2003

Nação imaginária: memória, mitos e heróis

por José Murilo de Carvalho

Resumo

O Estado-nação tem uns duzentos anos de existência e já começa a dar sinais claros de esclerose. Outros formatos de convivência social e política começam a ser inventados. No entanto, o que virá será, como sempre, influenciado pelo que foi. Daí caber ainda, ao final do século XX, examinar nossa experiência de Estado-nação. Coube-me examinar o lado nação da dobradinha. A originalidade dessa forma histórica está no acoplamento do Estado com a nação, mas isto não significa que cada uma das partes tenha perdido sua especificidade e não possa ser analisada à parte. Há Estados que englobam várias nações, há nações com mais de um Estado. Em alguns países sobra Estado, em outros sobra nação, ou sobram nações. Além disso, a relação entre os dois assume formas diversas: às vezes o Estado cria a nação, às vezes é o oposto que se dá, às vezes criam-se os dois mutuamente. A natureza da relação e a maior ou menor força do ingrediente nacional poderão favorecer ou dificultar a imaginação das novas formas sociais.

Uma forma de observar o ingrediente nacional é examinar como enxergamos a nossa nação, como construímos a nossa memória nacional e como olhamos para o nosso futuro. Para utilizar a expressão muito conhecida cunhada por Anderson, pode ser útil investigar como imaginamos nossa comunidade nacional. Ou, nos baseando em uma tradição intelectual diferente, observar a construção do nosso “imaginaire” social. Mais do que qualquer outra comunidade, as nações requerem para sua sobrevivência a construção de uma identidade coletiva, para contrabalançar os muitos elementos divergentes que todas têm de enfrentar. Essa identidade é uma construção composta de diferentes ingredientes, geralmente carregados com componentes altamente emocionais. A construção dessas identidades requer uma grande dose de “esquecimento” e de “erros históricos”, como Renan nos advertiu em sua famosa conferência de 1882, “Qu’est-ce qu’une nation?”. Esquecer e reescrever a história geralmente envolve a criação de memórias e heróis nacionais, símbolos, alegorias, mitos e rituais. Fatos e personagens históricos são reinterpretados, frequentemente pelos próprios historiadores, para tornar possível a coexistência de contrários e a junção de elementos díspares.

Os mitos nacionais, especialmente os mitos de origem, e os heróis nacionais são alguns dos instrumentos mais poderosos para a construção das identidades nacionais. A natureza polissêmica dos mitos faz com que estes sejam capazes de expressar, de uma maneira mais eficaz do que as elaboradas ideologias, os interesses, aspirações e medos nacionais. Os heróis nacionais fazem parte do panteão cívico de todas as nações. Eles servem de imagem e de modelo para a nação. No processo de construção de um herói, é possível detectar qual o tipo de personalidade e quais os valores mais altamente considerados pelo povo, tal como um espelho ou como uma aspiração. A criação de uma memória nacional, de mitos e de heróis ajuda as nações a desenvolver uma unidade de sentimentos e de propósito, a organizar o passado, a tornar o presente inteligível e a encarar o futuro. Também ajuda o observador a revelar o que Renan chamou de alma de uma nação. Em seguida, será feito um exercício para explorar a alma da nação brasileira por meio da análise de algumas partes de sua memória, de alguns de seus mitos e heróis.


“L’oubli et je dirai même l’erreur historique sont un facteur essentiel de la création d’une nation.”

Ernest Renan, 1882

O Estado-nação tem uns duzentos anos de existência e já começa a dar sinais claros de esclerose. Outros formatos de convivência social e política começam a ser inventados. No entanto, o que virá será, como sempre, influenciado pelo que foi. Daí caber ainda, ao final do século XX, examinar nossa experiência de Estado-nação. Coube-me examinar o lado nação da dobradinha. A originalidade dessa forma histórica está no acoplamento do Estado com a nação, mas isto não significa que cada uma das partes tenha perdido sua especificidade e não possa ser analisada à parte. Há Estados que englobam várias nações, há nações com mais de um Estado. Em alguns países sobra Estado, em outros sobra nação, ou sobram nações. Além disso, a relação entre os dois assume formas diversas: às vezes o Estado cria a nação, às vezes é o oposto que se dá, às vezes criam-se os dois mutuamente. A natureza da relação, a maior ou menor força do ingrediente nacional poderão favorecer ou dificultar a imaginação das novas formas sociais que estão por vir.

Uma forma de observar o ingrediente nacional é examinar como enxergamos a nossa nação, como construímos a nossa memória nacional e como olhamos para o nosso futuro. Para utilizar a expressão muito conhecida cunhada por Anderson, pode ser útil investigar como imaginamos nossa comunidade nacional. Ou, nos baseando em uma tradição intelectual diferente, observar a construção do nosso imaginaire social[1]Mais do que qualquer outra comunidade, as nações requerem para sua sobrevivência a construção de uma identidade coletiva, para contrabalançar os muitos elementos divergentes que todas têm de enfrentar. Essa identidade é uma construção composta de diferentes ingredientes, geralmente carregados com componentes altamente emocionais. A construção dessas identidades requer uma grande dose de “esquecimento” e de “erros históricos”, como Renan nos advertiu em sua famosa conferência de 1882, Qu’est-ce qu’une nation?[2]Esquecer e reescrever a história geralmente envolve a criação de memórias e heróis nacionais, símbolos, alegorias, mitos e rituais[3]. Fatos e personagens históricos são reinterpretados, frequentemente pelos próprios historiadores, para tornar possível a coexistência de contrários e a junção de elementos díspares[4].

Os mitos nacionais, especialmente os mitos de origem, e os heróis nacionais são alguns dos instrumentos mais poderosos para a construção das identidades nacionais. A natureza polissêmica dos mitos faz com que estes sejam capazes de expressar, de uma maneira mais eficaz do que as elaboradas ideologias, os interesses, aspirações e medos nacionais[5]. Os heróis nacionais fazem parte do panteão cívico de todas as nações. Eles servem de imagem e de modelo para a nação. No processo de construção de um herói, é possível detectar qual o tipo de personalidade e quais os valores mais altamente considerados pelo povo, tal como um espelho ou como uma aspiração. A criação de uma memória nacional, de mitos e de heróis ajuda as nações a desenvolver uma unidade de sentimentos e de propósito, a organizar o passado, a tornar o presente inteligível e a encarar o futuro. Também ajuda o observador a revelar o que Renan chamou de alma de uma nação. Em seguida, será feito um exercício para explorar a alma da nação brasileira por meio da análise de algumas partes de sua memória, de alguns de seus mitos e heróis.

O ENCOBRIMENTO DO BRASIL

Em 1992, por ocasião dos 500 anos da viagem de Colombo, houve intenso e extenso debate nas Américas e na Europa sobre o vocabulário adequado para descrever a chegada dos europeus ao continente. Uma crítica devastadora foi então feita ao uso da palavra “descobrimento”, ou “descoberta”, por representar um insuportável etnocentrismo europeu. De fato, só foi descobrimento para os europeus. Aqui viviam, em 1492, cerca de 50 milhões de habitantes, não muito menos do que a população da Europa. A cidade do México, capital do império asteca, tinha 200 mil habitantes, mais talvez do que qualquer cidade europeia. Paris tinha cerca de 150 mil.

Falar em “descobrimento”, argumentou-se, implicava dizer que esses povos e civilizações só tinham passado a ter existência real após a chegada dos europeus. Implicava ainda dar um tom falsamente neutro a um processo que foi violento e genocida. Os milhões de nativos da Hispaníola, onde chegou Colombo, desapareceram em um século. Os 25 milhões do planalto mexicano foram reduzidos a 2 milhões no mesmo período. Nos Andes, 10 milhões tinham virado 1,5 milhão ao final do século XVI. Um inegável genocídio, já denunciado na época por Las Casas em seu famoso libelo A destruição das Índias Ocidentais[6].

Sete anos depois, o Brasil entrou na febre dos seus 500 anos. No entanto, nas celebrações oficiais e oficiosas, nas reportagens da mídia, nas exposições, nos seminários acadêmicos, a terminologia empregada para descrever a chegada dos portugueses às nossas praias é uma só. Com uma ou outra exceção, em geral vinda de algum chato inconveniente, celebra-se o descobrimento do Brasil. Os (poucos) que leram a carta de Caminha exibem erudição usando o equivalente arcaico “achamento”. A quase unanimidade vocabular deixa perplexos os observadores de outros países. Perguntam-se se os brasileiros não tomaram conhecimento do debate de 1992.

Se tomamos, ou não lhe demos importância, ou achamos que ele não nos dizia respeito, ou as duas coisas, a primeira por causa da segunda. Segundo a última hipótese, para os brasileiros os problemas relacionados à palavra “descobrimento” só existiriam no caso da América espanhola. A acusação de eurocentrismo é descartada, talvez por desprezo pelo menor número e menor complexidade social de nossos nativos. O genocídio que a palavra encobre seria também fenômeno exclusivamente espanhol, fruto da truculência dos conquistadores. Em nosso caso, as relações dos portugueses com os nativos teriam sido amigáveis. Nada melhor para exprimir essa visão do que a consagração da carta de Caminha como certidão de nascimento do país. A carta só foi publicada em 1817 mas tem a grande vantagem de apresentar imagem quase idílica do encontro entre portugueses e nativos. Ela permite generalizar essa imagem para toda a história das relações entre os dois povos.

Imenso encobrimento, construção de memória. A população nativa da parte portuguesa era sem dúvida muito menor do que a da parte espanhola. Mesmo assim, ela foi calculada entre 3 e 5 milhões à época da chegada de Cabral. Digamos 4 milhões. Isto equivalia a quatro vezes a população de Portugal. O bandeirante Raposo Tavares diz ter visto em 1653, ao longo das margens do Rio Madeira, aldeia de 150 mil almas, maior do que o Rio de Janeiro de 1822. Apesar do menor número, o genocídio não foi menor em termos relativos[7]. Às vésperas da independência, o número de indígenas foi calculado por Veloso de Oliveira em 800 mil, numa população total de 4,4 milhões. Ao final de três séculos, a população da colônia portuguesa era quase a mesma de 1500, com a diferença de que tinham desaparecido 3 milhões de nativos, média de 1 milhão por século.

A documentação sobre a mortandade é abundante para os que não escolhem limitar-se à carta de Caminha. Como na parte espanhola, a devastação se deveu à violência e às doenças trazidas pelos invasores: varíola, sarampo, gripe, peste. Não tivemos um Las Casas para denunciar o crime, mas os depoimentos de Anchieta, Nóbrega, Cardim, Vieira e outros não deixam margem a dúvida. Alguns exemplos: Anchieta fala da morte por doença, em 1562, de 30 mil índios em um período de dois ou três meses. A violência e a escravidão, segundo o mesmo jesuíta, dizimaram em alguns anos 80 mil índios das missões da Bahia. O padre espantava-se com a rapidez com que se “gastava gente”, era coisa “que não se pode crer”[8]. Simão da Silveira conta que 500 mil tupinambás foram dizimados no século XVII graças aos esforços do capitão Bento Maciel Parente, que se aliara a tribos rivais, copiando a tática de Cortés no México[9].

A marca portuguesa talvez esteja no fato de que o próprio Anchieta tenha escrito um panegírico a Mem de Sá, o exterminador de índios. A principal tarefa do terceiro governador-geral foi fazer guerra aos donos da terra, estivessem ou não aliados aos franceses. Exterminou os caetés como castigo por terem ousado moquear e comer o bispo Sardinha. Vangloriava-se de ter destruído todas as aldeias tupiniquins em Ilhéus e de ter enfileirado uma légua de cadáveres deles na praia. O extermínio dos tamoios, aliados dos franceses, foi cantado por Anchieta em De Gestis Mendi de Saa, em versos que lembram a crueza, embora não a qualidade, dos de Homero. Segundo o “Apóstolo do Brasil”, a melhor pregação para aquela gente bárbara era “espada e vara de ferro”. Foi este o Las Casas que nos coube. A ambiguidade diante da violência foi também presente em Vieira, que condenava a escravidão dos índios mas aceitava a dos africanos. Nenhuma ambiguidade, agora já entre brasileiros, está presente na exaltação dos bandeirantes como símbolo do orgulho paulista. Durante ataque aos guaranis das missões jesuíticas, esses predadores e escravizadores de índios e exterminadores de quilombos “provavam o aço de seus alfanjes em rachar os meninos em duas partes, abrir-lhes as cabeças e despedaçar-lhes os membros”, na descrição de Capistrano de Abreu[10].

O mesmo empreendimento colonizador que dizimou em três séculos 3 milhões de nativos foi também responsável pela importação, nos mesmos três séculos, de 3 milhões de escravos africanos, cuja sorte não foi melhor[11].

Falar em descobrimento é construir memória. A história fala de conquista com genocídio dos índios, seguida de colonização com escravidão africana. Daí viemos, em cima disso foram construídos os alicerces de nossa sociedade.

O PARAÍSO TERRESTRE

Os primeiros europeus a chegarem nas margens do que se tornaria a América ficaram impressionados com a beleza da terra. Quando desembarcou pela primeira vez em Santo Domingo, Colombo pensou que tinha encontrado o paraíso terrestre. A mesma impressão tomou conta daqueles que atingiram a costa atlântica do continente, que não conseguiam parar de pensar que tinham alcançado o paraíso terrestre ou algum lugar semelhante. Os sentimentos divergiam em relação aos habitantes da nova terra, mas a natureza era admirada por unanimidade[12]. Pero Vaz de Caminha, o escrivão que acompanhou o almirante Pedro Álvares Cabral quando do primeiro desembarque português em 1500, escreveu imediatamente uma carta ao rei elogiando a terra e seu povo. Américo Vespúcio, que visitou o lugar duas vezes, em 1501 e 1503, não gostou muito do povo, tendo testemunhado e descrito pela primeira vez uma cena de canibalismo. Mas em sua carta a Lorenzo de Médici, que se tornou conhecida como Mundus Novus, publicada em 1503, ele disse a respeito da terra: “certe si paradisus terrestris in aliqua sit terra parte, non longe ab illis regionibus distare existimo”[13], ou seja, “eu acredito que se um paraíso terrestre existisse em algum lugar, este certamente não estaria longe dessas terras”.

A visão edênica da nova terra foi reiterada muitas e muitas vezes pelos portugueses, brasileiros e estrangeiros, até se tornar um importante ingrediente do “imaginário” nacional. Tornou-se o mito edênico brasileiro. No século XVII, o padre jesuíta Simão de Vasconcelos escreveu que poderia ser feita uma comparação de partes da terra com “aquele paraíso terrestre onde Deus, nosso Senhor, como se em um jardim, colocou nosso pai Adão[14]. A terra, ele acrescentou, era com certeza superior aos Campos Elíseos pagãos. Um século mais tarde, no que na época era a primeira história conhecida do Brasil escrita por um brasileiro, Rocha Pita produziu a versão mais detalhada do mito. A sua longa descrição das maravilhas da terra termina com estas palavras: “[…] em resumo, o Brasil é o Paraíso Terrestre descoberto, onde se originam e correm os maiores rios; onde predomina o clima mais saudável; onde estrelas amistosas exercem sua influência e sopram as mais suaves brisas, tornando-o fértil e povoado por incontáveis habitantes”[15].

Na época da independência, em 1822, os brasileiros insistiram no argumento da enormidade, da beleza e da riqueza de sua terra para convencer os portugueses de que poderiam e mereciam ser independentes do antigo poder colonial. Lá pela metade do século, o romantismo literário reviveu mais uma vez o mito. Um famoso poema chamado “Canção do Exílio”, recitado até hoje nas celebrações cívicas das escolas primárias, diz o seguinte: “Nosso céu tem mais estrelas/ nossas várzeas têm mais flores/ nossos bosques têm mais vida/ nossa vida mais amores”. Trechos dessa estrofe foram mais tarde incorporados à letra do hino nacional, que é, ele próprio, uma óbvia celebração da natureza brasileira. Em 1900, como parte da celebração do quarto centenário do que na ocasião foi chamado de “descobrimento” do Brasil, Afonso Celso, membro de uma família tradicional, publicou um livro intitulado Por que me ufano do meu país. Escrito para crianças em fase escolar, ele se tornou o exemplo-padrão desse tipo de patriotismo edênico e ingênuo[16].

Poder-se-ia argumentar que o mito edênico é uma criação das elites intelectual e política para propósitos políticos, e não tem ressonância entre as pessoas comuns. Duas recentes pesquisas de opinião pública realizadas em 1995 e 1996, uma nacional e a outra na região metropolitana do Rio de Janeiro, mostram que esse não é o caso[17]. Inicialmente, essas pesquisas revelam que cerca de 60% dos brasileiros têm muito orgulho do seu país. A estimativa é menor do que a encontrada para os americanos, mas os brasileiros são tão orgulhosos do seu país quanto os canadenses, e mais orgulhosos do que os alemães e os japoneses[18]. A surpresa aparece quando os entrevistados são questionados a respeito das razões de seu orgulho. A pesquisa nacional mostra que a principal razão de orgulho, mencionada por 25% dos entrevistados, é a natureza. A pesquisa do Rio de Janeiro apresentou uma porcentagem semelhante, de 26%. Mais surpreendente ainda é o fato de que as respostas com frequência repetiam as mesmas expressões usadas desde a carta de Caminha: um clima agradável e saudável, grandes florestas e rios, lindos céus e lindas praias, terra fértil e abundância de recursos animais, vegetais e minerais. Alguns entrevistados foram bastante enfáticos ao dizer que o Brasil era o país mais bonito do mundo, uma terra abençoada por Deus. Isso é o mesmo que dizer que ele era o paraíso terrestre. O único acréscimo significativo à tradicional lista de maravilhas naturais apresentadas pelos brasileiros de hoje é a beleza das mulheres brasileiras[19]. No entanto isso não foi realmente uma novidade. A beleza das mulheres locais não foi mencionada antes em listas brasileiras de maravilhas nacionais, mas os primeiros observadores europeus, a começar por Caminha, não deixaram de notá-la[20].

Dever-se-ia lembrar que essas respostas foram dadas numa época em que boa parte das características naturais mencionadas como razões de orgulho já haviam sido destruídas pela ação predatória de portugueses e brasileiros. A maioria das florestas havia sido queimada, praias e céus haviam .sido poluídos, a maioria dos animais selvagens havia sido morta, muitas espécies haviam sido extintas e partes da terra transformadas em semidesertos[21]. Na verdade, a exploração predatória dos recursos naturais começou imediatamente após a chegada dos europeus. Milhares de toneladas de pau-brasil foram embarcadas para a Europa para serem usadas como corante na indústria têxtil. Calcula-se que cerca de oito mil toneladas eram exportadas anualmente durante as primeiras décadas do século XVI. No exato momento em que o pau-brasil fornecia o nome para a terra, os portugueses a devastavam com ajuda dos nativos[22].

É importante acrescentar que as instituições nacionais, que em países como os Estados Unidos e a Inglaterra estão entre as mais importantes razões de orgulho, foram mencionadas por apenas 10% dos brasileiros na pesquisa nacional e por 14% na pesquisa do Rio de Janeiro[23]. A contrapartida da ênfase na natureza, ou talvez a razão para isso, parece ser a falta de identificação com os principais acontecimentos e com as maiores instituições do país. A história nacional parece ser algo estranho para muitos brasileiros, como se eles não tivessem nada a ver com ela. O orgulho pela natureza poderia ser interpretado como um indício da alienação dos brasileiros pela sua própria história.

O mito edênico não é uma peculiaridade do Brasil. O cristianismo vem procurando a localização do paraíso terrestre perdido desde o século XIII[24]. Essa busca foi reforçada pela revivificação renascentista do primitivismo arcádico[25]. Uma indicação vívida da força dessa crença é o fato de que Vasco da Gama, o navegador português que descobriu o caminho marítimo para a Índia, levou com ele cartas para o legendário Prester John, o padre-rei do imaginário reino paradisíaco da Etiópia[26]. Os navegadores espanhóis e portugueses tinham todos em mente a possibilidade de descobrir o paraíso. Em uma carta, Colombo observou que “existem muitas indicações de esse ser o paraíso terrestre”[27]. Os peregrinos puritanos que desembarcaram na América do Norte estavam imbuídos da mesma visão. Uma vasta literatura demonstra a presença do mito edênico nos Estados Unidos. Como observa Charles Sanford: “O mito edênico, me parece, foi a força organizadora mais poderosa e abrangente da cultura americana”[28].

No entanto, há uma diferença significativa entre as visões do paraíso presentes na tradição lusobrasileira e na tradição puritana. Nesta última, como George Williams observou, a natureza estava certamente presente, mas era vista mais como o ambiente propício para a construção de um paraíso religioso do que como um paraíso em si mesmo. No começo ele foi visto como uma selva na qual os peregrinos teriam a oportunidade de construir a nova Igreja, a Nova Jerusalém, o novo Éden. Esta nova Igreja seria como um “jardim na selva protetora do Novo Mundo”[29]. Mas ele seria um “jardim incluso”, a ser construído por e para os puritanos. A própria palavra paraíso, de origem persa, significa exatamente isso, um jardim real fechado. Na tradição lusobrasileira, o paraíso tinha um caráter puramente natural; não estava relacionado à criação de uma nova comunidade religiosa. Ele não era algo a ser construído pelo esforço humano; era um presente de Deus do qual ninguém seria excluído. De alguma maneira, esta concepção estava mais próxima daquela de um paraíso pagão renascentista do que a do cristianismo. Ela se parecia mais com os Campos Elíseos do que com o Éden bíblico. Talvez não tenha sido por acaso que Simão de Vasconcelos fez referência aos Campos Elíseos. Havia certamente interesses religiosos entre os portugueses, mas estes tinham relação com a expansão do Cristianismo, não com a sua reforma ou com a criação de uma nova Igreja.

A implicação dessa diferença é muito significativa. Nos Estados Unidos, muitos (índios, negros, católicos) foram excluídos do jardim fechado; no Brasil, todos foram admitidos ao jardim aberto. Pode-se dizer que esta diferença afeta recentes desdobramentos em ambos os países. No primeiro, os esforços para abrir o jardim branco-anglo-saxônico-protestante, iniciados por ação afirmativa, resultaram não em sua abertura, mas na criação de vários jardins fechados em uma sociedade partilhada por múltiplos grupos étnicos[30]. No Brasil, a abertura do jardim tem sido desviante ao longo de toda a sua história, no sentido de ter evitado o aparecimento de dissensão. Ironicamente, nossos dissidentes tiveram de abandonar o jardim aberto e fugir para a selva (“sertão”), para tentar construir sociedades alternativas. Os dois melhores exemplos conhecidos desse esforço foram a comunidade de negros fugitivos dos Palmares, no século XVII, que durou cerca de cem anos, resistindo com sucesso às repetidas tentativas de destruí-la, e a comunidade religiosa de Canudos, no final do século XIX, contra a qual quatro expedições militares foram enviadas. Ambas foram brutalmente eliminadas, a primeira em 1695, a última em 1897. Hoje, o Brasil ainda está lutando com o problema de como realmente abrir seu jardim às minorias sociais[31].

O PODEROSO IMPÉRIO

Um aspecto do mito edênico tem a ver com o tamanho do país. O Brasil é lindo e rico, mas também grande, enorme, um país continental. Frequentemente, esta característica era, e é, referida como “grandeza”. Diz-se que os brasileiros sofrem de um “complexo de grandeza”. O Barão W. L. Von Eschwege, um engenheiro alemão que viveu no Brasil no início do século XIX, observou que os brasileiros costumavam falar usando hipérboles: “tudo no Brasil deve ser grande, a natureza deve ser diferente, mais gigantesca e mais maravilhosa do que em outros países”[32]. Nós sempre queremos ser ou ter “o maior do mundo”. O Rio Amazonas é o maior rio, a Floresta Amazônica é a maior floresta tropical, Iguaçu é a maior e mais bonita catarata, o carnaval é o maior espetáculo da Terra, nosso time de futebol é o melhor do mundo, e assim por diante. O complexo de grandeza tem sua versão política na crença de que o país se tornará um poderoso império.

Essa crença veio de Portugal e é baseada num mito de origem portuguesa, o Milagre de Ourique. De acordo com esse mito, Cristo apareceu para o príncipe Afonso Henriques antes da batalha de Ourique, em 1139, na qual os portugueses enfrentaram e derrotaram cinco reis mouros. Com a promessa de vitória, Cristo supostamente também prometeu a Afonso Henriques construir um império sob o poder de seus descendentes, com a missão de divulgar o seu nome entre as nações[33]. O mito de um império prometido foi reforçado depois de 1640, quando Portugal recuperou sua independência da Espanha. Escrevendo naquele século, o padre jesuíta Antônio Vieira, nascido em Lisboa e criado no Brasil, o maior pregador do reino, propiciou alguma precisão à crença. Em um livro incomum chamado Ahistória do futuro, escrito como sua defesa perante a Inquisição, ele fingiu revelar aos portugueses, que haviam revelado o mundo a si mesmos, o segredo do futuro deles. Argumentou que Portugal fora destinado por Deus a presidir o Quinto Império, que sucederia aos impérios egípcio, assírio, persa e romano. Nesse Quinto Império, universal e cristão, “todos os reinos estarão unidos sob um cetro, todas as cabeças obedecerão a uma cabeça suprema, todas as coroas estarão reunidas em um diadema”[34]. O mito do império prometido estava normalmente ligado à crença messiânica do retorno do rei Sebastião, morto aos 24 anos na batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos, em 1578. De acordo com a crença, ele retornaria para restabelecer o reino ou criar um novo. Três séculos mais tarde, no final do século XIX, a crença messiânica no retorno do rei Sebastião ainda permanecia viva entre os camponeses brasileiros. Canudos foi um entre os diversos exemplos dessa sobrevivência[35].

Na virada do século XVIII, em consequência da potencial ameaça napoleônica de invadir Portugal, a ideia de transferir o trono da monarquia para o Brasil começou a ser nutrida por alguns estadistas portugueses. Rodrigo de Souza Coutinho, o principal porta-voz dessa ideia, associou a transferência à visão de um novo império. Em 1803, ele falou de criar “um poderoso império no Brasil”, projeto visto com simpatia pelos britânicos[36]. Quando a corte portuguesa se mudou de fato para o Rio de Janeiro, em 1808, em consequência da invasão de Portugal pelas tropas de Junot, a ideia se tornou uma possibilidade concreta. Quando da chegada ao Brasil do príncipe D. João, foi mencionada a possibilidade de se criar um império que “num futuro não muito distante ocuparia seu lugar entre as primeiras potências do universo”[37]. Logo antes da independência, o príncipe D. Pedro se dirigiu aos brasileiros falando “desse vasto e poderoso império”. À medida que o processo de independência se acelerava, os líderes brasileiros, especialmente aqueles ligados ao recém-falecido Coutinho, incorporavam a ideia de um império. Um padre argumentou, pouco antes da independência, que bastaria o Brasil aumentar sua população para se tornar “o maior, o mais próspero e mais poderoso império sobre a terra”[38]. O bispo D. Marcos, um ano após a independência, chegou ao ponto de se referir à realização do Quinto Império no Brasil[39].

Sempre que se falava de recriar a monarquia portuguesa no Brasil, usava-se a palavra império em vez de reino. O argumento era que o tamanho e a riqueza material do país eram uma garantia de sua futura grandeza política. A crença em um futuro de grandeza e poderio se tornou parte do imaginário do país. Ao visitar o Brasil em 1838, durante o tumultuoso período da Regência, o capitão da Marinha dos Estados Unidos Charles Wilkes atestou: “[os brasileiros] são vaidosos de seu próprio país e de suas instituições, e acreditam firmemente que um grande destino aguarda o Brasil”[40]. A crença em um destino de grandeza se tornou ideologia oficial e um instrumento de manipulação nacionalista durante os governos militares que regeram o país entre 1964 e 1985. A ideologia do “grande poder” dos militares ajudou a reforçar a antiga crença no destino de um poderoso império. O plebiscito popular de 1996 indicou que a crença era sustentada por 57% dos questionados. A penetração e persistência da crença deu margem a um duplo sentido no título de um livro de Stefan Zweig, Brasil, país do futuro. Diz-se que o Brasil é, e sempre será, “o país do futuro”, sempre esperando ser algo que nunca será. Até mesmo a letra do hino nacional fala da esperada grandeza futura.

Como no caso do mito do paraíso terrestre, aqui também se pode fazer uma comparação com os Estados Unidos, onde o mito de um poderoso império sustenta o nome de Destino Manifesto. De acordo com Marc Egnal, desde antes da independência um setor da elite americana já tinha em mente a meta de transformar a colônia em um poderoso império. Ele chama esse grupo, que inclui Franklin, Jefferson, Madison, Dickinson, de expansionistas. Para eles, a colônia poderia “se tornar um ‘império’ autônomo e poderoso do Novo Mundo”; eles tinham “uma forte crença no potencial de grandeza da América”[41]. Na Convenção Constitucional de 1787, Franklin e outros usaram a mesma palavra, império, que encontramos no caso brasileiro[42]. O Destino Manifesto já existia nos primeiros dias da república.

Mas novamente, como no caso do mito edênico, o complexo de grandeza teve conteúdo e consequências totalmente diferentes nos dois países. No Brasil, ele permaneceu como uma vaga aspiração, raramente transformado em ação política. Exceto pela preocupação com a consolidação das fronteiras do sul do país no século XIX, que resultou em guerras contra seus vizinhos, e pelos breves governos militares, a utopia de grandeza permaneceu politicamente inofensiva. Do mesmo modo que o paraíso estava lá para ser aproveitado e não construído, o poderoso império no Brasil era algo que as pessoas esperavam que se materializasse por meio de alguma intervenção milagrosa externa, talvez pela ação de algum moderno rei Sebastião de volta de seu místico refúgio. O vencedor da primeira eleição presidencial direta após o fim do regime militar, Collor de Melo, deveu sua vitória, em parte, à imagem de salvador que transmitiu com sucesso durante a campanha. Não houve nada no Brasil parecido com o Destino Manifesto que dirigiu a política externa americana desde o final do século XIX. Nos Estados Unidos, o mito do Destino Manifesto, a crença na missão do país de impor aos outros o modelo de sociedade criado de acordo com o mito edênico, foi uma poderosa força organizadora que ajudou a construir um império verdadeiramente poderoso, o único que restou no final do milênio.

HERÓIS NACIONAIS

Comparado com a maioria das nações, o Brasil tem um panteão bem modesto de heróis políticos nacionais[43]. Sem dúvida, muitos monumentos e estátuas foram erguidos em homenagem a figuras públicas. Mas basta contemplá-los uma vez para perceber quão pouco significam para os administradores e a população. A maioria das estátuas e monumentos está pessimamente conservada e rabiscada. O único monumento bem cuidado que eu conheço é um memorial construído no Rio de Janeiro em homenagem aos soldados brasileiros que morreram na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a ausência de rabiscos sobre ele pode ser explicada pela simples presença de soldados que guardam o monumento 24 horas por dia. Poder-se-ia tentar em vão encontrar entre os poucos visitantes o fervor cívico, ou pelo menos o respeito, que se encontra, por exemplo, entre aqueles que se aglomeram dentro do Monumento a Washington ou no Panteão de Paris.

Na imaginação popular não existe nenhum fundador da nação brasileira aceito por todos. Foram feitas tentativas de se criarem tais figuras, mas sem muito sucesso. A razão disso pode estar na obtenção da independência por meio de um processo de negociação e não por conflito violento, como aconteceu em todos os outros países da América Latina. Portugal aceitou a independência da antiga colônia em troca de uma indenização de dois milhões de libras. Um príncipe português, que depois se tornou D. Pedro I do Brasil, proclamou a independência do novo país. D. Pedro I foi um forte candidato a herói nacional, mas sua candidatura foi sempre obstruída por seu comportamento despótico após a independência e pela oposição dos republicanos que, mais ao final do século, tentaram derrubar a monarquia. A oposição à independência foi sentida apenas em poucas províncias, e não foi necessária nenhuma grande guerra para eliminá-la. O Brasil, em consequência disso, pelo bem ou pelo mal, provavelmente pelo bem, não teve Libertadores, tais como Bolívar, San Martín, Sucre, e O’Higgins. Ou, nesse caso, como George Washington.

Várias rebeliões regionais aconteceram antes e depois da abdicação de D. Pedro I em 1831. Mas elas conseguiram produzir apenas heróis regionais ou provincianos, sendo o padre Frei Caneca o mais importante. O segundo imperador, que governou o país por meio século, de 1840 a 1889, se tornou uma figura respeitada, mas dificilmente um herói nacional, apesar dos esforços nessa direção. D. Pedro II não era uma figura marcial e estava mais preocupado com o funcionamento regular do sistema político, com o cumprimento da lei e com a cultura e a educação[44]. O novo regime republicano, inaugurado em 1889, foi proclamado por uns poucos oficiais militares que marcharam com suas tropas pelas ruas do Rio. Ele tinha o suporte de parte da elite mas pouco apoio popular. A proclamação não foi o tipo de acontecimento de onde se poderiam esculpir heróis, e nem os seus protagonistas tinham as qualidades necessárias para as figuras heróicas. Foram realizadas tentativas de se produzirem heróis a partir de generais envolvidos na proclamação, mas com um sucesso ainda menor do que no caso de D. Pedro I. Tanto o novo quanto o antigo regime não foram capazes de criar um respeitável panteão cívico.

O acontecimento político nacional posterior que teve alguma consequência se deu em 1930, quando o primeiro regime republicano foi derrubado. Getúlio Vargas foi o político que então se tornou presidente e governou o país até 1945. Ele descobriu um caminho para o coração do povo. Mas fez isso mais como uma figura paternal do que como um herói. Ele se tornou popular pela introdução de uma abrangente legislação social e trabalhista, cuja maior parte ainda está em vigor hoje. Mas além de ser paternalista com o povo, era uma figura controversa entre a elite, por ter se mantido no poder como ditador de 1937 a 1945. Ele foi incapaz de unir todas as classes, como um herói nacional deve fazer.

A única figura que se aproxima do status de herói nacional no Brasil é Tiradentes. Uma recente pesquisa feita entre estudantes da escola elementar e secundária reforça essa hipótese[45].

Tiradentes foi o líder de uma rebelião colonial republicana contra o governo português, que aconteceu em 1789, sob a inspiração da revolução americana. Única figura popular entre os rebeldes, ele também foi o único a ser punido com a pena de morte. A sentença foi executada em 1792, com os detalhes cruéis típicos das leis criminais portuguesas da época. Foi enforcado e esquartejado; partes do seu corpo foram expostas publicamente nos lugares onde ele havia pregado a independência. Na segunda metade do século XIX, sua memória foi resgatada por grupos republicanos para contrabalançar os esforços de tornar D. Pedro I o fundador da nação.

O esforço dos republicanos acabou sendo bem-sucedido, mas por outras razões. O processo de construção de Tiradentes como herói nacional teve surpreendentes reviravoltas que ajudam a compreender as preferências nacionais em relação a figuras-modelo. A tentativa inicial dos republicanos foi direcionada para acentuar o conteúdo político da ação de um novo herói, sua posição contra o regime colonial e em favor da liberdade e da independência, sua coragem pessoal ao assumir inteira responsabilidade pela rebelião, sua bravura ao enfrentar a sentença de morte. Mas, no decorrer do processo, os aspectos da sua vida que começaram a exercer maior fascínio tinham mais relação com as tendências religiosas que ele revelara durante os três anos que passara na prisão. O prisioneiro, sob influência de seus confessores, desenvolveu tendências místicas. Começou a se considerar um novo Cristo, pronto a oferecer a própria vida pela salvação do seu povo. Ele beijou a mão do executor, numa indicação de perdão, assim como Cristo perdoara seus executores. E rumou em direção ao patíbulo através das ruas do Rio de Janeiro, em solilóquio com um crucifixo que sustentava em seus braços. Inspirados por esses aspectos, os poetas começaram a se referir a ele como o Cristo da multidão; pintores começaram a representá-lo como Jesus Cristo. O patíbulo foi transformado em uma nova cruz; o lugar de execução, em um novo calvário; o Rio de Janeiro, em uma Nova jerusalém[46]. Tiradentes foi transformado em um herói cívico pela incorporação da imagem de um mártir religioso.

Ele foi um herói-mártir que nunca havia derramado sangue algum, que foi uma vítima e não um praticante da violência. Certamente, essa foi a característica que o tornou aceitável como herói para todos os setores da população e para todas as correntes políticas. Inúmeros poemas, peças, romances, cantigas de carnaval e filmes, o último realizado há alguns anos, contribuíram para consolidar ao longo dos últimos cem anos o seu status de herói nacional. Ele foi aceito por republicanos e monarquistas no século XIX, pela esquerda e pela direita após 1930. Cada grupo enfatizaria uma faceta diferente da imagem do herói: o republicano, o libertário ou o místico. O fascinio exercido como mártir cívico e religioso evitou que sua imagem fosse desmembrada e possibilitou a transformação de Tiradentes no único herói nacional aceito por todos.

Sem dúvida existem outras figuras nacionais respeitadas pelos brasileiros. A pesquisa nacional de opinião pública já mencionada indica algumas delas. A grande maioria vem do esporte, das artes e do entretenimento. Pelé, o jogador de futebol, e Ayrton Senna, o piloto de Fórmula 1, aparecem no topo da lista. Mas eles não são heróis políticos. Poucos políticos merecem mais do que 50% de indicações. Um deles é Tancredo Neves, outro “mártir”, que morreu em 1985, na véspera de assumir a presidência como o primeiro civil depois do fim da ditadura militar. O outro é Getúlio Vargas, mais um “mártir”, que se suicidou em 1954, no exercício do cargo, oferecendo sua vida em sacrifício pela redenção do povo. O último é Juscelino Kubitschek, um ex-presidente, o único que não foi marcado pela tragédia no exercício do poder. Morreu tragicamente em um acidente de carro, após deixar a presidência[47].

A dificuldade em se criarem heróis nacionais políticos pode estar ligada à descrença geral nessa classe. A falta de identificação dos brasileiros com sua própria história é equiparada à falta de confiança nos líderes politicos, e mesmo pela sua clara rejeição a eles, incluindo aqueles eleitos para os mais altos cargos. A desconfiança nos politicos é um dos mais consistentes resultados nas pesquisas de opinião pública. Na mais recente, terminada no final de 1998, os políticos foram considerados o grupo menos confiável de uma lista de categorias sociais e de instituições nacionais. Nada menos do que 94% dos entrevistados disseram que não confiavam neles; 69% não confiavam no presidente da república e 85% não confiavam nos partidos politicos. Nessa mesma pesquisa, os políticos foram considerados desonestos por 91% dos entrevistados e irresponsáveis por 82%[48].

Os brasileiros tendem a rejeitar os heróis militares e políticos. A figura militar mais importante do país, o marquês de Caxias, declarado oficialmente patrono do Exército, teve seu nome transformado em sinônimo de “quadrado”. Os brasileiros também tendem a acentuar, ou infundir, nas figuras públicas que admiram, dimensões humanas que têm relação com tranquilidade, sacrifício, e capacidade de gerar união. Na maioria das vezes, essas figuras se destacaram em outras áreas, tais como esporte, arte, ciência e atividade humanitária[49]. Se a tragédia se abater sobre suas vidas, as chances de serem admiradas aumentam enormemente. Este é o caso, por exemplo, de Ayrton Senna, que morreu em um acidente durante uma corrida, e Herbert José de Souza, o Betinho, o que há de mais próximo de uma figura carismática hoje em dia no Brasil, que estava profundamente envolvido em campanhas humanitárias. Betinho, que era hemofílico, morreu em 1998, vítima de Aids, doença que adquiriu durante uma transfusão de sangue. Figuras agressivas, conquistadoras ou mesmo jurídicas, comuns entre os heróis nacionais em todo lugar, inclusive nos Estados Unidos, para manter a comparação que venho fazendo, não se qualificam como heróis no país.

PAÍS DO FUTURO

O paraíso brasileiro era para ser usufruído, o americano para ser construído; o poderoso império brasileiro permanece uma aspiração, o império americano foi transformado em realidade; o herói brasileiro é um mártir, os fundadores americanos são construtores da nação. O mito edênico inclui orgulho pelas belezas e riquezas naturais do país; uma noção de Paraíso como um presente a ser aproveitado e não um objetivo a ser alcançado; e uma noção de Paraíso que é um jardim aberto a todos. O mito do futuro e poderoso império revela uma ânsia por grandeza nacional, por status de grande potência, por reconhecimento internacional, uma ânsia que não é sustentada por esforços apropriados para realizar esse sonho. Os heróis políticos nacionais brasileiros estão mais para mártires e figuras “paz e amor” do que para enérgicos construtores de uma nação. E ainda, a memória nacional da fundação do país enfatiza um encontro mitológico amistoso entre duas culturas e duas raças.

Esse imaginário tem de ser contrastado com alguns fatos desagradáveis. Os brasileiros destruíram boa parte das belezas naturais do país, esgotaram alguns de seus recursos naturais e quase destruíram completamente o paraíso terrestre que supostamente deveriam ter aproveitado. Exceto por suas dimensões geográficas e pelo tamanho de sua população, e pelo futebol, o país se destaca na arena política internacional principalmente por sua desanimadora estatística de pobreza, analfabetismo e mortalidade infantil, e por um dos piores índices internacionais de desigualdade social. Ultimamente, o país também se tornou conhecido pelo nível crescente de violência e de brutalidade policial, em especial nas áreas metropolitanas, um fenômeno desanimador para um povo que se vê como cordial e pacífico.

O drama do país repousa nesse contraste entre sonho e realidade, aspiração e realização. O paraíso está destruído e o império de paz não se materializa. As aspirações não são acompanhadas pelas ações apropriadas para realizá-las. O povo não confia nos seus líderes e nas instituições, mas nada faz para tornar os primeiros mais responsáveis pelas necessidades públicas e para modificar as últimas, assumindo o controle do seu destino. Toda a energia e imensa criatividade de que são capazes são direcionadas ao domínio privado, seja para usufruir a vida ou simplesmente para sobreviver. O social está desconectado do polftico. Daí um sentimento de frustração, de desapontamento com o governo e as instituições, e a permanência de uma vaga esperança de que um eventual messias possa vir a aparecer com a solução para todos os problemas.

No Brasil, os mitos não parecem desempenhar o papel de uma poderosa força organizadora, como Sanford pensa que desempenham nos Estados Unidos. Eles mais parecem ser um instrumento de auto-engano. Após 500 anos de história e no limiar do século XXI, que é também um novo milênio, o Brasil continua sendo um país do futuro, um país de muitos sonhos irrealizados.

Nos termos da discussão inicial, pode-se dizer que faltou nação a nosso Estado-nação inaugurado em 1822. Em consequência, o próprio Estado se viu castrado em sua capacidade mobilizadora, inclusive a de criar mitos. As novas formas de organização social que despontam no horizonte indicam tanto a redução do poder do Estado como o enfraquecimento da identidade nacional. Em seu lugar, surge o fortalecimento da sociedade e das identidades subnacionais. A incompletude de nosso Estado-nação poderia ser vista pelos otimistas dentro da perspectiva das vantagens do atraso. Outros poderiam argumentar que tal perspectiva talvez não passe de mais um truque que temos para conviver com nossas mazelas.

NOTAS

  1. Benedict R. O’G Anderson, Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism (London: Verso, 1986), e Bronislaw Baczko, Les Imaginaires sociaux. Mémoire et espoirs collectifs (Paris: Payot, 1984). O aspecto imaginado das memórias nacionais também é enfatizado em E. J. Hobsbawm e T. Ranger, eds., The Invention of Tradition (Cambridge: Cambridge University Press, 1983). 
  2. Ernest Renan, Qu’est qu’une nation? What Is a Nation? Versão inglesa por Wanda Romer Taylor (Toronto: Tapir Press, 1996), 19. 
  3. O papel dos mitos, heróis, símbolos, alegorias, na formação de uma identidade nacional, conforme aplicado ao caso francês, é discutido em Pierre Nora, dir., Les Lieux de mémoire, vol. I, La République (Paris: Gallimard, 1984). Para o caso americano, ver Elise Marientras, Les Mythes Fondateurs de la Nation américaine. Essai sur le discours idéologique aux États-Unis à l’époque de l’indépendence (1763-1800) (Paris: François Maspero, 1976). Mitos nacionais contemporâneos são discutidos em John Girling, Myths and Politics in Western Societies. Evaluating the Crisis of Modernity in the United States, Germany, and Great Britain (New Brunswick and London: Transaction Publishers, 1993). 
  4. Para uma vigorosa demonstração da presença de elementos mitológicos na historiografia, ver Suzanne Citron, Le Mythe national: l’Histoire de France en question (Paris: Ed. Ouvrières, 1991). 
  5. Sobre o papel dos mitos políticos em geral, ver Raoul Girardet, Mythes et mythologies politiques (Paris: Seuil, 1986). 
  6. Sobre a demografia e a situação dos nativos à época da conquista, ver Nathan Wachtel, Os índios e a conquista espanhola, in Leslie Bethell, org., História da América Latina, vol. I: América Latina colonial (São Paulo e Brasília: Editora da Universidade de São Paulo, Fundação Alexandre de Gusmão, 1997), 195-239. No mesmo volume, ver Leslie Bethell, Nota sobre as populações americanas às vésperas das invasões europeias, 129-131. 
  7. Sobre a situação dos índios brasileiros, ver John Hemming, Os índios do Brasil em 1500. In Leslie Bethel!, org., História da América Latina, 101-127. 
  8. Citado em Darcy Ribeiro e Carlos de Araújo Moreira Neto, A fundação do Brasil. Testemunhos, 1500-1700 (Vozes: Petrópolis, 1992), 28. 
  9. In Darcy Ribeiro e Moreira Neto, A fundação, 30. 
  10. Citado em Darcy Ribeiro e Moreira Neto, A fundação, 295. 
  11. Sobre a estatística do tráfico de escravos, ver Herbert S. Klein, The Atlantic Slave Trade (Cambridge: Cambridge University Press, 1999), 210-211. 
  12. Para uma excelente discussão sobre as visões que os europeus tinham sobre a nova terra e os novos povos, ver Antonello Gerbi, The Dispute of the New World. The History of a Polemic, 1750-1900. Traduzido por Jeremy Moyle (Pittsburgh: Pittsburgh University Press, 1973). No caso brasileiro, o estudo clássico é o de Sérgio Buarque de Holanda, Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil (São Paulo: Cia. Editora Nacional, 2a ed., 1969). 
  13. Citado in Holanda, Visão do Paraíso, 239. 
  14. Citado in José Murilo de Carvalho, “O Motivo Edênico no Imaginário Social Brasileiro”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 38 (outubro 1998): 63-64. 
  15. Sebastião da Rocha Pita, História da América portuguesa desde o anno de mil e quinhentos, do seu descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro (Lisboa Occidental: Off. de Joseph Antônio da Silva, 1730), 3-4. 
  16. Afonso Celso, Por que me ufano do meu país (Rio de Janeiro: Gamier, 1900). 
  17. Um deles foi um plebiscito nacional realizado pela Vox Populi e publicado na VEJA (1° de janeiro de 1996): 48-57, com o título: “O Brasileiro segundo ele mesmo”. A. segunda pesquisa foi realizada na região metropolitana do Rio de Janeiro por instituições acadêmicas. Os resultados foram publicados no CPDOC-IFGV/ISER, Lei, justiça e cidadania (Rio de Janeiro: CPDOC-FGV/ISER, 1997). 
  18. Ver Ronald Inglehart, Modernization and Postmodernization. Cultural, Economic and Political Change in 43 Societies (Princeton: Princeton University Press, 1997), 304. 
  19. Dados de 1959 mostram que apenas 5% dos americanos e 10% dos britânicos mencionaram a natureza como um motivo de orgulho nacional. Ver Gabriel A. Almond e Sidney Verba, eds., The Civic Culture Revisited (Boston/Toronto: Little Brown and Co., 1980), 230. 
  20. Caminha observou em sua carta: “Uma das moças era […] tão bem formada e cheia de curvas, seus genitais tão graciosos que sua visão causaria vergonha às nossas mulheres, por não terem os seus iguais ao dela.” 
  21. No mesmo momento em que a versão final deste texto estava sendo escrita, um terço do território nacional estava sendo assolado por milhares de incêndios resultantes da estação seca. Na parte ocidental do país, os aeroportos tinham sido fechados por falta de visibilidade, devido à fumaça provocada pelos incêndios. 
  22. A história da destruição das florestas brasileiras pode ser encontrada em Warren Dean, With Broadax and Firebrand. The Destruction of the Brazilian Atlantic Forest (Berkeley: The University of California Press, 1995). Alguns críticos me lembraram que muitos outros países também destruíram suas florestas e poluíram seus rios. Seria tolo dizer que a devastação natural é um privilégio brasileiro. A questão aqui no Brasil é a grande discrepância entre o mito e a realidade. Também outros países, como a Inglaterra, destruíram a natureza, mas a substituíram por uma natureza “cultivada”, na forma de jardinagem paisagística. Esta não é uma forma de arte popular no Brasil. Apenas um nome me vem à mente, o de Burle Marx, falecido recentemente. 
  23. Dados de 1959 dos Estados Unidos e da Inglaterra mostram que as instituições políticos são motivo de orgulho para 85% dos americanos e 46% dos britânicos. Ver Almond e Verba, The Civic Culture Revisited, 230. 
  24. Sobre essa pesquisa, ver E. H. P. Baudet, Paradise on Earth; Some Thoughts on European Images of Non-European Man. Traduzido por Elizabeth Wentholt (New Haven: Yale University Press, 1965). 
  25. Sobre as contribuições das visões renascentistas para o mito edênico, ver Charles L. Sanford, The Quest for Paradise: Europe and the American Moral Imagination (Urbana, Ill.: University of Illinois Press, 1961), capítulo 4. 
  26. Baudet, Paradise on Earth, 18. 
  27. Citado em George H. Williams, Wilderness and Paradise in Christian Thought (Nova York: Harper and Brothers, 1962), 101. 
  28. Sanford, The Quest for Paradise, VI. Sobre o tópico, ver também Williams, Wilderness, capítulo V 
  29. Sanford, The Quest for Paradise, VI. Sobre o tópico, ver também Williams, Wilderness, capítulo V. 
  30. Esta ideia me foi sugerida por Helena Bomeny. 
  31. Canudos foi imortalizado por Euclides da Cunha em Os Sertões, um “livro pioneiro” brasileiro, traduzido para o inglês por Samuel Putnam como Rebellion in the Backlands (Chicago: University of Chicago Press, 1957). Sobre Palmares, ver Décio Freitas, Palmares, a guerra dos escravos (Rio de Janeiro: Graal, 1978). 
  32. Citado em H. Handelmann, História do Brasil (Belo Horizonte: Itatiaia, 4a ed., 1982), 2o. vol., 185. 
  33. Ver Ana Isabel Buescu, “Un Mythe fondateur du royaume du Portugal: le miracle d’Ourique”, in Claude-Gilbert Dubois, dir., L’Imaginaire de la nation (1792-1992) (Bordeaux: Presses Universitaires de Bordeaux, 1991), 173-181. 
  34. Pe. Antônio Vieira, História do futuro; Livro anteprimeyro. Prolegômeno a toda história do futuro, em que se declara o fim & se provam os fundamentos della (Lisboa Occidental: Of. Pedroso Galram, 1718), 22-23. 
  35. Sobre o mito do rei Sebastião, ver Jacqueline Hermann, No reino do desejado. A construção do sebastianismo em Portugal, séculos VI e VII (São Paulo: Cia. das Letras, 1998). 
  36. Sobre Coutinho e sua ideia de um império no Brasil, ver Maria de Lourdes Viana Lyra, A utopia do poderoso império. Portugal e Brasil: bastidores da política, 17981822 (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994), 117. 
  37. Lyra, A utopia, 118. 
  38. Citado em Carvalho, “O Motivo Edênico”, 65. 
  39. Lyra, A utopia, 128. 
  40. Charles Wilkes, Narrative of the United States Exploring Expedition During the Years 1838, 1839, 1840, 1841, 1842 (Philadelphia: Lee and Blanchard, 1845), 17. 
  41. Marc Egnal, A Mighty Empire. The Origins of the American Revolution (Ithaca and London: Cornell University Press, 1988), 6. 
  42. Egnal, The Mighty Empire, 333. 
  43. Deve ser enfatizado que estou falando de heróis políticos nacionais. Muitos personagens poderiam ser qualificados como heróis que não são políticos ou que são políticos mas não nacionais. Apesar da sua importância, essa qualificação naturalmente não elimina algum grau inevitável de subjetividade envolvida na definição e seleção dos heróis nacionais. Utilizei como critério para definir os heróis políticos nacionais a aceitação nacional ao longo das linhas geográficas e de classe, e permanência, ou seja, persistência da imagem do herói por um longo período de tempo até o presente. 
  44. Sobre a imagem pública de D. Pedro II, ver Lilia Schwarcz, As barbas do imperador (São Paulo: Cia das Letras, 1998). 
  45. Ver Paulo Miceli, O mito do herói nacional (São Paulo: Contexto, 1988), 22-25. 
  46. Sobre o processo de mitificação de Tiradentes, ver José Murilo de Carvalho, A. formação das almas. imaginário da República no Brasil (São Paulo: Cia. das Letras, 1990), capítulo 3. 
  47. VEJA (1° de janeiro de 1996), 56. 
  48. Época (24 de maio de 1999), 14, 6. 
  49. Personagens populares do folclore nacional, tais como Pedro Malazartes, são mostrados como mestres da malandragem. Na literatura, existe um famoso personagem, Macunaíma, chamado por seu criador, Mário de Andrade, de “herói do povo” e descrito como um “herói sem nenhum caráter”. Além de também ser um mestre da malandragem, Macunaíma é preguiçoso, irresponsável e mentiroso, lutando constantemente para sobreviver. Ver Mário de Andrade, Macunaíma (o herói sem nenhum caráter) (São Paulo: Martins, 16a ed., 1978). Sobre Pedro Malazartes como representante da cultura popular, ver Roberto da Mata, Carnival, Rogues and Heroes. An Interpretation of the Brazilian Dilemma (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1991). 

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