Jean-Paul Sartre, um intelectual engajado
Resumo
Sartre não foi só o intelectual mais considerado de sua época. Ele também foi – e ainda é – um dos maiores teóricos sobre o assunto. Eis dois motivos para tratar de seu engajamento político, que se divide em três etapas, a começar pelo tempo da indiferença.
Em 1930, Sartre era um jovem apolítico. “Nem à direita, nem à esquerda, está no ar” – o juízo que ele mais tarde dirigiria a Albert Camus cabia perfeitamente a ele mesmo então.
Simpatizante da Frente Popular – na qual nem se deu ao trabalho de votar –, conheceu a Alemanha nazista, que não suscitou nele qualquer sentimento em especial. Do mesmo jeito receberia notícias da Guerra Civil Espanhola e da crise tcheca. Isso até que a Segunda Guerra Mundial fez dele prisioneiro
Começava, então, o tempo da influência. Nele, se Sartre não participou destacadamente da Resistência – como o alegam seus zeladores –, ele se engajou nela através de ações intelectuais. É quando seu pensamento ganha notoriedade. O ser e o nada e a peça teatral As moscas, com efeito, ainda ecoam o Sartre da Resistência, que, com a Libertação, só faz acelerar sua produção. São de então a revista Les temps modernes, o romance Os caminhos da liberdade e a conferência O Existencialismo é um humanismo. Logo a imprensa da época transforma Sartre num intelectual midiático de alcance mundial.
Sartre ataca sobretudo o capitalismo e o colonialismo. Nem por isso aproxima-se do Partido Comunista Francês. Menos ainda da União Soviética. Defende a terceira via. Há, no entanto, a Guerra da Coréia (em 1952). Ela pede uma posição mais firme. Sartre torna-se então um companheiro de estrada do comunismo, postura que será criticada por Raymond Aron, até então seu amigo.
Com o Estruturalismo – adotado por Lévi-Strauss, Michel Foucault e outros –, o Existencialismo é questionado. Nem por isso Sartre arrefece. Luta por causas do Terceiro Mundo. Adere a Maio de 1968, e assim se torna o primeiro intelectual intergeracional.
Daí em diante, vive o tempo do questionamento. A extrema esquerda não é mais a mesma. O sucesso do livro Arquipélago Gulag obriga a repensar a União Soviética. Morre Mao Tsé-Tung. Surge o Khmer Vermelho. Órfão dos modelos políticos e ideológicos inspirados no marxismo, Sartre ainda vive para testemunhar, com a onda liberal da época, a redescoberta do pensamento de Aron.
Morre em 1980. Repleta de questionamentos pertinentes, sua obra perdura.
O ano de 2005 viu a comemoração, na França, do centenário de nascimento de Jean-Paul Sartre. Tal comemoração não teve, certamente, uma forma oficial, mas a repercussão foi real e prolongada, atestando assim a forte marca deixada pelo filósofo 25 anos após sua morte. Se essa marca é em parte cultural, através da obra literária e filosófica de Sartre, ela se inscreve igualmente na história francesa pelo papel essencial desempenhado por Sartre como intelectual engajado. É sobre esse aspecto que versará a exposição a seguir, e o assunto é importante por duas razões, pelo menos. Por um lado, durante várias décadas, Sartre foi o intelectual francês mais célebre tanto em seu país como no estrangeiro; por outro, ele não apenas teorizou, em vários textos, o engajamento do intelectual, como também se tornou ele próprio, por suas tomadas de posição públicas, o símbolo de tal engajamento. Para explicar essa dupla dimensão de teórico e de símbolo, convém distinguir três fases diferentes da vida do filósofo.
1. O TEMPO DA INDIFERENÇA
Numa primeira parte de sua vida, até a Segunda Guerra Mundial, Jean-Paul Sartre mostrará apenas uma ausência de interesse pela política. Em outros termos, o jovem Sartre, futuro grande teórico do que ele próprio chamará o “dever” de engajamento, é de início, e até 1939, totalmente apolítico. Poder-se-ia aplicar-lhe, para o período entre as duas guerras, a fórmula que ele lançou nos anos 1950, endereçada a Albert Camus: “Você não está nem à direita nem à esquerda, está no ar”. No entanto, não faltavam temas e causas de engajamento para o jovem filósofo nascido em 1905: com essa data de nascimento, ele pertence a uma geração que, por certo, não sentiu diretamente na pele a Primeira Guerra Mundial, tão mortífera para todas as juventudes europeias, mas que, a seguir, durante o entreguerras (e a expressão é, aqui, significativa), foi confrontada à emergência de perigos com a instalação, num país vizinho à França, do regime nazista. O jovem Sartre, porém, ao longo desse primeiro período de sua vida, preocupa-se sobretudo com reflexão filosófica e criação literária. “Quando o conheci”, lembrar-lhe-á Simone de Beauvoir em 1974, em La céremonie des adieux [A cerimônia do adeus], “você me disse que queria ser ao mesmo tempo Spinoza e Stendhal.” O futuro grande escritor, com uma faceta literária que enriquecia e divulgava a obra propriamente filosófica, já está em gestação, portanto, no jovem intelectual de 25 anos, e pode-se distinguir, nessa dupla dimensão já presente, o esboço da espécie de Jano[1] literário, escritor e filósofo ao mesmo tempo, que será Sartre.
O Sartre intelectualmente engajado, contudo, não se anuncia de modo algum nessa primeira fase, dominada por uma espécie de sonolência política. Sonolência que ele próprio confessará algumas décadas mais tarde, num célebre “Prefácio” à reedição de Aden Arabie, do escritor francês Paul Nizan. Ao evocar o decidido engajamento político de seu colega da Escola Normal Superior, ele dizia: “Eu detestava que ele fizesse política porque eu não tinha a necessidade de fazê-la”.
Mesmo a viagem à Alemanha em 1933-1934 não produzirá, nele, um real despertar político. Seis anos depois, nos cadernos redigidos durante o inverno de 1939-1940, quando é mobilizado pelo Exército, anotará: “Tive férias de um ano em Berlim, lá reencontrei a irresponsabilidade da juventude…”. Ora, esse ano de “férias” desenrola-se numa Alemanha que está mergulhando na ditadura nazista. E, ao voltar à França, quando a esquerda começa a se reunir no combate antifascista e obtém uma vitória nas eleições legislativas de 1936, Jean-Paul Sartre, embora simpatizando com essa esquerda vitoriosa que irá formar o governo da Frente Popular, não vai sequer votar.
Mas a história está prestes a pegar Jean-Paul Sartre. A Guerra Civil Espanhola, a partir de 1936, a crise tcheca em 1938, e a declaração de guerra no ano seguinte são acontecimentos que lhe fazem compreender, aos poucos, que sua indiferença política o impediu por muito tempo de perceber claramente o mundo ao seu redor. E o período da guerra será, a seguir, decisivo para ele: feito prisioneiro em junho de 1940, retornará Deus romano bifronte, protetor das entradas e das saídas, origem do nome do mês de janeiro. (N. T.) na primavera de 1941 a Paris , onde passará os anos negros da Ocupação. Sairá metamorfoseado desse período. Após ter sido uma espécie de intelectual anfíbio, impermeável à história que se desenrolava à sua volta, ele irá considerar, ao contrário, que o papel do intelectual é pensar essa história e tentar, como intelectual engajado, influir sobre ela. Da não-tentação da história, Sartre passou a uma espécie de reverência em relação a ela, disposto daí por diante a colocar-se a seu serviço. Para Sartre, a hora do engajamento havia chegado.
2. O TEMPO DA INFLUÊNCIA
Se não praticou, durante a Ocupação, a resistência brilhante apresentada por alguns de seus zeladores, Sartre conheceu a experiência do engajamento através de algumas ações de resistência intelectual. Mas a metamorfose não se detém aí. A influência de suas ideias, desde então, tornar-se-á considerável em razão da imensa notoriedade rapidamente obtida após a guerra. De fato, em apenas alguns meses ele prolonga o eco que começara a ter no final da Ocupação. Depois de publicar, em 1943, sua primeira obra filosófica marcante, L’Être et le néant [O ser e o nada], e de fazer encenar com sucesso sua primeira peça, Les mouches [As moscas], o movimento se acelera logo após a Libertação: em 1945 lança sua revista, Les Temps Modernes, faz publicar seu romance Les chemins de la liberté [Os caminhos da liberdade] e pronuncia uma célebre conferência que contribui para assentar sua notoriedade, “O existencialismo é um humanismo”. E a imprensa da época logo fará um amálgama entre a corrente filosófica em voga encarnada por Sartre, o existencialismo, e a efervescência cultural que reina então no bairro parisiense de Saint-Germain-des-Prés. À sua maneira, o filósofo se torna nesse momento uma espécie de intelectual midiático, mesmo se a expressão é em parte anacrônica para a época.
Essa notoriedade forte e rapidamente obtida contribuirá para dar uma ampla repercussão às ideias políticas de Sartre e a seus engajamentos. Em poucos anos ele se torna o intelectual francês mais célebre tanto em seu país como no exterior, e suas tomadas de posição públicas obtêm ressonância muito forte, numa época em que a voz dos intelectuais franceses é amplamente ouvida no mundo. Quais são então os campos de engajamento desses intelectuais? Dois temas, na verdade, os mobilizam e os dividem: a guerra fria e as guerras de descolonização. De fato, a partir de 1947, a fenda ideológica do continente europeu divide em dois campos opostos a intelectualidade francesa, igualmente dividida a propósito das guerras da Indochina e da Argélia. E Sartre se verá fortemente implicado nesses dois fronts.
No front da guerra fria, ela mesma determinada pelo confronto acerca do comunismo, Sartre tomará posições independentes, muito comentadas ao seu redor. Hostil ao capitalismo e, por essa razão, opondo-se por princípio à política dos Estados Unidos, nem por isso alia-se, de início, à política estrangeira soviética e à ação, na França, do Partido Comunista Francês. Assim, durante vários anos ele diz buscar uma “terceira via” entre o capitalismo americano e o comunismo soviético. Mas, com a Guerra da Coréia, a partir de 1950, a tensão entre os dois blocos se faz mais forte e a polaridade crescente pressiona desde então a escolher um campo. É o que fará Sartre: em 1952, numa série de artigos intitulada “Os comunistas e a paz”, ele se aproxima da política exterior soviética, adotando globalmente suas análises e justificando-as implicitamente. Torna-se então o que chamavam, no vocabulário militante da época, um “companheiro de estrada” do comunismo. São esses “companheiros de estrada” que outro intelectual francês, Raymond Aron, denunciará em seu livro L’Opium des intellectuels [O ópio dos intelectuais], publicado em 1955. Durante duas décadas, Aron, colega de Sartre na Escola Normal Superior, fora um de seus melhores amigos. Mas os dois rompem a amizade no final dos anos 1940, por causa do comunismo. Mais do que isso, eles encarnam a seguir, e até o fim da vida, as duas vertentes opostas da paisagem ideológica francesa, mas também a dissimetria dessa paisagem. Ao longo dos anos 1950, Sartre é a figura mais destacada da intelectualidade francesa, enquanto Aron está relativamente isolado e na contracorrente.
E os abalos que atingirão a imagem do comunismo soviético em 1956 — o XX Congresso do PCUS e o outono húngaro — pouco modificarão, num primeiro momento, as relações de força. Sartre e os intelectuais de esquerda continuam, na França, em larga medida majoritários, e o marxismo, no seio deles, permanece uma corrente dominante. É verdade que Sartre e seus amigos se afastam de Moscou, mas para dirigir seus olhares para Pequim e Havana. A luta de classes, que eles concebiam inicialmente reduzida aos conflitos entre burguesia e proletariado europeus, dilata-se agora às dimensões do mundo. O combate torna-se, para eles, o do Terceiro Mundo, visto como explorado, contra o “imperialismo”, visto como explorador. Num tal contexto, aliás, as guerras de descolonização aparecem a Jean-Paul Sartre não apenas como fruto de aspirações nacionalistas, a seu ver legítimas, mas também, mais amplamente, como reflexo de um combate entre jovens nações em gestação no seio desse Terceiro Mundo e o “imperialismo”, visto como tentacular, explorador e opressivo. Donde um engajamento muito forte de JeanPaul Sartre durante a Guerra da Argélia, entre 1954 e 1962.
Quando essa guerra termina, o engajamento de Sartre nem por isso diminui. Nos anos 1960, o filósofo vê sua notoriedade crescer ainda mais: em 1964, por exemplo, o Prêmio Nobel lhe é atribuído. Ele o recusa, certamente, tanto por desinteresse pelas honrarias oficiais quanto por desconfiança para com uma distinção que não lhe parece oferecer as melhores garantias ideológicas, mas essa recusa em nada modifica a escolha inicial do júri, escolha que reflete um inegável reconhecimento internacional. Em contrapartida, o ar do tempo cultural, na França, está em via de se modificar: o “estruturalismo” começa a emergir, com força. E, por ter sido uma das figuras marcantes de uma corrente em retrocesso, o existencialismo, Sartre se expõe a questionamentos. Com efeito, ele é direta ou indiretamente interpelado por obras nascentes — a de Foucault, entre outros — ou estabelecidas — como a de Lévi-Strauss. Mas, se sua influência intelectual conhece com isso uma erosão, seu engajamento político não enfraquece, muito pelo contrário. É para o Terceiro Mundo, como vimos, que se opera então uma transferência afetiva e ideológica de uma parte da intelectualidade francesa, incluindo Sartre. A China comunista, de certo modo, toma assim o lugar da União Soviética. E a revolução cubana cristaliza também uma parte das simpatias dos intelectuais franceses, para os quais Havana aparece como o epicentro possível de uma tempestade revolucionária na América Latina inteira. Sartre adere inteiramente a esse fervor pró-cubano. “Castro”, ele escreverá em julho de 1960 ao voltar de Cuba, “diz que o novo regime é um humanismo. Isso é verdade.” E sua companheira Simone de Beauvoir decretava na mesma época que estava nascendo em Cuba uma sociedade “autêntica, livre, responsável, em suma, existencialista”. É somente onze anos mais tarde que Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir assinarão uma petição endereçada “ao comandante Fidel Castro”, exprimindo “a vergonha e a cólera” de intelectuais franceses que condenavam a autocrítica extorquida do poeta cubano Herberto Padilla.
Nesse reinvestimento de uma parte do meio intelectual francês, que nos anos 1960 passou da defesa da União Soviética — com a imagem abalada desde 1956 — à exaltação de um Terceiro Mundo depositário das esperanças revolucionárias, a Guerra do Vietnã haveria de se tornar rapidamente um dos domínios privilegiados da transferência, e Jean-Paul Sartre desempenhou aí um papel decisivo. Não apenas assinou numerosas petições condenando a intervenção americana no Sudeste Asiático, mas fez parte, também, do “Tribunal Russell”, reunião de escritores e cientistas do mundo inteiro que se propunham denunciar os crimes de guerra no mundo, e que se pronunciaram pela culpabilidade, nesse domínio, dos Estados Unidos no Vietnã. Encarregado de redigir os considerandos desse veredicto, Sartre apontou a vontade deliberada de exterminar e promulgou um veredicto de “genocídio”. Ele acrescentava: “Os vietnamitas combatem por todos os homens, e as forças norte-americanas, contra todos”. Essas declarações sartrianas pesarão muito, dez anos depois, quando chegar o momento, para os intelectuais franceses, das desilusões a propósito do Vietnã. Quando Sartre se engajar, como veremos, em favor dos boat people em 1979, esse engajamento será diversamente apreciado na França: para uns, favoráveis ao filósofo, será visto, como os precedentes, na continuidade da ação de uma vida a serviço da justiça e contra a opressão; para outros, mais perplexos ou reticentes diante das tomadas de posição de Sartre, esse engajamento final será colocado sob o signo da contradição entre as posições e as declarações sucessivas do filósofo, uma vez que a existência, no final dos anos 1970, dos boat people — que fugiam por mar do regime comunista imposto ao Sul a partir de 1975 —, contradizia o fato de que os vietnamitas comunistas haviam combatido na década precedente “por todos os homens”.
Por ora, em meados dos anos 1960, Sartre radicaliza ainda mais seu antiamericanismo sob o efeito da Guerra do Vietnã. Assim, em 1965, quando é convidado por universitários americanos para ir à Universidade de Cornell e lá pronunciar uma conferência, ele justifica sua recusa dizendo que sua ida seria interpretada pelo Terceiro Mundo como uma visita ao “inimigo”. Pois, explica Sartre, no Vietnã se enfrentam “um país superindustrializado” e “um grupo de camponeses pobres, perseguidos, obrigados a fazer reinar em suas fileiras uma disciplina de ferro”. Assim, é nesse contexto de radicalização que o filósofo, bem como outros intelectuais franceses, irá se posicionar em relação ao surgimento da crise de maio de 1968. Desde o início Sartre assume, pública e firmemente, posição a favor do movimento estudantil. Mas este, na verdade, compunha-se de aspirações ideológicas bastante ambivalentes, ao mesmo tempo marxistas-leninistas e libertárias. A tal ponto que uma das questões colocadas retrospectivamente pelo Maio de 1968 ao historiador, questão essencial para a compreensão das décadas seguintes da história intelectual francesa, é esta: nas relações complexas mantidas pelos intelectuais franceses com o marxismo, a primavera de 1968 foi um trampolim que deu a essa ideologia um novo impulso após as decepções vindas do Leste Europeu, especialmente em 1956, ou foi um para-choque no qual ela veio a morrer? Aparentemente, no imediato pós-maio, o marxismo continua a impregnar o vocabulário e parece então ter readquirido impulso. Mas a década seguinte mostrará que não foi assim: na evolução do comportamento e das mentalidades que conhece então a sociedade francesa, o componente “libertário” de maio de 1968 é que deixou sua marca, bem mais que a outra vertente.
No seio dessa dupla dimensão ideológica, Sartre moveu-se com tanto mais facilidade quanto cada um dos dois componentes podia ter a impressão, se não de estar sempre em fase, pelo menos de estar em relativa proximidade afetiva e ideológica com o filósofo. Por isso ele foi ovacionado pelos estudantes no grande anfiteatro da Sorbonne ocupada. E essa ovação feita a Jean-Paul Sartre, por jovens nascidos após a Segunda Guerra Mundial, é essencial para compreender seu lugar singular na história dos intelectuais franceses. Através desses jovens, com efeito, uma nova geração era tocada, e Sartre adquire este estatuto único entre seus pares, o de intelectual intergeracional. Várias jovens gerações sucessivas foram assim concernidas, depois de 1945, não apenas pela obra sartriana — nesse domínio, porém, não há especificidade, pois a recepção de um pensamento desdobra-se necessariamente ao longo de várias décadas —, mas também pela influência direta de suas tomadas de posição políticas.
3. O TEMPO DO QUESTIONAMENTO
De resto, a influência de Sartre haveria de continuar por vários anos ainda. Ele mantém uma grande atividade de peticionário e, principalmente no início dos anos 1970, está muito próximo dos movimentos de extrema esquerda francesa e europeus, que ele diz serem o fermento das evoluções políticas e da luta contra as democracias liberais, as quais continua a considerar então “burguesas”. Portanto, ele continua sendo nessa época, mais do que nunca, a encarnação na França dos grandes engajamentos da extrema esquerda ao longo das décadas que seguiram a Segunda Guerra Mundial. Mas, a partir de meados dos anos 1970, o meio intelectual francês conhece uma profunda crise ideológica, provocada por vários abalos sucessivos. O “efeito Soljenitsin”, em primeiro lugar, criado pela grande repercussão na França do Arquipélago Gulag, a partir de 1974, dá início a um processo de questionamento ideológico do marxismo, não apenas à direita mas também, agora, à esquerda. Uma reflexão antitotalitária se desenvolve, vivificada na segunda metade da mesma década por outros abalos. A morte de Mao, em 1976, é seguida de uma reação em cadeia que conduz a uma forte erosão da imagem da China, até então muito favorável entre numerosos intelectuais franceses.
Depois, é o contragolpe do êxodo dos boat people, que abandonam o Vietnã comunista em condições dramáticas, e a descoberta da tragédia cambojana — em três anos, mais de um quarto da população é assassinada pelos Khmer Vermelhos, no poder desde 1975 — que abalam ainda mais profundamente esses intelectuais. O final da década representa claramente uma série de “anos órfãos” (Jean-Claude Guillebaud) para o meio intelectual francês, privado das grandes causas que o haviam mobilizado recentemente, dos grandes modelos políticos que o haviam entusiasmado, e da ideologia, o marxismo, que sustentara essas causas e esses modelos. Antes mesmo da implosão dos regimes comunistas no Leste, que ocorrerá uma década mais tarde, no final dos anos 1980, há entre 1975 e 1979 uma virada na configuração ideológica francesa: recuo do marxismo, corrosão dos modelos revolucionários alternativos que haviam substituído a União Soviética quando a imagem desta começou a se turvar, e reflexão crescente sobre o fenômeno totalitário são alguns indicadores dessa mudança de configuração. Com uma consequência importante: os mestres de pensamento que haviam encarnado ao longo das décadas essa extrema esquerda e alimentado sua ideologia foram atingidos pelo contragolpe da crise. E Jean-Paul Sartre, pela posição eminente que ocupara, viu-se na primeira linha do questionamento. É aí que reencontramos, de maneira bastante emblemática, o amigo de juventude que depois de 1945 se tornou o adversário ideológico, Raymond Aron. Com efeito, a crise da segunda metade dos anos 1970 ocasionou uma espécie de contradança entre os dois homens. Sartre, que morre em 1980, será ao longo dos anos seguintes atacado com frequência a título póstumo: ele, que teorizou o “dever” de engajamento e o colocou a seguir em prática durante décadas, tornando-se o intelectual de esquerda mais em evidência, será o suposto responsável dos erros supostos dessa esquerda. Tivessem ou não fundamento os ataques dirigidos contra ele, Sartre tornou-se então uma espécie de bode expiatório nesse momento de exorcismo e de expiação. Ao mesmo tempo, Raymond Aron, até sua morte em 1983 e a seguir a título póstumo, ver-se-á reconhecer um lugar eminente pela maior parte dos observadores, quando antes, durante décadas, estivera relativamente isolado em razão de seus engajamentos de intelectual liberal. Esse eco tardio e póstumo era também tributário da contradança em curso: no momento em que Sartre se via em parte no ostracismo, Raymond Aron, movido pela onda liberal que se erguia naquele momento, aparecia como o intelectual engajado a quem a história dava razão, na medida em que seus combates haviam denunciado, bem antes de muitos outros intelectuais, os desvios e os crimes dos regimes totalitários.
No final de suas vidas, porém, foi dada uma ocasião aos dois homens de tomarem uma iniciativa comum: com efeito, ambos foram ao Elysée em junho de 1979 para defender, junto ao presidente da República, Valéry Giscard d’Estaing, a causa dos boat people. A foto do aperto de mãos deu a volta ao mundo, mas seus respectivos partidários insistiram que essa atitude comum não procedia das mesmas motivações e não podia ser interpretada do mesmo modo. Os intelectuais favoráveis a Raymond Aron sublinharam que o homem permanecia coerente consigo mesmo nesse apoio público aos boat people: tendo combatido a vida toda o comunismo, muito logicamente ele defendia mais uma vez as vítimas do comunismo. Quanto aos amigos de Sartre, eles observaram que o filósofo se levantava de seu leito de dor — na época estava doente e cego — para dar seu apoio a vítimas, e que agia assim em continuidade com seus combates a vida toda contra a opressão dos fracos pelos poderosos. Ao que seus detratores responderam que o mesmo Sartre defendera, quinze anos antes, os comunistas vietnamitas, vistos claramente como os opressores dos boat people, e que era lícito esperar de um intelectual mais coerência.
Na verdade, através dessa última ação pública de Sartre e dos julgamentos contrastados que ela suscitou tanto naquele momento como a seguir, era, de maneira mais ampla, toda a questão do engajamento ou do silêncio dos intelectuais que se via colocada. Onde está a grandeza do homem de cultura ou de ciência? Na ética da convicção ou na de responsabilidade? Na denúncia dos poderes ou na enunciação das escolhas possíveis para um poder democrático? O debate sobre os engajamentos políticos de Jean-Paul Sartre, que ocorreu durante sua vida e prossegue, a título póstumo, de 25 anos para cá, é nesse aspecto emblemático das respostas diferentes e antagônicas que os próprios interessados, isto é, os intelectuais, podem dar a tais questões.
Tradução de Paulo Neves
Notas
[1] Deus romano bifronte, protetor das entradas e das saídas, origem do nome do mês de janeiro. (N. T.)