2017

Ladrões da utopia: uma crítica tardia do entretenimento que serviu de linguagem a um sonho de esquerda

por Eugênio Bucci

Resumo

O apego à razão tem nos levado a crer que é por meio da linguagem que a civilização suplanta a barbárie. Acreditamos que a guerra principia onde o diálogo fracassa e que a paz só se constrói pela boa comunicação entre as partes. Entretanto, sem prejuízo dos ideais pacifistas, somos obrigados a admitir a contrapelo que não apenas pode haver violência na linguagem como a violência também se articula como linguagem. Entre tantas outras evidências, os protestos de rua têm dado curso a essa possibilidade. Desde meados do século xx, eles se diferenciaram como um recurso a mais a serviço da propaganda política na pólis, mobilizando códigos que fazem alusão à violência e, em tensões extremas, são violentos em si mesmos, seja da parte dos que protestam, seja da parte dos que tentam reprimi-los. E mesmo aí, mesmo quando evoluem para escaramuças mais ou menos ásperas, mais ou menos desabridas, os protestos são comunicação. Um certo grau de violência, neles, funciona como publicidade. No rumor dos protestos, a violência é linguagem.

Marchando nas ruas, grupos e causas afirmam “nós existimos”, “fazemos diferença”, “temos o direito de ser ouvidos e vistos na paisagem urbana”. A partir das ranhuras da cidade, projetam mensagens em signos que combinam palavras, imagens e coreografias próprias que podem incluir a pancadaria e escorrem nas praças e avenidas não como selvageria desgovernada – mas como linguagem. Os protestos assumem a forma de precipitados signos líquidos em contraste direto com as cristalizações linguísticas fixas do espaço urbano, como uma estátua, um monumento ou uma catedral.

Hoje, a ordem urbana conforma, contém e expressa, ela também, uma linguagem própria, igualmente mediada por imagens. Das placas de trânsito às antenas luminosas que sinalizam a proximidade do aeroporto para os aviões, do traçado amplo das vias de alta velocidade às conexões elétricas ou digitais, quase microscópicas, dos fios subterrâneos, essa ordem obedece a protocolos linguísticos bem estabelecidos e, não nos esqueçamos, bastante globalizados: todas as cidades do mundo, cada vez mais, parecem falar uma mesma língua ordenadora. A cidade resulta de um complexo de signos interconectados como circuitos pelos quais os sentidos sociais se processam e se firmam, o que faz da urbe uma planta linguística.


Mais ou menos como o planeta Terra visto do espaço, o cartaz do novo ciclo da série Mutações:[1] o novo espírito utópico é azul. Como a Terra, é bonito, agrada aos sentidos e é um lugar intrigante.

Ao alto, no canto direito, vemos o logotipo da Petrobras. O símbolo se compõe das letras maiúsculas B e R, em tipos não serifados, bojudos, inclinados para a direita, em itálico. Formam um par compacto, centralizado numa moldura quadrada. À direita da caixinha, segue-se o nome da companhia, escrito por extenso, também em maiúsculas. É a assinatura do logotipo.

A diagramação reservou a faixa superior para o selo da estatal, que cintila como estrela solitária. Ali fica o céu do pôster.

O observador menos apressado notará, bem na base da mancha formada pelo quadrado e pelo nome da empresa, o verbo apresenta. Não é um verbo qualquer. Desde os tempos do circo, do teatro de revista e, depois, dos programas de auditório do rádio e da televisão, esse verbo é pronunciado por aquele que brinda o respeitável público com uma atração digna dos palcos internacionais. Agora, na era do entretenimento globalizado, ubíquo e ininterrupto, com seus patrocínios faraônicos, vem sendo conjugado preferencialmente pelo patrocinador. Quem apresenta é quem paga.

No nosso cartaz, o apresenta vem em caixa-alta, numa tipologia de hastes finas, mais discreta. Discretamente, transforma o selo da Petrobras em sujeito de uma oração, que começa a se formar bem ali: “PETROBRAS APRESENTA”. Mas apresenta o quê? O objeto direto irrompe em letras graú­ das, ainda que em caixa-baixa: “o novo espírito utópico”.

Espere. Há algo de estranho no ordenamento dos vocábulos. A expressão “o novo espírito utópico” não está na ordem direta. O design, caprichoso e benfeito, pôs a palavra utópico à frente e acima das demais, de tal modo que a frase que deveria ser “Petrobras apresenta o novo espí­ rito utópico” adquire outra conformação: “Petrobras apresenta utópico, o novo espírito”.

Nessa configuração, o termo utópico já não soa como adjetivo, mas como um substantivo, ou como um apelido carinhoso. Parece nomear um mascote, não bem um mascote esportivo, mas possivelmente um mascote acadêmico. Mais que um animal de estimação, teríamos um espírito de estimação: “utópico, o novo espírito”. As duas leituras possíveis bifurcam o sentido.

A visualidade do cartaz também tem duplos sentidos e cisões. O azul-claro do fundo, homogêneo e chapado, não evoca apenas o céu. Posso vê-lo como a água do mar. As imagens de bolhas, fotografadas com foco perfeito, sugerem um ambiente aquático, borbulhante. Não, não se trata de fervura. O que temos ali são águas calmas, luminosas, como seriam as águas do mar vistas por um mergulhador tranquilo, bem abaixo da superfície ensolarada. Só que não sabemos se as coisas ali estão aflorando na direção do ar, do céu, ou se afundam para a escuridão.

Se o que aparece nas fotografias são bolhas de ar, que fluem para o alto, a imagem é otimista. Se o que aparece é uma dessas esferas de vidro transparente, que têm bolhas do lado de dentro e servem de peso sobre a papelada no tampo de escrivaninhas, aí, nesse caso, a imagem é assus­ tadora. Atiradas ao mar, essas bolas de vidro afundam como plataformas a pique. Desaparecem para sempre.

Pois bem, e agora? Como interpretar essa peça gráfica? Ela evoca leveza luminosa ou denota um naufrágio obscuro?

Se pensarmos na marca da Petrobras e no que ela representa, a ambiguidade se acentua. De certo ângulo, esse logotipo simboliza a soberania nacional, a independência, o desenvolvimento econômico. Inadvertidamente, entretanto, passou a sinalizar comportamentos menos edificantes, para dizer o mínimo.

À luz (ou à sombra) dessas ambiguidades, de que modo devemos entender a palavra utópico e seu entorno visual? Comporão uma força emancipadora, que emerge para a luz? Ou um sonho que fez água? Anunciam limpidez ou traem um embuste?

Não percamos de vista que esse cartaz nos interpela nos moldes indisfarçáveis da linguagem da indústria do entretenimento, cuja matriz significante não é neutra. A Petrobras, quando apresenta uma atração cultural, espera aportar uma carga positiva e favorável para a sua própria imagem. No nosso caso, aqui, a presunção procede? O pensamento crítico das conferências, como esta minha, é compatível com a estratégia de marketing da companhia estatal? Quem promove quem? Quem flutua? Quem submerge?

Essas e outras interrogações acerca das relações entre pensamento e entretenimento estarão conosco mais adiante.

O presente livro parte de um diagnóstico acertado: tem-se falado pouco de utopia no Brasil, e não apenas no Brasil. Já sabemos que, em parte, o vazio se explica pela dissintonia entre a substância evanescente da utopia, inclinada para o que é longínquo, inalcançável até, e a gramática da política, ocupada pelo fato, pelo factual e pelo factível. Em contraste com a imaterialidade das conjecturas utópicas, a política por vezes aderna, carregada com o que pesa demasiadamente, como o chumbo, ainda que seja um peso volátil, como a mentira, a tecnologia e o dinheiro. Nessa perspectiva, falar de utopia desorganiza a ação política mais cotidiana e gera desconforto prático no debate condominial a que vem se reduzindo o debate público.

Não é só isso. O sonho utópico perdeu espaço para o individualismo narcisista, na mesma razão em que a ordem do simbólico perdeu terreno para a ordem do imaginário. Além do que, o desmoronamento dos regimes alegadamente socialistas, um desmoronamento não apenas econômico e político, mas moral, que deixou órfãos ideológicos entre os escombros, contribuiu para o que Adauto Novaes – na primeira de suas “Onze notas sobre o novo espírito utópico”, no catálogo deste ciclo de conferências – chama apropriadamente de “triste silêncio”.

De minha parte, só posso aduzir. Mas penso que há outro fator a ser considerado. Ao menos no Brasil, sinto que há uma força inibidora difícil de apontar com precisão, mas de forte presença. Se deixamos de falar de utopia, não foi apenas porque sentimos uma saudade recolhida do muro de Berlim. Nem pensar. Também não foi porque teríamos nos rendido ao gozo do consumismo imediatista (isso se deu com alguns, mas não com todos). Se paramos de tocar nesse assunto foi porque, em algum lugar, de alguma maneira, um sentimento difícil nos travou. Esse sentimento se aproxima do que poderíamos entender como vergonha, mas talvez não seja exatamente isso.

Até pouco tempo atrás, bem pouco, nós não nos inibíamos. Ao contrário, tivemos a nossa utopia e falávamos dela com altivez e entrega. O problema é que ela nos foi tirada. O problema é que ela nos foi traída. Ficou incômodo falar disso, pois falar disso implica olhar para o que houve de antiutópico dentro da utopia que tivemos.

Digo sim ao chamamento de Adauto Novaes, no texto ao qual já me referi. “Para sair da barbárie – era dos fatos-, voltemos, pois, às utopias”, ele escreve. Não vou contrariá-lo. Voltemos às utopias. Apenas me permito a licença de tocar em alguns poucos fatos da nossa barbárie surda. Tentarei evitar a armadilha de fazer de conta que eles não estão a nos atropelar como tanques de guerra sobre o asfalto.

Vou vasculhar a nossa barbárie mais próxima como um catador de detritos nos lixões das metrópoles. Quero ver se encontro elementos para a necropsia de um sonho golpeado. Quero pensar com a vivência do militante que fui, como um crítico da cultura e como um cronista atrasado das memórias que restam. Mais do que fazer uma conferência, acho que vou contar uma história. Tentarei falar com leveza, de modo descomplicado, mas terei de falar daquilo que não cheira bem.

O revés não é de hoje. Voltemos um pouco no tempo, a setembro de 2007. Naquele mês, na edição número 73 da revista trimestral Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores, Maria Rita Kehl escolheu a palavra fatalismo para dar título à coluna que mantinha na última página. Em tom de presságio, ela escreveu: “Chamamos de fatalidades as grandes catástrofes naturais diante das quais o engenho humano pouco ou nada pode”. Em seguida, Maria Rita comentou uma notícia rumorosa daquelas semanas: a vitória do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) no Conselho de Ética do Senado, que, graças à colaboração de senadores petistas, conseguira se livrar de um pedido de cassação. A ajuda de “muitos senadores do próprio PT” se devia a “motivos obscuros” que excediam “o pretexto da ‘governabilidade”‘.

Relembro um trecho:

Se desde 2005 os eleitores e militantes não sabem quantos, entre os políticos eleitos pelo PT, permanecem petistas, agora temos a impressão de que a sigla nos foi definitivamente roubada. Aqueles que se consideram petistas em função do compromisso histórico com o projeto político e os valores éticos que o partido um dia representou perderam qualquer condição de ostentar o simpático símbolo da estrelinha[2]

Foi uma crônica de adeus. Depois de enviar seu texto aos editores, a autora disse que estava se despedindo da coluna. O adeus foi avisado ao leitor num post scriptum lacônico da redação, ao pé da página: “Maria Rita Kehl comunicou seu afastamento do quadro de colunistas de Teoria e Debate, infelizmente, pelos motivos aqui expostos”[3].

Quero voltar aqui, rapidamente, à menção. da cronista ao ano de 2005. “Desde 2005, os eleitores e militantes não sabem quantos, entre os políticos eleitos pelo PT, permanecem petistas”, ela diz. O que houve em 2005? Foi quando surgiram os primeiros sinais daquilo que viria a ser conhecido como o escândalo do “mensalão”. Não que inexistissem nódoas anteriores a 2005. A história pregressa da legenda carregava capítulos tortuosos, plúmbeos, mal explicados, mas as irregularidades reveladas naquele ano abalaram mais diretamente o ânimo e a confiança de uma parcela expressiva dos militantes.

Desde então, outros capítulos tortuosos se seguiram. Agora mesmo, por exemplo, as irregularidades detectadas na Petrobras constrangem os filiados. As cifras mudaram, para cima. Os nomes dos envolvidos, nem tanto. Em 2015, anodesta conferência, Renan Calheiros continua senador e, como em 2007, ocupa a presidência do Senado. Embora viva de pirraçar o governo federal, conta com o Palácio do Planalto para dar a volta por cima e para manter o controle de sua fatia de poder no coração da República. Como em 2007, deve muito ao PT.

A crônica falava também dos “valores éticos que o partido um dia representou”. Esses valores estavam no cerne da utopia. A aspiração de conciliar a atividade política a uma conduta pública menos viciosa constituía o eixo vital do sonho dos ativistas. Eu era um daqueles ativistas. Sabíamos que a conjugação entre política e virtude moral estava longe de ser uma trivialidade[4]. Mas acreditávamos que valeria tentar. E tentamos. Recapitulemos as fibras que teciam. a trama utópica. Comecemos pelo ideal da igualdade, que desembocava em outro, o ideal do socialismo democrático – este, reconheçamos, nunca se expressou num projeto claro, mas resistiu como ideal vivo por muitos anos. Sem a ideia de igualdade, nada feito. A desprivatização do Estado também aparecia como um imperativo inegociável. A solidariedade, claro, assim como a pretensão de promover um equilíbrio inovador entre os desenvolvimentos econômico, social e humano. Esse equilíbrio era um pré-requisito e também a finalidade da construção da democracia. Nós não separávamos direitos humanos de democracia, em nada.

Poderíamos citar outras balizas, outras metas, mas não é necessário. O que importa é que, no centro de gravidade da constelação de bandeiras democráticas, a ética predominava, qualquer que fosse o ângulo de mirada, e era ela que irradiava um sentido humanista para cada feixe da ação política. Os militantes não defendiam (ou: não defendíamos) uma ética utópica, como diziam os adversários. Postulavam uma utopia ética. Repito: uma utopia ética, que cumpria a função de articulação mediadora entre o universo da política, necessariamente pragmático, e a esfera da utopia, com sua intangibilidade inspiradora. Nessa utopia ética, o como fazer precedia o que fazer. Os meios eram o princípio. Os meios eram o verbo.

Elo de força imantada que ligava a política à utopia, a ética emprestava ao sonho um toque de possível. Bem a propósito, devo citar uma vez mais o filósofo Adauto Novaes. Comentando HansJonas no texto introdutório do nosso catálogo, ele diz que hoje nos cabe “trabalhar utopicamente pela ética da responsabilidade – uma ética voltada para o futuro – para tentar salvar o que nos resta”. Não há utopia que não se expresse também como ética. Assim também nós pressentíamos, naqueles tempos idos.

Arrisco-me a propor que acalentávamos uma utopia de meios, mais do que uma utopia de fins. Nela, os métodos não se subordinavam hierarquicamente aos fins, posto que eram os meios éticos que promoveriam a ponte entre a ação política no presente e o devir utópico. Desse modo, a utopia se tornava mais próxima e menos etérea, ganhava materialidade no processo mesmo de sua procura. Os meios justos que imaginávamos empregar a faziam presente, viva, verdadeira.

Aquela era uma utopia radicalmente distinta de suas antecessoras. Basta comparar. Nos anos 1960 e 1970, parte da esquerda apostou na “violência revolucionária” da guerrilha. Já a esquerda que confluiu para o PT, poucos anos depois, pregava métodos pacíficos. As liberdades democráticas deixavam de ser vistas como um atalho e passavam a ser pensadas e tratadas como base da transformação social. A democracia era ao mesmo tempo o destino escolhido, o ponto de partida e a regra de conduta.

Várias outras bandeiras ratificavam essa visão política. A fórmula da autogestão, por exemplo. Ela despontava nas teses debatidas nas instâncias partidárias como um prenúncio do futuro desejado, um ensaio. A bandeira da autogestão também sinalizava a diferença entre a utopia pe­ tista e suas antecessoras. Era um antídoto contra métodos burocráticos (característicos do stalinismo), assim como uma oposição contra o autoritarismo e o discurso da competência (da ditadura militar). Era também, claro, um manifesto prático de oposição à concentração de poder e de capital. Outra bandeira da mesma família, a defesa da transparência na gestão da coisa pública denotava a mesma distinção. Todas as bandeiras políticas, sem exceção, eram princípios éticos ou a eles se conectavam muito diretamente.

O programa de ação do partido nascente, na sua integralidade, descendia da utopia ética. Por que lutar contra a desigualdade? Por uma questão de justiça. Por que refundar a democracia brasileira? Porque os princípios de solidariedade ativa, de liberdade (formal e material) e de abertura do poder a todos os cidadãos assim o exigiam. Não havia uma única vertente de ação que pudesse ser apartada da ética. Os meios não eram contingenciais, laterais, instrumentais. Eles consubstanciavam a utopia. Eram a própria utopia.

Não seria exagero dizer que, naqueles tempos, o movimento fascinava mais que os objetivos, pois era do movimento que o ideal extraía seu vigor e também o seu desenho, a sua fisionomia. A máxima segundo a qual os fins justificam os meios era letra morta e letra mortal. No lugar dela florescia uma nova convicção: a de que são os meios que determinam os fins, isto sim. Meios justos, bons e igualitários conduziriam a uma sociedade justa, livre – homogênea em seus padrões econômicos de vida; heterogênea em suas culturas e seus modos de viver.

Então, quando veio a descoberta de que uma coisa (a utopia) se perdera da outra (a ética), o golpe foi- e ainda é – difícil de assimilar. Vem desse trauma, ao menos em parte, a dificuldade presente com esse assunto, a utopia. Não nos enganemos. O fracasso ético esteve na gênese do fracasso político. A traição ética não matou os fins, posto que os ideais não morreram, mas degradou os meios e, com isso, dissolveu a força imantada que cumpria a função de elo para vincular política e utopia.

O século XX ensinou que uma filosofia que liberta e emancipa não cabe numa política que aprisiona e corrompe. Até o século XIX, alguém de boa intenção poderia insistir na visão oposta. Depois da primeira metade do século XX, não deu mais. O PT, que nasceu contra o anti-humanismo do socialismo autoritário ou totalitário, poderia ter errado em tudo – não nisso. Ainda que desvios éticos fossem até esperados, em algum grau, pois já eram conhecidas ilicitudes de outras agremiações socialistas e democráticas recentes, em outros países, o PT não poderia ter errado aí. Não poderia ter errado com a intensidade que errou.

A ilusão prestativa de que meios viciosos poderiam ser tolerados na defesa de um suposto interesse universal foi longe demais. Em algum desvão da estrada, prevaleceu o entendimento de que atalhos contrários à moralidade pública poderiam abreviar o caminho para a justiça social, como numa adaptação degradada, errada mesmo, da crença liberal de que os vícios privados concorrem para as virtudes públicas. Lembremos, apenas de passagem, que, na crença liberal, os vícios privados não incluíam corrupção. Nisso, o liberalismo não foi tão primitivo.

O que houve na nossa trajetória foi um erro de incompreensão histórica, um erro de princípio e, dada a sua carga, um erro de grau. Admitir o desvio de recursos públicos para fins privados e ocultos não enaltece nenhum governo, qualquer que seja a corrente política. A corrupção vi­ tima sempre os mais frágeis, os mais necessitados, seja nos hospitais sem medicamentos, seja nas escolas sem merenda. No caso da “sigla roubada”, porém, o estrago foi pior. Além de desamparar os carentes, a quebra do decoro desorientou a lógica da administração pública, aprofundou a ine­ ficiência do Estado e, no fim da linha, voltou o poder contra o povo em nome do qual deveria ser exercido. Não apenas não protegeu os ideais de justiça social e de direitos humanos, mas desmoralizou tragicamente as políticas públicas de combate à desigualdade, que perderiam verbas e, mais ainda, perderiam respaldo na opinião pública. A máquina que se supunha depositária da velha utopia passaria a atuar no sentido diametralmente oposto. Sem se dar conta, passou a ter compromissos cada vez menos com as lutas sociais e cada vez mais com os especuladores do capital clandestino e seu egoísmo desumano.

Há um texto de Mário de Andrade – não assinado, mas de autenticidade comprovada – que faz um delicado registro do que, para ele, era um renitente vício brasileiro: o egoísmo. Publicado num programa do Theatro Municipal de apresentação do concerto de 2 de março de 1936, faz comparações imaginativas entre a música e a vida nacional. Quase na conclusão, apresenta uma radiografia desconcertante da nossa mentalidade: “O nosso povo tem o defeito grave de ser muito individualista e por isso, em vez de se apaixonar e lutar pelos grandes ideais de todos juntos, cada qual cuida de si e vive se lastimando dos seus sacrifícios pessoais. Isso é egoísmo e falta de compreensão da humanidade”[5].

Essa pequenina joia faz parte. de um livro organizado por Carlos Augusto Calil e Flávio Rodrigo Penteado, que acaba de ser lançado: me esqueci completamente de mim, sou um departamento de cultura (grafado na capa em letra minúscula, como no nosso cartaz; Mário também gostava da caixa-baixa). O escritor que publicara Macunaíma oito anos antes, em 1928, alertava que seu herói mentiroso, sem caráter, avesso à solidariedade e incorrigivelmente egoísta continuava imperante. Era por egoísmo que os ouvidos da gente brasileira, segundo ele, tinham pouca propensão à música polifônica, em que melodias autônomas convivem dentro de uma mesma partitura, mais ou menos como, na democracia, diferentes narrativas podem conviver sem ter que desejar eliminar umas às outras. Macunaíma não gostava e ainda não gosta de polifonias, assim como não gostava e ainda não gosta de coletividades plurais – a não ser aquelas que reforçam a sua individualidade pessoal. Macunaíma não quer saber da razão dos outros, da história dos outros. Quer pegar o seu e pronto. Macunaíma não perde tempo com utopias.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também reclamou do egoísmo. Agora mesmo, em 2015, no dia 22 de junho, durante um seminário internacional promovido pelo instituto que leva seu nome, afirmou que “o PT perdeu um pouco da utopia”. A declaração, mesmo sendo amena (ele diz que se perdeu apenas “um pouco” e não toda a utopia), virou manchete. E Lula disse mais: “Hoje a gente só pensa em cargo, em em­ prego e em ser eleito. Ninguém mais trabalha de graça”.

Notemos que ele diz “a gente”, não diz “vocês aí”. Logo, a crítica que dirige ao partido serve contra si mesmo. O ex-presidente é o crítico e também o criticado.

Haveria nisso uma contradição? “Não! Ele é dialético!”, hão de se apressar a responder seus seguidores. “Lula não é contraditório. O que ele faz é uma autocrítica.”

Levemos o argumento a sério. Na tradição da esquerda, a palavra autocrítica adquiriu status de um ritual equivalente ao arrependimento religioso. Equivalente, mas não igual. A autocrítica não existe para reafirmar a velha ordem, como o faz o arrependimento religioso. O temente a Deus, quando renega o que andou praticando, reverencia a ordem contra a qual pecou. Pede o reingresso na velha ordem. A autocrítica é diferente. Não faz simplesmente um pedido de perdão. Embora tenham surgido elementos humilhantes de autoflagelação moral nas “autocríticas” da revolução cultural na China, o conceito mais consagrado de autocrítica não se reduz a uma rendição do indivíduo ao poder vigente.

Sobretudo quando o protagonista é um dirigente graduado, a autocrítica também propõe mudanças no status quo partidário. O sujeito questiona a própria conduta, sem dúvida, mas, ao lado disso, contesta a linha programática da organização a que pertence e reivindica a inauguração de um período novo. Tanto que, coerentemente, as autocríticas costumam vir acompanhadas da proposta de uma revolução interna.

No exemplo mais referenciado de autocrítica, Nikita Kruschev, no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, conclamou o partido a mudar suas práticas – isso depois de denunciar os tenebrosos crimes de Stálin. Foi um choque. Os comunistas que não tinham ido a Moscou e liam as notícias do congresso pela imprensa burguesa logo se uniram na incredulidade. No Brasil, os membros do PCB rechaçavam as informações publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, que reproduzia o material do New York Times, que por sua vez tinha conseguido com exclusividade os documentos do 20º Congresso. Até que os relatos co­ meçaram a chegar ao Brasil pelas vias oficiais do partido. Era tudo verdade. Stálin estava morto, Kruschev estava posto e os militantes, em sua maioria, acabaram fechando com o novo comando. Setores minoritários seguiram leais ao velho tirano, a quem conferiam – alguns conferem até hoje – títulos um tanto fanfarrões, como “farol do socialismo” ou “guia genial dos povos”.

Kruschev os deixou para trás. Revogou o culto da personalidade de seu antecessor e tomou posse do espólio burocrático. Promoveu uma higienização ideológica para reacender autoritariamente a chama do ideário soviético. Reabilitou a utopia oficial. A seu modo, realizou uma revolução interna. No mínimo, fez uma reforma.

O próprio Lula, no seminário em que se queixou do fim da utopia, também falou em revolução interna: “Eu lembro como é que a gente acreditava nos sonhos, como a gente chorava quando a gente mesmo falava. […] Fico pensando se não está na hora de fazer uma revolução neste partido, uma revolução interna, colocar gente nova, mais ousada, com mais coragem”[6].

É claro que não há paralelo possível entre. Lula e Kruschev. Embora existam, ainda hoje, stalinistas sinceros dentro do PT, o PT não é igual ao PCUS dos anos 1950. A única aproximação entre as duas situações é o receituário genérico de tripudiar sobre o passado, preservar o aparato burocrático e reavivar a utopia original. Kruschev logrou seu intento. Quanto a Lula, ainda não sabemos.

Sabemos apenas que ele parece conceber a utopia mais ou menos como uma senha para o trabalho desprovido de remuneração, um salvo-conduto para a mais-valia da militância. Fora isso, o que ele quer dizer com essa palavra? Enquanto aguardamos respostas conclusivas, façamos uma retrospectiva ligeira.

O termo utopia, a exemplo do termo autocrítica, tem larga tradição na esquerda. No começo, a utopia era vista como um defeito, uma tolice pueril. No século XIX, Friedrich Engels e Karl Marx desqualificaram sem tréguas o socialismo utópico. Utópico era tudo aquilo que não se filiava ao materialismo histórico, que eles entendiam como cientifico. A expropriação do capital, mais do que uma conquista política, seria, para os dois, um avanço da ciência.

Já no século XX, a palavra teve direito a uma revanche. Virou um signo do bem, sinônimo de solidariedade, de abertura de espírito, de desprendimento, de coletivização espontânea e feliz. Para ser socialista, não era mais preciso ter lido O capital num grupo de estudos. Não era preciso ser proletário de nascença. Nem sequer era preciso ser proletário naturalizado. Bastava ter boa-fé e disposição para trabalhar de graça. Na segunda metade do século XX, a utopia se expandiu em sua aura positiva e passou a ter colorações sentimentais. Os socialistas utópicos não eram mais os inimigos do materialismo dialético. Eram simpáticos, eram companheiros. Eram aqueles que se comoviam com John Lennon cantando Imagine, que se fiavam no ensinamento de Che Guevara de não “perder la ternura jamás”, que pregavam a foto de Bakunin na parede do dormitório, que decoravam frases de Rosa Luxemburgo, que faziam passeatas pelo pacifismo universal e discorriam profusamente sobre o denominador comum que haveria entre o movimento hippie e Jesus Cristo.

É possível que Lula, quando diz que “a gente chorava quando a gente mesmo falava”, tenha na lembrança esse universo romântico. As pessoas realmente se comoviam até as lágrimas. Mas por quê?

Chegou a hora do nosso reencontro com a indústria do entretenimento. A resposta a essa pergunta – por que as pessoas choravam? – passa pela dimensão estética do discurso político, que terminará por nos levar de volta ao entretenimento. Alguns ainda resistem à tese da estética da política e na política, mas a resistência é vã. O filósofo francês Jacques Ranciere mostra por quê[7].

“Há uma espécie de convergência entre formas artísticas performáticas e formas propriamente políticas”, diz ele[8]. Isso vale para as manifestações políticas de 2013 – e vale também para o crescimento do PT nos anos 1980-1990.

Para Ranciere, “existe na base da política uma ‘estética'”, o que “não tem nada a ver com a ‘estetização da política’ própria à ‘era das massas’ de que fala Benjamin”. A estetização da política, que atingiria o ápice no nazismo, não se confunde com o fenômeno apontado por Ranciere. “Essa estética não deve ser entendida no sentido de uma captura perversa da política por uma vontade de arte, pelo pensamento do povo como obra de arte.” A estética, nas palavras dele, refere-se agora a “um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência”. Seu campo é o domínio do “sensível”[9]. Para o filósofo, a estética seria uma “forma de experiência”, que “vai muito além da esfera da arte”[10].

Muito do que falo agora também se refere ao domínio do sensível. Não que eu vá procurar nele todas as explicações para o que se passou com a nossa utopia. Só o que posso perscrutar nesse terreno são sinais, fragmentos de eventos passados. Pode parecer pouco, mas será suficiente. Talvez seja até demasiado.

Por certo, o discurso do PT nos anos 1980-1990 não poderá ser resumido a uma estética, qualquer que seja o sentido da palavra. Não era um discurso limitado ao sensível. Havia lá o condensado de uma vivência material e histórica que elaborava carências concretas de liberdade e dignidade humana, traduzindo-as numa força política inédita, inventiva, consciente e transformadora. Mas, sem prejuízo dessa dimensão, o discurso que fazia chorar seus dirigentes e seus adeptos era uma expressão também estética. Tinha uma forma própria e, principalmente, uma linguagem característica.

No cerne da dimensão estética da política é forçoso que esteja a linguagem, agora considerada como repertório imagético, como um léxico particular e também como rede de estruturas narrativas. E qual foi a linguagem da utopia petista? Se havia uma dimensão estética naquela intensa experiência política e se sua dimensão estética mobilizava e era mobilizada por uma linguagem, que linguagem foi essa?

Para buscar a resposta, podemos partir de uma constatação inicial. A linguagem que acolheu aquele movimento, a linguagem na qual ele se refletiu, em que se fez signo de modo quase natural, intuitivo, encontrando ali seu plano de representação, tinha de ser uma linguagem familiar àquela sociedade, naquele período. Tinha de ser – e foi.

Havia naquela linguagem as componentes óbvias da forma do melodrama convencional, uma forma narrativa que foi massificada pela indústria cultural, desde seus primórdios, ainda no final do século XIX, e em particular pela televisão comercial brasileira da segunda metade do século XX. Essa forma narrativa soube mesclar a jornada do herói, sistematizada por Vladimir Propp[11], a outros enredos que consagram a vitória do bem contra o mal por meio da inocência como virtude e da força regeneradora do amor caridoso. Essa forma narrativa vem comovendo as gerações sucessivas e acumulando fortunas. Dos folhetins nos jornais diários, passando pelo cinema norte-americano e culminando nas novelas brasileiras, a forma do melodrama se firmou como receita imbatível há mais de cem anos e foi ela que definiu os moldes da cultura de massas no Brasil.

Em sua forma de expressão estética, a utopia petista aprendeu a falar a língua geral desse melodrama, com fluência e rara desenvoltura. Em meados dos anos 1990, falava aquela língua quase que sem nenhum sotaque proletário. Suas referências não vinham apenas da literatura marxista ou dos contestadores menos ortodoxos, que os marxistas chamavam de utópicos (no sentido pejorativo). Vinham também, e cada vez mais, da chamada cultura de massas, de uma cultura pop à brasileira, que fundia referências internacionais diversas em seus produtos nacionais. Nesse blend prazenteiro, Janis Joplin se fundia a Mercedes Sosa, Frida Kahlo se aliava a Madre Teresa de Calcutá, num pot-pourri que incluía também Cazuza e Lech Walesa, Martin Luther King e Gorbachev, Fidel Castro e Bob Dylan, ao som de um cancioneiro cujo arco se estendia do sertanejo das metrópoles à MPB em que ainda ecoavam balizas do realismo socialista, com seu proselitismo esquemático e sua pedagogia pretensiosa.

A linguagem da indústria ofertou os significantes necessários para representar o sonho e sua propaganda, mas não ficou só nisso. Forneceu, mais do que ferramentas publicitárias, uma gramática dos arquétipos, uma caixa conceitual, um modo de narrar que também levava junto um modo de pensar (ou de não pensar). O espetáculo de proselitismo que projetou a figura de Lula para o estrelato ensejava uma harmonia afinada entre o sindicalismo incipiente daquele novo operariado e as matrizes imaginárias da indústria. Naquelas representações iniciais, o modo de separar o bem do mal, o mocinho do bandido, era paulatina e imperceptivelmente preenchido pelo repertório da indústria capitalista da diversão. O discurso utópico – que era libertário e transformador, político até o fundo – não tinha como evitar a tendência de virar uma fábula cada vez mais melodramática. A partir daí, a utopia, que já tinha inflamado a ju­ ventude, encontrou meios mais eficientes para contagiar a classe média que não era metalúrgica.

Com ou sem ironia, também nisso o PT foi um produto genuíno da indústria brasileira. Além de ter sido gerada pelos trabalhadores das montadoras de automóveis que se fixavam no ABC naquele período – sua base social material, por assim dizer-, sua imagem foi gerada na língua da indústria cultural brasileira que fulgurava na televisão, nas novelas, nas canções de amor rebelde e na publicidade.

E não nos enganemos com a palavra entretenimento. Ela é indústria. Indústria pura. Embora, ainda hoje, seja usada como um sinônimo inofensivo de passatempo, de lazer, das atividades relaxantes a que as pessoas se dedicam nas horas vagas, no intervalo entre suas ocupações mais sérias, como o trabalho, o estudo e as práticas religiosas, essa palavra não designa um conjunto de diversões inocentes, mas uma indústria, um negócio global, dominado por conglomerados que faturam, cada um deles, dezenas de bilhões de dólares ao ano. Aliás, a própria palavra indústria mudou inteiramente de sentido com a Revolução Industrial. Antes, nomeava apenas uma habilidade humana, o tal engenho humano, como se diz. Depois passou a significar todo o campo fabril em sua totalidade. Com o entretenimento deu-se o mesmo. O termo deixou de pertencer ao grupo vocabular do piquenique, da matinê e dos folguedos para integrar-se ao sintagma do capital, designando o sistema de difusão de mercadorias culturais que fabrica o valor da imagem da mercadoria, ou o seu valor de gozo, no dizer de Lacan.

Pois essa indústria foi uma das fontes do Partido dos Trabalhadores. Muito já se falou das três fontes políticas do PT: o sindicalismo do ABC, as comunidades eclesiais de base da Igreja católica e as organizações marxistas que sobreviveram à ditadura militar. Prefiro chamar as três não de fontes políticas, mas de fontes discursivas. Faltava ainda identificar, naque­ le ativismo insubordinado e barulhento, a sua quarta fonte discursiva: a linguagem do entretenimento como veículo e como caldo de cultura não apenas imagética e instrumental, mas também conceitua!. Foi também por aí, embora não tenha sido por aí, que a utopia contestadora foi se amoldando ao gosto das massas urbanas.

Eram tempos encantados. O PT era ao mesmo tempo uma festa popular e uma igreja; um culto libertário, embora careta, e um exército da salvação; um carnaval de rua e a procissão sagrada. O entretenimento o embalava com naturalidade e até com certo charme. Entre a utopia tele­ visiva do PT e a novela O rei do gado, que foi ao ar em 1996, as diferenças plásticas eram mínimas, invisíveis ou mesmo inexistentes.

A adequação da propaganda do PT à linguagem da televisão comercial atingiu seu apogeu somente no ano de 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez para a presidência da República. Até aquele ano, havia pontos de tensão entre os dois repertórios: o da política de esquerda e o da indústria do melodrama. Havia contradições de fundo, arestas secas, mas as coisas iam se ajeitando como as águas num remanso até que, em 2002, a aderência se consumou completamente.

Não pretendo fazer generalizações injustas. Não quero reduzir a his­ tória do PT a um efeito de propaganda açucarada. Não é o que penso e também não é o que se passou. Mas me parece incontestável, hoje, que o peso do entretenimento nessa trajetória foi decisivo e instalou o ima­ ginário do mercado, como um enxerto, no caule do imaginário original da utopia. Entre um e outro, o sinal de igual ficava mais e mais aberto.

Pode-se alegar que todas as campanhas publicitárias de todos os partidos políticos brasileiros, a partir dos anos 1980, buscavam extrair vantagens das formas significantes da publicidade e do melodrama industrial. Isso é verdade cristalina. Com o PT, no entanto, essa tendência foi mais longe e foi mais fundo. E não saiu de graça.

O que se deu foi uma simbiose fértil e florescente. O jovem partido ganhou de presente da indústria uma linguagem supereficiente para seu proselitismo. Mas deu muito em troca. De início, deu um conteúdo vigoroso e inédito para as fórmulas gastas e cansadas do melodrama industrial. A vibração petista era uma ilustração viva para as formas significantes da indústria. Nas suas raízes sociológicas mais profundas, aquelas que vinham de baixo do barro do chão, na sua composição humana mais autêntica, o PT era o próprio conto de fadas que se encenava sobre as pedras do real. A matéria-prima do imaginário utópico realizava o sonho que a indústria do entretenimento acalentava de, um dia, contar uma história verdadeira.

E que história. A figura de Lula, pelo simples fato de existir, dava comprovação à saga do herói, como o retirante que, abençoado pelo destino, transubstanciava-se no selfmade man que salvaria os trabalhadores deserdados. O final feliz de novela adquiria seu lugar na realidade por obra do melodrama capaz de mudar o mundo. Ali estava ela, a reluzente utopia, bem ao alcance do controle remoto. Os bens de consumo virariam direitos fundamentais. O paraíso social cabia no monitor da TV.

Acontece que havia – e ainda há – um problema nessa simbiose, nessa aderência, e esse problema nunca se resolveu. Enquanto a indústria do entretenimento é por definição o altar mais alto do culto da mercadoria, a alma do PT, em seu período utópico, acalentava o desejo, ainda que tímido, de antepor limites à tirania do mercado, de rejeitar o mercado como a régua única das demandas humanas. No duelo entre os dois polos, a utopia se desnaturava aos poucos, cedendo a fantasias mal-arranjadas, como a crença de que a expansão do consumo capitalista de massa pode­ ria ser o canal de combate à desigualdade.

Deveríamos olhar para isso tendo em mente o diagnóstico de Guy Debord sobre o que, ainda nos anos 1960, ele chamou de “sociedade do espetáculo”.

[…] o espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo[…]. O consumidor real torna-se consumidor de ilusões. A mercadoria é essa ilusão efetivamente real, e o espetáculo é sua manifestação geral[12].

Não haveria por que acreditar que a publicidade do PT, satisfeita em se converter em apelo de consumo eleitoral, fosse escapar à lei geral do espetáculo. Se nada escapa, por que ela escaparia? Não apenas ela não escapou, como teve de pagar um preço alto – pois a simbiose e a aderência, como já foi dito aqui, não sairiam de graça. Na condição de altar-mor do fetiche da mercadoria, a indústria do entretenimento destila uma estética que não é neutra, não é inócua, não é inocente. Era essa estética que provocava lágrimas nos dirigentes e nos seus fãs quando a utopia petista começou a se tornar visível para as massas. Ao menos em uma de suas faces, aquilo que na história do PT comovia a ponto de fazer chorar não comovia tanto por ser utopia, mas por ser me­ lodrama. Comovia porque operava com a linguagem da indústria, com os truques estéticos sintetizados pela indústria, que as massas adoravam. Aquela estética não vinha dos sonhos socialistas. Ela vinha do mercado. Disso se desdobrou uma inversão perversa. Ao falar a linguagem do entretenimento para embalar sua utopia, o PT começou a incorporar uma estética mercadológica. Sua estrela virou logomarca. Para os outros partidos políticos de peso, a proximidade com o melodrama industrial e com a publicidade comercial não redundaria numa incongruência de­ sestruturante. Para o PT, custou caro demais. Ao comprar a estética da

indústria do entretenimento, comprou junto a estética da mercadoria.

A estética da mercadoria deve ser tomada por nós com o mesmo cuidado com que tratamos da estética na política. Em A crítica estética da mercadoria, Wolfgang Fritz Haug cuida de esclarecer: “Uso o conceito de estético de um modo que poderia confundir alguns leitores que associam-no firmemente à arte”.

Ele continua:

A princípio, uso-o no sentido cognitio sensitiva – tal como foi introduzi­ do na linguagem erudita-, como conceito para designar o conhecimento sensível. Além disso, utilizo o conceito com um duplo sentido, tal como o assunto exige: ora tendendo mais para o lado da sensualidade subjetiva, ora tendendo mais para o lado do objeto sensual.[…] De um lado, a “beleza”, isto é, a manifestação sensível que agrada aos sentidos; de outro, aquela beleza que se desenvolve a serviço da realização do valor de troca e que foi agregada à mercadoria[13].

Notemos que, nesse quesito, suas cautelas ao pronunciar a palavra estética se aproximam das que são adotadas por Jacques Ranciere. Para os dois, a estética se ocupa do sensível, não exclusivamente da arte. Haug não fica só nisso. Aponta a interpenetração entre as tramas melodramáticas da indústria e a estética da mercadoria, num trecho que ilumina o entendimento da traiçoeira aproximação entre a utopia petista e o culto da mercadoria. Diz ele: “As mercadorias retiram a sua linguagem estética do galanteio amoroso entre os seres humanos”[14]. Quer dizer: a mercadoria fala a linguagem do melodrama.

A aparência oferece-se como se anunciasse a satisfação; ela descobre alguém, lê os desejos em seus olhos e mostra-os na superfície da mer­ cadoria. Ao interpretar as pessoas, a aparência que envolve a mercado­ ria mune-a com uma linguagem capaz de interpretar a si mesma e ao mundo. Logo não existirá mais nenhuma outra linguagem, a não ser aquela transmitida pelas mercadorias[15].

É nesse sentido que a linguagem da indústria do entretenimento é a linguagem da estética da mercadoria. Por fim, Haug faz um alerta: “Os indivíduos servidos pelo capitalismo acabam sendo, ao final, seus servidores inconscientes”[16].

Não há como refutá-lo. Quando o espírito da velha utopia encontrou na linguagem do entretenimento o melhor feitiço para seduzir o eleitor, acabou se tornando servo da linguagem da qual imaginava poder se servir. A publicidade a serviço da utopia cantava para as massas as cantigas do fetiche da mercadoria. Que as massas acreditassem no fetiche da estrela seria de esperar. O que não se esperava é que alguns dos profetas da utopia embarcassem na mesma ilusão. Mas foi o que aconteceu. Alguns dos mais festejados profetas passaram a acreditar na mentira que sua verdade contava para os eleitores.

Em ritmo acelerado, a utopia foi cedendo lugar para egolatrias: o sonho de fama, fortuna e poder; um sonho de cinderela, talvez, de gata borralheira, da moça pobre que vira princesa, mas uma cinderela fálica, voraz. Essas ambições quebraram o encanto.

No dia 1º de janeiro de 2010, quando foi lançado o filme Lula, o filho do Brasil, com uma cinebiografia mistificadora do líder metalúrgico que se encontrava no exercício de seu segundo mandato como presidente da República, o feitiço já não funcionava tão bem. Patrocinado por um grupo de empresas simpáticas ao governo[17],o longa-metragem fazia uma concessão suprema ao melodrama e à sua indústria, tanto nas suas opções estéticas como no seu modelo de financiamento.

Em suas opções estéticas, embarcou na propaganda vulgar. Era tecnicamente benfeito, como se disse reiteradamente. Tinha atores competentes, alguns até talentosos. Havia no elenco duas ou três estrelas de Tv, o que também ajudava a engordar a bilheteria. À primeira vista, impressionava muito bem. Fora isso, porém, abria mão de ser arte: recusava-se a lançar um olhar, ainda que fugaz, para o desconhecido; seu único propósito era glorificar o conhecido, reafirmar o já posto. Dava-se por contente em promover a idolatria de um chefe de Estado em plena campanha eleitoral (2010 era ano de eleições gerais), empenhado em fazer de uma ministra, Dilma Rousseff, a sua sucessora. Por isso, era um filme muito ruim, apesar do esmero técnico.

Se existe o belo na arte que se formou com a modernidade, ele está no efeito do impulso de se afastar do manto do poder. A arte moderna se autonomizou em relação ao poder que a continha, desgarrou-se e se tornou um sistema à parte, outra forma de conhecimento. Sua beleza, se é que podemos chamá-la assim, deixou de se confundir com o ofício de maquiar o soberano e enfeitar seus ídolos, religiosos ou não, para mergulhar na aventura de se libertar. Nesse ponto, Lula, o filho do Brasil deu marcha a ré. Em lugar de ser livre em seu modo de olhar, preferiu bajular o poder e quis ser uma obra antiutópica e anticrítica. Tentou alcançar – sem conseguir – um ideal estético medieval.

Em suas opções de financiamento, as concessões não eram menos comprometedoras. Alguns dos grupos econômicos que “apresentavam” a heroica biografia do presidente do Brasil eram os mesmos que patrocinavam campanhas do partido dele na vida real. Eram patrocinadores do Lula do filme e também patrocinadores do Lula de carne e osso. No horário eleitoral, seus nomes eram omitidos, mas, na tela do cinema, apareciam como amigos do personagem. Seria o personagem um amigo de todos aqueles patrocinadores, como os patrocinadores pareciam ser amigos dele? Será que se eximia de criticar seus patrocinadores? Seriam aliados? Seriam parceiros?

De um jeito ou de outro, àquela altura, já não importava tanto. O filme acabou frustrando os que esperavam dele um arrebatamento de massas. A mística se dissolvia sob os estilhaços de desvios diante dos quais Macunaíma parecia um anjo, uma criatura celestial.

Ao se perder gradativamente de seu referencial ético, a utopia petista perdeu o suporte a partir do qual poderia equacionar e, quem sabe, ultrapassar suas contradições com o fetiche da mercadoria, com o qual firmara um pacto de sangue. Sem o referencial ético, foram se desfazen­ do os parâmetros que poderiam orientar a radicalização da democracia, o combate à desigualdade de modo consequente e a consolidação do Estado de direito. Desconectada da ética, a utopia ficaria vaga, e a política, maquinal.

Foi assim que falar de utopia ficou difícil. O silêncio se tornou mais suportável do que a fala. Lembremos que, em 2005, naquele ano exato, Adauto Novaes deu a um de seus ciclos de conferências um título agudo: “O silêncio dos intelectuais”. Silêncio sofrido. Uns ficaram doentes. Biografias se despedaçaram. Identidades se esfiaparam. Subjetividades entraram em fissão. O antigo militante queria se insurgir contra os que o traíram por dinheiro, mas sentia que não poderia abrir mão de proteger a crença que lhe deu esteio existencial até ali. Lutava consigo mesmo uma luta sem testemunhas.

É possível que ainda lute a mesma luta solitária, a luta que continua. Nem mesmo o espelho lhe serve de testemunha. Seu narcisismo é cego. Não lhe resta mais a esperança de ser o herói de si. Apenas procura não se perder de seu passado. Olha o presente sem forças para enfrentá-lo. Não sabe como combater o reacionarismo que cresce ao seu redor. Sente-se quase impotente diante das vozes raivosas que afirmam que o germe de toda corrupção vem das doutrinas de esquerda, como se nunca tivesse apa­ recido um único ladrão de direita no Brasil. Não tem meios de derrubar as muralhas de ressentimento que se levantam na planície da opinião pública. Vê de perto o “fim das ilusões e o retorno do conservadorismo”, para citar Francis Wolff, na conferência de abertura deste ciclo. Assiste à reci­ diva das paixões regressivas, que vem exumar os modelos mais arcaicos de padecimento humano. O militante em luta interior até que protesta, mas seu protesto é reativo, não toca no nervo do instante, não toca na responsabilidade que a “sigla roubada” teve e tem por ter aberto o vazio hoje usurpado pelas bandeiras do ódio.

Sobre essa responsabilidade, prefere não dizer nada. Acredita que falar agora seria entregar munição ao inimigo de classe. Aos seus olhos atônitos, o espaço público é território inimigo. Crê no inimigo porque só a ele pode imputar o mal-estar que o silencia.

Concedamos que, no começo da queda, ali em 2005, não dizer nada até que parecia uma escolha razoável. Os desvios eram tão menores – tão “pontuais”, como se dizia – que não mereciam declarações públicas. O silêncio teria o efeito de uma fala contundente e deveria ser “ouvido” pela nação como signo de reprovação suficiente: não se diria nada contra os pequenos delitos, mas também nada se diria a favor deles, o que bastaria para condená-los à insignificância.

No mais, a opinião pública não tinha autoridade para exigir dos “guerreiros do povo brasileiro” o reconhecimento de sua responsabilidade. Naqueles tempos, em 2005 e 2007, muitos acreditavam que dar satisfações à sociedade seria se dobrar aos moralistas hipócritas. O mutismo confortava o intelecto.

Quando tudo estava ruim o suficiente, as coisas foram piorando. Os malditos fatos da maldita barbárie não paravam de piorar. Os pequenos delitos foram ficando maiores, e depois maiores, e depois maiores ainda. Onde antes havia um jipe dado de presente ou um contrato esquisito entre uma empresa de lixo e uma prefeitura do interior, começaram a aflorar desvios federais sistemáticos, comandados por uma hierarquia bolchevique embotada de ambição capitalista incrustada no aparelho de Estado.

Nessa curva do caminho, a consciência crítica que ainda existia, e que se mantinha silenciosa, arregalou os olhos. Chegou a tomar fôlego para pronunciar seu desacordo, mas, outra vez, reconsiderou. Proclamar uma condenação “contra os nossos” abriria uma crise que enfraqueceria todo o “nosso projeto” e fortaleceria o que há de mais conservador na sociedade brasileira.

De repente, o silêncio tinha virado condenação. Se fossem falar de verdade, os dirigentes, os profetas, seus protegidos e seus ideólogos profissionalizados, remunerados ou não, teriam de explicar por que tinham ficado calados por tanto tempo. E como explicar? Por que não tinham dito nada antes? Se a corrupção era uma questão de princípio, por que tinham fechado os olhos e a boca até ali?

Sem respostas, aumentaram as apostas no jogo do silêncio. Dobraram o cacife, como num cassino. O mutismo que antes “soava” como presunção de superioridade passou a “soar” como arrogância vulgar – e também como confissão involuntária de culpa, ou de sentimento de culpa.

O PT nunca fez em público a crítica dos métodos que o destroçaram, ou quase. Nunca prestou contas aos seus simpatizantes, aos seus filiados, aos seus eleitores. Quando muito, reclamou da seletividade maligna da Justiça, que posterga o julgamento do mensalão tucano, e da imprensa, que o persegue por “preconceito”.

Como que para descomprimir o ar pesado, surgem aqui e ali subterfúgios involuntariamente anedóticos, quase hilários. Às vezes, o sujeito, por apego à sigla, busca uma justificativa derradeira na alegação de que o governo elevou o nível de vida dos mais pobres e, impaciente, xinga os críticos de udenistas. Quando confrontado com os fatos fatídicos, admite que a bandeira da ética está em frangalhos, mas logo se recompõe. Levanta a voz para dizer que o PT carrega outras bandeiras além da ética. Começa a falar como um convertido de uma corrente exótica a que poderíamos chamar de neoadhemarismo progressista. Os adhemaristas eram aqueles que, nos anos 1950, diziam “rouba, mas faz”. Agora, os neoadhemaristas progressistas não repetem o bordão, mas acreditam, silenciosamente, claro, num bordão bem parecido: “Rouba, mas faz obra social”.

Outras vezes, sem ter como aplaudir a quebra de decoro na “sigla roubada”, os resistentes ingressam numa linha de defesa que consiste em apontar erros semelhantes nos outros partidos. Nessa variante, a desculpa se resume a um muxoxo, também ele anedótico: “Os tucanos fizeram igual”. Trata-se de um álibi infantil, é evidente. Um álibi não enunciado, não proclamado, mas sentido em silêncio emburrado: “Manhê, foi ele que começou”.

Olho outra vez para o nosso cartaz, do qual eu gosto, confesso que gosto muito. Ele me agrada. Ao mesmo tempo,já ficou bem claro que me incomoda um pouco. Olho para o logotipo da Petrobras, que apresenta o que eu vim falar aqui hoje. Vejo nisso uma caricatura – uma caricatura sensacionalista, eu diria – da mesma inadequação entre mercado (o mercado de cultura) e utopia que, na história do PT, vem desembocando no triunfo de uma distopia. E me pergunto: será que a presença do logotipo no pôster deveria extorquir de mim o silêncio sobre a Petrobras? Os bons modos deveriam me calar? Haveria nesse ponto uma etiqueta a ser obser­ vada? O patrocinador deve pairar, intocado, acima do pensamento, assim como paira acima do entretenimento? Ou deve ser pensado ele também?

A marca que me apresenta hoje, aqui, ainda significa que o petróleo é nosso? Significa vencer desafios, como pretende significar? Terá o dote energizante de reanimar a utopia roubada? Ou representa apenas o habitat dos que jamais acreditaram no sonho?

Talvez não tenha sido por acaso que, dentro desse logotipo, conviveram a principal política de fomento de produção de bens culturais no mercado brasileiro, isso em sua face pública, e a principal rede de corrupção de que temos notícia na atualidade, isso em sua face oculta. Teria havido algum ponto de encontro, ainda que virtual, entre as duas faces? Como os negócios escusos na Petrobras, subordinados a estratégias contrárias ao interesse público, olhavam para a política cultural promovida pela mesma empresa, que é Estado e capital num corpo só? Esperavam que a política cultural contribuísse para uma domesticação da opinião pública? Esperavam que ela silenciasse opiniões contrárias? Que vetor político daria sentido material ao leviatã capitalista transfigurado em mecenas? Esse mecenas poderá acolher uma crítica direta? A Petrobras que me apresenta terá a capacidade de ser também a Petrobras que me escuta? Terá condições de refletir a partir do que eu falo aqui? Terá energia para mudar? Quero acreditar que sim, mas está difícil.

Que a palavra petrolão não nos fuja pelo ralo. Por menos que gostemos dela, do som que ela tem, por menos que gostemos daqueles que a saboreiam quando a pronunciam, não a desprezemos. Ela sintetiza a triste história do roubo da utopia. Ri do nosso orgulho, desdenha da nossa moral, assim como vai ferir de morte a filosofia que não for capaz de decifrá-la em voz alta. Quanto à utopia, está longe, muito longe, e vive tempos de acabrunhamento.

  1. Agradeço as correções e sugestões críticas de Marco Chiaretti, Carlos Eduardo Lins da Silva, Luiz Antonio Novaes, Maria Paula Dallari Bucci, Humberto Werneck e Ana Paula Cardoso.
  2. Maria Rita Kehl, “Fatalismo”, Teoria e Debate, São Paulo: 2007, n. 73, página final.
  3. Que não passe sem registro o gesto digno de Teoria e Debate, que publicou na íntegra a crítica ao PT. Já naquele período, esse tipo de abertura começava a se tornar improvável, com o recrudescimento de uma mentalidade autoritária secundada pela obediência dos funcionários da máquina, e aquela foi uma atitude meritória.
  4. Essa discussão, é bom tomar nota, foi tema do ciclo Ética, organizado pelo mesmo Adauto Novaes, em 1991.
  5. Carlos Augusto Calil; Flávio Rodrigo Penteado (org.), Me esqueci completamente de mim, sou um departamento de cultura, São Paulo: Imprensa Oficial, 2015, p. 157.
  6. Juliana Granjeia, “Lula defende ‘revolução interna’ no PT: ‘hoje a gente só pensa em cargo”‘, O Globo, Rio de Janeiro: 22jun. 2015. Ver também: Ricardo Galhardo;José Roberto Castro, “Petistas só pensam em cargos, afirma Lula”, O Estado de S. Paulo, São Paulo: 22jun. 2015.
  7. Em minha palestra do ciclo do ano passado, na conferência intitulada “A forma bruta dos protestos”, recorri ao mesmo autor para enfatizar o mesmo ponto da estética na política. Cf. Eugênio Bucci, “Violência na linguagem: a forma bruta dos protestos”, em: Adauto Novaes (org.), Mutações: fontes passionais da violência, São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015, pp. 409-38.
  8. Patrícia Lavelle, “Um filósofo do presente”, Valor Econômico, São Paulo: 7 nov. 2014. Disponível em:

    <http:/ /www.valor.com.br / cultura/_1770152/um-filosofo-do-presente#ixzz3JRebNC6N>. Acesso em:

    10 dez. 2014.

  9. Jacques Ranciére, A partilha do sensível: estética e política, São Paulo: Editora 34, 2009, pp. 16-7.
  10. Idem,“O que significa ‘estética”‘.Disponívelem:<http://cargocollective.com/ymago/Ranciere-Txt-2>.

    Acesso em: 24 nov. 2014.

  11. Vladimir Propp, Morfologia do conto maravilhoso, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984. É interessante notar, também, que outras interpretações narrativas da saga do herói em estudos como o de Joseph Campbell, de fundo junguiano, influenciariam diretamente a elaboração de roteiros cinematográficos, como o da série Guerra nas estrelas. Cf. Joseph Campbell, O poder do mito, Carlos Felipe Moisés (trad.), São Paulo: Palas Aterra, 1991.
  12. Guy Debord, A sociedade do espetáculo, Estela dos Santos Abreu (trad.), Rio de Janeiro: Contraponto,

    1997, pp..10-4.

  13. Wolfgang Fritz Haug, Critica estética da mercadoria, Erlon José Paschoal (trad.), São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1997, p. 16.
  14. Ibidem, p. 30.
  15. Ibidem, p. 77.
  16. Ibidem, p. 79.
  17. Senai, Camargo Corrêa, GDF Suez, OAS, EBX, Brahma, Odebrecht, Volkswagen, Souza Cruz, Hyundai, Neoenergia, Oi, Estre Ambiental, Grandene, JBS, CPFL Energia. Os créditos iniciais ainda registram, após o desfile do logotipo dos patrocinadores principais, mais uma mensagem: ‘Apoio: Nextel”. Antes, porém, de creditar seus financiadores, logo na abertura, o filme apresenta um cartaz com um aviso peremptório, para não deixar dúvidas, com todas as letras maiúsculas: “este filme foi produzido sem o uso de qualquer lei de incentivo federal, estadual ou municipal, graças aos patrocinadores”. O Estado, portanto, não teria sido chamado a comparecer com recurso algum. Apenas as empresas amigas do governo. Três delas, OAS, Odebrecht e Camargo Correa, estariam, em 2014 e 2015, seriamente compro­ metidas com os negócios investigados pela operação Lava Jato, da Polícia Federal, no epicentro do escândalo que ficou conhecido como “petrolão”.

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