Fazer calar e fazer falar o sexo
por Frédéric Gros
Resumo
Entre o ruído (ou então a fala, a música) e o silêncio existe uma grande diversidade de relações possíveis. Uma delas resulta da ausência, do desaparecimento, do nada. Nos grandes desertos inabitados, nas praças ou nas casas vazias, lá está ele. Nada mais há a dizer entre os convivas reunidos em volta de uma mesa. Os ex-amantes nada mais compartilham. É a morte e o vazio. Os ruídos se calaram, as significações se extinguiram e não resta mais do que uma página em branco, angustiante. Mas existe um segundo silêncio, e ele é diferente, pois opõe-se às tagarelices ocas, às músicas inúteis, aos ruídos ensurdecedores. É o silêncio da reserva ou da realização. As músicas mais belas, as melodias mais encantadoras, as poesias mais fascinantes são feitas dele. De fato, ele permite uma respiração dos sons e das significações que aumenta sua intensidade. Talvez, em seu sentido mais puro, a música e a poesia só possam ser compreendidas como um convite a esse silêncio. Nesse caso, não se trata de ausência, mas de plenitude. As sociedades contemporâneas, ao privilegiarem a cacofonia, ao saturarem os espaços públicos de músicas repetitivas, ao multiplicarem as possibilidades técnicas de tagarelice, manifestam um medo do silêncio que revela não apenas uma indiferença à beleza, pois o pensamento se alimenta também de silêncio. Não se trata somente de afirmar que a ausência de ruído externo favorece a reflexão. Um espírito constantemente parasitado por ruídos de fundo, saturado de informações constantemente renovadas, cativado por imagens ou textos que se sucedem numa tela, não pode conviver consigo mesmo. Ora, o silêncio interior é uma profundidade que permite a crítica. Enquanto o espírito está ocupado em retransmitir informações, em reagir a comunicações, ele permanece arrastado e cativo do movimento. Já a possibilidade da crítica abre a dimensão política. Mas o grande silêncio político, antes de ser o da reflexão crítica, é o da censura. A censura é uma imposição, destruição, proibição, sufocação. Esse silêncio traça linhas divisórias entre o que se pode e o que não se pode dizer; o que se pode e o que não se pode mostrar. A modernidade política, ao introduzir no núcleo de sua lógica a razão de Estado, deu-se a possibilidade da censura como essencial ao seu exercício. Um dos grandes objetos dela foi a sexualidade. A relação entre a censura dos costumes e a razão de Estado é complexa – e decisiva. Essa censura, na modernidade ocidental, foi acompanhada, sobretudo, de uma injunção paradoxal, posta em prática pelas Igrejas através da obrigação da confissão, essa péssima prática de revelar ao outro o que pertence ao desejo. A modernidade empregou o que Michel Foucault chama, em “A vontade de saber”, um “dispositivo de sexualidade” que ao mesmo tempo limita sistematicamente suas manifestações e a incita continuamente a se dizer. A sexualidade é simultaneamente o que se deve dizer e o que se deve calar ou esconder. Ora, essa dialética da interdição e da incitação constitui, para Foucault, a dinâmica mesma do poder. O silêncio que se impõe à sexualidade é, por excelência, um silêncio que faz falar dele. Mas não é assim também a lógica da razão de Estado?
Adauto Novaes tem certamente o senso do paradoxo. Há dois anos ele nos forçava a trabalhar sobre a preguiça, e agora nos obriga a falar sobre o silêncio. Talvez se devesse mesmo falar de silêncios, no plural. Os silêncios são múltiplos, porque o silêncio, evidentemente, pode entrar em sistemas de oposição muito diferenciados. Por exemplo: o ruído, a música e a palavra falada. Evocarei muito rapidamente essas oposições, antes de determinar de modo mais preciso o estilo de silêncio que me interessa mais particularmente aqui.
O silêncio e o ruído se opõem de maneira nítida e exclusiva. O ruído pode ser definido como uma série caótica de sons, de choques. É nesse quadro que se opõe, por exemplo, a suavidade dos campos silenciosos à dureza das cidades ruidosas. O ruído é desagradável, violento. O silêncio, então, marca uma ruptura: ele é ausência de ruídos. Opõe a um caos sonoro uma superfície isolante branca que serve de anteparo. É a negação do ruído.
Evidentemente a relação que a música mantém com o silêncio não é a mesma. O silêncio que precede a música constitui sua preparação, seu ponto de emergência, sua origem, talvez mesmo sua possibilidade pura. O silêncio que encerra a música, o que vem imediatamente após a última nota, reúne nele a totalidade da melodia. Não é a negação da música, mas sim um ponto de vibração ideal em que deveria ressoar a totalidade acabada e reunida da melodia. A música nasce do silêncio e retorna a ele, emerge do silêncio e depois se funde nele. Este é verdadeiramente o recurso da música. E convém não esquecer, é claro, os silêncios que estão no interior da música, que produzem sua escansão. A distribuição e a duração dos silêncios são essenciais para a melodia. Fazem-na respirar, dão-lhe sua pulsação. As retenções criam uma expectativa, um dinamismo. Seria incorreto dizer que o silêncio esburaca a música. Ao contrário, ele cria no interior do tecido sonoro uma morfologia que lhe dá relevo, identidade e vida. Assim, enquanto o ruído mantém com o silêncio uma relação de negação e de exclusão, o que há entre o silêncio e a música é antes uma relação de implicação essencial. A música se alimenta de silêncio, e o silêncio é a possibilidade mesma da música.
Há um terceiro grande domínio de oposição e de especificação: a linguagem articulada, a fala significante. Há o silêncio dos que se calam, que não dizem nada, que permanecem mudos. O silêncio dos animais que ignoram a linguagem, o silêncio dos que se recusam a falar, o silêncio dos que não encontram palavras para exprimir a intensidade de sua emoção. Essas três formas de mutismo são por certo extraordinariamente diferentes, e se poderiam imaginar outras. Seja como for, elas se constroem a partir de uma relação específica com a linguagem articulada: a ausência, a negação ou a recusa.
Quando se fala do silêncio dos animais e mesmo do silêncio das paisagens ou da Natureza, sempre se trata de um silêncio que poderíamos dizer palpitante. É a ideia de uma expressividade selvagem que permanece na borda da linguagem articulada. Há de fato produção de sentido na beleza de uma paisagem ou no olhar de um animal, mas essa produção é necessariamente inacabada. Talvez então o papel da poesia ou de certa filosofia (penso, por exemplo, na fenomenologia tal como a praticava Merleau-Ponty) seja fazer que essas vozes mudas tenham acesso a uma linguagem articulada. Não, evidentemente, que se trate de fazer a Natureza ou os animais falarem, mas sim de exprimir, de exteriorizar ou de traduzir, num código linguageiro, o que silenciosamente se enuncia.
Na experiência mística, ou talvez traumática, não é uma incapacidade estrutural que é causa do silêncio. Pois é possível, embora tendo no íntimo o domínio da linguagem, fazer a experiência de um desnível ou mesmo de um abismo intransponível entre o que sinto e as palavras usuais com que eu poderia comunicar aos outros essa experiência. Na maioria das vezes, os dois grandes conceitos propostos, como dois limites às possibilidades da linguagem, são a transcendência e a singularidade. A linguagem é, de fato, um instrumento humano, o que lhe dá uma dimensão de finitude insuperável, como atestam algumas de suas características estruturais: discursividade (a linguagem se desdobra no tempo), ambiguidade (as palavras sempre têm vários sentidos), particularidade (uma língua pertence a uma dada comunidade), historicidade. A experiência mística, precisamente, não cessa de denunciar a incapacidade da linguagem de explicar a perfeição divina, sua inadequação em exprimir uma plenitude definitiva de sentido, e a pobreza das palavras, indignas de designar ou de representar uma Majestade absoluta. A mesma crítica, mas dessa vez não se baseando mais na finitude da linguagem, é feita regularmente ao seu caráter comum, compartilhado, usual. Trata-se então, para cada um, de reconhecer certa solidão, já que é impossível que a linguagem, por definição a linguagem de todo mundo, o instrumento da comunicação e da troca, possa alguma vez descrever fielmente impressões sentidas numa intimidade irredutível. A absoluta transcendência e a singularidade irredutível denunciam, portanto, os limites da linguagem e dão lugar a um silêncio que não é vazio de sentido, mas, ao contrário, constituído de uma riqueza de sentido muito superior às possibilidades da linguagem.
Feitas essas primeiras grandes delimitações, porém, eu gostaria de evocar uma última forma de mutismo que, dessa vez, se enraizaria numa recusa ou, em todo caso, numa impossibilidade, numa dificuldade, não ligadas à plenitude do sentido, mas sim ao fato de que uma coerção se exerce para impor o silêncio. Gostaria de falar aqui da censura, da censura política, moral ou psíquica que proíbe a expressão de certas ideias, a produção de certos espetáculos, mas também da censura moral que traça domínios dos quais não se devem falar, palavras que não se devem pronunciar, pelo menos publicamente.
E penso que poderia ser interessante, em vez de opor simplesmente o silêncio da censura e a eloquência de uma palavra livre, considerar, como está indicado em meu título, a construção de uma relação constante, de uma tensão permanente entre o “fazer calar” e o “fazer falar”, tomando como exemplo a sexualidade, mas também, de maneira mais ampla, o domínio das convicções políticas, das criações estéticas, porque a sexualidade não é evidentemente o único objeto da censura.
Gostaria, assim, de problematizar uma primeira relação, a mais evidente, que seria uma relação de soltura, de liberação, entre censura e injunção de falar. Mas isso deve poder ser lido nos dois sentidos: primeiramente, que a injunção de falar nos libera da censura e, em segundo lugar, o que a princípio se mostra mais paradoxal, que a censura pode nos livrar de uma obrigação de falar.
O quadro que estabeleço para desenvolver esses dois primeiros enunciados não é imediatamente o da vida política, mas antes o da vida psíquica no nível de sua dinâmica interna. Vocês certamente sabem que, num de seus textos mais importantes, A interpretação dos sonhos, Freud faz da censura um modo de funcionamento essencial do psiquismo. Ele faz explicitamente o paralelo entre a censura psíquica e a censura política exercida sobre a imprensa, por exemplo, sob a forma de “cortes”, que consistiam em substituir artigos de jornais não conformes à ortodoxia por “espaços em branco”. Assim a consciência seria igualmente, como esses jornais, marcada por certo número de espaços em branco, o inconsciente se constituindo pelo que foi recalcado. Os regimes políticos sempre tiveram o cuidado de criar espaços especiais nos quais lançar em segredo livros, quadros que foram proibidos, censurados, colocados no Index. Penso no que se chamava, na França, o “inferno” da Biblioteca Nacional, que reunia os volumes licenciosos, mas se pode também evocar as salas do castelo de Schönhausen, perto de Berlim, onde eram guardadas obras de arte degenerada no começo dos anos 1930.
Pois bem, em cada um de nós o inconsciente poderia ser concebido como essa reserva de todas as imagens, de todos os desejos, de todos os enunciados que não se suporta ouvir proferir, ou as cenas que não se suporta ter vivido. Inútil acrescentar que esses conteúdos são na maioria das vezes de conotação sexual. O problema é que esse silenciamento tem um custo. Esse custo, diz Freud, são os sintomas: distúrbios somáticos, angústia, fobias e outras neuroses. É quando esse custo da censura se revela muito elevado que se deve empreender a terapia, cujo protocolo é assim definido por Freud: obrigar-se a falar livremente diante de um analista que permanece silencioso, que, segundo a expressão saborosa de Foucault, “coloca em locação seus ouvidos”. A promessa da psicanálise é permitir, assim, essa suspensão das censuras, ao fazer que a injunção muda para falar, representada pelo psicanalista ajuizadamente sentado ao lado do divã, produza efeito. Mas o estatuto dessa censura é certamente complicado e coloca toda uma série de problemas. Sartre, por exemplo, confessava não poder compreender a situação exata do censor no psiquismo: ele não pode se confundir com o censurado, uma vez que censura, portanto não é o inconsciente; por outro lado, ele não pode ser inteiramente consciente, pois seria supor que quem censura ignora ao mesmo tempo o que é censurado. Mas o que me interessa aqui é essa primeira relação entre um fazer calar e um fazer falar. Essa forma de liberação pode ter um equivalente na vida política: de fato, as democracias afirmam favorecer a tomada da palavra, encorajar os confrontos políticos. Há mesmo a ideia de que os traumatismos históricos, os não ditos de uma história nacional (seus momentos mais sombrios) devem ser objeto de debates públicos a fim de evitar que eles propaguem na vida social efeitos nocivos, o equivalente dos sintomas neuróticos. Mas penso que também se poderia encontrar um bom equivalente político dessa suspensão de censura através da fala naquilo que Foucault, em seus últimos cursos no College de France, elaborou em torno do conceito de parrésia.
A parrésia vem de um termo do grego antigo e significa, precisamente, dizer tudo. Portanto, é falar com franqueza, sem tabus, sem limites e com a maior transparência. A parrésia distingue-se de outro conceito-chave da ideia grega de democracia que é a isegoria, que designa a igualdade no uso da palavra, isto é, o fato de autorizar, numa assembleia pública, qualquer um, seja qual for sua condição social, a tomar a palavra para dar sua opinião e evitar, portanto, as censuras sociais. Mas, com a parrésia, não é a condição social de quem fala que está em questão, mas o conteúdo mesmo de seu discurso: conteúdo que pode, aliás, colocar em perigo aquele que o emite. Quero dizer que quem usa a parrésia decide dizer tudo, com risco de suscitar a desaprovação, a cólera e o ódio daqueles aos quais se dirige. Por isso Foucault não hesita em traduzir o termo parrésia pela expressão: “coragem da verdade”. Usar a parrésia é ter aquela coragem da verdade que faz ousar dizer o que geralmente se cala. Mas não é, como no caso da psicanálise, o caráter escandalosamente sexual da representação que provoca a censura. Em realidade, os exemplos dados por Foucault (os de Péricles ou de Demóstenes perante o povo de Atenas) mostram que se trata antes de verdades que perturbam porque vão contra um consenso, contra opiniões majoritárias, contra verdades aceitas e jamais questionadas. A parrésia pode ser vista como um fundamento da democracia, mas isso não significa o direito de dizer tudo ou qualquer coisa. É antes a coragem de enunciar verdades que desagradam, ou porque se rompe um consenso partilhado, ou porque se diz em voz alta o que todo mundo sabe mas ninguém diz, denunciando, portanto, certo número de hipocrisias generalizadas das quais os regimes democráticos, infelizmente, não são isentos.
Mas acho que se deveria poder pensar também o dispositivo contrário que, no entanto, à primeira vista pode aparecer menos evidente: aquele pelo qual seríamos liberados pela censura da injunção de falar. Para fazê-lo aparecer, é preciso evocar uma autocensura particular, bem distante do que Freud elaborou como recalque ou mesmo do que articularei mais adiante como uma forma de compromisso com o pensamento dominante. Quero me referir aqui à construção e à proteção de um mundo secreto, de uma intimidade protegida, que se recusa a mostrar em público. Poderíamos evocar um tipo humano cujo retrato foi feito pelos sábios da Antiguidade (particularmente os estoicos), que é o que se chamava de stultus. O stultus é o que está aberto a todos os ventos, que é permeável a todas as influências, que é perpetuamente agitado. A imagem que aparece com mais frequência para descrever esse personagem é a de uma casa que teria todas as portas e todas as janelas perpetuamente abertas. Então, é claro, todos os ventos penetrariam na casa e seria uma confusão geral. O stultus, acrescentam os moralistas, é como uma esponja. Absorve tudo que vem de fora e o rejeita em seguida. É evidentemente um tagarela. Plutarco diz que, nesses indivíduos, é como se houvesse uma comunicação direta entre a língua e o ouvido que faz que, tão logo ouvida uma coisa, ela seja imediatamente repetida. É a imagem também do coador. Esse personagem não para de mudar, é instável, sujeito a todas as influências. No fundo, o stultus é alguém que não tem segredo. Não tem nenhuma consistência interna, nenhuma espessura. Está sempre pronto a se encher para logo se esvaziar. Nada retém e despeja tudo.
Parece-me que essa descrição muito antiga pode nos servir hoje de instrumento crítico contra certa liberação da fala ou uma injunção generalizada de exibir sua vida privada, suas opiniões mais fúteis, nos programas de televisão ou nas redes sociais, muito característica de nossa modernidade democrática. Afinal, somos obrigados a dizer tudo ou a saber tudo uns dos outros? A transparência democrática, se tem virtudes incontestáveis, pode também traçar linhas de inclinação muito contestáveis, em que a exibição de uns e o voyeurismo de outros se conjugam. E a própria psicanálise, ao fazer da verbalização do desejo o prelúdio obrigatório a toda emancipação pessoal, não terá permitido a emergência de uma nova coerção social? Talvez haja algo mais que a vergonha ou uma resistência inconsciente que nos impeça de expor, ou mesmo de sondar diante de um outro, alguns segredos íntimos: a consciência obscura de que eles são para nós um refúgio, e o cuidado de que não sejam, por essa exposição, simplesmente banalizados, perdendo então imediatamente seu prestígio.
Pois bem, diante de um funcionamento democrático em que o direito de saber implica a obrigação de mostrar, sem que a barreira da intimidade seja sempre respeitada, um funcionamento democrático em que o espaço público se confunde cada vez mais com um espaço de exibição midiática, talvez se possa imaginar uma nova figura da parrésia que não seria tanto a coragem de dizer tudo, mas a coragem também de se calar; que seria a recusa altiva, em nome da dignidade seja da pessoa, seja da função que se representa, de responder a certas perguntas. Essa reserva – mas a parrésia é uma escola do risco – poderia desagradar a maioria, chocar, ser vista como uma transgressão das expectativas daquilo que Baudelaire chamava “a multidão”. Portanto, não é por ser secreta que uma dimensão da vida – aliás, não necessariamente de natureza sexual – exige ser reprimida.
Sempre nesse estudo de uma cofuncionalidade entre a obrigação de falar e a censura, passo a uma segunda estratégia, que seria a estratégia de dissimulação. Portanto, não a liberação, mas a dissimulação. Como entender, num primeiro momento, uma censura que dissimularia uma injunção de falar? Penso que aqui se pode evocar, porque elas nos levam direto ao centro do tema anunciado no título, certo número de teses defendidas por Michel Foucault num livro publicado em 1976, A vontade de saber, que haveria de ser o primeiro tomo de uma história da sexualidade no Ocidente moderno. Nesse livro, Foucault quer interrogar o que ele chama a “hipótese repressiva”, a saber, a opinião, afinal bastante corrente, segundo a qual a sexualidade teria sido por muito tempo objeto de uma censura sistemática, censura que teria perdurado até o final do século XIX, e que a psicanálise, e de maneira mais geral a constituição de uma ciência da sexualidade, teria nos ajudado a superar. Portanto, Foucault não questiona de modo nenhum a existência dessa censura, que foi efetiva. De fato, nas conversas eram proscritas as palavras da sexualidade. Não eram escritas, não se representava pictoricamente a sexualidade, ou então os livros e os desenhos circulavam de maneira clandestina. Tudo isso é conhecido, mas a insistência posta na repressão do sexo acaba por mascarar, por servir de anteparo a mecanismos positivos de poder. Foucault sublinha que havia na mesma época, nas práticas de confissão cristã, mas também nas instituições pedagógicas ou nos meios médicos, uma obsessão geral pela sexualidade: a sexualidade era o que se devia fazer confessar, o que se devia perseguir, o que estava na raiz de todas as patologias. Essa obsessão caracterizaria as sociedades ocidentais, pelo menos a partir do momento em que elas elaboraram, nos monastérios cristãos, as primeiras práticas de penitência e de direção de consciência, nas quais se exigia de cada um que verbalizasse seu desejo. O conhecimento de si adquire, por efeito dessas instituições, uma forma particular no Ocidente. Perguntar-se quem se é, é colocar-se a questão da verdade de seu desejo e da forma de sua sexualidade. De tal forma que essa famosa censura do sexo é, afinal, talvez a árvore que esconde a floresta: ela permite fazer esquecer a tremenda injunção de confessar seu desejo. No fundo, a sexualidade, que na China antiga produziu uma arte erótica, que na Grécia antiga levou a técnicas de bom uso do corpo, tornou-se nas sociedades ocidentais sobretudo um objeto de discurso e de ciência, um ponto de revelação da nossa verdade. É que, com a sexualidade, está em jogo nossa salvação, nossa verdade e talvez nosso prazer. Sim, nosso prazer também, porque através dessa injunção se inventa, precisamente, uma nova forma de gozo e de complacência: falar de seu desejo.
Passo agora à figura inversa, a que veria na obrigação de falar uma dissimulação tática da censura. Claro que se poderia continuar com o registro da sexualidade e, por exemplo, mostrar como, sempre segundo Foucault, a injunção de falar do sexo produz uma censura cultural, isto é, a obrigação de falar de nossa sexualidade serve de obstáculo à possibilidade de vê-la como algo mais que um objeto de introspecção tagarela: um jogo inocente dos corpos e dos prazeres. Mas acho mais interessante voltar aos problemas políticos e mostrar como o convite público a falar oblitera modalidades específicas de censura. A análise que Pierre Bourdieu faz da televisão nos ajuda, aqui, a considerar essa operação. Penso, por exemplo, em sua fórmula: “A televisão, quanto mais ela mostra, mais esconde”. É evidente que a televisão faz ver e faz dizer: ela mostra imagens, organiza debates, promove conversas, convida à expressão pública das opiniões. A televisão constitui claramente uma injunção ou, pelo menos, um convite à palavra. Mas Bourdieu denuncia precisamente o que ele chama as “censuras invisíveis” da televisão. Essas censuras são invisíveis porque não tocam diretamente no conteúdo da palavra oferecida. Participar de um debate, responder a perguntas, é sempre se submeter a certo número de coerções no nível da forma, coerções que os jornalistas impõem: deve-se falar em frases curtas, não ser enfadonho, tentar ser engraçado, não correr o risco de cansar o ouvinte e, sobretudo, não hesitar, não tomar tempo para refletir, porque, se há um coisa insuportável e aterrorizante para a mídia é, precisamente, o silêncio. De tal maneira, segundo Bourdieu, que o intelectual, quando se exprime na televisão, não tem a menor chance de transmitir ideias novas ou desconcertantes, pois o jornalista que o interroga faz passar sua palavra por um filtro midiático: o interesse pelo sensacional, a necessidade de agradar o maior número, a busca de uma versatilidade que distraia. Essa censura midiática não é mais a obra de um Estado que controlaria e imporia aos meios de comunicação uma ideologia oficial, mas sim de televisões privadas, plurais, politicamente independentes mas economicamente subjugadas, portanto obcecadas pelos índices de audiência e que praticam entre si uma concorrência acirrada, concorrência cujo resultado não é a diversificação e a multiplicação das perspectivas, mas uma simples corrida de velocidade na produção de um pensamento único. Nesse ponto, também, Bourdieu é bastante claro: “A concorrência homogeneíza”.
Até aqui consideramos, portanto, duas grandes maneiras de estruturar a relação entre a injunção de falar e a censura: a liberação e a dissimulação. Penso que se pode pensar numa terceira relação, ainda mais estreita, e que seria a incitação. Mas é possível considerar uma censura que incitasse a falar? Aqui seria fácil, certamente, referir-se a esse fenômeno paradoxal que se poderia chamar de efeito publicitário da censura. Nada como uma censura para assegurar a um livro, a um filme, a uma exposição, que sem isso talvez conhecessem o silêncio desesperador da indiferença ou do esquecimento, uma publicidade fantástica. Mas isso faria supor que a censura é buscada quase como uma consagração, o que nem sempre é o caso, embora seja evidente que a busca de notoriedade incita a provocar um escândalo para se fazer ouvir. Provocar o escândalo, com o risco de ser censurado, é ter a certeza de que falarão de nós. Mas quero aqui evocar uma paisagem política mais sombria, a dos regimes ditatoriais ou mesmo dos regimes totalitários. O tirano busca, evidentemente, amordaçar a oposição, calar as vozes dissonantes e críticas. Por isso ele se esforça por controlar ao máximo os meios de comunicação e pratica sistematicamente a censura das vozes discordantes, ao mesmo tempo em que difunde uma propaganda ruidosa e uma ideologia oficial. Mas essa repressão ideológica é sempre acompanhada de uma enorme incitação à denúncia. Para tomar o exemplo, bem estudado por diferentes historiadores da época stalinista, sabe-se hoje que existiam sob Stalin, em todas as aldeias e cidades, em todos os escalões das administrações, em todos os níveis do aparelho do Partido, instâncias de denúncia, escritórios de queixas, gabinetes de delação. Por toda parte, nos jornais, nos locais de reunião e de trabalho, a denúncia era encorajada. Talvez a característica mesma dos regimes totalitários seja apoiar o sistema da censura numa incitação maciça à denúncia, através de inúmeros receptores que levam até o topo o que pudicamente chamam “sinais de identificação”. Esse mecanismo atinge uma espécie de perfeição cínica com os grandes processos de Moscou ou de Praga, quando então autodenúncias, confissões de traição são encenadas de maneira espetacular. Reencontramos aí o tema de que o poder não é só o que faz calar, mas também o que faz falar.
Deve ser possível, porém, construir essa estrutura de incitação de maneira invertida e considerar casos em que a própria injunção de falar é que provoca a censura. Aqui convém distinguir casos muito diferentes. A democracia, como já foi dito, encoraja a tomada da palavra e o debate, pois, idealmente pelo menos, ela vincula a legitimidade de uma decisão política à concordância do maior número de pessoas. Mas é claro que ela não pode tolerar todos os discursos, e a lei fixa certo número de limites que evoluíram com o tempo, mas que são, classicamente: a incitação direta ao ódio, à violência, ao racismo, à discriminação, a pornografia em lugares públicos, a difamação, mas também os interesses superiores do Estado em matéria de segurança, e ainda, de maneira mais vaga, a defesa da ordem pública e o ultraje aos bons costumes. Mas os dois grandes objetos da censura sempre foram, regularmente: a sexualidade e a segurança. O problema que se coloca a seguir é evidentemente o da apreciação, da interpretação desses limites, de sua variação histórica, mas também, como veremos, do princípio de justificação de seu respeito. Contudo, tomarei outro ângulo de abordagem, o da chamada autocensura. Por autocensura entendo aqui algo bastante particular. Não se trata de uma simples retenção social que nos imporia, por exemplo, em respeito a um auditório, proibir-se certas palavras, certas imagens. O que chamo autocensura é uma autocensura consciente, deliberada e que intervém no núcleo seja de um processo de criação, seja de uma fala pública. Precisamente porque se quer agradar a maioria, ou evitar ferir ou embaraçar atores poderosos da vida política, midiática ou econômica, proíbe-se defender certas ideias, exprimir certas convicções, abordar certos assuntos, simplesmente para não correr o risco de desagradar e perturbar, e porque se aceitam certos códigos implícitos ou assuntos tabus. Vocês me dirão que isso não é novidade e que, afinal, sob os regimes ditatoriais os escritores e os artistas se autocensuravam a todo momento. Mas, por um lado, o custo da transgressão da censura não era o mesmo (corria-se o risco de prisão ou de morte); por outro lado, os artistas (pelo menos os melhores deles) faziam talvez algo diferente do que se autocensurar: eles burlavam a censura e transformavam a coerção em fonte de criatividade. O que tento definir aqui como autocensura, que pode ser praticada nas democracias contemporâneas por intelectuais midiáticos, escritores de sucesso ou ainda recomendada por editores ou produtores de filmes, é outra coisa: é uma vontade de não ferir suscetibilidades, de não ofender minorias, de não fatigar, aborrecer ou cansar o público, de não introduzir dissonâncias no concerto midiático. Essa autocensura é tão justificada aos olhos dos que a praticam de forma totalmente consciente, que pode assumir a cara da proteção responsável. De fato, as grandes democracias modernas, que reconhecem, muitas vezes de maneira constitucional, o direito de expressão intelectual ou artística e a obrigação de tolerância, não podem facilmente usar noções tais como as de “blasfêmia” ou de “ultraje” e invocar a sacralidade de certos valores. No entanto outro viés foi encontrado, bem mais imanente e igualmente eficaz. No fundo, quando se censuram hoje exposições ou livros julgados indecentes, não é mais diretamente em nome de valores transcendentes insultados (mais uma vez não me refiro aqui nem à incitação direta ao ódio, nem à pornografia, que são objeto de interdições claras definidas pela lei), mas para proteger populações frágeis, ou minorias (religiosas ou outras) que poderiam se considerar gravemente insultadas em sua fé ou em seu modo de vida, ou as crianças que devem ser protegidas de traumatismos, feridas psíquicas que essa ou aquela imagem, esse ou aquele texto poderiam ocasionar. Penso, por exemplo, no que aconteceu quando da publicação, há cerca de dez anos, em 1994, de um livro deJacques Henric intitulado Adorations perpétuelles, em que houve intervenção da polícia em certas livrarias a fim de proibir a exposição do livro nas vitrines, porque na capa aparecia uma reprodução do quadro de Courbet A origem do mundo. Pois bem, o princípio de justificação dessa censura não foi o ultraje aos valores ou a blasfêmia, mas a proteção das crianças. Há, portanto, um deslocamento muito forte na justificação da censura.
Para concluir, direi então que “Cale-se!” e “Fale!” não são duas injunções contrárias, exclusivas. Elas estão constantemente presas numa dialética estreita de liberação recíproca, mas também de dissimulação e de incitação. Parece-me que o interesse de levar em conta essa dialética é afastar-nos de posições categóricas e inutilmente dogmáticas. Pois não se trata de ser “a favor da censura”, horrorizando-se com os perigos que o fato de dizer tudo e de mostrar tudo poderia representar. Não se trata tampouco de ser “a favor de um direito ilimitado de expressão”, denunciando de antemão o caráter repressivo ou mesmo totalitário e fascista de toda censura. Em realidade, cada sociedade põe em prática certo regime de fala e de visibilidade no qual a censura e a injunção de falar formam composições históricas, singulares, que se deve descrever em sua especificidade. Levar em conta essa dialética permite, penso eu, ultrapassar o problema dos princípios abstratos e colocar, antes, questões de estratégia.
A censura é eloquente e tagarela. Põe-se em cena ruidosamente, quem a proclama autoriza-se a falar ostensivamente em nome da virtude e da defesa das populações frágeis. Quem censura tem sempre, ao mesmo tempo, uma estratégia de fala. A censura não é muda, é tagarela. Ao contrário, quem faz falar tem sempre uma estratégia de censura. O jornalista que convida seu interlocutor a se exprimir com toda a transparência e sem tabus nos faz esquecer, por trás de seu convite generoso, as coerções invisíveis que pesam sobre a própria enunciação. Diga-nos tudo, mas prefira o slogan ao pensamento, a anedota à demonstração, o espetacular ao laborioso.
Aqui é preciso voltar uma última vez ao que Foucault enunciou a propósito do poder. É preciso parar de pensar que o poder faz calar, que ele reprime, proíbe, sufoca, censura, suprime. O poder também faz falar, incita, convida, solicita.
Mas, ao fazer assim falar, ao solicitar essas confissões, ao provocar essa tagarelice, ao pedir às pessoas suas opiniões, portanto ao colocar no centro de sua legitimidade a multiplicação dos instrumentos privatizados de informação, não gera o poder novos silêncios? Houve certamente o silêncio imposto pelas ditaduras e pelos totalitarismos, o da repressão feroz: críticas sufocadas, dissidências esmagadas, queixas proibidas. Evidentemente não é o caso de sentir saudade desse silêncio. No entanto, a vigilância crítica nos obriga a apontar a ameaça de um novo silêncio, promovido por nossas democracias modernas e liberais. O silêncio dos que gritam, dos que pensam, dos que denunciam, mas que não são ouvidos ou mal se ouvem. Não que sua fala seja censurada. Ela é simplesmente recoberta pelo vozerio enorme, pela tagarelice ensurdecedora de todos que se lançam numa corrida desenfreada e feroz para dizer e repetir a mesma coisa.
Tradução de Paulo Neves.