e posicionar-se diante delas. Os autores de Arraial do Cabo, por exemplo,
“posição eles têm: mas não é atual, é romântica, tradicional (…) O ‘Homem’ está sendo prejudicado… isto não é problema, isto é clichê (…) atitude reacionária (…) nostálgica (…).”
Donde também é preciso assumir posições atuais, realistas, modernas, revolucionárias. A postura ideológica assumida pelo autor é de fundamental importância. Porém há ainda mais. Tampouco basta que o cineasta, tendo-se disposto a assumir posições, as assuma da forma que se julga ideologicamente correta. Assim procedendo ele estará impedindo o espectador de assumir suas próprias posições:
“(A) puerilidade de dizer ‘penso isto sobre o mundo, as mulheres são assim e os homens são assim’ já está em tempo de acabar. É muito mais urgente, não somente dar aos espectadores a possibilidade, mas ainda pô-los numa situação que os obrigue, em relação a si mesmos, a tomar posição, a decidir por si, a adquirir consciência de si mesmos e da sua época.” É o que faz Trigueirinho Neto em Bahia de Todos os Santos: “não resolve os problemas propostos na fita, deixa tudo em suspenso”, e assim procedendo “em vez de limitar os espectadores, abre-lhes horizontes.” (JCB, “Bahia distante”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 20.5.1961)
Assim o filme não deve induzir à passividade, não deve dar soluções, ainda que corretas, mas simplesmente propor problemas, e propô-los de modo a criar situações que “obriguem” o espectador a “adquirir consciência”.
Também a questão do “novo sistema de produção” que se associa à “nova linguagem” da “câmara na mão” não é tão simples. Discutindo a produção de Arraial do Cabo, Cláudio Mello e Souza (“A condenação do talento”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 5.8.61) equaciona os problemas envolvidos:
“(Constatado que a verba disponível não dava margem a quaisquer aprimoramentos técnicos) Mário Carneiro defendia (…) que no caso de Arraial do Cqbo havia uma coincidência feliz: a realidade humana e social da região deveria ser constatada ao vivo, o que era imposto pela própria natureza delas. Os aparatos técnicos, se os houvesse, seriam desnecessários e até mesmo prejudiciais à captação de verdades dinâmicas. O que se colocava como um problema de produção transformava-se, no caso e na opinião de Mário Carneiro, em um sistema de produção. A câmara ao ombro seria mais eficaz do que montada sobre um tripé. Mas a verdade é que tal sistema era, a uma vez, uma escolha, com suas conotações de liberdade, e uma obrigação a que se teria que obedecer em função de nosso precário processo de industrialização. Se no exemplo particular de Arraial do Cabo este sistema era suficiente, no caso geral dos documentários ele volta a constituir-se em problema. E mesmo no caso de Arraial, não obstante a tese de um de seus realizadores, a precariedade de meios deixou de ser, muita vez, um método suficiente para reinstalar-se na sua condição de problema impertinente, insolúvel mesmo. (…) existe hoje em dia no Brasil um tipo de pensamento que apresenta como uma das soluções imediatas do problema financeiro de produção o realizar-se filmes que, sem prejuízo de seus objetivos, possam ser feitos com pouco dinheiro. Essa tese, que exala objetividade por todos os poros e possui ares de pedra filosofal, só se configuraria como exequível se houvesse, ao menos, pouco dinheiro à disposição dos interessados.”
Retomando a mesma questão, Gustavo Dahl (“A solução única”, O Estado de S. Paulo, 21.10.1961) responde às objeções de Cláudio Mello e Souza, relacionando a questão da câmara na mão com toda a complexidade da situação de mercado e produção cinematográfica no Brasil:
“Qual é o sistema de produção que mais nos convém e que deve ser adotado no futuro? (…) é necessário refletir sobre (…) ‘câmara na mão’, isto é, o cinema feito em casa. As considerações fundamentais são duas. A primeira é a inexequibilidade de filmes a serem realizados com poucos meios, sem prejuízo de seus objetivos e pretensões, simplesmente porque os referidos meios não existem, nem poucos nem muitos. A ajuda oficial é ainda uma promessa e a iniciativa particular apática. (…) porém (…) os meios sempre existem, mínimos como podem ser os originários da ajuda oficial já existente, raríssimos como podem ser os provenientes da iniciativa privada, ou raríssimos e ínfimos como podem ser os de propriedade particular do autor. Mas existem.(…) Quero expor uma pequena ideia à qual darei a forma de uma dúvida, de uma interrogação. Não é justamente no originar-se numa imposição econômica que ‘câmara na mão’ encontra sua maior validez? Não é justamente por ser o método de produção que mais se adapta ao estado atual de nossa estrutura industrial, que deve ser aceito e experimentado? Não é o único que pode fazer frente ao lamentável estado em que se encontra a distribuição do filme brasileiro, pois exige do mercado uma amortização muito menor, eventualmente realizável totalmente na região Rio-São Paulo, onde pode ser exercido um controle? Não é justamente por basear-se em dados e rendas ideais e não reais que não funciona financeiramente o cinema brasileiro? Não é de se crer que o condicionamento econômico e portanto histórico é o dado fundamental a partir do qual tudo começa e em função do qual existem os valores? Não será ele o sistema de produção que (…) (possibilitará) um maior número de filmes e realizadores (…) permitindo a produção em todo o Brasil? (…) E assim sendo não virá permitir este respeito à realidade que o cinema exige, da realidade brasileira, no caso, e que torna ridículos os cangaceiros filmados em Itu ou São Bernardo do Campo? Não é o único que assegura uma independência maior ao diretor, ao criador cinematográfico, ao autor? Não é o único que permite integrar-nos na etapa mais atual da evolução do cinema, e portanto no mercado mundial que cada vez mais se orienta para este tipo de cinema? Não é ele o sistema de produção que mais facilmente permite ao artista reencontrar sua função anárquica, revolucionária, anticonformista, reveladora, destrutiva e construtiva a um só tempo, e o seu sentido individual e social, geral e particular? Enfim, não é a solução, justamente porque é a única solução?”
E além dos problemas de mercado e produção, aqui temos colocada a questão do “cinema de autor”, do diretor que é um criador e um artista e entende a arte como forma de contestação, individual e social. Seria esta uma das questões fundamentais do Cinema Novo.
Neste texto de Gustavo Dahl, a expressão “câmara na mão” está diretamente referida a um sistema de produção. Mas com frequência se usa esta mesma expressão para designar uma linguagem especifica para o cinema brasileiro, que se propõe como uma linguagem nacional. O primeiro de seus componentes é justamente o que a câmara na mão indica, a maleabilidade e a liberdade de utilização da câmara. E, diretamente relacionada com esta, há a questão de um “estilo fotográfico brasileiro”, que se esboça em Aruanda e atinge sua plenitude em Vidas Secas:
“De repente surge um filme (Aruanda) (…) nu e cru, que tratava da vida de uma comunidade sertaneja da forma mais nua e crua, com uma fotografia contrastada, riscante, dura, o sol queimando, desigual – mas que tinha uma força muito grande: era o homem brasileiro do interior mostrado pela primeira vez sem retoques. O contrário do que se tinha até então no cinema brasileiro, a luz elaborada, artificial, feita com requinte (bem ou mal sucedido) e demora de estúdio. (…) É um filme muito semelhante, enquanto produto, ao que ele registra. (…) um filme cuja pobreza conduz a própria pobreza nordestina, denuncia esta pobreza até na forma como foi feito. (…) A partir daí começou a existir um documentário brasileiro(…) e nascia também a fotografia do filme brasileiro (…), uma lição de como deveria ser a fotografia do filme brasileiro(…) (encampada) na proposta de luz de Vidas Secas – uma fotografia próxima, aparentada com a gravura popular, de grande contraste, que não escamoteia, não encobre (mas incorpora) a luz nordestina, que não queria filtrar a luz, mas mostrá-la; as cenas de dentro da casa são contrastadas, são claro-escuros densos, carregados, enquanto lá fora parece que o mundo está incendiando, a caatinga pegou fogo. (…) Isto se refletiu em Deus e o Diabo, e nos outros filmes feitos no nordeste (…). Essa passou a ser a tônica da fotografia brasileira (…) que ficou marca registrada.” (Vladimir de Carvalho, depoimento citado)
A qualidade de “nacional” desta fotografia (“nordestina”) que se propõe como ”marca registrada” do cinema brasileiro é enfatizada não apenas tendo em vista a adequação à realidade que ela transmite, mas ainda em oposição a um estilo fotográfico que se considera estrangeiro. Para Luís Carlos Barreto (citado por Giselle Gubemikoff), a importância da fotografia de Vidas Secas está em ter quebrado os cânones impostos pelo cinema estrangeiro, ela
“liberou o cinema brasileiro, (…) libertou o cinema brasileiro da fotografia que predominava na época, a fotografia europeia.”
E, para Cláudio Mello e Souza (Estado de Minas, 20.10.63), justamente em função desta liberdade, Vidas Secas
“é algo mais do que o melhor filme nacional. É o fundador de uma linguagem brasileira de cinema.”
Ao mesmo tempo que, desde as suas origens, o Cinema Novo coloca como um dos fundamentos do seu caráter nacional o fato de ter criado uma linguagem própria para o cinema brasileiro, seus autores valorizam a vinculação desta linguagem a diferentes correntes do cinema europeu.
A relação é ambígua, porque esta valorização tem como contra-partida a aspiração de originalidade. Nelson Pereira dos Santos – que justamente é apontado como um dos criadores de uma linguagem cinematográfica especificamente nacional – contorna a questão aconselhando os jovens autores do Cinema Novo que o tomam por mestre a buscar a especificidade nacional na própria realidade brasileira e não na linguagem:
“Nelson, eu e Glauber conversávamos muito, e as discussões eram acirradas. De um lado Nelson dizendo que não tinha importância nenhuma onde colocar a câmara, e eu e o Glauber achando que o importante era exatamente onde colocar a câmara. O neo-realismo de Nelson ia se diluindo num realismo crítico da realidade brasileira e o nosso formalismo ia tomando a forma de adaptar o nosso inconsciente, subjetivo e anárquico, a essa mesma realidade.” (Paulo César Saraceni, Cinema Novo Viagem)
E Glauber Rocha atribui diretamente à influência de Nelson o abandono de seu formalismo inicial e o encaminhamento em direção à busca da realidade brasileira:
“Eu tinha uma concepção muito vanguardista, no mau sentido da palavra, e fiz (os primeiros filmes) nesse espírito: foram O Páteo (1960) e Cruz na Praça (1961), que não terminei, pois quando vi o material montado compreendi que essas ideias não funcionavam, que minha concepção estética tinha sido transtornada.(…) Foi em Rio Quarenta Graus (que) encontramos as primeiras posições políticas frente à situaçãó colonial do Brasil. (…) durante a montagem de Barravento (Nelson) me influenciou e me formou profissionalmente.” (Positif, nº 91, jan. 1968)
Mas a influência de Nelson e o encaminhamento em direção à realidade brasileira são ainda assim mediados por parâmetros estéticos do cinema europeu:
“No dia em que íamos montar a cena da luta (em Barravento) (Nelson) perguntou: ‘Você gosta daquele Godard? Vamos montar tudo fora de continuidade?” (Civilização Brasileira, nº 1, março 1965)
“Nós éramos todos eisensteinianos radicais e não admitíamos que se pudesse fazer um filme a não ser com montagem curta, primeiros planos, etc.(…) Rio Quarenta Graus foi influenciado pelo neo-realismo. Gostávamos muito do filme porque era de fato o primeiro filme brasileiro, mas do ponto de vista estético fazíamos ressalvas porque não era um filme eisensteiniano (…) (De Paulo César Saraceni, que gostava muito do cinema italiano), nós dizíamos: esse aí não entende Eisenstein. (…) Era uma mitologia eisensteiniana não digerida. (…) Barravento foi feito num outro espírito, mais direto, mais verdadeiro,(…) mais perto da realidade porque já tínhamos visto nessa época Roma Cidade Aberta e Paisà, e a descoberta de Rosselini através desses dois filmes era uma espécie de antieisensteinismo. (…) (Barravento) é um filme híbrido, (tem influências do neo-realismo e ao mesmo tempo) tem primeiros planos no estilo de Que Viva México.”
A propósito de Barravento, Glauber Rocha desenvolve uma relexão importante sobre a dificuldade de adequação dos empréstimos culturais à realidade específica de cada país:
“Eu gosto muito de Eisenstein, mas vivo uma realidade que não é uma epopeia no estilo de Newski nem um drama histórico estilo Ivan – e devo dizer, aliás, que não gosto de Que Viva México. Acho o filme muito bonito do ponto de vista plástico, mas do ponto de vista cultural é um fracasso; porque ele quis impor ao México uma concepção histórica e épica que não lhe correspondia. Tem algo de falso em relação à realidade azteca e mexicana. Não tem a verdade de Linha Geral e de A Greve. Ele coloca os índios um pouco como os mujiques, quando se trata de um outro contexto, (…) trata-se de outra coisa.”
Trata-se, talvez, de que o cineasta só pode exprimir bem aquilo que ele conhece (ao contrário do que pensava Trigueirinho Neto, que gostaria de ver Renoir filmando no Brasil) – a sua realidade nacional. Ou, em outras palavras, não há essa pretensa universalidade humana no cinema. Se Eisenstein viesse para o Brasil, não saberia captar a nossa realidade nacional, para tanto é preciso um brasileiro. Lembrando sempre – como faz Glauber ao apontar a influência de Que Viva México em Barravento, que o sertanejo não é um mujique – e, acrescentemos, nem um azteca.
Mas, além da questão de serem ou não os modelos estrangeiros adequados à realidade nacional, há ainda uma outra questão mais diretamente “nacionalista”, no sentido ideológico: o constrangimento em admitir influências estrangeiras quando a questão do momento era a “descolonização” cultural. Falando da influência neo-realista nas propostas de um novo cinema brasileiro vinculado à realidade do povo, diz Nelson Pereira dos Santos:
“Tínhamos uma sólida fonte teórica (…), que era Zavattini. Mas escondíamos um pouco a fonte das nossas ideias. Não ficaria nada bem para a nossa linha nacionalista ficar citando a torto e a direito um estrangeiro.” (Depoimento a MRG)
E Glauber Rocha:
“Quando eu filmava a primeira parte de Deus e o Diabo, o beato, a montanha, as pessoas que foram mortas na escadaria (…) foi muito difícil de filmar, pois como eu conhecia muito bem Potenkin era fácil fazer uma imitação frustrada do massacre de Odessa, e isso teria sido um pouco ridículo (…), eu pensei que as pessoas iriam dizer: esse aí quer imitar Odessa… ” (Positif, nº 91, jan. 1968)
Estes exemplos atestam até que ponto a originalidade era um valor e o efetivo empenho nacionalista em “descolonizar-se”. Contrabalançando o ponto de apoio que se encontra no cinema estrangeiro, insiste-se no fato de que a influência de determinadas escolas ou autores estrangeiros é um mero ponto de partida, que deve ser adaptado às exigências de uma linguagem nacional – à nossa realidade, “à nossa inspiração artística e à nossa cultura”. E, reconhecendo nos filmes o que eles têm de influência estrangeira, ao mesmo tempo se procura enfatizar o quanto eles têm de brasileiro, o enraizamento na realidade nacional e na cultura do povo:
“Vendo hoje Deus e o Diabo eu sinto influências (de Eisenstein) em alguns planos da montanha. Mas em compensação acho que na segunda parte consegui dominar um estilo mais pessoal (…) todo o episódio de Corisco foi tirado de quatro ou cinco romances populares (…) a sequência da morte de Corisco segue a decupagem de uma canção (de cego cantador) (…); o posicionamento do filme face à história incorpora a posição popular de permanecer entre ‘verdade e imaginação’ (…) no Nordeste os cegos, nos teatros populares, nos circos, nas feiras, dizem: eu vou lhes contar uma história que é verdade e de imaginação, ou então: é imaginação verdadeira. (…) Toda a minha formação foi feita nesse clima, não houve nada de intelectual na minha posição.”
E ainda: em que pese a reconhecida influência de Eisenstein,
“a origem de Deus e o Diabo é uma linguagem metafórica, a literatura de cordel. (…) Os discursos de Sebastião e Corisco são (meus), mas a sintaxe é popular.”
A influência estrangeira no Cinema Novo não se limitou à obra de Eisenstein e ao neo-realismo. Glauber Rocha (Revista Civilização Brasileira, nº 1) menciona ainda a vanguarda clássica, a nouvelle vague e diferentes autores italianos do momento, e, de um modo difuso, enfatiza a influência do cinema europeu em geral.
Assim, se se negam as fórmulas do cinema americano hollywoodiano, a adoção de fórmulas do cinema europeu, e mais especificamente do moderno cinema europeu (pós-neo-realista), longe de ser condenável é estimulante. Nos anos 50, o neo-realismo se erige em modelo para o cinema brasileiro na sua aspiração de “autenticidade” e no seu desejo de retratar o “povo das ruas”. Nos anos 60, embora mais do que nunca se reivindique para o cinema uma especificidade nacional, aponta-se o modelo da nouvelle vague francesa (se não na temática, pelo menos nas suas formas de produção e linguagem – o plano sequência, a ambiguidade do narrador etc.), não só para o nosso, mas para os “cinemas novos” de todo o mundo. E, tal como antigamente Cinearte achava que uma boa maneira de aprender a fazer filmes nacionais era ir aos Estados Unidos aperfeiçoar conhecimentos, nos anos 50 se valorizavam os jovens assistentes que se haviam formado no IDHEC francês, e nos 60 enviavam-se os talentos em potencial ao Centro Experimental de Cinematografia de Roma.
Nenhuma incoerência – afora o vago encabulamento “nacionalista” que apontamos – em adotar fórmulas do cinema estrangeiro (evidentemente o cinema estrangeiro “progressista”) como componentes do cinema nacional. Nacionalismo não é isolacionismo, diz Alex Viany:
“Não podemos fingir que não vivemos no mundo, e de fora não devemos aceitar tudo o que nos possa ser útil. Mas, como se sabe, só muito raramente nos é dado o direito de opção sobre as importações que nos são impostas.” (O Velho e o Novo, 1965, mimeografado, arquivo FCB)
Assim, se o representado é sempre o “nosso” – não há dúvidas quanto ao fato de que o cinema nacional deve mostrar as “coisas brasileiras” e em especial as referentes ao povo – a representação continua a apoiar-se em fórmulas universais. Não apenas as do “moderno cinema europeu” mas as dos “cinemas novos” de todo o mundo, em especial do Terceiro Mundo. A diferença é que, a partir do Cinema Novo, o cinema brasileiro irá ele próprio contribuir para a constituição destas fórmulas, e ainda propor os seus próprios filmes como exemplos passíveis de universalização. E, mesmo no nível do representado, a ideia de Terceiro Mundo cria uma espécie de universalização baseada na identidade de condições. Ao reivindicar a fome como característica nacional ou latino-americana, Glauber Rocha assume uma qualidade que absolutamente não nos é específica, mas característica de todos os países subdesenvolvidos com os quais ipso facto nos associa.
Cinema brasileiro: arte ou indústria (mercado ou cultura?)
O Cinema Novo retoma a oposição cinema industrial versus cinema arte/cultura/ educação/ etc. (que vimos expressa, por exemplo, nas posições contraditórias de um Mauro de Alencar), mas tentará escapar à contradição abolindo inteiramente um dos termos: pelo menos de início o seu repúdio ao cinema de empresa é total. O anti-industrialismo dos novos cineastas se manifesta exemplarmente em alguns textos de Gustavo Dahl:
“Mas o que há, enfim, de novo no cinema brasileiro? Sobretudo uma consciência. A consciência de que para fazer um filme bastam ‘uma câmara e uma ideia’, ‘um fotógrafo inteligente, e poucos meios’. A consciência de que o filme-espetáculo está morre-morrendo (…). E deixa morrer! Jean Rouch me explicou em Santa Margarida que a única maneira de fazer bons filmes é se convencer de uma vez por todas que o cinema, antes de ser uma indústria, é uma arte. O espectador está tomando consciência disso, o cinema não é mais a usina de sonhos, o ópio do povo, e isto não lhe desagrada.” (“Algo de novo entre nós”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 7.10.1961)
A indústria fabrica meramente o espetáculo, diversão para a massa, enquanto que a arte se dirige ao Homem:
“A arte é do artista, o artista é o homem, o homem que é, é em liberdade. O cinema, que é do homem e do Homem, é livre, livre sobretudo da pressão econômica que traz em si a organização industrial.”
Diante da opção arte/indústria, a introdução de um dado novo no processo – a televisão – permitiu ao cinema descartar-se da função de meramente divertir e optar por ser arte:
“Para passar duas horas sem pensar, vendo pernas e rindo à bessa, (o espectador) tem em casa o aparelho de televisão. A televisão salvou o cinema retirando-lhe a antinomia em que se debatia desde o seu nascimento, de espetáculo-arte ou arte-espetáculo.”
E, para países que não têm um cinema desenvolvido, é esta a grande oportunidade:
“Talvez a situação não esteja tão clara como pretendo, mas a tendência está e de há bom tempo. A grande chance dos cinemas subdesenvolvidos, dos cinemas sem passado nem presente, dos cinemas que não existem como o brasileiro, é esta possibilidade de partir do ponto em que os outros chegaram, de começar onde os outros acabaram.”
Num outro artigo da mesma época (“A solução única”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 21.10.1961), Gustavo Dahl reforça ainda esta mesma posição. O cinema de indústria em moldes americanos está acabado, o moderno cinema europeu está a apontar o caminho que devem seguir os cinemas novos:
“Veio a Nouvelle Vague (…) se o Brasil quiser, pode se incorporar à onda. Se não, pode tentar, como querem muitos, refazer todo o caminho. Criar uma nova Hollywood. Vê-la morrer, como morreu a Vera Cruz… ”
A alternativa é o cinema independente:
“Não será ele que permitirá ao Brasil um número maior de filmes e de realizadores? Não será ele o único capaz de refletir nossa diversidade regional, permitindo a produção em todo o Brasil, através da criação artesanal, em oposição à indústria, que significa estúdios, e portanto centralização no Rio ou em São Paulo?”
De passagem, anotemos que entre os defensores do “cinema arte” é frequente a ideia de que a indústria não favorece o aparecimento de um cinema “nacional”, Ela se concentra nas regiões mais desenvolvidas do país, que são também as mais “cosmopolitas” e portanto não representam a totalidade da nação nem aquilo que lhe é característico. O cinema industrial representa no máximo, e por vezes nem isso, as regiões em que surge, nunca a nacionalidade.
“Aliás”, diz Walter da Silveira, “nem há o cinema nacional” – afirmação que como vimos tem grande número de adeptos, incluindo Gustavo Dahl. “Há o cinema carioca e o cinema paulista.” (“O papel vanguardista da crítica cinematográfica”, Arquivo FCB)
O cinema carioca, que tem a “vulgaridade” como “norma de conduta consciente”, além de não ser arte se contrapõe às tentativas de um cinema mais “digno”:
O cinema carioca “se identifica pela ausência de qualquer audácia artística. Percebendo que existe, no Brasil, um público enorme, retardado em seu gosto pelo analfabetismo, limita-se, sem rasgos formais, à eterna temática do carnaval ou semelhantes. Desconhece, e mesmo impede, as desesperadas tentativas de uns raros argumentistas e realizadores de tratar com mais dignidade a paisagem e o homem do Rio de Janeiro.”
Quanto ao paulista – o cinema industrial por excelência, porque ao cinema carioca, além de negar-se a qualificação de “nacional” ou mesmo o fato de ser cinema, com frequência se nega a qualidade de “indústria”, tal a precariedade das suas “fábricas” – talvez por antagonismo ao carioca
“e pela ambição de superá-lo, o cinema paulista pretende assimilar a experiência artística de outros povos, quando não individualmente a de cineastas estrangeiros. Deste modo, se no Rio de Janeiro a vulgaridade é uma norma de conduta consciente, em São Paulo o erro é oposto: o horror ao banal conduz ao insólito, ao estranho, ao difícil, ao diferente, ao misterioso. E como muitos entendem ser possível o alheiamento à realidade geográfica ou social do Brasil, o cinema paulista, graças a esse despaisamento, acabará se transformando, se não houver uma reação, num cinema sem origem e sem fim, sem sentido nacional porque não quer tê-lo, e sem interesse universal, porque não está à altura de consegui-lo.”
Em suma, quer porque banal e vulgar, quer porque insólito e despaisado, o produto industrial não favorece a “arte do filme” no Brasil.
A crítica cinematográfica tradicional que vê no cinema a “arte do filme” permanecerá por muito tempo irredutível nesta posição, mesmo quando supõe que já não faz sentido defendê-la. Este melancólico comentário de Otávio de Faria, de quase duas décadas mais tarde, insiste ainda:
“Resta saber: no ponto em que o cinema está – não mais a arte com que sonhávamos, mas a ‘indústria’ face à qual nos vemos postados, e de braços cruzados, inúteis – o que resta esperar… ” (“Cinema e literatura”, RevistaCultura, nº 24,jan.-mar.1977)
O mesmo não acontece com a geração mais jovem que, estreando na crítica por volta de 1960, logo se encaminha para a prática cinematográfica. À medida em que tomam pé na realidade – fundamentalmente a do mercado – o radicalismo das posições dos “novos cineastas” vai-se atenuando, e as ideias tendem a se adequar às “lições da prática”, em que a associação indústria/ desenvolvimento lhes parece uma imposição inescapável.
Um bom exemplo disto é a trajetória do pensamento de Gustavo Dahl. O jovem crítico que no início dos anos 60 defende com fervor os postulados do nascente cinema novo, já em meados da década irá questionar a validade de muitos deles. E também a adequação do modelo francês ou dos conselhos de Jean Rouch à nossa especificidade nacional.
Em “Vitória do Cinema Novo” (Revista Civilização Brasileira, nº 2, maio 1965), a propósito da contradição entre se lutar por um cinema de autor e ao mesmo tempo pelo desenvolvimento da indústria cinematográfica, Gustavo Dahl chama a atenção para o fato de que isto é uma contingência especifica da nossa realidade que, por exemplo, a crítica francesa é incapaz de entender:
“O cinema francês está vivendo atualmente uma crise brutal na indústria (…). Por isso, quando a gente começa a falar em termos de indústria cinematográfica, dizendo que uma das soluções – ou a solução – do cinema brasileiro talvez seja a instalação de uma indústria nacional que faria concorrência ao produto estrangeiro, eles ficam nervosíssimos e propõem o exemplo de seus próprios maus filmes industriais. Mas são etapas completamente diferentes. Quando chegarmos lá, talvez tenhamos esses problemas, mas é evidente que nossos problemas atuais não podem ser os franceses.”
Quer se defenda a indústria, quer o sistema de produção independente, a ideia é sempre a adequação à situação concreta da produção cinematográfica no Brasil e ao fato de que ela enfrenta um mercado dominado pelo produto estrangeiro. Na mesma época em que Gustavo Dahl coloca como solução o desenvolvimento da indústria, Nelson Pereira dos Santos, também tendo em vista a adequação à realidade brasileira, preconiza justamente o contrário. A mentalidade industrial “estragou toda uma geração”: no tempo da Vera Cruz,
“quem falasse em cinema independente cometia uma grande heresia, pois cinema só podia ser feito na base do grande estúdio, da grande indústria, dos grandes capitais colocados nessa grande indústria, na base da estrela enfim.” Porém a situação evoluiu, e surgiu o Cinema Novo. “Um dado do Cinema Novo é o conhecimento objetivo do negócio cinematográfico, da realidade da cinematografia no Brasil: como se dá a coisa na produção, na exibição, na distribuição, etc. Tal conhecimento (…) fez que o Cinema Novo encontrasse um sistema adequado à realidade: a produção independente.” (Revista Civilização Brasileira, nº 1, março 1965)
Para Gustavo Dahl, a ilusão do Cinema Novo quanto ao sistema de produção não foi menor do que a da geração anterior, obcecada pela mentalidade industrialista. O que conduz o cinema brasileiro a um impasse, que, tal como Mauro de Alencar, ele vai tentar resolver buscando uma solução de compromisso. Mas de modo mais consciente: a posição de Mauro de Alencar é puramente contraditória, sem que ele encare de frente a contradição em que mergulha até a cabeça; enquanto que Gustavo, desde meados dos anos 60, tematiza a própria contradição. Na década de 50, a ideia de conciliação possível entre termos que explicitamente se reconhecem como contraditórios aparece (curiosamente) em alguns textos de representantes da produção industrial (Mário Ciyelli, ou os italianos da Vera Cruz). Por vezes, espera-se que a própria realidade opere a superação das contradições, como se fatos e ideias, por si sós, no seu desenvolvimento fatalmente devessem acabar por ajustar-se entre si. Ruggero Jaccobi fala mesmo em “síntese dialética” entre os pólos opostos. O cinema brasileiro, diz ele,
“vive numa perpétua dialética de posições, cuja única força está nas sínteses sucessivas que são operadas pela realidade, deixando boquiabertos os donos da verdade, os apóstolos da tese e os paladinos da antítese. Processo dialético número um: entre filme regional e filme cosmopolita. Número dois: entre filme puro e filme concreto. Número três: entre assimilação técnico-industrial e iniciativa individual-espontânea. (…) Qualquer pessoa capaz de escolher, em cada uma dessas séries, um termo só (primeiro ou segundo, indiferentemente), considerando-o como a única verdade, é um mentiroso, um demagogo, um analfabeto ou um imbecil. O cinema brasileiro, como o próprio Brasil, é uma síntese em ato.” (“A interpretação dos atores no cinema brasileiro”, 1954, Arquivo FCB)
Gustavo Dahl começa optando por um dos termos, mas a prática da circulação dos filmes no mercado o obriga a encarar o extremo oposto. Em meados dos anos 60, a crítica ao sistema de produção independente irá encaminhar sua reflexão em direção à indústria. O cinema independente – que favorece o desenvolvimento da arte cinematográfica e a expressão da cultura nacional, que é manifestação de um “autor” que pode ser um “artista” – tem um preço: o isolamento do mercado, e a rejeição do grande público, que o condena à circulação de elites, anulando o seu projeto inicial de ser popular. Em função disso, não cumpre sua missão cultural junto ao povo e se revela economicamente inviável – não tem condições de subsistir.
“(…) de uns cinco anos para cá” – diz Gustavo Dahl em 1965 – “com a entrada em campo de uma geração que (tinha) a vocação do cinema como cultura (…), tentou-se uma reformulação da trajetória do cinema brasileiro. Consciente de sua superioridade cultural sobre os cineastas brasileiros que a haviam precedido, esta nova geração começou, já na crítica, a colocar os problemas do cinema nacional nos mesmos termos de exigência com que colocava os do cinema mundial. Com isso, caracterizava-se como incipiente, desenraizada, artisticamente anacrônica e industrialmente mal-formulada, a maior parte do cinema brasileiro. (…) Argumentando que as limitações do mercado brasileiro não comportavam uma produção industrial de filmes, exigindo antes uma artesanal, que favorecia a criação de um cinema de autor, lançaram-se à realização de longa-metragem uns dez ou doze estreantes. Os recursos provinham ainda uma vez do mecenato de particulares (…) provinham também, e em quantidade representativa, dessa industrialização do mecenato que o banqueiro José Luiz Magalhães Lins inaugura como forma de envolvimento político de certos círculos intelectuais. Mas, como os novos realizadores – ‘et pour cause!’ – se achavam desligados das estruturas tradicionais do mercado brasileiro” – e não tinham, portanto, ao contrário do que afirma na mesma. época Nelson Pereira dos Santos, um conhecimento objetivo do negócio cinematográfico – “nada pôde impedir que se repetisse o erro do surto paulista: a produção de filmes que não tinham garantia de exibição (…). A afirmação cultural e o êxito artístico obtido pelos filmes. produzidos dentro dessa nova mentalidade não foram suficientes para vencer a pressão dos exibidores, nem o tradicional estranhamento do público diante do filme sério brasileiro.”
Assim, os filmes não tinham acesso ao público, e quando tinham eram rejeitados. Prosseguindo, Gustavo Dahl fala na necessidade de o governo amparar o cinema brasileiro. Porém,
“mais importante que isto, porque mais urgente e mais viável, é a transformação da estrutura semi-industrial do cinema brasileiro numa estrutura verdadeiramente industrial através da difusão de uma mentalidade empresarial.”
E aqui temos uma guinada de cento e oitenta graus: Gustavo Dahl renegando o princípio básico do cinema de autor, o antiindustrialismo e mais os conselhos de Jean Rouch.
“O sistema de produção isolada revelou não só sua insuficiência econômica mas também sua impossibilidade de romper as barreiras que mantêm nossa indústria cinematográfica no estiolamento. Produzindo ou participando na produção de um só filme, o produtor independente assume um risco desproporcional em relação às possibilidades de retorno de seu capital” – era precisamente este o argumento usado nos boletins da Vera Cruz que falavam na necessidade de “produção em série”. Não participando de etapas importantes da fabricação do filme, como os trabalhos de laboratório e o estúdio de som, e desligado do distribuidor e do exibidor, peças fundamentais em sua vida, o produtor independente perde absolutamente o controle de seu produto e de seu capital. Se o caprichoso sucesso não tiver escolhido seu filme, ele estará arruinado (…).
E o trecho que segue – afora a referência à participação nos lucros de distribuição e exibição, que não fazia parte de suas preocupações – poderia perfeitamente ter sido escrito por Zampari ou Audrá, pois corresponde ponto por ponto ao ideário do cinema industrial paulista:
“Sem uma cobertura política que obtenha do governo federal certas medidas indispensáveis para a indústria cinematográfica, mas sobretudo sem a possibilidade de um financiamento suficientemente forte para enfrentar a inflação, sem a possibilidade de manter um capital em movimento, até que ele próprio possa autofinanciar-se, sem a possibilidade de dividir os riscos através da aplicação do capital em vários filmes, sem a possibilidade de importar equipamento de filmagem ou construir ou associar-se a um laboratório e a um estúdio de som, a fim de diminuir os custos de produção, sem participar dos lucros da distribuição e eventualmente da exibição, sem ter esta exibição assegurada em to.do o mercado nacional, sem dar atenção, numa política de produção, ao festivais e à crítica dos países desenvolvidos, sem tentar” – e aqui temos uma tese de Cavalheiro Lima – “penetrar no mercado dos países subdesenvolvidos por meios que podem ir da difusão cultural à intrusão no próprio mercado exibidor, e sem tentar criar condições para que os diretores brasileiros universalizem e apurem a sua linguagem” – o grifo é nosso, e com ele salientamos o abandono da ideia de uma linguagem “nacional” – “através do seu uso frequente e em liberdade, qualquer tentativa de fazer cinema no Brasil está votada ao fracasso.” (“Cinema Novo e as estruturas econômicas tradicionais”, Revista Civilização Brasileira, nºs 5/6, março 1966)
O artigo decisivo de Gustavo Dahl na busca de solução de compromisso entre a produção independente e a indústria cinematográfica é de dez anos mais tarde: “Mercado é cultura” (Revista Cultura, ano 6, nº 24, jan.-mar. 1977). Mas neste meio tempo a evolução de seu pensamento é extremamente coerente, e consistente dentro do corpo de ideias em que se apóia.
Gustavo inicia criticando o cinema brasileiro em geral – desde os tempos de Humberto Mauro até o Cinema Novo – de concentrar-se na “criação do objeto fílmico”, ignorando a distribuição e exibição – os problemas do mercado.
“(…) a noção de processo econômico cinematográfico terminava na produção. (…) Quando o governo brasileiro, através da Embrafilme, fomenta – como faz há alguns anos – a produção do cinema brasileiro, o enfoque dado ainda permanece o mesmo – isto é, permanece o mesmo até que seja fundada uma distribuidora.”
O que faz toda a diferença: passa-se efetivamente a levar em conta o mercado ao viabilizar o acesso dos filmes às salas de cinema.
É fundamental entender-se a importância do cinema como meio de comunicação, diz Gustavo.
“A tela de cinema é um mass-media, como é a televisão, como é um jornal. (…) ela é um instrumento de comunicação. Essa noção do cinema como veículo de comunicação – que é implícita ao próprio cinema arte industrial (…) – sofreu com o surgimento da televisão uma diminuição quantitativa quanto às suas virtudes de mass-media” – uma diminuição quantitativa, e não mais uma inversão (mudança de qualidade) do binômio arte/espetáculo ou espetáculo/arte. “Com o passar do tempo, entendeu-se que, embora atingindo um público infinitamente menor que o público da televisão, o cinema, nessa grande cultura audiovisual que se espraia no século XX pelo mundo, representa uma vanguarda, o descobrimento das formas” – vanguarda estética, portanto. “A própria diferença de dimensão entre uma tela de cinema e a de televisão, a diferença de escala, representa de certa forma a maneira pela qual um e outro meio atingem o espectador. Entendido isso, que o cinema cria formas posteriormente massificadas pela televisão, observa-se a tela do cinema como meio que não pode ser desprezado.”
Assim, é importante fazer filmes (entre outros motivos para a realimentação estética da grande cultura audiovisual do século XX), mas tão importante quanto fazê-los é com eles ocupar as telas de cinema. E, evidentemente, ocupá-las com o cinema nacional. Gustavo Dahl explicita o que para ele significa neste momento um “cinema nacional”:
“(…) a ambição primeira de um país é ter um cinema que fale a sua língua, independentemente de um critério de maior ou menor qualidade comercial ou cultural. O espectador quer ver-se na tela de seus cinemas, reencontrar-se, decifrar-se. A imagem que surge é a imagem do mito de Narciso, que, vendo seu reflexo nas águas, descobre sua identidade. A ligação entre uma tela de cinema – na qual é projetada uma luz, que se reflete sobre o rosto do espectador – à ideia de espelho, espelho das águas, espelho de uma nacionalidade, é uma ideia que está implícita num conceito de cinema nacional.”
Porém,
“para que o país tenha um cinema que fale a sua língua é indispensável que ele conheça o terreno onde essa linguagem vai-se exercitar. Esse terreno é realmente o seu mercado. Nesse sentido explícito, é válido dizer que mercado é cultura, ou seja, que o mercado cinematográfico brasileiro é, objetivamente, a forma mais simples da cultura cinematográfica brasileira.”
Fora desse sentido explícito, mercado e cultura não são evidentemente idênticos. O mercado é o lugar do consumo, e “consumo é uma experiência de fruição”, enquanto “cultura é uma reflexão” mas é também “fruição da reflexão”:
“Num certo sentido, essa mistura tenta criar a coincidência que existe nos grandes momentos do cinema, aqueles em que, segundo Sales Gomes, o espectador tem vontade de, ‘existindo ou não Deus, sair pela rua gritando que ele (o homem) foi feito à sua imagem e semelhança.”
Ou – como diria o Gustavo Dahl de quinze anos antes – tenta criar o cinema “que é do homem e do Homem”.
O caminho para tanto está explicitado logo abaixo:
“A originalidade do trabalho da Embrafilme e a grande demonstração de visão dada pelo Ministério da Educação e Cultura, sobretudo nesses últimos anos – não oferecendo privilégios à expressão industrial em detrimento da expressão cultural; nem favorecendo o inverso – foi deixar que ambas se casassem.”
E neste casamento – propiciado pela ação de um governo finalmente atuante na área cinematográfica – a conciliação dos polos em tensão concretamente encarnada:
“Quando Carlos Diegues vai ver Xica da Silva num cinema da Zona Norte do Rio – a zona proletária – repleto, e a sessão que presencia lhe dá a impressão de uma ‘festa bárbara’, neste momento se rompe a barreira entre consumo e cultura. O que passa a existir é uma cerimônia antropológica. O lazer amalgamado à informação cultural decorrente da produção industrial. O cinema reencontra afinal, na sociedade, a posição que havia perdido.”
Este artigo de Gustavo Dahl provoca enorme reação, na medida em que tende a anular diferenças, conciliando o que se julga inconciliável. Flávio Aguiar (citado por Lígia Moraes Leite no Relatório de Literatura à FUNARTE) expressa bem a oposição ao que ele chama de “concepção mercadológica da cultura”:
“Separar operacionalmente mercado e qualidade não está muito longe daquele tipo de pensamento que, na área econômica, manda primeiro fazer crescer o bolo para depois dividi-lo. Esta ‘operacionalidade’ viabiliza o desenvolvimento de uma noção de cultura nacional que marcha para a homogeneização. Diluem-se as contradições latentes entre os diversos tipos de criadores, os diversos tipos de fruidores, os mecanismos intermediários entre ambos, onde não está apenas o distribuidor voltado para o cinema desimportante importado, mas também as verbas e as tesouras oficiais (a dupla face da proteção governamental), em nome de uma ‘cultura nacional’, de um cinema nacional, concebidos como uma apoteose narcisista, que uniria todo esse coro de desafinados em gloriosa harmonia.”
Flávio Aguiar contrapõe, a essa visão “harmônica” da cultura nacional, uma outra em que se dá “o entrechoque de diferentes ângulos, em permanente contato e desencontro”. E citando um texto recente de Ferreira Gullar – pata quem cultura nacional é “tanto a produzida pelo povo analfabeto como pelas camadas alfabetizadas e pelas elites intelectuais (…) produto ideologicamente confuso e contraditório (…)”
diz Flávio Aguiar:
“cultura – brasileira, no caso – é um espaço onde se medem diferentes projetos sociais, políticos e… culturais.” (citado no Relatório de Literatura à FUNARTE)
Nos meios cinematográficos, afora a contestação da ideia de cultura (de cinema) nacional, para muitos “independentes” o artigo de Gustavo Dahl significou ainda a própria representação da “visão oficial” do cinema brasileiro. O texto surge num momento de grande questionamento da participação de intelectuais no governo. Na área do cinema, o acesso ao poder é visto como arma de dois gumes: ao mesmo tempo que permite a concretização de medidas por muito tempo almejadas por toda a classe cinematográfica, dilui qualquer possibilidade de atuação crítica ao próprio poder. Àquela altura, vários representantes do Cinema Novo, influentes junto à EMBRAFILME, efetivamente controlavam em boa medida a política cultural na área da produção cinematográfica – o que, evidentemente, multiplicava o peso de qualquer posição assumida. E, em termos de diluição crítica, nada parecia mais conveniente a uma política oficial – independentemente de quaisquer outros motivos não políticos, de ordem econômica ou cultural – do que situar a cultura no mercado.
No caso de Gustavo Dahl, porém, a vinculação estabelecida entre as ideias expressas e a posição assumida, e em consequência a acusação de incoerência teórica ou virada ideológica, efetivamente não procede. Na verdade é possível, como vimos, caracterizar as inflexões do seu pensamento em momentos muito anteriores, superando a posição meramente “culturalista” inicial. Retomando “Cinema Novo e estruturas econômicas tradicionais” (1966), é a própria “visão mercadológica” dos problemas do cinema brasileiro que já se expressa, por exemplo em frases como esta:
“(…) qualquer outra cinematografia que não a americana só pode subsistir na medida em que se apoiar no seu mercado interno (…).”
A partir daí, considerar o mercado a “forma mais simples” de seja lá o que for que se relacione com o cinema brasileiro, inclusive a cultura, é mera decorrência: é condição de subsistir.
E em “Vitória do Cinema Novo” (1965):
“(…) a partir do momento em que há uma maioridade intelectual encontrar o equivalente econômico dessa maioridade é um dos problemas com os quais nós estamos nos defrontando. Sendo o cinema condicionado por um regime econômico que é o regime capitalista, ele fatalmente reflete essas origens e tem de assumi-las. Justamente esse o problema que se vem colocando no Brasil: esgotadas todas as possibilidades de capitalização econômica de um prestígio cultural, o que precisamos fazer agora é criar um prestígio econômico que permita alimentar permanentemente essa cultura.”
Donde nenhuma incongruência em afirmar que “mercado é cultura”.
Brasil rural e Brasil urbano
Na representação do “autenticamente nacional”, continuam a ser foco de debate as duas tendências que já identificamos como opostas nos primeiros cinquenta anos de cinema brasileiro: a representação do Brasil rural e a do Brasil urbano.
A maior parte da crítica tende a identificar como “autêntico” apenas o primeiro polo, o Brasil rural. É também a opinião de muitos realizadores. Assim, para Lima Barreto, por exemplo, “o que temos de nacional está da Bahia para o norte”; o sul, “infestado” de imigrantes antigos ou recentes, desvirtuou-se pelo cosmopolitismo e já não representa o Brasil.
Paulo Emílio, de forma mais matizada e deixando de lado o cosmopolitismo, chama a atenção para o fato de que é sobretudo do ponto de vista do Sul que o Norte se toma representativo do nacional:
“Para os brasileiros do sul, a gesta nordestina adquire significações suplementares. As condições objetivas, geográficas e econômicas, da unidade nacional brasileira, ao serem filtradas como sentimento admitem extensa margem imaginária. Quando tentou exprimir o cerne da nacionalidade, Euclides da Cunha deu as costas ao Brasil real, moderno, litorâneo e sulista dos primeiros tempos republicanos para contemplar com afeição um mundo arcaico, em decomposição e condenado. Nada disso impediu que a obra euclidiana exercesse nas imaginações uma poderosa influência unificadora. O folclore nordestino, emanação das condições sociais retrógradas, conserva uma enorme vitalidade, inclusive e sobretudo para os sulistas, que tiveram suas tradições populares devoradas pelo progresso” – e não pelo cosmopolitismo. “Amar o norte é uma das maneiras que o paulista encontra de se sentir efetivamente brasileiro.”
A temática rural, e especialmente a nordestina. – diz Paulo Emílio – tem para o cinema brasileiro a imensa vantagem de sua “atmosfera geral” e seus principais personagens já
“existir(em) como ficção aceita e cultivada pela imaginação coletiva.” Fenômenos sociais típicos do Nordeste “já sofreram durante gerações o processo de estilização artística. É por já terem sido longamente elaborados pela imaginação que esses dados sociológicos adquirem tão facilmente valor de realidade aos olhos do público. Através de Os Sertões, da literatura de cordel, de altos momentos do romance brasileiro moderno, de O Cangaceiro de Lima Barreto, da cerâmica de Mestre Vitalino, do desenho de Aldemir Martins, de tantas outras manifestações ilustres ou anônimas, a temática particular do Nordeste impregnou a imaginação e a sensibilidade do brasileiro. Um dos motivos do imenso êxito de Lima Barreto e Carlos Coimbra é que eles nos falam de algo familiar, ou melhor, algo que existe já dentro de nós como ficção.” (“Artesãos e autores”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 14.4.61)
A esta temática rural – que pode exprimir o cerne da nacionalidade porque, nela, mesmo a população urbanizada do Sul reconhece a sua raiz, e que pode ainda ser facilmente incorporada ao cinema, porque já suficientemente trabalhada pela ficção em geral – Paulo Emílio contrapõe em três linhas um precário cinema urbano paulista que, se plenamente desenvolvido, poderia representar a modernidade urbanizada do Sul:
“Folclore da era industrial, o cinema é praticado por nós em São Paulo, porém nunca fomos capazes de exprimir plenamente a linha paulistana moderna sugerida por O Grande Momento. As ocasiões mais felizes do nosso cinema permanecem aquelas em que utilizamos, interpretamos e industrializamos o folclore nordestino.”
É significativo o fato de que, mesmo depois de ter qualificado o cinema como “folclore da era industrial”, Paulo Emílio ignore o único tipo de cinema brasileiro que poderia efetivamente ser considerado como um “folclore urbano” – a comédia carioca. E mesmo levando em conta que o artigo se refere ao cinema paulista, é preciso não esquecer a crônica urbana que passo a passo se desenvolvia em filmes como Sai da Frente, Família Lero-Lero, Nadando em Dinheiro, Suzana e o Presidente, Esquina da Ilusão, e sobretudo Simão, o Caolho – para citar apenas alguns antecessores de O Grande Momento.
Acontece que a tais filmes não se poderia aplicar a expressão “plenamente modernos”. Mas, por outro lado, as ideias de plenitude e modernidade também não se aplicam a filmes como O Cangaceiro, de Lima Barreto, ou A Morte Comanda o Cangaço, de Carlos Coimbra.
Prosseguindo, Paulo Emílio afirma que a vantagem do cinema de temática nordestina é
“trabalh(ar) com estruturas existentes; (…) Os personagens e situações mais convincentes (… ) provêm desse fundo comum, desse domínio público da imaginação brasileira. Não precisam ser muito trabalhados para adquirir relevo e verdade, alguns traços justos (são) suficientes, nós completamos o retrato e o todo adquire o pulsar misterioso e verdadeiro da ficção.”
É inegável que, no caso do cinema urbano, as “estruturas existentes” eram muito mais precárias – mas existiam. Basta pensar nas outras formas de “folclore da era industrial” em que o cinema se apoiava, como o rádio e (lembra o próprio Paulo Emílio) a indústria gráfica que, tomando o cinema como ponto de partida, por sua vez criava um “folclore urbano(…) cuja espontaneidade e frescor não são necessariamente perturbados pela produção em série” (“Palavras e imagens”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 28.9.57). Se o cinema paulista não tinha esse apoio, no caso do cinema carioca não é absurdo conjecturar sobre se a chanchada não teria ela também constituído um tecido comum de situações e personagens, atingindo a imaginação de boa parte da população brasileira – o público infantil e o popular – constituindo um “domínio público” que não podia ser ignorado como componente de identificação nacional. Porém o desenvolvimento consequente de uma ideia como esta na época seria impensável, uma vez que a discussão :se processava num terreno de luta pela “afirmação cultural” do cinema brasileiro, o que implicava repudiar o primarismo e a vulgaridade da chanchada como forma de subcultura.
* * *
No âmbito de um cinema culturalmente mais ambicioso, a oposição rural/urbano restabelece a associação entre cinema urbano e cosmopolitismo – só que em geral sem o tom chauvinista que tal associação tem, por exemplo, na fala de um Lima Barreto – mais uma vez cabendo ao cinema rural a função de representar a nacionalidade.
É nesta linha de reflexão que se acusam autores como Walter Hugo Khoury de “pouco brasileiros” na medida em que focalizam problemas urbanos e, mais especificamente, problemas existenciais do homem das grandes cidades. Alguns textos procuram mesmo vincular diretamente o “cosmopolitismo” desses autores à linha histórica do cinema urbano brasileiro. É o caso de Flávio Moreira da Costa em “Introdução ao (novo) cinema brasileiro” (Cinema Moderno, Cinema Novo, José Álvaro, Rio, 1966, p. 163-221). Quando o cinema surgiu no Brasil, diz ele,
o “drama no campo” (“o camponês vítima de uma estrutura feudal”, “Antônio Conselheiro arregimentando milhares de adeptos para lutar”, “heróis populares e facínoras sanguinolentos”) era muito mais trágico do que o das cidades. “Mas o drama cinematográfico se desenrolava na cidade grande. Num cenário carioca, moviam-se personagens europeus. (… ) Esta linha de equívocos desdobrou-se em filme intimista (Limite) para mais tarde, sob a capa do preciosismo, tornar-se elemento de ‘erudição’ (Ravina, de Rubem Biáfora, a obra de Walter Hugo Khoury, O Beijo, de Flávio Tambellini). Aprimorou-se a forma, permanecendo o mesmo conteúdo: a falta de conteúdo, sob o ponto de vista da dimensão social e humana da linguagem cinematográfica.”
Na verdade o autor sequer considera como cinema brasileiro este cinema alienado: o cinema brasileiro nasceu no interior de Minas,
“na cidadezinha de Cataguases, (inventado) por um mineiro chamado Humberto Mauro. De todas as artes, o cinema é a mais (… ) social. E filme intimista, em que haja um excessivo primado do subjetivo, é sempre aberração, dupla deturpação – do real e da própria finalidade do cinema. (…) Limite era a Noite Vazia daquele tempo; seu autor, um anti-Humberto Mauro. O que por si só já é suficiente para não causar interesse aos olhos de um cinema que, antes de ser novo, pretende ser brasileiro.”
Brasileiro, portanto, será o cinema que fincar raízes na tradição rural de Humberto Mauro, e Khoury ou Mário Peixoto ou qualquer outro autor que mereça a qualificação de anti-Humberto Mauro não são brasileiros.
Mas não faltam defensores da “brasilidade” do cinema urbano em geral, e do cinema de Khoury em especial. Diz por exemplo Gustavo Dahl (“Importância de Khoury”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 21.5.60):
“A respeito da ‘alienação’, o que se reprova no fundo a Khoury é fazer um cinema mais voltado para o ser que para o mundo. A partir daí são estabelecidas um sem-número de construções imaginosas, a mais frequente das quais é dizer que Khoury e seus filmes encontram-se desvinculados culturalmente da realidade brasileira. Outra é chamá-lo de ‘cineasta de apartamento'(…). Como se vê, frequentemente é atingida a puerilidade. Primeiro porque é ingênuo pretender um filme ‘alienado’. Mesmo que queira, o diretor jamais se livrará da ação do meio, e ela estará sempre filtrada em seus filmes. Ainda que o diretor pretendesse, admitamos, por mera hipótese, fazer um filme totalmente desprendido da realidade que o cerca, este fato não deixaria de refletir uma realidade existente no contexto cultural brasileiro (…). O mesmo raciocínio pode ser desenvolvido em relação ao ‘cinema de apartamento’. É possível que dentro de trinta anos o cinema brasileiro por excelência seja o baiano, mas pretender hoje excluir como cinema não-brasileiro aquele que reflete a mentalidade da grande metrópole e a psicologia do cimento e do aço, é decididamente desonesto. Seria um pouco audacioso querer reivindicar exclusivamente para este tipo de cinema o título de ‘brasileiro’, mas não é difícil compreender que esta suposta falta de consciência da nacionalidade tem muito mais possibilidades de ser autenticamente brasileira que a ânsia de ‘integrar-se’ a todo custo, que, sendo deliberada e artificial, não pode ser verdadeira. Em suma, a preocupação de ‘ser brasileiro’ reflete uma incerteza sobre esta qualidade, enquanto que a ausência desta preocupação equivale à pura constatação de sua existência.”
* * *
Com o Cinema Novo, desligam-se as ideias – atadas por Cinearte desde os anos 20 e encampadas pelo cinema industrial paulista dos anos 50 – de mundo urbano = saudabilidade, beleza, harmonia, civilização. O Cinema Novo urbano irá focalizar nas cidades os pontos de atrito entre riqueza e miséria, e as contradições de toda ordem que implica a existência humana nas grandes cidades brasileiras.
A complexidade urbana, no entanto, surge tardiamente no Cinema Novo. No início dos anos 60, das cidades ele enfoca apenas a favela – e o fato de ter privilegiado como temas o sertão e a favela, em detrimento de outros considerados pelo menos tão importantes como estes, faz do Cinema Novo alvo de frequentes críticas.
Em meados da década, a situação se inverte: parte dos próprios novos cineastas a aspiração de um cinema que focalize a vida das cidades, e a temática urbana passa a ser privilegiada em detrimento de um cinema rural, pela maior possibilidade que oferece de tratamento de problemas complexos.
Entre outras razões, explica-se a superação da temática anterior pelo esgotamento:
“Sobre a velha oposição entre cinema urbano e cinema rural, acho ser evidente que, quando o Cinema Novo partiu para os primeiros filmes, foi encontrar-se (…) na área em que os problemas (…) estavam mais radicalmente colocados, e onde, portanto, poderia evoluir mais fácil e eficientemente. Por isso, encontrou-se no nordeste e na favela. Evidentemente, uma vez colocados, estes problemas por sua própria simplicidade se esgotaram rapidamente. Há, então, uma necessidade de abrir(…), ir buscar em outros ambientes, em outras regiões, outras zonas sociais, o mesmo tipo de ‘approach’ que se tem em relação ao nordeste e à favela.” (Gustavo Dahl, Revista Civilização Brasileira, nº 2)
Não se trata, porém, exatamente do mesmo tipo de approach, como já o demonstravam os primeiros filmes de temática urbana que se fizeram então – particularmente O Desafio e São Paulo Sociedade Anônima. Ao deslocar-se para outras “zonas sociais”, o Cinema Novo desloca toda a sua problemática: basicamente, seus autores voltam-se para si próprios e a sua classe, embora relutem durante um bom tempo em admitir (pelo menos em textos escritos) que esta mudança implica ruptura. Ao contrário, diz Gustavo Dahl:
“As coisas são as mesmas em todos os níveis: o que tem de ser dito pode ser dito até na Lagoa dos Patos”
– os temas continuarão sendo a miséria e o subdesenvolvimento.
E Paulo César Saraceni (Revista Civilização Brasileira, nº 2) acrescenta que a continuidade será garantida pelo mesmo ponto de vista crítico, que consiste em denunciar os problemas onde quer que eles se apresentem:
“quer se faça um filme na Paraíba (…) quer aqui (no Rio) o ângulo de visão será sempre o de um realismo crítico, querendo colocar para o público os problemas brasileiros. Isto existe, dizemos nós, e não podemos mentir ao mostrá-lo.”
Acontece que, na Paraíba, a câmara enfoca o sertanejo – o “homem do povo” – e no Rio ela se volta para a burguesia, a classe média e a intelectualidade. Assim, mesmo que a intenção seja manter o approach inicial e se reafirme a permanência de um mesmo ponto de vista, isto não impede que desde logo se manifeste a inquietação e insegurança que a mudança implica – “uma certa sensação de desprotegimento”, diz Gustavo Dahl, diante de
“uma temática mais complexa, qual seria a temática urbana, a temática da burguesia, a temática da classe média, a temática da intelligentsia (… ).”
É ainda Gustavo quem melhor expressa o sentido que se pretende dar à nova proposta de cinema urbano:
“As pessoas que reprovam o cinema brasileiro por só pensar em favela e nordeste verão que as coisas ficarão efetivamente muito mais claras quando ditas na cidade. Essas pessoas não terão mais o lado exótico que nós lhe oferecíamos. Os filmes falarão de gente como elas, que se verão na tela. E não é bom a gente se ver na tela. Sobretudo através da visão desses jovens iracundos (…). O cinema que quero fazer é exclusivamente urbano, procurando colocar a má consciência da burguesia. Eu quero mesmo que a burguesia saia do cinema envergonhada de ser o que ela é (…). O filme de Person (São Paulo S/A) já dá saída para isso. É uma denúncia da grande mediocridade da classe média (…) o subdesenvolvimento é muito mais chocante quando tem o fundo de Copacabana do que quando tem o fundo da caatinga do nordeste. A miséria na cidade, mesmo que seja um décor, é muito mais difícil de explicar do que a miséria do nordeste. O nordeste é uma região depauperada. São Paulo é uma região rica e, no entanto, nos letreiros de São Paulo S/A há uma favela (…). A situação politica do Brasil, inclusive a orientação econômica, gira em torno da obtenção de uma prosperidade que nós sabemos fictícia. A renda per capita pode aumentar quanto quiser; nós sabemos muito bem que, no nordeste, continuarão a morrer de fome milhões que lá vivem. Quando, portanto, começarmos a pôr em questão essa falsa filosofia da prosperidade, não sei o que eles vão propor …”
* * *
Discutindo a oposição rural/urbano no cinema brasileiro (em resposta a uma indagação sobre qual a diferença entre seus filmes paraibanos e os brasilienses), Vladimir de Carvalho (depoimento a José Marinho de Oliveira) sugere a possibilidade de supressão dessa dicotomia temática ao colocar corno mediação entre estas duas categorias a ideia de um documentário popular.
Por um lado, se se buscar nas cidades as suas contradições, que em última análise são o que importa, se verá que a maior delas se expressa nos “bolsões de pobreza” que existem em todas as grandes cidades brasileiras, basicamente formados por imigrantes de origem rural que trazem para o mundo urbano o universo cultural das regiões sertanejas donde provêm. Um cinema que se interesse pelo povo nas grandes cidades encontrará nele um prolongamento do universo rural – que, deslocado, se torna inoperante como instrumental para enfrentar o mundo urbano.
“Na verdade” – diz Vladimir – “não há grande diferença em filmar os nordestinos no Nordeste, em São Paulo ou em Brasília – a gente é a mesma (… ) é a mesma miséria.”
“Como você sabe, os nordestinos vêm para a cidade grande e são expulsos para a periferia. Os humildes, aqueles que foram com a cara e a coragem construir Brasília, terminaram sendo expulsos do Plano Piloto e passaram a formar, como toda a sociedade brasileira, esses bolsões de pobreza, essa periferia de pauperismo (…) que circunda o progresso urbano.”
Por outro lado, a urbanização invade o mundo rural, e o resultado é a desagregação do mundo rural pela penetração do mundo urbano.
“Fiz um filme chamado Quilombo tentando mostrar essa desagregação. (…) Descobri uma comunidade de negros que vivia de fazer doces nos arredores de Brasília. (Com a construção da cidade) essas terras se valorizaram muito e começaram a ser exploradas pelas companhias imobiliárias. O universo cultural desses negros começou a desabar (…). Eles venderam suas terras em pequenos lotes e hoje moram nas favelas da periferia de Brasília.”
Assim, a questão não é filmar o mundo rural ou o mundo urbano, mas focalizar o povo – e os documentários mencionados por Vladimir de Carvalho se situam na zona de confluência entre estes dois mundos.
* * *
Tomando como base a mesma ideia – a de que o importante é fazer um “cinema popular” que “documente” o povo brasileiro – lpojuca Pontes também suprime a dicotomia rural/urbano, mas pela eliminação de um dos termos: para ele, cinema “popular” é o cinema rural – e aqui vamos nós de volta ao ponto de partida.
“Quando eu digo ‘popular’ me refiro ao povo, e quando digo ‘povo’ me refiro ao homem do campo. Estou muito mais ligado à problemática do homem do campo (…) do que ao operário, um cidadão ao qual nunca fui apresentado. (…) Todos nós temos raízes rurais. Qualquer homem brasileiro, o mais afamado homem urbano, o homem do apartamento e do som estereofônico, tem uma tia que tem uma fazendola não sei onde (…). As raízes do Brasil são rurais (…). Então nossa possibilidade de aferição, nossa proximidade quando discutimos em termos de Brasil, está no Brasil rural. Professo e faço profissão de fé de que as coisas no Brasil só serão definidas quando forem definidos os problemas rurais (…) você só pode entender este país se entender o seu passado, suas raízes (…). Já o filme urbano, (…) se não segue a linha do já visto, leva apenas a constatar a tragédia da diluição moral e política, o decadentismo, o desespero e outras coisas dessa ordem (…). As experiências dos povos do Terceiro Mundo têm que ser mais vitais, mais comprometedoras(…). A gente não pode ficar examinando uma realidade decadente e se exaurindo nela. Este país tem que ser feito e refeito, tem que ter uma proposta vital, uma proposta mais consequente (…). As grandes urbes brasileiras não têm uma proposta sadia para ninguém. Quem for rico ou pobre, hoje em dia, e estiver nas grandes cidades, está perdido (…). Ficar remexendo a merda e vendo o cheiro que a merda dá, é a decadência. O fato disto aqui ser decadente não quer absolutamente dizer que lá seja progressista, mas quer dizer que não é decadente (…). O camponês, sua cabeça não é nada, só tem relação com a enxada, é bruto, ignorante, místico. Mas esse homem tem condições de evolução que o (citadino) não tem. (…) Não existe nada de progressista no nordeste, estamos na estaca zero. Mas é exatamente por isso que de lá pode sair alguma-coisa ” (depoimento a José Marinho de Oliveira).
Mais uma vez fecha-se o círculo das ideias em torno do cinema brasileiro: lpojuca Pontes, como Antônio Campos, vê o mal na cidade e o bem no sertão, e não seria difícil encontrar textos atuais afirmando o contrário que nos permitissem refazer o circulo inteiro. Aparentemente superada por propostas como a de Vladimir de Carvalho, a dicotomia rural/urbano continua no entanto tão presente como sempre.
A língua nacional
Um dos caminhos apontados para tornar “nacional” o cinema brasileiro, e ao mesmo tempo aproximá-lo do seu público, era transpor para os filmes a língua falada do país – e, para alguns autores, especificamente a “língua do povo”.
A crítica à incapacidade do cinema brasileiro de compor diálogos é uma constante. Diz por exemplo Paulo Emílio;
“Em primeiro lugar, é preciso que se compreenda definitivamente a impossibilidade de se imaginar qualquer progresso real do nosso cinema antes de tirarmos o diálogo escrito e. a fala dramática do nível inqualificável em que permanecem.” (“Perplexidades Brasileiras”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 11.4.1959)
E ainda, a propósito de Osso, Amor e Papagaios:
“A qualidade da matéria-prima empregada (nos filmes brasileiros), os atores, continua má, sobretudo quando dialogam. Osso, Amor e Papagaios não escapa à regra. Talvez algumas linhas de diálogo fossem, ao serem escritas, boas. Mas, ouvidas, renova-se o desastre habitual (… ) Penso que o problema estético primordial em nosso cinema é o da maneira de falar. É sabido que a dublagem em língua estrangeira mutila artisticamente os filmes. No entanto as versões dubladas dos filmes brasileiros apresentados na França eram melhores que as originais. O aparecimento de um filme brasileiro em que se fale bem será um acontecimento fundamental na história da nossa cinematografia.” (“Conto, Fita e Consequência”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 13.4.57)
Para Nelson Pereira dos Santos, o problema que se coloca não é propriamente o de incompetência, mas de repúdio na absorção da linguagem falada – preconceito elitista.
“Havia um preconceito de botar nos filmes a língua falada corrente, que ê a nossa mesmo. A gente fala errado à bessa, eu falo errado, você fala errado (… ), mas, se é assim que a gente fala, por que é que tá errado?” (Depoimento a MRG)
Mas partir da constatação para a solução não era imediato. Walter George Durst, roteirista, procura encontrar apoio no teatro brasileiro que se modernizava, entre outras razões devido à dialogação menos artificial:
“Foi na primeira vez que eu li Nelson Rodrigues que compreendi que você pode botar num filme gente falando como a gente fala, falar cuspindo, passa isso aí, chuta pra lá, fala como quiser. Porque antes não era assim, a forma de escrever diálogos era toda empertigada (…). O resultado foi De Homens e Cães (A Carrocinha), um roteiro quase neorealista.” (Depoimento a Ella Durst e Francisco Botelho)
Sérgio Hingst, comentando a observação de Paulo Emílio sobre a má qualidade da fala dos atores, sugere que o melhor caminho para a solução deste problema teria sido tomar como ponto de partida a própria linguagem popular da chanchada:
“Na chanchada, os diálogos eram ruins, mas pelo menos eram vivos, como no rádio. Nos outros filmes, nem isso eram. Os diretores achavam que chanchada e programa de rádio eram subcultura, chanchada era pior que teatro de revista, não queriam nem ouvir quando se falava nisso. Então davam diálogos para intelectuais como o Guilherme de Almeida escreverem, e aquilo doía no ouvido, era tão artificial que o melhor ator do mundo não conseguiria dizer bem aquelas coisas. Ninguém tinha o hábito de ouvir o português nos filmes; mesmo a chanchada, que poderia habituar o público e a gente mesmo (os atores) à língua, a gente não via. Então ninguém tinha a possibilidade de trabalhar uma matéria-prima que, mesmo ruim, desse um ponto de apoio, um ponto de partida para ser melhorado.” (Depoimento a MRG)
E Trigueirinho Neto chega a sugerir que se possa aprender a fazer bons diálogos com os estrangeiros que, ao contrário dos brasileiros, dominam fluentemente a técnica de dialogação cinematográfica:
“A adoção da dublagem das fitas estrangeiras permitiria imediato treinamento dos nossos diretores e atores que, ao contato direto com o diálogo fluente, acabariam por resolver esse problema aflitivo, o das falas no cinema brasileiro.” ( O Metropolitano, 27.11.1960)
(Apesar disso, o próprio Trigueirinho Neto julga essa solução impraticável, porque a dublagem seria uma arma a mais para que o cinema estrangeiro se fortalecesse na sua concorrência ao cinema nacional.)
* * *
Não se trata, porém, meramente de uma preocupação realista, de reproduzir com fidelidade no cinema a língua falada nacional. No que a questão do diálogo se cruza com a procura do popular, trata-se de captar a mais imediata das formas de expressão e comunicação do povo – a língua falada – para através dela penetrar no próprio universo mental e cultural do povo. Nelson Pereira dos Santos expressa bem esta preocupação:
“Existe no nosso país uma diferença muito nítida entre a língua falada e a língua escrita, isto é, entre a língua portuguesa que se utiliza somente para escrever e a língua do povo. Quando se retrata personagens populares, às vezes se coloca na sua boca uma língua. que nunca falaram antes.”
O que é grave, mas não é o fundamental. O grande problema é que desta forma se deturpa, não apenas a linguagem popular, mas o pensamento de que ela é expressão:
“Aquilo que conta não é como as pessoas falam, porque antes de falar precisa pensar, e sim como as pessoas pensam, e como o pensamento chega à expressão da língua. É isto o que importa principalmente (…).” (Nelson Pereira dos Santos, Éléments pour un nouveau cinéma, UNESCO, 1970)
No limite, tal preocupação conduz à busca da reprodução da fala ‘do povo sem mediações – ao cinema direto. No nível da pesquisa das formas de expressão linguística popular, seria esta a solução encontrada. Em textos de participantes do Cinema Novo que historiam o movimento, é frequente a referência ao curso de Arne Sucksdorf – que introduziu a técnica de gravação direta e a linguagem do “cinema-verdade” no Brasil – como um passo fundamental em direção ao domínio de uma linguagem própria para o cinema nacional.
Leon Hirszman, por outro lado, enfatiza a importância do cinema direto na comunicação do Cinema Novo com o público popular: um filme que reproduza diretamente o linguajar do povo tem muito mais chances de ser compreendido pelo próprio povo (depoimento à FUNARTE).
* * *
Um texto fundamental sobre a questão da língua no cinema brasileiro é o que Paulo Emílio apresenta à I Convenção Nacional da Crítica em 1960: “A ideologia da crítica e o problema do diálogo cinematográfico”.
A língua não é apenas um representante da nacionalidade, é também a única forma de se conseguir um pleno relacionamento e comunicação – só indivíduos pertencentes à mesma nação se entendem, porque falam a mesma língua; aplicada ao cinema, é esta a ideia básica que já vimos colocada pelo Diário Nacional desde 1929: o aparecimento do cinema falado veio trazer a cada povo a “imprescindível necessidade” de “nacionalização da arte cinematográfica”. Paulo Emílio retoma esta mesma premissa e a desenvolve num sentido inusitado ·que põe em xeque o retardamento ideológico da crítica cinematográfica brasileira.
“Quando o cinema se tomou dialogado, perdeu a universalidade espontânea que possuía. Motivos diversos levaram-no, contudo, a aparentar essa característica. Os grandes produtores visam o mercado internacional. Sendo para eles importante levar em consideração o público dos mais diferentes países, esse cálculo foi correntemente interpretado como permanência da universalidade.”
Tal interpretação foi reforçada pela cumplicidade da crítica: os críticos
“fazem de conta que não tem importância o fato de não entenderem a língua falada numa porção das fitas que discutem. (…) apenas porque o letreiro superposto permite compreender do que se trata, se convencem de que estão plenamente capacitados para julgar películas dialogadas em línguas que desconhecem. O fator decisivo para a boa consciência dos críticos é a ideóloga que professam, a saber, a de que o cinema é uma arte essencialmente visual. O desconforto em seguir a dialogação através dos letreiros é atenuado pela convicção de que nada de essencial foi perdido.”
Para o cinema brasileiro, esta ilusão de universalidade, alimentada pela crítica que considera a imagem o essencial do cinema, traz como consequência o retardamento do diálogo. Na verdade, “infelizmente para nós, é impossível estabelecer fronteira entre a banda da imagem e a sonora. Assim como o timbre da voz faz parte integrante do ser, o som, as vozes, o sentido e o tom das palavras pronunciadas são inseparáveis das imagens (…). Somos espectadores diminuídos perante os filmes cuja língua ignoramos.(…) O espectador americano ou francês está diminuído ou pleno em se tratando de Citizen Kane ou de La Règle du Jeu. O brasileiro não conhece essa alternativa porque até hoje não houve um bom filme dialogado nacional. ( … ) A escola para o cinema nacional tem sido a do espectador de filmes estrangeiros. Nessas condições, é permitido conjecturar de maneira bastante generalizada que os nossos cineastas nunca assistiram, em toda a sua plenitude, a uma fita dialogada. As lições das películas estrangeiras só podiam ser totalmente apreendidas através das sequências sem fala. Será por acaso que os bons momentos do cinema brasileiro são sempre calados?”
A sugestão de Trigueirinho Neto é assim, para Paulo Emílio, destituída de sentido: não adianta procurar aprender com os estrangeiros, os cineastas nacionais
“precisam encontrar outra escola, a da descoberta e da invenção, para o diálogo cinematográfico. Mas para isso, precisam libertar-se definitivamente da ideologia morta que lhes foi inculcada pela crítica a respeito da preponderância do visual em cinema. Seria ótimo se eles caíssem no exagero contrário.”
O que finalmente nos conduz ao ponto: trata-se de inverter o sentido da ideologia vigente:
“A margem de oportunismo das ideologias é sempre muito grande. Nas condições brasileiras atuais, a ideologia cinematográfica mais útil e portanto ‘verdadeira’ seria a que definisse o cinema como uma fala literária e dramática envolvida por imagens.”
O radicalismo da proposta é aceito ao pé da letra pela críticacinematográfica presente à Primeira Convenção – embora
“de um ponto de vista estético, esta tentativa de definição est(eja) a pedir e mereç(a) uma revisão”. (“Impressões da Convenção”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 3.12.60)
Na verdade Paulo Emílio está longe de afirmar a validade estética de tal definição, cuja “verdade” é colocada entre aspas e que de inicio é apresentada como o “exagero” oposto à definição do cinema como arte essencialmente visual. Mesmo assim, o efeito de choque que esta simples ideia provoca, e a própria forma como a tese, depois de aceita, é comentada, comprovam suficientemente a força que tinha no Brasil a concepção tradicionalista do cinema sobretudo herdada da teoria clâssica francesa. A nova ideologia proposta, falsa ou verdadeira, ê aceita porque
“exige a existência de um cinema brasileiro, qualquer que seja o seu teor; com efeito, se só podemos entender perfeitamente uma fita quando dominamos a língua em que é falada, o público brasileiro só poderá saber definitivamente o que é o cinema brasileiro.”
Mas salienta-se o fato de que
“esta proposição, característica de um período de crise, pela sua violência e pelas consequências potencialmente perigosas”,
é aceita em desespero de causa.
“É um ato de força abandonar um ideal ao qual queremos que a arte se submeta em proveito de uma ideologia que os ideais presentes reclamam.” (“Impressões da Convenção”)
Por outro lado, Abílio Pereira de Almeida, comentando a repercussão deste texto entre os críticos e jovens realizadores, recorda o espanto dos cineastas mais velhos diante da importância atribuída a uma questão que lhes parecia inteiramente pacifica:
“Quaisquer que fossem as concepções estéticas da crítica, elas nunca tiveram nada a ver com a prática da realização cinematográfica no Brasil. Bem poucos cineastas brasileiros – se é que houve algum – deixavam-se convencer pela críticada preponderância da imagem sobre o diálogo. Na chanchada, o diálogo era fundamental, e os realizadores tinham plena consciência disso – o simples fato de se apoiarem em atores e cômicos do rádio o comprova. No melodrama, alguns inclusive baseados em novelas de rádio, o enredo só andava à custa dos diálogos. Quanto aos filmes mais sérios, eram tão dialogados que a acusação mais frequente de que os realizadores tinham que se defender perante a críticaera a de fazerem ‘teatro filmado’. Não tem dúvida de que os diálogos eram ruins – mas não porque se deixasse de lhes atribuir importância.
Eu digo isto como realizador e roteirista, mas mesmo entre os críticos a estética da imagem não era ponto pacifico. Basta lembrar a velha polêmica aberta por Vinicius de Moraes contra os então chamados ‘talkistas’, defensores do diálogo, bem mais numerosos já naquele tempo (anos quarenta) do que os defensores do purismo cinematográfico.” (Depoimento a MRG)
Lembremos ainda, de nossa parte, que entre estes últimos estava Paulo Emílio.
***
Uma fusão de todos estes temas pode ser encontrada nos comentários sobre Boca de Ouro, de Nelson Pereira dos Santos, filme unanimemente apontado como marcante na evolução do diálogo no cinema brasileiro, e isto mesmo pela crítica que considera seus diálogos “vulgares”. A maior parte dos críticos, porém, concorda com Carlos Prates Correia, para quem eles são
“inteligentes, brilhantes e perfeitos, seguramente apropriados para o cinema” (Diário de Minas, 3.3.1963)
mesmo tendo como origem uma peça teatral. Direta ou indiretamente, Boca de Ouro ilustra os dois caminhos apontados como solução para o problema da língua nacional no cinema brasileiro – o apoio no moderno teatro nacional e a incorporação do linguajar popular – e ilustra ainda a permanência, na crítica cinematográfica brasileira, da concepção clássica do cinema como “arte autônoma e essencialmente visual”. Diz por exemplo Tati de Moraes (Última Hora, Rio, 5.2.1963):
“Um dos principais atrativos e um dos principais defeitos (de Boca de Ouro) é a dialogação na picaresca linguagem do cafajestismo carioca, de que é especialista o autor da peça” – este é o principal atrativo, a incorporação da linguagem popular; porém o “excesso de diálogo” e a “sujeição ao teatro” constituem o principal defeito do filme.
Típico ainda da ideologia que se apóia numa concepção visual e autonomista do cinema é este comentário de Antônio Maria (Diário da Noite, 5.12.1961) sobre Mandacaru Vermelho: neste filme, Nelson Pereira dos Santos soube defender-se contra o
“mal falar do brasileiro. Os diálogos são raros e curtos. O resto é ação. É cinema.”
Abílio Pereira de Almeida lembra ainda que, no que diz respeito aos realizadores,
“a verdadeira revolução no diálogo cinematográfico brasileiro foi a consciência introduzida pelo neo-realismo italiano, que colocava na tela um linguajar popular.”
Quando um crítico da velha guarda como Guilherme de Almeida interferia na realização dos filmes da Vera Cruz cortando diálogos sob a alegação de que
“isto tudo se resolve com um gesto, um olhar… o resto é ‘subentendimento'”,
Abílio Pereira de Almeida chamava em defesa dos seus diálogos o cinema italiano:
“Veja o neo-realismo, todo mundo fala, fala, fala o tempo todo. Quando tem alguma coisa pra dizer, é bom que se diga, porque nem todo mundo subentende… “.
E conclui Abílio Pereira de Almeida:
“A linguagem do neo-realismo foi um tema constante de discussões entre os realizadores brasileiros desde o início dos anos 50. Muito antes que os críticos, os realizadores perceberam que, tomando como exemplo a espontaneidade do diálogo nos filmes italianos, se poderia tentar alcançar um linguajar autenticamente brasileiro, simplesmente copiando a fala do povo como fizeram os italianos.”
E aqui temos, mais uma vez, o cinema estrangeiro colocado como modelo para o cinema nacional na sua tentativa de tomar-se “autenticamente brasileiro”.
Por outro lado, inverte-se o que talvez tenha sido a mais discutida questão da Primeira Convenção Nacional da Crítica: o papel da crítica como vanguarda do pensamento cinematográfico a apontar caminhos para a realização prática. Abilio Pereira de Almeida, do ponto de vista da prática, nos aponta a vanguarda da crítica cinematográfica brasileira defasada de uns bons dez anos com relação à consciência crítica dos próprios realizadores.
O povo, das mãos à cabeça
Na sua vontade de “ser popular”, o cinema brasileiro envereda por diferentes caminhos em busca. do povo a ser retratado pelo filme, Mas precisamente o que buscar no povo para caracterizá-lo?
A sua fala – é, como vimos, uma primeira resposta. Porém Nelson Pereira dos Santos vai mais longe: não interessa o que o povo fala, o importante é o que ele pensa.
Geraldo Sarno toma um outro ponto de partida para chegar à mesma conclusão. Comentando as modificações do documentário brasileiro, que pretendia retratar o povo, desde o Cinema Novo até agora, exemplifica com seus próprios filmes:
“De Viramundo a Iaô há todo um caminho percorrido. Não se trata apenas (como tem sido dito) de que Viramundo é uma interpretação sociológica de um certo fenômeno, enquanto que Iaô é uma colocação puramente antropológica. Até pode ser, mas há outras formas de abordar este caminho.(…) O aprofundamento de análise, de compreensão através do documentário – do que é certa parcela do povo brasileiro, estava bloqueado. Eu me sentia bloqueado. Tinha realizado muitos documentários sobre o que o homem do povo fazia (…). Era uma coisa que se voltava para as suas mãos (…), uma insistência muito grande na documentação do fazer (…) (e não saia disso). De um modo geral, toda esta fase do documentário brasileiro está voltada para(…) o que o povo faz com as mãos. Em determinado momento, comecei a sentir que isto não me bastava: eu tinha que documentar o que o povo pensa. (…) ou seja, não apenas as mãos, mas a cabeça das pessoas.” (Depoimento a José Marinho de Oliveira, set. 1977)
Para Maurice Capovilla, porém, o caminho a percorrer é inteiramente diverso. Ele começa por se descartar daquilo que para Nelson Pereira dos Santos ou Geraldo Sarno é a meta: o que interessa documentar no povo não é o que ele pensa, e sim como ele vive ou o que ele faz. Relatando a experiência de filmagem de uma equipe integrada (ele próprio, Cláudio Portioli e Dib Lufti), que discutia conjuntamente a cada passo como e o que documentar, diz Capovilla (depoimento a MRG e Lucilla Ribeiro Bernardet, 1971):
“A gente chegava nos lugares e se perguntava: o que é que é importante registrar? Um dizia ‘é isto’, outro dizia ‘é aquilo’, mas era sempre a vida das pessoas, e mais nada. Como vivem os homens do povo. O que eles pensam não importa, porque eles não pensam – não podem pensar. Porque não ouvem, não sabem, não entendem mais nada do que acontece no mundo a não ser a sua vida. Nunca pensaram, não estão acostumados a pensar porque ninguém lhes ensinou. Ninguém nunca se preocupou com o pensamento deles. A gente aprendeu, vendo esse povo, que o pensamento é uma máquina que você azeita, estimula pra pensar, alimenta pra funcionar… Se o homem nunca teve isso, ele não pensa. Mas ele sonha – o que pode ser lindo, mas é também muito triste. O pensamento se projeta para fora da realidade através do sonho. Na medida em que ele pensa em coisas que não existem – fabrica imagens e cria um mundo fantasioso, exercita sua capacidade de imaginar em torno de coisas que não controla – ele não tem nenhum poder real sobre o mundo.”
E Capovilla exemplifica com a história de um vaqueiro que a equipe filmou numa fazenda de gado:
“Ele imagina um boi que ele quer pegar e não consegue nunca, porque o boi não existe – é o Boi Maravilhoso, Boi Serapião, Boi Não-sei-o-quê. Um boi fantasma dotado de poderes extraordinários a quem se atribui tudo de mau que prejudica a vida da fazenda. O tal boi canaliza contra si toda a revolta permanente que estes homens têm e acaba se constituindo na representação da sua própria impotência perante a vida. Diante disso, o que a gente podia fazer? Evidentemente – pensamos – era tentar raciocinar com o sujeito, mostrar a realidade que ele não conseguia enxergar. Então a gente perguntava: ‘Onde é que está esse boi?’ E ele: ‘Tá pr’acolá’. ‘Então vamos lá que a gente quer ver’. ‘Não pode, é muito longe, o cavalo cansa antes de chegar’. E a gente dizia: ‘Mas nós temos um jipe, o jipe não cansa, é só você vir com a gente que num instante estamos lá, o jipe é mais rápido do que qualquer boi’ – e neste ponto o homem começava a se perder, a titubear, ao mesmo tempo tentado e temeroso: ‘Mas se a gente chegar lá o boi se esconde, não adianta, só sai no dia seguinte’. E nós: ‘Mas podemos esperar, ficar aqui uma semana, um mês, um ano junto com você procurando o boi por todo este sertão com o jipe, nós queremos filmar esse boi… ‘ Em resumo, o que a gente fazia era de uma crueldade total, porque a existência do jipe perturbava toda a estrutura fechada em torno da qual o indivíduo fabula, e se você quebrar essa estrutura, sem pôr nada no lugar, ele não tem mais respostas para enfrentar o mundo.”
Diante disto, a única coisa a fazer é documentar como vive o homem do povo, como se ajusta a sua ação, ao seu mundo, que é o mundo do mito e não o da razão. Desmistificar este mundo, ou tentar raciocinar com ele, é apenas projetar sobre ele uma forma de pensamento que não é a dele, mas a nossa. A única forma de pensamento que o povo -conhece – a imaginação – só pode ser captada documentando o que ele faz:
“Depois fomos filmar uma mulher que se chamava Lídia de Tracunhaém. É uma santeira. Ela sabe tudo sobre o santo que faz, e constrói o santo precisamente como a gente veste a noiva, peça por peça. Ela faz o santo nu, amoldando no barro uma forma humana definida com toda a nitidez. Depois ela te explica que por baixo da roupa o santo usa um camisão, e bota uma outra camada de barro que se agrega e tapa a forma humana definida inicialmente para o corpo. Depois ela faz o manto enfeitado que ele usa por cima do camisão. Depois ela pega a cara, que é mais ou menos neutra, assexuada, e então bota a barba, depois um capuz que cobre o cabelo, e depois um outro negócio que eu não sei o que é por cima do capuz. E acrescenta colares ou terços ou tudo o mais que ela ache que o santo usa. Enfim, ela entende tanto desse santo, sabe tão bem como ele é por dentro que é incapaz de fazer a modelagem do santo vestido só por fora, porque ela sabe que ele não é assim. E é só captando este processo por inteiro que você consegue entender esse tipo de pensamento primitivo que parte da origem das coisas e é totalmente incapaz de abstrair etapas.”
Voltamos assim ao ponto de partida: para conhecer a cabeça do povo, só filmando as suas mãos.
O povo e o público
No mesmo jornal em que os jovens estreantes do Cinema Novo polemizam com o CPC sobre o que seja um “autêntico” cinema popular brasileiro, se discutem a melhor forma e conteúdo para estes filmes “populares” e quais os possíveis caminhos para atingir o público a que eles se destinam, Trigueirinho Neto (O Metropolitano, 27.11.1960) lamenta precisamente o fato de que o público do cinema nacional seja um público popular:
“É sabido que o cinema nacional vem se dirigindo exclusivamente ao público mais simplório. As tentativas de levar ao cinema o público mais exigente fracassaram, em parte pela imaturidade dos autores (…), em parte devido às condições precárias em que se encontra atualmente a organização produtiva e distribuidora do país em relação às fitas nativas. A realidade é que a fita brasileira, por ser falada em português e quase sempre em linguagem popular, é a preferida pela grande maioria de analfabetos que constitui a grande parte da população nacional.”
Se assim é, seria o caso de perguntar – o que não se fez na época por que tanto se acusava o cinema estrangeiro de “colonizar o povo”, visto que “a grande maioria da população nacional” é infensa pelo próprio analfabetismo à influência estrangeira. Paulo Emílio trataria desta questão muito mais tarde em vários textos – por exemplo em “Festejo muito pessoal” (Revista Cinema, nº 5, FCB, 1980):
“Permaneço convencido de que, se pude ser descolonizado, então é porque essa graça de libertação se encontra ao alcance de qualquer um de nós. ‘Um de nós’ intelectuais etc., pois com o povo a jogada é outra, como outras as libertações a que aspira. Uma ideia clara de vez em quando é bom: a elite é mais fundamente corroída pela desnacionalização cultural do que o povo, aqui preservado pela própria ignorância que o sufoca e oprime.”
Mas no momento o que nos interessa discutir não é a “desnacionalização cultural” e sim as relações do cinema brasileiro com o seu público. Voltando ao texto de Trigueirinho Neto, o problema que ele expressa é precisamente o inverso do que seria o do Cinema Novo: enquanto este quer atingir o povo, Trigueirinho quer atingir a elite, e constata que o cinema brasileiro existente atinge precisamente o povo.
Na verdade, são relativamente poucos os exemplos, no cinema brasileiro, de filmes que tenham atingido um público indiferenciado, o grande público de um modo geral. Os filmes via de regra atingem faixas especificas da população.
“A chanchada resolveu a meu ver o problema do público, que era hostil ao cinema brasileiro”, diz Alex Viany (Revista Civilização Brasileira, nº 2, maio 1965); “a chanchada conseguiu conquistar um público, o público popular.”
Assim, o problema que se resolveu foi o de “um público” em específico e não o “do público” de um modo geral. O mesmo aconteceu com o Cinema Novo:
“Carece o Cinema Novo de público?” – pergunta Gustavo Dahl (“Cinema Novo e seu público”, Revista Civilização Brasileira, nº 11/12, dez. 66/mar. 67).
“Não, o Cinema Novo tem o seu público, composto principalmente pela juventude, por estudantes, mas também por profissionais liberais, intelectuais, artistas, fanáticos de cinema e até mesmo certas camadas da burguesia(…). Mas mesmo este público não está plenamente satisfeito com os filmes produzidos pelo Cinema Novo (…), faz-lhe (…) uma restrição: a de não produzir filmes que agradem suficientemente ao público!”
Precisamente por isso – por desagradar ao grande público Tom Payne considera o movimento do Cinema Novo como um retrocesso na história do cinema brasileiro. Segundo ele, a grande vitória da Vera Cruz tinha sido a conquista de um público indiferenciado, conquista esta que o Cinema Novo pôs a perder ao dirigir-se novamente a um público restrito, a elite intelectual; neste sentido, o Cinema Novo teria sido um retrocesso mesmo. com relação à chanchada: a intelectualidade é numericamente pouco significativa, enquanto que a chanchada atingia uma massa enorme de espectadores.
”(…) se o Cinema Novo foi nocivo, foi justamente porque acabou com as esperanças de criar um mercado apreciador de filmes brasileiro, coisa que a Vera Cruz já tinha conseguido. Não me conformo com tanto esforço jogado fora. Pouco importa o que tenha significado o Cinema Novo – se é que significou alguma coisa – em termos de movimento intelectual. Acho, pessoalmente, que foi um pseudo-intelectualismo, mas neste ponto o que eu acho não vem ao caso. O que estou dizendo é que, em termos de mercado, foi um desastre do qual todos sofremos as consequências. Desfez um caminho arduamente percorrido.” (citado em Vera Cruz, a fábrica de sonhos, p; 465)
Para o Cinema Novo, uma discussão proposta nos termos em que Tom Payne colocava a questão seria impensável. Reconhecer o sucesso dos filmes da Vera Cruz junto ao grande público (comprovado por Jacques Deheinzelin a partir da análise de borderôs dos filmes paulistas) seria uma incongruência no momento em que se procurava, justamente tomando como exemplo os filmes da Vera Cruz, comprovar o quanto as distribuidoras estrangeiras prejudicavam o cinema nacional. E afora isto, um dos argumentos que o Cinema Novo empregava para salientar o quanto eram “falsos” e “desenraizados” os produtos da “indústria cinematográfica” paulista era o fato de que o público os rejeitava – não faria sentido acreditar que o público pudesse apreciar algo que em seu nome os cineastas renegavam.
Mas, deixando de lado a Vera Cruz, um dos grandes problemas do Cinema Novo seria precisamente a conquista do mercado.
***
Um cinema que se proponha a conquistar o seu mercado precisa do público. Um cinema que se proponha a conscientizar o povo deseja que o seu público seja o povo. Num caso e noutro, o povo/público é questão fundamental para o Cinema Novo.
“O Cinema Novo é um fenômeno não tanto de realização como de público” – diz Rui Guerra (debate gravado em 1962, transcrito por David Neves em Cinema Novo no Brasil, Vozes, Petrópolis, 1966). “O Cinema Novo existirá só na medida em que exista um público para seus filmes.(…) A função do cineasta novo é a de, através de seus filmes, dar ao público. a oportunidade de crítica de seus problemas fundamentais.”
Convencer disto o público, no entanto, não era tarefa fácil. Para David Neves, o público é um verdadeiro “obstáculo a transpor”, visto que, despreparado e passivo, não é sensível às propostas dos. novos filmes nem encara com a devida. seriedade a função a que se propõem os novos cineastas:
“O cinema brasileiro sempre lutou contra a dose de má vontade de um público mal informado e comodista, que não enfrenta a fita a que assiste e se comporta de forma passiva, receptora. A função de cineasta corresponde, na mesma ordem dos fenômenos, a uma brincadeira nunca levada a sério.(…) (Enquanto isto acontecer), certas verdades nacionais, mostradas muitas vezes de forma crua e despojada, não poderão nunca ser totalmente assimiladas. Essa constatação parte de um pressuposto, ou melhor, confirma um pressuposto: o público é o maior adversário que nossos novos realizadores têm de enfrentar.” Aliás, “não propriamente o público”, corrige David Neves, precisando melhor o seu pensamento, mas a sua “consciência errada e anacrônica”. (“Um obstáculo a transpor: o público”, Cinema Novo no Brasil)
E ainda, falando da “poética do Cinema Novo”, considerada “às vezes titubeante”, David Neves reafirma que
“titubeante, na verdade, tem sido o espectador brasileiro, que não se entrega facilmente, que reage, que perde a seiva de um mundo novo, em busca de contatos, de relações, de ressonâncias com uma concepção provinciana e alienada que traz consigo.” (Mesma fonte anterior)
Este é o público em geral. Quando o público visado é um público em especial – o povo – não se fala mal dele.
Para o Cinema Novo, o relacionamento com o povo é, em primeiro lugar, uma questão de chegar até ele: a proposta de um cinema popular que tenha como objetivo explícito conscientizar o povo não tem o menor sentido se os filmes em que ela se concretiza não chegarem ao povo. E, em segundo lugar, é também uma questão de linguagem: supondo que o povo seja atingido, como fazer-se compreender por ele? Antes de mais nada, onde procurar o povo? Não se considerava exatamente como “povo” o público normal dos cinemas (alienado, mal informado, conformista, titubeante), uma vez que este é preponderantemente constituído pelas classes médias. No início da década, os grupos ligados aos movimentos de “cultura popular” pela primeira vez colocam a possibilidade de criação de um circuito especial de exibição voltado diretamente para o povo. Partia-se do pressuposto de que seria mais fácil dialogar com ele se, em vez de dirigir-se a um povo diluído num público de mercado (afora o fato de que o acesso ao mercado era muito difícil), se procurasse o povo nos lugares onde supostamente ele estava: os centros de periferia e os sindicatos.
“O propósito inicial era (…) mudar de um público de classe média para um público popular” – diz Carlos Estevam (“História do CPC”); “tínhamos a ilusão na época de que poderíamos entrar facilmente em contato com o povo, mas a decepção foi terrível. (… ) (Uma desagradável surpresa) foi a ausência do operário nos locais onde supúnhamos que ele deveria estar: os sindicatos. Montamos muitos espetáculos em sindicatos, mas não aparecia ninguém para assisti-los. É interessante observar que coisas como estas nunca são mencionadas pelos intelectuais e pelas novas gerações que fizeram a famosa ‘crítica do populismo’. Assim, a dificuldade não estava em montar espetáculos que pudessem ser levados à massa: a dificuldade estava em entrar em contato com o povo. (…) não existiam estruturas de conexão entre o grosso da população e os grupos culturais politizados que queriam sair fora dos circuitos elitistas. Não existia uma sociedade ”civil desenvolvida o bastante para oferecer associações ou organizações populares que fossem vividas e frequentadas pela população.”
Para os cineastas que participaram desta tentativa de levar o espetáculo até o povo não era exatamente este o problema. Associações populares de caráter cultural poderiam ser criadas, e foram feitas algumas tentativas neste sentido; e, no que diz respeito à pouca assistência, grande ou pequeno sempre havia um público para assistir aos filmes, quando mais não fosse por curiosidade. A questão realmente grave era a rejeição dos filmes pelo público.
“No cinema a gente (não se limitava a fazer) filmes, a gente procurava fazer debates e (…) organizar cineclubes de periferia, principalmente de caráter sindical, (centros dos quais) a atividade cinematográfica fizesse parte integrante. Quer dizer, (queríamos que a cultura) popular não fosse considerada uma coisa pura, acima, exterior, mas se integrasse na vida realmente mundana (do público popular), que o cinema passasse a fazer parte dele, que ele debatesse (os filmes). Então nós fizemos um debate com Cinco Vezes Favela, por exemplo. Não me lembro de tudo, mas as exposições eram incríveis, (a maneira como) as pessoas viam o filme – a recusa de ver a própria miséria, (que) o próprio sindicalizado não assumia (…). Naquela época, mesmo no sindicato que se poderia dizer o mais engajado, mais consciente, a recusa das pessoas de assumir àquela realidade que estava ali, diante delas, pô, aquela transação de viver naquela favela, o que significava viver nas favelas para as pessoas e a representação disso através do cinema (…), eles recusavam mesma. Então o trabalho do debate era quase sempre um trabalho de ordem política (desvinculado dos filmes), porque a mediação do cinema é complicada, não é? Nós não tínhamos avançado em relação à forma do som direto, de entrevistas, do próprio falar do povo (…) e a ficção (tal como) estabelecida parecia uma coisa imposta politicamente.” (Leon Hirszman, depoimento à FUNARTE)
A isto, Carlos Diegues acrescenta uma outra questão importante, o fato de que o povo estava de tal modo acostumado a um tipo especifico de linguagem – a do cinema estrangeiro – que se recusava a levar a sério, ou mesmo a aceitar como cinema, qualquer filme que fugisse aos padrões conhecidos:
“Eu passei meses filmando numa favela com os caras; pra não dizer ‘os caras’, os moradores da favela do Cabuçu. Quando terminei eu quis que as primeiras pessoas a verem o filme fossem eles, os favelados (…). Eles viram o filme, e quando acabou riram muito, porque apareciam os amigos (…). (Então perguntei): o que é que vocês acharam? Aí o diretor da escola de samba virou-se e disse: ‘Ah!, muito legal… mas, pô, doutor, isso aí não é cinema, cinema não é isso’. Então eu saquei pela conversa que pra ele cinema era um homem em cima de um cavalo, uma mulher passeando pelo Sena e coisa e tal. Havia realmente uma colonização visual, audiovisual (…)”. (depoimento à FUNARTE)
Carlos Estevam, como vimos, atribuía o fracasso dos filmes junto ao público popular diretamente à “nova linguagem” que empregavam; mas sua crítica vai mais longe: procurando escapar à linguagem “colonizada” do espetáculo cinematográfico convencional, o Cinema Novo segundo Carlos Estevam assumia ele pr6prio uma atitude de colonizador: constatada a dificuldade de compreensão de uma linguagem diferente, os novos cineastas “partem então para a esperança (fruto de um modo de pensar antimaterialista) de educar o povo nessa nova linguagem. Ou seja, partem da chamada pedagogia de cima para baixo, muito conhecida entre os povos coloniais da Ásia, África e América Latina.” (O Metropolitano, 3.10.1962)
Os problemas de comunicação com o público que estes filmes levantam dizem respeito a um público urbano. Quando o público visado é o povo do interior, as dificuldades são muito mais agudas. Neste caso não se tem de enfrentar nenhuma “colonização cultural”, mas o total desconhecimento do que seja o cinema.
“Este público que não passa nem na porta de um cinema, que não consome cinema porque não tem poder aquisitivo pra isso”,
para Vladimir de Carvalho é aquele que realmente importa. Falando sobre seus filmes que documentam o sertanejo, Vladimir divide o público que pode ter acesso aos filmes em dois setores diversos: de um lado, o público dos cinemas,
“um público absolutamente colonizado que só identifica os valores de um cinema realizado nos padrões comerciais, isto é, praticamente nos padrões da alienação. Um filme que tem(… ) sequências inteiras delongadas, em que o sujeito tem que apurar o ouvido para entender a prosódia do nordestino, propositalmente reiterada, termina por aborrecer as plateias que não estão habituadas” – donde este público “não entende a proposta do filme” se sua linguagem não for a linguagem convencional.
De outro lado, há
“o público das universidades, cineclubes, cinematecas, (que constitui) uma plateia naturalmente interessada.”
Este público aplaude os filmes e entende suas propostas, mas trata-se de um público que “já tinha uma identificação” com estas mesmas propostas, “um público altamente crítico” – que portanto não precisa dos filmes para adquirir consciência.
Diante destas duas alternativas que, por diferentes razões, não realizam a potencialidade conscientizadora dos filmes, o importante é
“o encontro com os protagonistas, os atores naturais (que vivem) a própria realidade que se reflete dentro do filme. (…) Este tête-à-tête certamente não se revestirá de uma discussão intelectual sobre o papel social e transformador que o cinema tem (mas terá por base) a identificação direta daqueles que vivem a realidade com a realidade que está dentro do filme.”
Resta que chegar até este público é muito mais difícil do que até um público popular urbano – “é quase impossível”, diz Vladimir – e mesmo que se consiga nada garante que o público compreenda o filme. Mesmo assim, para o cineasta este é um desafio que vale a pena ser enfrentado, porque até hoje o público rural
“nunca foi testado, e essa tarefa é fascinante”.
A propósito dos primeiros filmes do Cinema Novo, Carlos Diegues levanta duas outras questões relacionadas: a primeira é que, independentemente de estarem ou não conscientizando o povo, os filmes estavam registrando a sua vida, o que até então nunca tinha acontecido no cinema brasileiro; a segunda é que este registro poderia se transformar numa denúncia um tanto ambígua:
“O papel que a gente estava exercendo e não sabia era simplesmente de tentar registrar (…) uma geografia humana, física e social absolutamente original (…). Eu até inventei uma brincadeira, a roleta alagoana, que é botar a câmara para rodar e até ela parar você filma, (…) pode crer que já está enquadrada, não precisa procurar porque está ali a realidade brasileira, esperando para ser registrada.”
Porém documentar o povo implica assumir um risco de que é preciso estar consciente:
“No Metropolitano, eu escrevi uma vez um artigo dizendo (…) que era preciso tomar cuidado, porque em certo momento você podia estar apenas denunciando o povo à burguesia; isso era muito ingênuo, mas tem um certo sentido. Na verdade o que é que a gente estava fazendo? Não o que a gente queria fazer, (cinema para o povo) (… ). O que é que acontecia na verdade?(…) Quem era o espectador de cinema no Brasil? Era a classe média das cidades, (…) naquela época a estatística era esta: sessenta por cento da população brasileira nunca tinha visto uma imagem em movimento. Então nós estávamos mostrando pra quem o povo brasileiro? Sobretudo para as populações urbanas onde predominava a classe média, e evidentemente os talentos da classe operária, os trabalhadores urbanos, de serviços, etc., tudo mais ou menos ligado a uma ideologia de classe média. Então (…) o que a gente estava fazendo era entregando o povo à burguesia.”
Leon Hirszman (Revista Cinema, nº 3, FCB, jan. 1974), partindo ainda do mesmo ponto – o fato de os filmes feitos tendo em vista a conscientização do povo não alcançarem este objetivo – encaminha a reflexão num outro sentido: na verdade o problema estava nos próprios filmes, não apenas na sua linguagem, mas ainda nas discussões que propunham, inadequadas ao nível de consciência do povo. O que não invalida os filmes enquanto tal: Leon sugere a possibilidade de recuperação das obras ao longo do tempo, a valorização .dos filmes inde pendentemente dos resultados de sua atuação (ou não-atuação) junto a um público determinado num momento determinado. Discutindo os motivos pelos quais Pedreira de São Diogo no momento em que foi feito não se realizou junto ao público a que se destinava, lembra no entanto que nem por isso se perdem as potencialidades de realização que as obras carregam em si:
“(…) o filme pretendia denunciar (os fatos sociais) de uma maneira idealista (…); eu superestimei o nível de consciência social existente, daí o seu idealismo – ou seja, eu não parti do nível de consciência real, mas do nível de consciência necessário (…) no sentido de dar confiança ao povo; hoje eu colocaria contradições de outra ordem que mostrassem as relações entre a consciência possível e o nível de consciência existente. (…)o filme então ficou só numa pregação – o que não tira o (seu) valor político, uma certa. visão humana. progressista. que ele tem (…). Existe um troço concreto que é o problema da virtualidade do filme. Você pega um filme que esteja servindo de uma maneira bem clara uma determinada classe social, os camponeses, por exemplo, no entanto este servir não se realiza porque eles não vão ao cinema, e nós não temos (…) como chegar a eles. (Apesar disso) a obra de arte tem muitas vezes historicamente um caráter virtual.(…). Acho que essa vinculação(da obra com a sociedade) se dá de uma maneira mais dialética do que nós pensamos, normalmente caímos num dogmatismo que vê a arte como pura mediação de efeito, teve um efeito ‘x’ é bom, não teve não é bom; não devemos perder de vista esse negócio da virtualidade, principalmente considerando as condições históricas muito imperativas atualmente existentes.”
A última frase sugere que, no momento em que as condições históricas sejam favoráveis, o filme poderá realizar suas potencialidades, já que a obra de arte tem “historicamente um caráter virtual”; e o contexto deixa claro que a realização de que se fala é a atuação junto ao público, supondo que se consiga chegar até ele e/ou que seu nível de consciência se desenvolva a ponto de poder entender as propostas do filme.
Em outros textos, porém, o problema de atingir ou não o público é passado para segundo plano. Falando de Deus e o Diabo, diz Alex Viany:
“(…) toda a narrativa (de Glauber) é baseada na maneira de contar lá do nordeste. Ele naturalmente faz uma elaboração disso, (de modo que aquela própria gente de onde ele partiu, que o inspirou, talvez não entendesse o filme” – supondo que chegasse a vê-lo. Mas “não interessa se as fitas se realizaram no sentido de atingir o público”, as informações “estão lá, (…) foram pesquisadas”, e neste sentido os filmes são “obras válidas”. (Debate gravado para a não publicada revista Luz e Ação, transcrição Tisuka Iamasaki, arquivo FCB)
E temos aqui um deslocamento da questão: a validez dos filmes já não está na conscientização do povo ou na contribuição que eles possam trazer dando ao público “a oportunidade de crítica de seus problemas fundamentais”, mas no fato de serem eles próprios uma forma de conhecimento e pesquisa. O problema do conhecimento através do cinema sofre uma inversão de direções que o transforma de veículo para levar o conhecimento ao povo em meio de conhecer o povo.
Algumas reflexões de Geraldo Sarno sobre o “documentário popular” tomam essa direção; ele trata a questão do ponto de vista do realizador, encarando o documentário que tem no povo o seu tema como um “processo de conhecimento”:
“É um caminho que você percorre (…). O documentário obriga você a se jogar fora do seu meio. Há sempre uma relação etnográfica, etnológica (…), você está filmando pessoas de classes sociais que não são a sua, nem a da equipe. Está se voltando para um determinado tipo de problemas de que você não tem a vivência. E isso obriga (…) não só a um estudo, mas a buscar um entendimento, a compreender o que é esta teia de relações. (…) não é uma busca fria, planificada(…), é um processo. (…) É uma forma de ajudar a fazer com que o documentário seja uma ponte(…) entre o que é o povo brasileiro e o que é um público de cinema. É você fazer a passagem de certas camadas mais submetidas, mais oprimidas do povo brasileiro, e a outra que pode usufruir desse meio de comunicação que é o cinema. Com o documentário, de certa maneira você pode fazer ouvir e ver essa imagem do grito do povo brasileiro(…). A gente tem que procurar fazer do documentário essa ponte (…). Se o realizador se sente nesse papel de mediador, de ser intermediário, de ser a ponte, mesmo que seja uma tarefa provisória, é uma tarefa.. E tem um sentido.” (depoimento a José Marinho de Oliveira, 1979)
Acontece que este público ao qual se quer mostrar o povo também não é fácil de se atingir, sobretudo com documentários. É o público de mercado, um mercado de difícil acesso para o filme brasileiro com ambições culturais. Qualquer que seja o sentido social da tarefa a que se propõe o cineasta, há que encarar o problema do mercado.
Discutindo ainda as propostas iniciais do Cinema Novo de realizar um “cinema popular”, e em contrapartida a necessidade inescapável de levar em conta o mercado, Leon Hirszman (depoimento à FUNARTE) põe em questão a própria forma como o intelectual se propôs a relacionar-se com o povo:
“(…) senão havia, num sentido político, nenhum rompimento do intelectual com a possibilidade de ele ir ao povo, de se ligar ao povo, havia na prática do próprio intelectual esse desligamento. (…) o trabalho dos intelectuais tinha que ser um trabalho inserido numa estrutura de mercado e não numa estrutura realmente de integração (…) com o popular (…).”
E aqui nos aproximamos de um dos pontos centrais da questão: se se pretende inserir os filmes numa “estrutura de mercado”, a “integração” com o povo se torna inviável. O problema passa a ser a integração com o público – o grande público do mercado – o que por sua vez não é nada fácil. Mas, mesmo levando em conta a necessidade de inserção dos filmes no mercado, não se renuncia à ideia de “conscientização do povo”, donde com frequência as categorias povo e público se confundem.
“Os intelectuais brasileiros (…) lamentam aquilo que se denomina o seu (do Cinema Novo) hermetismo, ou, para dar um tom político, o seu divórcio das massas” – diz Gustavo Dahl; e mesmo reconhecendo que “este cinema, que todos desejam participante e ao alcance do povo, absolutamente não o é”, à objeção dos “intelectuais brasileiros” ele responde com ironia: “A dedicação das elites intelectuais e mesmo de determinados integrantes da burguesia nacional pela causa popular deixa-nos entrever um futuro brilhante para a evolução social do Brasil, porém não resolve a questão que atormenta todo o Cinema Novo: como vencer a contradição entre um cinema responsável no nível do pensa mento e da linguagem e a sua aceitação pelo público.” (“Cinema Novo e o seu público”; Revista Civilização Brasileira, nº 11/12, dez. 66/ mar. 67)
A aceitação pelo público é fator indispensável à própria sobrevivência deste cinema “responsável”. As “injunções econômicas” da atividade cinematográfica obrigam a que se procure a inserção dos filmes no mercado, onde eles possam se pagar. Mas, para que sejam bem-sucedidos no mercado, os filmes têm de fazer concessões ao público, quer de ordem estética, quer de ordem ideológica. Num primeiro momento, em que a preocupação não era o mercado mas simplesmente a conscientização do povo, os filmes não faziam concessões, mas nem por isso alcançaram os seus objetivos: a proposta ideológica estava acima da consciência do povo – era o que se alegava – e a renovação formal tornava a linguagem empregada inacessível a um público despreparado.
Mas seria este mesmo o problema? Gustavo Dahl aventa a hipótese de que o público efetivamente se relacionasse com os filmes, neles reconhecesse a si próprio e talvez tivesse suas razões para rejeitá-los:
“Da mesma maneira que a inconsciência resiste à lucidez, o subdesenvolvimento opõe-se às forças vivas que empenham seus esforços para a superação desta condição (…). No primeiro momento, estabeleceu-se a ilusão de que bastaria colocar o povo diante dos filmes, como frente a um espelho, para que ele tomasse consciência de sua alienação. A experiência demonstrou exatamente o contrârto: quanto mais se reconhecia em seus aspectos menos elogiáveis, mais o público brasileiro protestava.É perigoso afirmar que o público nem sempre tem razão ” (“Cinema Novo e o seu público”)
Mas, com ou sem razão, o povo/público rejeitou o Cinema Novo, e em consequência o único público que efetivamente tiveram estes filmes foi um público de elite. Ao Cinema Novo propunham-se então dois possíveis caminhos: conformar-se com a situação e dirigir-se às elites que o compreendiam ou continuar tentando vencer as barreiras que o separavam do público/povo: “(…) a posição do autor de filmes se torna grave, se para ele o amor do cinema era ao mesmo tempo o amor de uma arte jovem e de sua proximidade com o povo. (…) Ou ele aceita a ordem que o confina à campânula da arte para as elites tendo quem sabe maior possibilidade de exprimir seus mundos recônditos (…), ou ele a nega e escolhe o público, o povo, e tenta mudar o sistema que dele o afasta, pela ação e por filmes que incitem à ação. Ou ainda aceita o diálogo com as elites, para afanosamente tentar lhes mostrar que são ao mesmo tempo carrasco e vítima de um mundo que elas dominam (…). Mas já há uma capitulação em aceitar os termos de uma ordem à qual se é contrário (…).” (Gustavo Dahl, “Uma arte em busca da verdade humana”, Revista Civilização Brasileira, nº 3, julho 1965)
Não capitular à ordem estabelecida significa não fazer concessões, sem as quais não se tem condições de “integração no mercado”. E mesmo que se opte por dirigir-se às elites, o público de elite não resolve os problemas de ordem econômica que enfrenta a atividade cinematográfica. Donde não há como escapar do mercado.
E deste modo se delineia o círculo de contradições em que gira o Cinema Novo brasileiro durante toda a década de 60. De um lado está o povo e do lado oposto a elite, mas estes dois polos opostos se contra-põem por sua vez; cada qual por seu lado, a um público de mercado – o grande público.
***
Debatendo-se em meio às contradições em pauta, os autores oscilam o tempo todo entre um polo e outro e enveredam por diferentes caminhos em busca da “comunicação com o povo” – e com o público.
Um bom exemplo são as propostas de “cinema didático” de Trigueirinho Neto. Partindo da constatação do fracasso de seu primeiro filme (Bahia de Todos os Santos) junto ao público, que não conseguiu entender sequer do que se tratava, Trigueirinho abandona a ficção e faz um documentário, Apelo, cuja proposta é declaradamente didática.
“No caso do Brasil, apenas um tipo de cinema é possível: o didático”
declara ele a Gustavo Dahl.
“O raciocínio é límpido” – comenta Gustavo (“Cinema Novo e seu público”); “em um país subdesenvolvido, esta própria circunstância impede o público de receber qualquer outro cinema que não aquele a que está habituado; faz-se necessário portanto que o cinema proceda da melhor maneira possível para que tal situação seja superada e para que o público, livre da opressão da miséria, esteja preparado para um cinema ético, problemático, crítico, longe das melosidades hollywoodianas e outras. (…) Donde a única saída para o cineasta responsável residir no cinema didático.”
Reencontramos aqui aplicada ao cinema uma proposta análoga à de Ferreira Gullar para o CPC na sua segunda fase, em que se afirma a necessidade de primeiro instruir o povo para depois “conscientizá-lo” – um povo analfabeto não tem condições de apreender a discussão de questões complexas, e muito menos de assumir posições diante delas. É a diferença entre a “política educacional” de Ferreira Gullar e a política cultural da “arte popular revolucionária” de Carlos Estevam. No cinema, contudo, a proposta de um “cinema didático” esbarra nos mesmos entraves que enfrenta a proposta de um cinema popular “conscientizador”. Embora sensível ao que a ideia tem de estimulante para o cinema brasileiro e reconhecendo que “não é destituída de interesse”, Gustavo Dahl considera esta uma
“abordagem radical e puritana do problema do público (o grifo é do texto). A proposta é ingênua porque, mesmo que se conseguisse fazer este cinema didático que ajudasse a superar a miséria e a ignorância, preparando portanto o público para, num segundo estágio, receber um cinema problemático, não se saberia como chegar até este público. Mesmo ignorando a extrema dificuldade de encontrar recursos para a produção de filmes didáticos (…) e ainda que bem ou mal os filmes terminem por ser feitos, o problema permanece: eles não conseguem atingir o público ao qual se destinam. Mas mesmo que atingissem, seria um cinema de ambição cultural e rigor científico aceito pelo público brasileiro?”
Lembrando que tal discussão tem como ponto de partida Apelo, a resposta à pergunta de Gustavo Dahl é claramente não. Na verdade, mesmo tendo sido colocado como alternativa a um cinema de ficção complexo e problemático, o “cinema didático” de Trigueirinho Neto se apoia no mesmo processo de problematizar questões, incitando o público ao raciocínio e à tomada de posições, que já era um dos aspectos mais estimulantes de Bahia de Todos os Santos. Estimulantes, no entanto, para um público culturalmente refinado, capaz de apreender a linguagem empregada. Jean-Claude Bernardet chama a atenção para a complexidade de elaboração formal do filme:
”(Em Apelo) a narração constitui um elemento novo para nós, ainda que já empregado na Europa (…). As imagens e o comentário seguem cada um o seu caminho e não coincidem. (…) a imagem é severa e choca o espectador, a narração é técnica, fria, dita com voz sem entonações, como se não participasse do filme. Isto (…) impede a emoção (…). Talvez haja grandes possibilidades com este sistema pelo fato de (…) (criar) uma ambiguidade não-emotiva (…). Muitos acusarão (…) o filme de ser intelectual. E é. De ser cerebral. E é. Por que defender-se tanto contra a emoção? Porque é uma das grandes inimigas da nossa época. Emoção no cinema, emoção no teatro, na literatura, emoção na política, na religião: é o meio de conduzir a gente sem que percebamos; é o instrumento da propaganda, não da liberdade nem do estudo. A emoção não resolve problemas, mas através dela impõem-se soluções que não são nem estudadas nem escolhidas pelos que as aceitam. Hoje parece que a emoção é um alvo a atingir, que reflete o valor do indivíduo. Não é evidente. A valorização romântica da emoção é defesa burguesa e não é nenhum ponto de referência para apreciar a qualidade nem do objeto que lhe serve de pretexto, nem da pessoa emocionada (…). Um cinema de ideia é particularmente importante para podermos, hoje, focalizar pelo cinema os nossos problemas, e transmiti-los de maneira a que o público tome consciência deles.” (“Apelo, um documentário”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 30.9.1961)
De novo o problema é “conscientizar” o público, o que nos traz de volta ao ponto de partida. Mas uma nova questão foi colocada, a oposição emoção/raciocínio. O Cinema Novo desde o início repudia a emoção:
“Eu não considero que o filme deva (…) simplesmente empatizar o público, emocioná-lo, sem dar-lhe possibilidade de crítica, diz Rui Guerra. O público deve ser atraído por um filme através do tema que expõe.” (Citado por David Neves, Cinema Novo no Brasil)
Este foi mais um ponto de discordância entre as posições iniciais dos movimentos de cultura popular e o Cinema Novo no seu desenvolvimento. Vários filmes do Cinema Novo – entre os quais os de Rui Guerra, que Carlos Estevam considerava um autor “anti-revolucionário” – colocavam claramente como proposta um distanciamento crítico que suscitasse a reflexão sobre os problemas em pauta, enquanto que o CPC, ao contrário, buscava o envolvimento. A propósito de uma proposta de aplicação de técnicas brechtianas nos espetáculos do CPC, diz Carlos Estevam:
“nada de Brecht por aqui, (…) Brecht não entendia nada daquilo que estávamos fazendo, não queríamos efeitos de distanciamento mas o máximo de aproximação possível.” (“História do CPC”)
A emoção, rejeitada pelo Cinema Novo como alienadora na medida em que embota o raciocínio, seria recuperada pelo “novo cinema novo” brasileiro como forma direta e imediata de relacionamento com um público que permanecia impermeável ao raciocínio. A propósito de Uirá, oito anos depois de elogiar na proposta de Trigueirinho Neto o seu repúdio à “melosidade hollywoodiana”, Gustavo Dahl propõe por sua vez
“trabalhar o cinema do lado da emoção, que é o lado que atinge, que toca, é a linguagem entendida pelo grande público imediatamente.” Neste sentido, “Uirá é um filme forçosamente experimental. (…) o que eu queria era chegar perto do melodrama (…). A introdução do humor, do melodrama, digamos, de Vicente Celestino, para mim são coisas novas (…). Era se deslocar da área conceituai para a emocional. No fundo, (é) uma tentativa de dar o recado, começar já (…) e na pior das hipóteses com conceitos um pouco mais concretos, um pouco menos abstratos. (…) o lirismo é aquela coisa de que a gente mais se defende. O cinema brasileiro tem ao mesmo tempo uma nostalgia e um medo dele. O público tem uma grande fome de lirismo, de afetividade no cinema brasileiro. O povo é extremamente sentimental. Não há porque encobrir isso, é somente um dado da natureza da gente, um dado nosso como cultura.” (Revista Cinema, nº 3, FCB, jan. 1974)
Donde explorar a emoção não é apenas empregar um recurso fácil para atingir o público, é também mergulhar na cultura brasileira. Contrapondo o cinema do raciocínio ao da emoção, Gustavo Dahl vê no primeiro a influência europeia no cinema brasileiro, e no segundo uma tentativa de recuperação dos pressupostos do cinema americano:
“Em O Bravo Guerreiro e alguns filmes da mesma linha, o que se sente muito é a influência (…) (do cinema europeu), uma certa estética para um público determinado – era o problema dos filmes para iniciados (…). No Bravo Guerreiro, eu tinha o estilo e encaixei o filme dentro dele – e o estilo vinha do moderno cinema europeu. Mas, ao contrário do europeu, o cinema americano tinha uma linguagem compreendida por todo mundo. “Vendo o cinema americano, percebemos como ele se preocupa com a eficiência, (…) (é um cinema) de grande empatia (…). (Isto) não em nome de nenhuma ideia, nenhum pré-concebido, era realmente achando que (os recursos escolhidos) transmitiam mais, (…) eles nem falavam em cultura. (Apesar disso) foi um cinema que realmente impôs um padrão, um way of life, é o verdadeiro cinema político.”
Assim, se se pretende um “verdadeiro cinema político”, trata-se de recuperar, não somente a emoção – a “melosidade hollywoodiana mas a própria linguagem do cinema americano, que na sua despretensão tinha a força da “eficiência”. Ou, em outras palavras, trata-se de recuperar o “paraíso perdido” do cinema, que Gustavo localiza na “idade de ouro do cinema americano (1915-1945)” (“Cinema Novo e o seu público”).
Se se busca esta nova forma de cinema político, é porque, segundo Gustavo, a antiga demonstrou flagrantemente a sua ineficácia:
“(…) aconteceu o seguinte: não nos demos conta de que o nível no qual colocávamos o debate político era um nível de elite para o país. O Brasil tem 90 milhões de habitantes, dos quais a metade são analfabetos (…). A partir daí, nosso movimento viveu uma grande crise: era preciso um retorno à cultura brasileira tradicional (…) ainda que isto não exclua toda uma elaboração do cinema, tanto cultural como politico. Chegamos então à conclusão que, comparando as possibilidades do cinema com os resultados obtidos, era preciso fazer uma completa revisão. Um público de 40 ou 50 mil pessoas, composto principalmente de estudantes, intelectuais e profissionais liberais, todos de origem pequeno-burguesa, não era o público que nos interessava, pois não era o público brasileiro. Sentimos então a profunda distância que existe entre as pessoas que num pais subdesenvolvido detêm a capacidade de utilizar os meios de comunicação e o povo. (…) Desde então, sentimos a necessidade de utilizar um tipo de linguagem diferente para dizer obviamente as mesmas coisas e para fazer avançar o mesmo tipo de ação. (…) chegamos, creio eu, à conclusão de que o povo, as massas brasileiras, se encontram num nível político tão elementar que se torna irracional (…). Por isso decidimos partir da base; para se entrar em contato com o povo é preciso partir das suas necessidades e dos seus gostos, e não dos nossos,. mesmo que nossas intenções sejam as melhores.” (Positif, 1972 – transcrito em Revista Cinema, nº 2, FCB, nov. 1972)
Assim, o grande equívoco foi fazer um cinema de ideias, que estimula a reflexão e pressupõe a capacidade de raciocínio, dirigido a um povo irracional. A conclusão é cristalina: trata-se de usar uma linguagem que o povo entenda – abandona-se a reflexão em favor da emoção. E com isto também se abandonam alguns dos pressupostos básicos do Cinema Novo, entre os quais a ideia de “cinema de autor”. Levando em conta
“os gostos do público e não os nossos (…) quando alguém ao invés de traduzir a luta de forma politica apresenta-a dessa maneira, atinge valores que ultrapassam a politica, que pertencem à cultura, num certo sentido à antropologia e às raízes mais elementares de uma cultura. Assim, ultrapassamos uma concepção de cinema de autor, de cinema artístico de elite, que está realmente, na minha opinião, agonizante (…) hoje trata-se de encontrar um novo cinema novo, ;sobre o qual haveria muito a dizer.”
E aqui temos mais uma vez, como proposta do “novo cinema novo” brasileiro, a busca das “raízes” da cultura, de valores mais do que políticos – antropológicos. O que nos reconduz ao “cinema antropológico” que Cacá Diegues opunha ao cinema meramente político:
“O movimento de abril correspondeu a um momento em que o cinema brasileiro se aprofundava, isto é, saía daquela fase de um puro intervencionismo social, de uma crônica paternalista da sociedade e passava (…) a uma faixa antropológica de aprofundamento da própria cultura do homem brasileiro (…). Isso exige, evidentemente, um recolhimento muito mais profundo do diretor enquanto intelectual, enquanto pensador, e o leva a uma faixa que independe do momento político, a toda uma acumulação de tradição, cultura.” (citado por Alex Viany em O Velho e o Novo, 1965)
***
Toda esta discussão tem como centro a questão básica da comunicação com o povo/público, questão não resolvida que o cinema brasileiro de hoje herdou das décadas anteriores e continua pondo e repondo ininterruptamente. É assim que, em 1980, João Batista de Andrade retoma como possível solução para o problema de atingir o povo as mesmas propostas que, em 1960, eram as de Cacá Diegues e Leon Hirszman: a busca do povo fora do mercado.
Batista começa questionando a organização do mercado cinematográfico e define como “esquizofrenia” do mercado brasileiro o fato de alguns cinemas somente exibirem filmes pouco empenhados artística ou culturalmente, enquanto que outros apenas exibem filmes a que se atribui valor artístico e cultural. O objetivo inicial de O Homem que Virou Suco – “um bom filme, com uma proposta popular” – era, com relação ao público, romper com essa separação, dirigindo-se aos dois tipos de cinemas. Lançado em São Paulo ao mesmo tempo no Belas Artes e no Art Palácio. o filme foi bem na primeira sala, frequentada por um público intelectual, e fracassou na segunda, uma sala “popular”. O problema – diz Batista – não é que o público “popular” não goste do filme (ao contrário, os que o vêem apreciam muito)., é que o público não entra no cinema para vê-lo: olha os cartazes e acaba preferindo ir ver um filme pornográfico.
Diante disso, a proposta de Batista passa a ser dirigir-se diretamente ao público popular, não através dos cinemas ditos populares, mas através das associações de bairros, clubes etc., numa distribuição paralela em cópias em 16 milímetros. É novamente a tentativa de formação de um mercado alternativo para o oficial.
Trata-se de “um projeto experimental: filmes em bairros distantes e sem cinemas, e onde tivesse uma forma de organização popular” – o público visado é “aquele que se agrega em tomo das comunidades de base, das sociedades de bairros, dos clubes de mães, etc.”. Assim, “para se realizar como obra popular, o filme tem que se retirar do mercado”, o que “toma evidente uma das contradições do sistema de exibição, incapaz de manter uma ligação efetiva com o povo brasileiro.”
Para Batista, na verdade o “povo” não é o público que se dirige aos cinemas “populares”. “Não vou me sujeitar ao público do Art Palácio”, diz Batista, que não reconhece nele o verdadeiro público popular:
“A população brasileira não está indo ao cinema, como não vai ao teatro, não ouve música, não usufrui outros benefícios do lazer. Ela só tem uma coisa, o mínimo pra trabalhar e produzir. O desenvolvimento industrial brasileiro marginalizou a população e ela ainda não descobriu que tem direito aos bens culturais, da mesma forma que tem direito à água, ao esgoto, à luz etc. E as consequências dessa política cultural se fazem sentir na produção cinematográfica”, que “só tem duas opções para sobreviver ao assédio dos filmes estrangeiros: filmes pornográficos que têm público certo (…) ou filmes que agradem à classe média e que sejam altamente massificáveis pela televisão. Os outros filmes, de proposta, de análise, de experimentação, não encontram um espaço e (…) têm de se realizar fora do mercado.”
Diante disso, é preciso lutar por
“uma política cultural para o cinema brasileiro que devolva esse cinema ao povo, como aconteceu no tempo em que a sociedade era mais simples, quando as chanchadas eram campeãs de bilheteria.” (O Estado de S. Paulo, 21.12.1980)
Assim, a posteriori, a chanchada volta a ser um modelo de integração entre o povo e o cinema brasileiro – um “cinema popular”. João Batista de Andrade não era o único a lembrar da chanchada. O diretor geral da EMBRAFILME, Roberto Farias, assim se expressava no seminário sobre mercado, comum do cinema de língua espanhola e portuguesa:
“Hoje, podemos ver a importância que teve, inclusive, o ciclo da ‘chanchada’, (…) nada mais nada menos do que uma imitação grosseira do filme americano da época, o qual encontrava, por ser brasileiro, grande receptividade junto ao público. Se buscarmos os fatos na história, veremos que aquele momento não era compreendido. As pessoas que desejavam um cinema brasileiro autêntico estavam, em peso, em massa, contra aquele tipo de cinema. Entretanto, o público comparecia, entendia que aquele era um cinema nacional. Aquela “chanchada” está hoje recuperada, é compreendida pelos intelectuais, pelos responsáveis por um cinema nacional. Hoje se compreende a importância que teve aquele tipo de cinema para possibilitar a existência de um cinema nacional autêntico.” (Mercado Comum do Cinema, uma proposta brasileira, Rio, EMBRAFILME, 1977)
***
Nisto tudo – perguntam-se alguns autores onde fica o cinema enquanto arte?
“Recusamos a chantagem do ‘público a qualquer preço’. Ela tem levado o cinema brasileiro às mais aberrantes deformações: o riso fácil à custa do mais fraco, o racismo, a sexualidade como mercadoria, o desprezo pela expressão artística como forma de conhecimento cientifico e poético.” (“Manifesto Luz e Ação: de 1963 a 1973”)
Para o Cinema Novo, a expressão artística nunca foi um fim em si mesma:
“Visto de um ângulo puramente estético, (o desencontro entre o Cinema Novo e o povo/público) não tem grande importância. No entanto, é difícil, em um país como o Brasil, conceber uma estética destituída de uma ética (…)” – diz Gustavo Dahl. “Mas, por outro lado, o cinema é uma arte…” (“Cinema Novo e seu público”)
Quer se procure o público, considerando a inserção no mercado a única forma possível de sobrevivência para a atividade cinematográfica, quer se renegue o público (e com ele o mercado) para buscar o povo, num caso e noutro corre-se o risco de perder de vista a arte do filme. Na sua incansável busca do povo/público, esta é uma questão latente que acompanha o Cinema Novo desde as suas origens. Em diferentes momentos, diferentes filmes em maior ou menor grau renunciaram às suas propostas estéticas e
“procuraram voluntariamente aproximar-se do público (…) De fato, venceram esta lentidão exasperante considerada como uma das características do Cinema Novo e passaram a colocar na tela sentimentos um pouco menos abstratos, obscuros e radicais do que os filmes da primeira fase. O público correspondeu (…) mas ocorreu também um enfraquecimento, uma diluição da substância (…) vagava-se num mundo de sentimentos mais humanos, menos épicos, não se podia evitar a impressão de se ter aproximado do cinema tradicional (…)”
e com isto se ter distanciado do cinema enquanto expressão artística. Por outro lado, outros filmes continuavam fiéis à “linguagem maldita” do Cinema Novo, sem se disporem a quaisquer concessões em suas propostas estéticas: mas nestes casos
“sua intransigente fidelidade às concepções do cinema de autor, seu rigor estilístico, sua ostensiva personalidade desconcertaram o público.”
Diante destes dois caminhos contraditórios,
“a verdade é que se busca um cinema sem saber onde ele se encontra (…). O Cinema Novo sonha com esta pedra filosofal capaz de confundir as duas categorias. Sua revolução permanente tem origem em sua disponibilidade de colocar em questão, a cada dia, os princípios que estiveram na sua origem (…). O Cinema Novo vê-se em meio à imperiosa necessidade de abrir seu próprio caminho em direção ao futuro e tomar, violentamente, consciência de suas limitações (…). (Seus autores) querem prosseguir, perguntam-se o tempo todo qual o filme a fazer, pois sobretudo importa que ele não seja inútil. Às vezes, como em Menino de Engenho ou A Grande Cidade, provam sua capacidade de falar a um público menos restrito; outras, como em O Padre e a Moça e O Desafio, procuram descobrir as ligações secretas entre o condicionamento social e a conduta individual (…). No primeiro caso, perguntam-se se os meios utilizados para atingir o diálogo não tendem a reduzir tudo à sua expressão mais simples, limitando a liberdade criadora; no segundo caso, se vale a pena chamar o público a um combate para explicar-lhe que se está do seu lado.” (“O Cinema Novo e seu público”)
Dentre os autores do Cinema Novo, talvez seja Joaquim Pedro de Andrade quem, desde o início, melhor expressa esta segunda tendência apontada por Gustavo Dahl.
“Fiz um filme, Couro de Gato, que tinha uma intenção poética da qual me orgulho e gostaria de praticar”, diz ele em 1962 (citado por David Neves em Cinema Novo no Brasil). “Mas eu pretendia naquele filme um sistema de superposições de modo a atingir todos os níveis, todo o mundo. Eu me convenci de que isto reduz a validade artística e cultural do que se faz.”
A redução se dá em dois níveis, quando se pretende conquistar o público com concessões ao seu gosto e quando se pretende conscientizar o povo obedecendo a critérios que são políticos e não estéticos.
“A meu ver” – diz Joaquim – “o mais efetivo e ter total líberdade em relação a isto.”
E desde logo ele explicita claramente sua intenção de usar esta liberdade sem submeter-se a imposições de ordem ideológica:
“(…) dogmas básicos são sempre generalizações e, fundamentalmente, são contrários a tudo que é validade artística (…).”
Por outro lado, independentemente de qualquer revolução política e social, a obra de arte pode ela própria ser revolucionária:
“Há uma grande revolução geral que engloba tudo e há outras, em planos diferentes. Por exemplo, se o artista faz uma obra importante no tempo dele, original e única, ele opera uma revolução(…).”
E, neste sentido, o Cinema Novo pode ser revolucionário mesmo que a “grande revolução” esteja fora da alçada dos cineastas:
“A gente está fazendo um cinema revolucionário, mas está fazendo num nível onde ele pode ser realmente útil e contribuir com alguma coisa.”
Também para Joaquim Pedro o cinema é um processo de conhecimento, ou melhor,
“um processo de tentativa de conhecimento (…). Essencialmente para mim a questão é a seguinte: acredito que uma posição ideológica definida, uma posição ideológica geral, firmada, a definição de uma pessoa face ao mundo, uma visão críticado mundo, orientada de um ponto de vista seguro e bem situado, implica na solução imediata de uma série de problemas secundários. O problema formal, por exemplo, deixa praticamente de existir quando uma posição assim foi tomada pelo realizador de um filme. Acontece, porém, que não tenho a tal posição firmemente tomada. (…) E estou chegando à conclusão (…) que essa tal ideologia, tranquilamente, definitivamente assentada e definida, talvez não seja para mim. Minha única certeza é de que eu tenho o direito de duvidar de tudo e o dever de expor essa dúvida no empenho de superã-la para agir, ou de agir para superá-la, usando a ação como processo de conhecimento.”
Assim, para Joaquim a questão de levar o conhecimento ao público não se propõe, uma vez que não há certezas e o cinema é ele próprio uma “tentativa de conhecimento”. Mas nem por isso ele se descarta do público e, embora convencido de que o risco que se corre ao buscar o público é a redução da “validade artística e cultural” dos filmes, mesmo assim ele tenta conciliar arte e público. Em O Padre e a Moça,
“pretendi utilizar um processo que tinha algo de engodo. Era a tentativa de dar um primeiro plano tradicional, para que ocorresse o processo de comunicação da plateia com o filme. A estória do padre e da moça tinha elementos que poderiam assegurar essa comunicação, a partir de uma estrutura realista, mais ou menos de folhetim, tradicional enfim. Trata-se de uma estória incluída no folclore brasileiro, em nossa cultura popular: todo mundo tem conhecimento desse problema e das várias soluções que na prática têm sido encontradas para ele. Portanto, fazia parte do jogo dar essa primeira linha fácil, acessível e mais ou menos tradicional, para que nela o público se apoiasse; e, a partir daí, haveria outras harmonias que não fariam falta, essencialmente, a quem atingisse a primeira. Era meu desejo que quem atingisse a primeira estrutura e não percebesse as outras, ficasse satisfeito. Isto garantiria ao filme um trânsito maior e não impediria que ele tivesse as significações para mim mais importantes. Acontece que o processo de realização do filme, seu próprio caráter de experiência (…) e a honestidade com que procurei fazê-lo, na hora de desenvolver o roteiro e de dirigi-lo, fez com que essa primeira estrutura desmoronasse completamente. Eu passei a recusar uma porção de soluções conhecidas, que permitiriam essa comunicação fácil, porque percebi que era impossível conciliar. Assim, eu abandonava a solução garantida, pelo fato de considerá-la limitada ou negativa, em busca de alguma coisa que muitas vezes não consegui atingir.”
Mas, tendo ou não conseguido, esta “alguma coisa” é para Joaquim o que realmente importa, e ele não se dispõe a sacrificá-la em favor do público.
Outros autores procuram outras formas de “engodo” com que envolver o público, outras tantas tentativas de conciliação.
Dentre elas, uma grande esperança para o Cinema Novo foi a proposta de Leon Hirszman com Garota de Ipanema: a desmitificação de um mito através da utilização do próprio mito como fator de comunicação com o público.
Joaquim Pedro, porém, recusa esta proposta:
“(…) há o perigo (…) de a desmitificação ser incompatível com o processo essencialmente mistificante usado para estruturar o filme” – e aqui temos de volta o mesmo argumento usado pelo Cinema Novo para recusar a “forma popular” de Carlos Estevam. “Essencialmente, o elemento de comunicação usado é o próprio mito. Do momento então em que ele seja eficazmente desmitificado no processo de desenvolvimento ou de discussão feito pelo filme, pode ser, como já previram, que deixe de ser comunicativo. De qualquer forma, (…) pode ser que seja um caminho.”
Mas não o caminho de Joaquim Pedro:
“Eu acho também legítimo recusar esse processo, acreditando que uma temática nova, revolucionária, exigiria um tratamento novo, uma formulação nova. Em princípio, nada impede que, pelo fato de ser nova, essa formulação deixe de ser comunicativa. É perfeitamente possível encontrar uma forma intimamente ligada ao tema, sendo os dois novos, e o processo de comunicação ocorrer.” (“Crítica e Autocrítica: O Padre e a Moça”, Revista Civilização Brasileira, nº 7, maio 1966)
Em princípio, efetivamente nada impede – e não foi outro o projeto inicial do Cinema Novo. Mas esta fórmula mágica, que é a própria “pedra filosofal” incessantemente buscada pelo Cinema Novo, até hoje não foi encontrada.
FILMOGRAFIA
Agulha no Palheiro – Rio, 1953. Pr. Flama, Dir. Alex Viany, Ass. dir. Nelson Pereira dos Santos. El. Fada Santoro, Dóris Monteiro.
Apelo – São Paulo, 1961. Pr. Serviço de Documentação da Reitoria da USP. Dir. Trigueirinho Neto.
Arraial do Cabo – Rio, 1959. Pr. Sérgio Montagna, Joaquim Pedro de Andrade, Geraldo Markan. Dir. Paulo César Saraceni. Fot. Mário Carneiro.
Aruanda – João Pessoa, 1960. Pr. Instituto Joaquim Nabuco (Recife), INCE (Rio), Associação de Críticos Cinematogrâficos da Paraíba. Dir. Linduarte Noronha. Ass. dir. Vladimir de Carvalho.
Assalto ao Trem Pagador, O – Rio, 1962. Pr. Herbert Richers. Dir. Roberto Farias; El. Eliezer Gomes, Luisa Maranhão.
Bahia de Todos os Santos – São Paulo, 1961. Pr., dir. Trigueirinho Neto. El. Jurandir Noronha, Arassary de Oliveira.
Barravento – Salvador, 1961. Pr. Rex Schindler. Dir. Glauber Rocha. Mont. Nelson Pereira dos Santos. El. Luisa Maranhão, Antônio Pitanga.
Beijo, O – Rio, 1965. Pr. Flávio Tambellini e Cia. Serrador. Dir. Flávio Tambellini. El. Reginaldo Farias, Neli Martins.
Boca de Ouro – Rio, 1962. Pr. Jarbas Barbosa e Gilberto Perrone. Dir. Nelson Pereira dos Santos. El. Jece Valadão, Odete Lara.
Bravo Guerreiro, O – Rio, 1969. Pr. Gustavo Dahl, Joe Kantor. Dir. Gustavo Dahl. El. Paulo César Pereio, Mârio Lago.
Cabra Marcado para Morrer, Um – Recife, 1964. Dir. Eduardo Coutinho, participação de Leon Hirszman, inacabado.
Cafajestes, Os – Rio, 1962. Pr. Jece Valadão. Dir. Rui Guerra. El. Jece Valadão, Norma Benguel.
Cangaceiro, O -. São Paulo, 1953. Pr. Vera Cruz. Dir. Lima Barreto. El. Alberto Ruschel, Marisa Prado.
Carrocinha, A – São Paulo, 1955. Pr. PJP. Dir. Agostinho Martins Pereira. Arg., rot. George Durst. El. Mazzaroppi, Doris Monteiro.
Cinco Vezes Favela – Rio, 1962.
Um Favelado: Pr. CPC. Dir. Marcos Farias. El. Flâávio Migliaccio, Isabela. Zé da Cachorra: pr. CPC. Dir. Miguel Borges. El. Valdir Onofre, João Ângelo Labanca.
Escola de Samba, Alegria de Viver: Pr. CPC. Dir. Carlos Diegues. Arg. Carlos Estevam. El. Abdias Nascimento, Oduvaldo Viana Filho.
Couro de Gato: Dir. Joaquim Pedro de Andrade. El. Paulinho, Riva Nimitz.
Pedreira de São Diogo: Pr. CPC. Dir. Leon Hirszman. El. Glauce Rocha, Sadi Cabral
Couro de Gato – ver Cinco Vezes Favela.
Cruz na Praça – Salvador, 1961. Dir. Glauber Rocha.
Desafio, O – Rio, 1965. Pr. Sérgio Saraceni, Imago. Dir. Paulo César Saraceni. El. Isabela, Oduvaldo Viana Filho.
Deus e o Diabo na Terra do Sol – Rio, 1964. Pr. Glauber Rocha, Jarbas Barbosa. Dir. Glauber Rocha. El. Geraldo del Rey, Ioná Magalhães.
Dia na Rampa, Um – Salvador, 1959. Dir. Luís Paulino dos Santos.
Esquina da Ilusão – São Paulo, 1953. Pr. Vera Cruz. Dir. Ruggero Jacobbi. El. Alberto Ruschel, Ilka Soares.
Família Lera-Lera, A – São Paulo, 1953. Pr. Vera Cruz. Dir. Alberto Pieralise. El. Walter Dávila, Marina Freire.
Garota de Ipanema – Rio, 1967. Pr; Saga. Dir. Leon Hirszman. El. Márcia Rodrigues, Arduino Colassanti.
Grande Cidade, A – Rio, 1966. Dir. Carlos Diegues. Mont. Gustavo Dahl. El. Leonardo Vilar, Anecy Rocha.
Grande Momento, O – São Paulo, 1958. Pr. Nelson Pereira dos Santos. Dir. Roberto Santos. El. Gianfrancesco Guarnieri, Miriam Pércia.
Homem que Virou Suco, O – São Paulo, 1980. Pr. Raiz. Dir. João Batista de Andrade. El. José Dumont, Célia Maracajá.
Iaô – Dir. Geraldo Sarno.
Ilha, A – São Paulo, 1963. Pr. Kamera. Dir. Walter Hugo Khoury. El. Luigi Picchi, Eva Wilma.
Justicero, El – Rio,. 1967. Pr. Condor. Dir. Nelson Pereira dos Santos. El. Arduino Colassanti, Adriana Prieto.
Limite – Rio, 1930. Pr., dir. Mário Peixoto. El. lolanda Bernardes, Carmen Santos.
Livro, O – São Paulo, 1953. Dir.: Lima Barreto.
Magia Verde – São Paulo/Roma, 1955. Pr. Maristela (Brasil), Bonzi (Itália). Dir. Gian Gaspare Napolitano, participação Solano Trindade e Teatro Popular Brasileiro.
Mandacaru Vermelho – Rio, 1961. Dir. Nelson Pereira dos Santos. El. Jurema Pena, Sônia Pereira.
Menino de Engenho – Pr. Walter Lima Jr., Glauber Rocha. Dir. Walter Uma Jr; El. Geraldo dei Rey, Savio Rolim.
Mestre de Apicucos, O – Rio, 1959. Dir. Joaquim Pedro de Andrade.
Morte Comanda o Cangaço, A – São Paulo, 1960. Pr. Aurora Duarte. Dir. Carlos Coimbra. El. Aurora Duarte, Alberto Ruschel.
Nadando em Dinheiro – São Paulo, 1953. Pr. Vera Cruz. Dir. Abílio Pereira dos Santos. El. Mazzaroppi, Ludy Veloso.
Na Senda do Crime – São Paulo, 1954. Pr. Vera Cruz. Dir. Flaminio Bollini. El. Miro Cerni, Cleide Yaconis.
Noite Vazia – São Paulo, 1964. Pr. Kamera Filmes. Dir. Walter Hugo Khoury. El. Norma Benguel, Odete Lara.
Orfeu do Carnaval (Orfeu Negro) – São Paulo/Paris/Roma, 1959. Pr. Dispat (França), Gema (Itália), Tupã (Brasil). Dir. Marcel Camus. Baseado em “Orfeu da Conceição”, de Vinicius de Moraes. El. Marpassa Dawn, Lea Garcia.
Osso, Amor e Papagaios – São Paulo, 1957. Pr. Brasil Filmes. Dir. Carlos Alberto de Souza Barros e César Mêmolo Jr. El. Jaime Costa, Modesto de Souza.
Padre e a Moça, O – Rio, 1966. Dir. Joaquim Pedro de Andrade. El. Helena Inês, Paulo José.
Pagador de Promessas, O – São Paulo, 1962. Pr. Oswaldo Massaini. Dir. Anselmo Duarte. El. Leonardo Vilar, Glória Menezes.
Pátio, O – Salvador, 1960. Dir. Glauber Rocha.
Pedreira de São Diogo – ver Cinco Vezes Favela.
Poeta do Castelo, O – Rio, 1959. Dir. Joaquim Pedro de Andrade.
Porto das Caixas – Rio, 1963. Pr. Equipe Produtora Cinematográfica. Dir. Paulo Cêsar Saraceni. El. Irma Alvares, Reginaldo Farias.
Quilombo – Brasília. Dir. Vladimir de Carvalho.
Ravina – São Paulo, 1959. Pr. Brasil Filmes. Dir. Rubem Biáfora. El. Eliane Lage, Mário Sérgio.
Rio, Capital do Amor – Rio. Dir. Arnaldo Jabor, participação de Vladimir de Carvalho.
Rio Quarenta Graus – Rio, 1955. Pr. Equipe Moacyr Fenelon. Dir. Nelson Pereira dos Santos. El. Jece Valadão, Glauce Rocha.
Sai da Frente – São Paulo, 1952. Pr. Vera Cruz. Dir. Abilio Pereira de Almeida. El. Mazzaroppi, LudyVeloso.
São Paulo, Sinfonia da Metrópole – São Paulo, 1929. Pr. Rex Filme. Dir. Rodolfo Rex Lustig e Adalberto Kemeny.
São Paulo Sociedade Anônima – São Paulo, 1965. Pr. Renato Magalhães Gouveia, Socine. Dir. Luís Sérgio Person. El. Valmor Chagas, Eva Wilma.
Simão, o Caolho – São Paulo, 1952. Pr. Maristela. Dir. Alberto Cavalcanti. El. Mesquitinha, Raquel Martins.
Suzana e o Presidente – São Paulo, 1951. Pr. Maristela. Dir. Ruggero Jacobbi. El. Vera Nunes, Orlando Vilar.
Uirá, o Índio em Busca de Deus – Rio, 1967. Pr. Alter. Bas. em pesquisa antropológica de Darcy Ribeiro “Uirá vai ao encontro de Maíra”. Dir. Gustavo Dahl. El. Érico Vida!, Ana Maria Magalhães.
Vidas Secas – Rio, 1963. Pr. Luís Carlos Barreto, Herbert Richers. Dir. Nelson Pereira dos Santos. El. Átila lório, Maria Ribeiro.
Viramundo – São Paulo, 1965. Pr. Thomas Farkas. Dir. Geraldo Sarno. Pesquisas Octávio Ianni, Geraldo Sarno.
Xica da Silva – Rio, 1976. Pr. Jarbas Barbosa. Dir. Carlos Diegues. El. Zezé Mota, Valmor Chagas.
Yerma – São Paulo/Madri/Roma, 1957. Pr. Mário Audrá. Dir. Alberto Cavalcanti – produção interrompida.
BIBLIOGRAFIA
Aguiar, Flávio – Intervenção no Simpósio sobre Nacionalismo, XXIX SBPC, São Paulo, citado por Lígia Moraes. Leite no Relatório n.º 1 à FUNARTE, pp. 13-14.
Almeida, Abílio Pereira de – Depoimento a Maria Rita Galvão.
Andrade, João Batista de – Entrevista a O Estado de S. Paulo, 20.12.1980.
Andrade, Joaquim Pedro de – “Crítica e autocrítica: O Padre e a Moça”, entrevista a Alex Viany, Revista Civilização Brasileira, nº 7, maio 1966, pp. 251-265.
______ – Debate gravado em 1962, transcrito por David Neves em Cinema Novo no Brasil, pp. 45-46.
Audrá, Mário – Depoimento a Maria Rita Galvão.
Baptista, Elza de Mauro – Roberto Santos e os caminhos da criação cinematográfica – em elaboração.
Barreto, Luís Carlos – Citado por Giselle Gubernikoff em pesquisa sobre Nelson Pereira dos Santos.
Bernardet, Jean-Claude – “Apelo, um documentário”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 30.9.1961.
______ – “Bahia distante”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 20.5.1961.
______ – Brasil em Tempo de cinema, Civilização Brasileira, Rio, 1967.
______ – “Chanchada”, Revista Cinema, nº 3, FCB, São Paulo, jan. 1974, pp. 41-51.
______ – “Dois documentários”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 12.8.61.
______ – “Impressões da Convenção”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 3.12.1960.
Borges, Miguel – “Manifesto do Novo Cinema Brasileiro”, citado por Paulo César Saraceni em Cinema Novo – Viagem.
Braga, Rubem – Citado por Abílio Pereira de Almeida em depoimento a Maria Rita Galvão, e Glauber Rocha em Cinema Novo: Origens, ambições, perspectivas, p. 191.
Capovilla, Maurice – Depoimento a Maria Rita Galvão e Lucilla Ribeiro Bernardet. Carvalho, Vladimir – “Breve apresentação do curta-metragem nacional”, Revista Cultura, nº 24, jan.-mar. 1977, pp. 22-29.
______ – Depoimento a José Marinho de Oliveira. Cavalcanti, Alberto – Depoimento a Maria Rita Galvão.
______ – Filme e Realidade, Casa do Estudante do Brasil, Rio, 1952.
Chaia, Miguel – Tese de mestrado em elaboração sobre chanchada e populismo. Chamie, Mário – Citado por Jean-Claude Bernardet em “Chanchada”.
Chauí, Marilena – Relatório n.º 1 à FUNARTE.
Correia, Carlos Prates – Crítica de Boca de Ouro, Diário de Minas, 3.3.1963.
Costa, Flávio Moreira da -“Introdução ao (novo) cinema brasileiro”, Cinema Moderno, Cinema Novo, Rio, José Álvaro Editores, 1966, pp. 163-221.
Cunha, Alberto – Citado por Paulo Emílio Salles Gomes em Suplemento Literário de O Estado deS. Paulo, 27.7.57.
Dahl, Gustavo – “Algo de novo entre nós”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 7.10.61.
______ – “Uma arte em busca da verdade humana – Evolução e problemas do argumento cinematográfico”, Revista Civilização Brasileira, nº 3, julho 1965, pp. 171-181.
______ – “Cinema Novo e estruturas econômicas tradicionais”, Revista Civilização Brasileira, nº 5/6, março 1966, pp. 193-204.
______- “Cinema Novo e seu público”, Revista Civilização Brasileira, nº 11/12, dez.1966/mar. 1967, pp. 192-202.
______ – “A solução única” – Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 2 .10.1961.
______ -“Coisas nossas”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 14.1.1961.
______-“A importância de Khoury”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo,21.5.1960.
______ -“Mercado é Cultura”, Revista Cultura, n? 24, jan./mar. 1977, pp. 125-127.
______ – “Uirá”, Revista Cinema, nº 3,jan. 1974, FCB, São Paulo, pp. 5-11. Dahl, Gustavo e outros – “Situação e perspectivas do cinema latino-americano”, Positif, nº 139, 1972, transcrito na Revista Cinema, nº 2, FCB, nov. 1973, pp. 48-51.
______ – “Vitória do Cinema Novo”, debate, Revista Civilização Brasileira, nº 2, maio 1965, pp. 227-248.
Debs, Vânia – Pesquisa sobre Nelson Pereira dos Santos e o cinema popular – inédito.
Didonet, Humberto – “A crítica e o cinema nacional”, Primeira Convenção Nacional da Crítica, 1960, datilografado, arquivo FCB.
Diegues, Carlos – Citado por Alex Viany em “O Velho e o Novo”.
______ – “Cultura popular e Cinema Novo”, O Metropolitano, Rio, 3.10.1962.
______ – Depoimento à FUNARTE.
______ – Entrevista a Cinea Cinema, nº 5, citado por Vânia Debs.
Diegues, Carlos e outros – “Vitória do Cinema Novo”, debate, Revista Civilização Brasileira, nº 2, maio 1965, pp. 227-248.
Durst, Walter George – Depoimento a Ella Durst e Francisco Botelho.
Faria, Otávio de – “Cinema e Literatura”, Cultura, nº 24, jan.-mar. 1977, pp. 116-124.
Fernandes, Luiz Carlos Pires – “Cinema Novo: uma forma de luta ameaçada”, a Parte,nº 2, maio-junho 1968.
Galvão, Maria Rita Eliezer – Companhia Cinematográfica Vera Cruz – a Fábrica de Sonhos, tese de doutoramento apresentada à FFLCH/USP, 1975, 5 volumes. Arquivo FCB.
______ – “O Desenvolvimento das ideias sobre cinema independente”, em 30 anos de cinema paulista, Cadernos da Cinemateca nº 4, FCB, São Paulo, 1980.
Gerber, Raquel – O Mito da Civilização Atlântica – Glauber Rocha e o Cinema Novo
______ – Cinema e Sociedade, tese de mestrado apresentada à FFLCH/USP, 1978, 3 volumes. Arquivo FCB.
Gomes, Paulo Emílio Salles – “Agonia da Ficção”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 24.12.60.
______ – “Artesãos e autores”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 14.4.1961.
______ – “Cinema -Trajetória no Subdesenvolvimento”, Argumento, nº 1, 1974.
______ – “Fisionomia da Primeira Convenção”, Suplemento Literário de O Estado de S.Paulo, 26.11.1960.
______ – “A ideologia da crítica e o problema do diálogo cinematográfico”, tese apresentada à Primeira Convenção Nacional da Crítica, 1960, mimeo., arquivo FCB.
______ -“A importância do GEICINE”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 25.3.1961.
______ -“Um mundo de ficcões”. Suplemento” Literário de O Estado de S. Paulo,17.12.1960.
______ -“Palavras e imagens”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 28.9.1957.
______ -“Perplexidades brasileiras”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo,11.4.1959.
______ – “Primavera em Florianópolis”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 6.10.1962.
______ -“Uma revolução inocente”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 18.3.61.
______- “Uma situação colonial?”, Arte em Revista, nº 1, jan.-mar. 1979, pp. 11-14.
Gubernikoff, Giselle – Pesquisa em elaboração sobre Nelson Pereira dos Santos.
Guerra, Rui – Debate gravado em 1962, transcrito por David Neves em Cinema Novo no Brasil, pp. 49-50.
Gullar, Ferreira – Depoimento à FUNARTE. Hingst, Sérgio – Depoimento a Maria Rita Galvão.
Hirszman, Leon – Debate gravado em 1962, citado por Flávio Moreira da Costa em “Introdução ao (novo) cinema brasileiro”.
______ – Depoimento à FUNARTE.
______ -Entrevista à Revista Cinema, nº 3, FCB, jan. 1974, pp. 20-24.
Jabor, Arnaldo – Depoimento à FUNARTE.
Jacobbi, Ruggero – “A interpretação dos atores no cinema brasileiro”, Catálogo do Festival Internacional de Cinema, São Paulo, 1954.
Leite, Lígia Chiapini Moraes – Relatório n.° 1 à FUNARTE.
Leite, Sebastião Uchoa – “Cultura Popular: esboço de uma resenha critica”, Revista Civilização Brasileira, nº 4, set. 1965, pp. 269-289.
Lima, Augusto Cavalheiro – Discurso de abertura à Primeira Convenção Nacional da Crítica, São Paulo, 1960, datilografado, arquivo FCB.
“Manifesto Luz e Ação: de 1963… a 1973”, assinado por Carlos Diegues, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Miguel Faria Jr., Nelson Pereira dos Santos e Walter Lima Jr., Arte em Revista, nº 1, jan.-mar. 1979, pp. 5-8.
Maria, Antônio- Crítica de Mandacaru Vermelho, Diário da Noite, 5.12.1961.·
Martins, Carlos Estevam – “Anteprojeto do Manifesto do CPC”, em Arte em Revista, nº 1, jan.-mar. 1979, pp. 67-79.
______ – “Artigo vulgar sobre aristocratas”, O Metropolitano, Rio, 3.10.1962.
______ – “História do CPC”, depoimento ao CEAC, 23.10.1978, transcrito em Arte em Revista, nº 3, ano 2, março 1980, pp. 77-82.
Moraes, Tati de – Crítica de Boca de Ouro, Última Hora, Rio, 5.2.1963. Neves, David- Cinema Novo no Brasil, Petrópolis, Vozes, 1966.
Noronha, Linduarte – Depoimento a José Marinho de Oliveira.
Oliveira, José Marinho de – Pesquisa em andamento sobre o cinema nordestino. Oliveira, Moraes de – “A crítica e o cinema nacional”, tese apresentada à Primeira Convenção Nacional da Crítica, 1960, São Paulo, datilografado, arquivo FCB.
Ortiz, Mário – Pesquisa em elaboração sobre as relações Estado/Cinema no Brasil, anos 50 e 60.
Paiva, Salvyano Cavalcanti de – Citado por Maria Rita Galvão em Vera Cruz, a Fábrica de Sonhos.
Payne, Tom – Citado por Maria Rita Galvão em Vera Cruz, a Fábrica de Sonhos.
Pontes, Ipojuca – Depoimento a José Marinho de Oliveira.
Primeira Convenção Nacional da Crítica Cinematográfica – Resoluções Finais – folheto impresso, São Paulo, 1960, arquivo FCB.
Rocha, Glauber – “Cinema Novo, fase morta (e crítica)”, O Metropolitano, Rio, 26.9.62.
______ – “Uma estética da fome”, Arte em Revista, nº 1, jan.-mar. 1979; pp. 15-17.
______ – “Glauber Rocha fala à Europa”, Positif, nº 91, jan. 1968, transcrito em número especial da SAC, s.d.
Rocha, Glauber e outros – “Cinema Novo: origens, ambições e perspectivas”, debate transcrito na Revista Civilização Brasileira, nº 1, março 1965, pp. 185-196.
Salles, Francisco Luís de Almeida – Discurso inaugural da Primeira Convenção Nacional da Crítica, São Paulo, 1960, mimeo., arquivo FCB.
Santos, Nelson Pereira dos – Depoimento a Giselle Gubernikoff.
______ – Depoimento a Maria Rita Galvão.
______ – Éléments pour un nouveau cinéma, UNESCO, 1970.
Santos, Nelson Pereira e outros – “Cinema Novo, origens, ambições e perspectivas”, debate transcrito na Revista Civilização Brasileira, nº 1, março 1965, pp.. 185- 196.
Santos, Roberto – Depoimento a Maria Rita Galvão.
Saraceni, Paulo César – Cinema Novo – Viagem, depoimento, 17.6.79, datilografado, arquivado Giselle Gubernikoff,
______ – “Vitória do Cinema Novo”, debate transcrito na Revista Civilização Brasileira, nº 2, maio 1965, pp. 227-248.
Sarno, Geraldo – Depoimento a José Marinho de Oliveira.
Schwarz, Roberto – Debate “Arte e Política”, Paço das Artes, São Paulo, 14.5.1979, transcrito a partir de gravação, datilografado, arquivo FCB.
Silveira, Walter da – “O papel vanguardista da crítica cinematográfica no Brasil”, 1960, datilografado, arquivo FCB.
______ – “A importância da criação de um cinema brasileiro”, 1960, datilografado, arquivo FCB.
Souza, Claudio Mello – “A condenação do talento”, Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, 5.8.1961.
______ – Crítica de Vidas Secas, Estado de Minas, 21.10.1963.
Trigueirinho Neto, J. H. – Sobre a questão da dublagem, O Metropolitano, Rio, 27.11.1960.
______ -Tese apresentada à Primeira Convenção Nacional da Crítica, São Paulo, 1960, datilografado, arquivo FCB.
______ – Citado por Gustavo Dahl em “Cinema Novo e seu público”. Viany, Alex- “Caiçara”,A Cena Muda, nº 51, 21.12.50.
Entrevista com Joaquim Pedro de Andrade, Revista Civilização Brasileira, nº 7, maio 1966, pp. 251.265. Levantamento de informações sobre cinema brasileiro em jornais cariocas do início do século, inédito, arquivo Cinemateca MAM/Rio.
______ – “O Velho e o Novo”, Arte em Revista, nº 2, maio/ago. 1979, pp. 56-69. Viany, Alex e outros – Debate gravado para a não publicada revista Luz e Ação, 1973 (Alex Viany, Carlos Diegues, Sérgio Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Nelson Pereira dos Santos), transcrição Tisuka Iamasaki, arquivo FCB
______ – “Cinema Novo: origens, ambições e perspectivas”, Revista Civilização Brasileira, nº 1, março 1965, pp. 185-196.
Xavier, Ismail Norberto – A Narração Contraditória, tese de doutoramento apresentada à FFLCH/USP, 1979.
Zampari, Franco – Citado em Vera Cruz, a Fábrica de Sonhos
- Desejo é obviamente entendido aqui como intencionalidade. JCB. ↑