1988

O demônio mudo

por Antonio Alcir Bernárdez Pécora

Resumo

O tema do “olhar” aparece muitas vezes nos sermões do padre Antônio Vieira. Já em 1638, na Bahia, com apenas 30 anos de idade, ele diz dos ouvintes dos pregadores (no “Sermão da quarta-feira da Quaresma”): “Uns têm ouvidos de ouvir, outros têm ouvidos de ver”, estes últimos sendo como os fariseus que buscam reduzir o sermão ao que lhes parece conveniente, abandonando a compreensão para se deliciarem com o “xadrez das palavras”. Para Vieira, a vista, concebida de maneira autônoma, conduz sistematicamente ao erro; submetida às determinações do presente, ela não capta no ser das coisas suas formas anteriores e posteriores. Daí ele querer corrigir essa tendência instantaneísta, não para uma finalidade contemplativa, mas, como jesuíta militante e missionário que era, para que o ver reforce a necessidade da ação e mostre a destinação cristã do homem. O “demônio mudo” do olhar confunde o entendimento com a imagem do amor-próprio, como um espelho (tentação maior do que a serpente, ele diz) que satisfaz o “apetite de ser visto”. Mas Vieira fala também de outro olhar, o de Deus que escolhe Portugal como nação eleita e lhe anuncia um “Quinto Império”, justamente quando o país entrava em declínio. E pode-se dizer que há uma confluência desses dois olhares, o que desfaz o engano e a idolatria e o que deseja o bem (olhar reparador e profético): em ambos Vieira mostra a importância sensível de uma vidência, de um supravisível que não é místico mas que deve se encarnar nos acontecimentos.


Notável criatura são os olhos!

A. V., Lágrimas de São Pedro

O tema do “olhar”, e correlatos, aparece muitas vezes nos sermões de Antonio Vieira. É preciso saber, entretanto, em que medida esse tema pode representar uma via de acesso importante às articulações mais fundamentais desse orador extraordinário. É preciso saber o que essa questão do “olhar” permite realmente conhecer de Vieira — e apenas se ela o faz, trata-se de uma questão. Claro, para que isso possa ser corretamente avaliado, não basta que se examine este ou aquele sermão que se refira ao tema… Será preciso acompanhar a maneira como ele vai sendo concebido e considerado ao longo da extensa oratória vieiriana. Nesse sentido, justamente, procurarei me deter, sobretudo, em certos sermões e épocas estratégicas no percurso dessa oratória.[1]

Em 1638, na Bahia, quando completava trinta anos e sua pregação apenas tivera início, Vieira, no sermão da “Segunda quarta-feira da Quaresma”,[2] especifica uma oposição entre dois tipos de ouvintes dos sermões que vai interessar muito de perto ao tema do “olhar”. Diz ele: “Há ouvidos que não sejam de ouvir? Nos ouvintes dos pregadores sim. Os ouvintes dos pregadores, uns têm ouvidos de ouvir, outros têm ouvidos de ver: uns têm ouvidos de ouvir, porque vêm ouvir para ouvir: para ouvir aquela doutrina, para a tomar, para se aproveitar dela; outros têm ouvidos de ver, porque vêm ouvir, não para ouvir, senão para ver: para ver se falou o pregador com equívocos ao uso, ou com lhaneza e gravidade apostólica; para ver se trouxe conceitos ou pensamentos novos, como se a verdade, por antiga, seja menos verdadeira ou menos venerável; para ver se tocou neste ou naquele, e mais nos maiores; e o pior é que estes ouvintes de ver muitas vezes são as toupeiras do lugar, aqueles que sabemos que vêem menos que todos”.[3]

Esses “ouvintes de ver’: — cuja matriz, nas Escrituras, seria fornecida pela maneira própria de ouvir dos escribas e fariseus — representariam, na perspectiva de Vieira, falsos ouvintes, uma vez que, com mais constância que o comum, procurariam reduzir o sermão exclusivamente àquilo que lhes parecesse conveniente ao “apetite”. Esse apetite que, em termos gerais, seria regido com maior ou menor distância pelo gosto literário em voga, inclinado aos equívocos, às alusões e às manipulações formais de impacto, somado ainda a uma certa maledicência novidadeira e ansiosa. Impossível não notar nesses “ouvintes de ver” o embrião daqueles que, quase vinte anos depois, Vieira haveria de descrever como um dos dois piores tipos de ouvinte, os “agudos”: “Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes porque vêm só a ouvir sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes também a picar a quem os não pica.[4]

O “ouvinte de ver”, como o de “entendimento agudo”, tenderia justamente a esquivar-se do sentido do sermão, a desobrigar-se de sua compreensão, buscando, antes, uma cumplicidade entendida tanto no reconhecimento das figuras quanto das personagens mobilizadas e envolvidas pela pirotecnia retórica. O “ver”, empregado por Vieira dessa maneira, indiciaria, portanto, uma espécie de abandono do intelecto e da disposição para conhecer em favor do deslumbramento ligeiro propiciado pelo rebuscado formal e pela fofoca. “Ver” estaria ligado a uma certa leviandade de que não parecia poder ou querer livrar-se, à época, o auditório dos fiéis. Ressaltaria um caráter fácil e mundano, sintetizado no exibicionismo formal, cuja consequência mais grave, para além da considerações morais, seria esse relaxamento e desvio da vontade e do esforço do entendimento. Deixar-se conduzir pelos olhos, nesse contexto inicial das colocações de Vieira, significaria estar à mercê das aparências, ser presa do brilhareco mundano como do “xadrez de palavras”.[5]

Vieira ainda especifica outras restrições importantes ao “ver” e ao “olhar”. A primeira delas se refere à própria constituição natural da visão e suas condições cognitivas. Isso fica perfeitamente claro em seu sermão de 1645, a propósito do “Santíssimo Sacramento” , quando ele disputa com um suposto “filósofo” naturalista sobre as limitações da percepção visual: “E que não haja o filósofo de crer aos olhos [.. .], a mesma natureza lhe ensina com um notável exemplo. Na íris, ou arco celeste, todos os nossos olhos jurarão que estão vendo variedade de cores, e contudo ensina a verdadeira filosofia que naquele arco não há cores, senão luz e água”.[6] Mesmo o conhecimento da natureza, apoiado exclusivamente na evidência visual, não se daria sem graves enganos. Conquanto instrumento importante desse conhecimento, a vista, concebida de maneira autônoma, conduziria sistematicamente ao erro. Evitar isso, para Vieira, implicaria a constante assistência da “razão”, potência suficiente para corrigir os enganos da visão. Ou seja, para que os olhos possam revelar, seria preciso que eles próprios fossem objetos de uma revelação, não necessariamente sobrenatural: “esta segunda revelação não é necessário que a faça Deus; basta que a faça a razão”.[7] À evidência do olhar faltariam critérios capazes de estabelecer a correta descrição dos fenômenos. Aquém desses critérios racionais, essa evidência seria apenas impressão difusa, não-analítica, e, como tal, insuficiente para apreender a natureza real dos objetos.

A essa restrição acrescenta-se uma outra, importantíssima para a aproximação a certas questões nucleares de Vieira, relativa, desta vez, à inelasticidade temporal do olhar, submetido exclusivamente às determinações do presente. Para ele, a vista considera as coisas unicamente pela forma que apresentam na atualidade, faltando-lhe, assim, um contraponto menos imediato, capaz de fornecer uma ideia mais precisa a respeito delas. Na verdade, segundo a concepção menos histórica que escatológica de Vieira, o ser real das coisas apenas pode ser conhecido quando, à sua forma presente, variável e acidental, impõe-se o crivo da observação de suas formas anteriores e posteriores — e sobretudo daquelas mais próximas de sua origem e de seu fim —, as quais tenderiam a identificar-se. Eis como ele coloca essa questão, atribuindo aos chamados “espelhos recíprocos” de Salomão um lugar matricial em relação ao conhecimento humano: “Nesta mesma roda natural das coisas humanas, descobriu a sabedoria de Salomão dois espelhos recíprocos, que podemos chamar do tempo, em que se vê facilmente o que foi e o que há de ser […]. Que é o que foi? Aquilo mesmo que há de ser. Que é o que há de ser? Aquilo mesmo que foi […] Pondo estes dois espelhos um defronte do outro, e assim como os raios do ocaso ferem o oriente e os do oriente o ocaso, assim, por reverberação natural e recíproca, achareis que no espelho do passado se vê o que há de ser, e no do futuro, o que foi. Se quereis ver o futuro, lede as histórias e olhai para o passado; se quereis ver o passado, lede as profecias e olhai para o futuro. E quem quiser ver o presente, para onde há de olhar? Não o disse Salomão, mas eu o direi. Digo que olhe juntamente para um e para outro espelho. Olhai para o passado e para o futuro, e vereis o presente”.[8] Apenas com a mediação das “histórias” — o que inclui tanto as estórias quanto a história, o mito como o fato — e das “profecias” — subsumidas ou não pelos comentários dos Doutores da Igreja —, contidas ambas exemplarmente nas Escrituras, seria possível avaliar a correta dimensão do ser, e mesmo de sua atualidade, sob a inquietude e o desassossego do momento. Corrigir-se-ia, assim, a tendência instantaneísta do olhar.

É fácil perceber que, essas considerações de Vieira conservam referências comuns àquelas relativas ao engano maneirista, mas o que ressalta de original aqui é justamente essa exigência de uma supravisão, de uma vidência, capaz de avanços e recuos no tempo, e, por isso, capaz de reavaliar as imagens enganadas percebidas pelo olhar comum. Também é preciso notar que essa vidência, em Vieira, tem muito pouco a ver com a visio Dei, com o êxtase da contemplação direta da divindade. Aliás, ele frequentemente ironiza esse tipo de mística contemplativa, a que faltaria disposição para a efetiva reforma do mundo: “Estavam os apóstolos no Monte Olivete em o dia da Ascensão, com os olhos pregados no céu e com os corações dentro deles, porque já se lhes escondera da vista c) Mestre e o Senhor, que em si e após si lhos levara. Estavam enlevados, estavam suspensos, estavam arrebatados, e quase não em si de amor, de admiração, de glória, de júbilos, de saudades; eis que lhes aparecem dois anjos e lhes dizem estas palavras: […] Varões galileus, que fazeis aqui olhando para o céu?”.[9] E para Vieira, nada mais justo que esta interpelação e esta severidade dos anjos para com os apóstolos, pois sobretudo a eles caberia “deixar de olhar para o céu para acudir às cegueiras da terra”.[10] Aos arroubos da mística, Vieira, infalivelmente jesuíta, prefere a militância missionária: “O contemplar em Deus é obra divina, mas o levar almas para Deus é obra diviníssima”.[11]

Quer dizer, retomando o ponto anterior, se a visão humana, para ele, é desgraçadamente limitada, seja por sua irracionalidade, seja por seu imediatismo, não caberia recusar o seu horizonte propriamente humano, verticalizando-a exclusivamente em direção à divindade. Isto quer dizer, também, que a questão do olhar, em Vieira, está fortemente imbricada àquela das, como ele diz, “cegueiras da terra”. Compreender esse olhar passa necessariamente pelo exame das “espécies” ou “graus” mais contundentes em que elas se manifestariam.

Um outro ponto precisa ser esclarecido desde logo. A impressionabilidade característica do olhar, conquanto limitada cognitivamente, não é recusada in limine por Vieira. Seguindo as lições mais conhecidas do patriarca de sua Ordem,[12] ele não reluta em admitir a importância que a presença de elementos visuais impressivos pode ter na conquista do fiel. Nessa espécie de metassermão que é o da “Sexagésima”, ele diz o seguinte: “Vai um pregador pregando a Paixão, chega ao pretório de Pilatos, conta como a Cristo o fizeram rei de zombaria, diz que tomaram uma púrpura e lha puseram aos ombros; ouve aquilo o auditório muito atento. Diz que teceram uma coroa de espinhos, e lha pregaram na cabeça; ouvem todos com a mesma atenção. Diz mais que lhe ataram as mãos e lhe meteram nela uma cana por cetro; continua o mesmo silêncio e a mesma suspensão dos ouvintes. Corre-se nesse passo uma cortina, aparece a imagem do Ecce homo: eis todos prostrados por terra, eis todos a bater nos peitos, eis as lágrimas, eis os gritos, eis os alaridos, eis as bofetadas. Que é isto? Que apareceu de novo nesta igreja? Tudo o que descobriu aquela cortina tinha já dito o pregador. Já tinha dito daquela púrpura, já. tinha dito daquela coroa e daqueles espinhos, já tinha dito daquele cetro e daquela cano. Pois se isto então não fez abalo nenhum, como faz agora tanto? Porque então era Ecce homo ouvido, e agora é Ecce homo visto; a relação do pregador entrava pelos ouvidos, a representação daquela figura entra pelos olhos”.[13] A representação visual parece-lhe mais atraente que o discurso puramente oral, e, nesse sentido, poderia acrescentar poder de convencimento ao sermão. Além disso, mais que o atraente da representação, o que lhe parece importante e eficaz na visão seria a sua concreção, o fato de que aponte para a obra, a coisa efetivamente feita e não apenas dita ou prometida: o “ver”, em princípio, se oporia à vanidade possível das palavras, bem como reforçaria a ideia de necessidade da ação. Diz Vieira: “As palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos”.[14]

Resumindo, o “olhar”, no que diz respeito às características negativas apontadas por Vieira, teria por objeto privilegiado a variedade e aparência das coisas, o envolvimento mais ou menos espalhafatoso das formas tais como se apresentam e não como ser ou participação dele; nesse sentido, o olhar precisaria ser constantemente assistido e corrigido por potências superiores — a razão, a vidência — a fim de que chegasse a constituir um fator relevante para o conhecimento. Por outro lado, quanto aos seus aspectos positivos, o olhar prender-se-ia ao objetivo e concreto, ao real mais que ao imaginário, à ação e ao exemplo mais que à intenção. Nos termos mais gerais de articulação entre essas duas perspectivas, o que se pode depreender é sobretudo a ideia de que a vista, ao restringir-se inevitavelmente ao sensível imediato — e mesmo que verdadeiramente reine sobre os sentidos —, tenderia a deixar o homem sem critérios para julgamento da natureza e verdade das coisas, divinas ou humanas, humanas ou não. A questão da “cegueira”, mais uma vez, impõe-se.

Há um sermão de Antonio Vieira, de 1669, logo após a sua saída do Tribunal do Santo Ofício, que, a despeito de pouco citado, a mim parece realmente extraordinário e ainda mais considerando o tema do olhar. Trata-se do sermão da “Quinta quinta-feira da Quaresma”, pregado em Lisboa. Lá pelas tantas, conjugando com a maestria de sempre o gosto da ironia e do paradoxo, ele comenta justamente essa estranha e insistente proximidade do “ver” e do “não ver”: “Bem sei que ver e não ver implica contradição, mas a cegueira dos escribas e fariseus era tão grande que podiam caber nela ambas as partes desta contradição. Os filósofos dizem que uma contradição não cabe na esfera dos possíveis: eu digo que cabe na esfera dos olhos”.[15] Ademais, bem observada essa contradição, Vieira a caracteriza não em uma relação estável, de forma fixa, mas em movimentos de maior ou menor tensão, em “espécies” de gravidade hierarquizada.

A forma mais imediata dessa contradição, em que o “ver” implica uma “cegueira”, já foi, aproximadamente, descrita aqui. Refere-se àquela impressionabilidade sem critérios da vista pela inquietude aparente e mundana. Essa impressionabilidade, entretanto, para Vieira, não representa um estado de coisas definido pela natureza em que o mundo assalta o homem inexoravelmente vulnerável e desprotegido. A determinação do olhar pelo supérfluo e imediato não seria efeito inelutável de uma ação exterior sobre o indivíduo passivo. Haveria, isto sim, uma cumplicidade, particularmente clara à sua época, entre a má disposição do homem para ver e a falsidade com que o mundo se mostra. Não que ele considerasse má a natureza humana, o que seria absurdo do ponto de vista católico,[16] tão absurdo quanto supor, desse mesmo ponto de vista, que o homem não pudesse cometer malefícios. Mas haveria, pelo menos historicamente, naquele momento que ele considerava decisivo para o destino humano, uma perigosa confluência entre o vistoso do mundo e certa preguiça de vontade, certa desatenção do olhar. Nesse sentido justamente é que Vieira comenta a oportunidade do brado “Atendei e
vede”[17] — de Jeremias: “Não só pede o profeta vista, mas vista e atenção, e primeiro a atenção que a vista, porque ver sem atenção é ver e não ver”.[18] E diz ainda: “Há muitos que vêem sem olhar, porque vêem sem atenção. Não basta ver para ver; é necessário olhar para o que se vê. Não vemos as coisas que vemos, porque não olhamos para elas. Vêmo-las sem advertência e sem atenção, e a mesma desatenção é a cegueira da vista”.[19]

Esse olhar desatento, “divertido”, para usar o termo clássico, resume basicamente o que ficou dito sobre a atração diante dos acontecimentos sem fundo e sobre os quais o homem acaba por armar “castelos”, ignorando, assim, a “fragilidade da vida”.[20] É o tema mesmo do “engano da esperança” na “mentira das coisas humanas”,[21] com a especificação importante, já apontada, da recusa do “remédio” da contemplação, e ressaltada ainda a responsabilidade pessoal do homem no estabelecimento do engano. A cada uma das “cegueiras da terra” corresponderia, nesse sentido, uma culpa do homem. Não que as cegueiras existentes fossem o efeito ou a punição de uma culpa anterior, o que tenderia a negar a liberdade do arbítrio e que, de resto, é expressamente negado no Capítulo 9, de são João, passagem frequentemente comentada por Vieira.[22] A culpa de que se fala aí seria inalienável, sim, do próprio momento em que o homem permitisse a diluição de seu arbítrio e entendimento no “tropel” das “vistas”.[23] Essa justamente a “cegueira da primeira espécie”,[24] caracterizada por Vieira: aquela que acomete o homem deslumbrado pelos temporalia,[25] submetido a uma determinação meramente circunstancial; aquela em que o olhar, a troco de seguir a “força da maré” e deixar-se impressionar indistintamente pelas “ondas” que são “todos os objetos deste mar imenso do mundo”,[26] já não pode ter lucidez para conhecer a dimensão real desses objetos, e ainda menos para avaliar o seu lugar na destinação cristã do homem.

Se o olhar padece dessa distração, desse encantamento fácil com os passatempos mundanos, não reside aí, para Vieira, seu maior perigo, sua contradição mais grave. Para introduzir essa dimensão mais ameaçadora do tema, há um trecho particularmente esclarecedor daquele célebre sermão do “Demônio mudo”, com que Vieira repreendia as religiosas de Odivelas. É assim: “Dentro da nossa fantasia, ou potência imaginativa, que reside no cérebro, estão guardadas, como em tesouro secreto, as imagens de todas as coisas que nos entraram pelos sentidos, a que os filósofos chamam espécies. E assim como nós das letras do ABC, que são somente vinte e duas, trocando-as e ajuntando-as variamente, escrevemos e damos a entender o que queremos, assim o demônio, daquelas espécies, que são infinitas, ordenando-as e compondo-as como mais lhe serve, pinta e representa interiormente à nossa imaginação o que mais pode inclinar, afeiçoar e atrair o apetite. E deste modo mudamente nos tenta, mudamente nos persuade, e mudamente nos engana”.[27] Utilizando as categorias que a Escolástica emprestara de Aristóteles para descrever as operações típicas do “intelecto do ente finito”,[28] Vieira introduz o demônio mudo do olhar entre as “espécies inteligíveis” (imagens iniciais dos objetos sensíveis recebidas pelo intelecto) e a ratio (a “intenção conhécida” , a “noção inteligível” desses objetos). A partir daí, já não seria a análise das impressões que determinaria basicamente conhecimento, mas a pressão do “apetite”. O demônio do olhar agiria de modo a fazer com que o entendimento do que fosse visto se confundisse com a imagem daquilo que se gostaria de ver. O efeito próprio desse demônio seria, silenciosamente, trocar a imagem do ser das coisas pela miragem do desejo.

A representação mais típica dessas operações em que se intromete o demônio é dada pelo “espelho”, lugar onde cede toda isenção do olhar: “Vê-se o que concedeu a natureza mais ou menos avara; e crê-se em fé do amor, ou desejo próprio, não o que retrata o espelho, senão o que representa a imaginação”.[29] Que olhar, e, particularmente, o olhar a si — que seria justamente a tendência de todo olhar —, “transfiguraria” a coisa vista de tal modo que já não haveria entre ela e a realidade qualquer relação de necessidade: “Assim o cuida, porque assim se viu; e assim se viu, porque assim se quis ver”.[30] Regido pela imaginação e pela vontade, exacerbadas ambas pelo desejo, o espelho tornar-se-ia espaço de alguma espécie nociva de “milagre”, pronto a subverter a natureza das coisas: “Isto mesmo é o que se passa entre a vista e o espelho, e tanto mais viva e enganosamente, quanto é maior o desejo de bem parecer. Saem as espécies direitamente do rosto ao espelho, e, recebidas no vidro, e rebatidas do aço, tornam reflexamente aos olhos; e nesta ida e volta, ambas mudas e em silêncio, por engano do amor-próprio, se pinta ou despinta de tal sorte o mesmo objeto, que mais parece milagre da transfiguração que ilusão da visão.[31]

Isto posto, o objeto par excellence do olhar seria a forma e a moda do mundo, tal como ficou dito anteriormente, apenas na medida em que isso compusesse com a questão do desejo pessoal. A rigor, na perspectiva de Antonio Vieira, é a si mesmo que se quer ver todo o tempo; e não uma imagem de si natural e proporcionada à ordem das coisas, mas passionalmente deformada: “Eu não pretendo negar à ignorância os seus erros, mas os que do céu abaixo padecem comumente os olhos dos homens, e com que fazem padecer a muitos, digo que não são da ignorância, senão da paixão. A paixão é a que erra, a paixão a que os engana, a paixão a que lhes perturba e troca as espécies, para que vejam umas coisas por outras. E esta é a verdadeira razão, ou sem-razão, de uma tão notável cegueira”.[32] E a ação passional, que orienta o que a vista vê, é fruto, segundo Vieira, do “amor” ou do “ódio”, as duas paixões “capitais” a que se reduzem as “onze” de Aristóteles, os “dois afetos cegos”, os “dois polos em que se revolve o mundo, por isso tão mal governado”.[33] Possuído de uma ou outra dessas paixões, o olhar chegaria mesmo a atribuir “ser e substância, sem outra distinção ou juízo, que aborrecer ou amar”.[34] Segundo a paixão, o ser que se vê: “Se os olhos vêem com amor, o corvo é branco: se com ódio, o cisne é negro; se com amor, o demônio é formoso: se com ódio, o anjo é feio; se com amor, o pigmeu é gigante: se com ódio, o gigante é pigmeu; se com amor, o que não é tem ser: se com ódio, o que tem ser e é bem que seja, não é nem será jamais”.[35] Nesse raciocínio, a dimensão mais terrível do olhar, que começa a aparecer, estaria em que, mobilizado pelo desejo e polarizado pela paixão, ele tenderia a fornecer seu próprio espetáculo.., e mais do que isso: ele tenderia a forjar a sua própria garantia, o objeto de confirmação de uma verdade suposta que, real ou não, tem uma aparência, é visível. Quer dizer, seria justamente através do olhar que ganharia aparência e visibilidade, como ser do mundo, o que não tem lugar fora do horizonte subjetivo das paixões. Perceber que, na perspectiva de Vieira, o olhar “cria” o ser desejado, ou desfaz o repudiado, não é suficiente; é preciso entender ainda que, através dessa ação criadora (ou de sua contrária), o olhar como que encontra uma imagem para o desejo. O que, em princípio, enquanto desejo, seria sobretudo índice de uma falta, agora, graças ao demônio do olhar, simula-se preenchido por uma imagem.

Antes de avançar, porém, alguns cuidados. O primeiro deles é o de lembrar que as considerações de Vieira de que o olhar raramente esteja acima das paixões não indica apenas um comprometimento das operações intelectuais em que esteja envolvido. No interior de uma concepção católica, o engano sustentado pelas paixões pode caracterizar o pecado, em cuja origem, aliás, para Vieira, é raro não se identificar alguma distorção própria do ver. No sermão das “Lágrimas de são Pedro”,[36] ele diz isso de maneira muito clara: “[…] em todos os pecados do corpo e da alma, são cúmplices os olhos.”[37] E reafirma: “Infinita matéria fora se houvéramos de discorrer por todos os movimentos viciosos e por todas as ações de pecado, em que são cúmplices os olhos”.[38] E, logo depois, interpelando o auditório: “Sabeis, filhos, diz a Igreja, por que vos manda Deus que chorem os olhos por todos os pecados? É porque os olhos são a fonte de todos”.[39] Na verdade, para Antonio Vieira, a matriz de todos os pecados teria tido sua origem precisamente na vista: “Viu Eva o pomo vedado […]”…[40]

Mas Por que essa relação tão estreita? Por que tamanho perigo no olhar? Em boa parte, já se sabe, porque o olhar não é apenas o mais sensível dos sentidos, o que mais se presta ao serviço das paixões, mas também aquele cuja propriedade mais eficaz é dar aparência, indiferente ao ser; é dar forma e mobilidade a coisas que apenas o desejo, imaginação e vontade instauram e movimentam. Para Vieira, o ver é tão próximo do pecado não apenas porque ele é falível e se deixa enganar, mas por que ele tenderia a objetivar o engano, a dar-lhe uma autonomia insuspeitada. O olhar tenderia a supor ato e obra que é apenas desejo e fantasia… Ele conferiria uma espécie de materialidade, de externalidade a paixões estritamente pessoais, inserindo-as no mundo e acrescentando confusão às coisas. Contrária à razão, à natureza e à república, essa confusão se consumaria na caracterização do mal moral do pecado.

A falsificação do real, a criação de uma imagem externa, mas sem ser, relativa sobretudo à paixão individual ainda é, entretanto, uma descrição genérica do que Vieira entende pela ação demoníaca do olhar. Não aí, pelos menos, os seus contornos mais precisos. Na verdade, como Vieira vai dizer em vários de seus sermões, o “ver”, regido pela paixão, encontra seu grau mais radical — e isto quer dizer, mais radicalmente infenso à verdade — naquilo que ele chama de “apetite de ser visto”, o mais arraigado dos desejos do homem. Em um sermão de 1673, pregado em Roma diante de uma auditório ilustre encabeçado pela rainha Cristina da Suécia,[41] Vieira diz justamente o seguinte. “O uso de ver tem fim com a vida, o apetite de ser visto não acaba com a morte. Esta foi a origem das estátuas romanas sepulcrais. Punha-se a estátua e imagem do defunto sobre o sepulcro, para que o homem que dentro dele não podia ver, sobre ele fosse visto. Já que me falta a vida própria, ao menos não me falte a vista alheia. De maneira que, devendo os mármores da sepultura ser uns espelhos em que se vissem os vivos, são uma antecipada ressurreição da arte em que se vêem os defuntos. Tão imortal é nos mortais o desejo de ser vistos”.[42] Esse desejo maior que a vida, para Vieira, é o mesmo que se dissimula sob todo desejo de ver, o mesmo que estaria na origem e no limite último do olhar arbitrário ao real, como desobediente a Deus.

Para se entender bem essa relação verdadeiramente de fundo entre o “olhar” e o “ápetite de ser visto”, o tema do “espelho” precisa ser recolocado. A esse respeito, lembrando-se dos primeiros tempos da Igreja, em que era vedado às mulheres cristãs o uso dos espelhos e que estas, então, tratavam de burlar a proibição mirando-se na água ou no azeite, Vieira comenta: “Se aqueles boas ou más cristãs usaram dos dois espelhos naturais para emendar alguma decomposição ou deformidade do rosto, venial podia ser o pecado contra o preceito. Mas diz com grande invectiva o zelo de são Justino que o faziam para ver se a natureza as tinha dotado de algumas prendas, das que agradam aos olhos dos homens, e para as converterem em armas com que fazer guerra à castidade […]. Tanto mais abominável era que o verem-se, o fim por que se viam. De Arquime-des, famosíssimo matemático, sabemos que em um porto de Sicília fabricou uns espelhos, ‘de tal forma que, reverberando neles os raios do sol, convertidos em fogo, abrasaram uma armada inimiga. E tal era a diabólica tenção destas matemáticas do inferno, para abrasarem as almas dos que falsamente se chamam amigos”.[43] E depois, quando comenta o costume de se portar espelhos entre as páginas do livro de horas, a relação entre “olhar” e desejar ser objeto do olhar de outro fica ainda mais vincadamente estabelecida: “De sorte que à igreja, onde as mulheres vão orar e adorar a Deus, se vão idolatrar a si mesmas, e naqueles livros santos, cujas folhas umas têm estampadas as imagens da Virgem Maria, outras as de Jesus Cristo crucificado, se não pejam de que apareça também as suas!”.[44] A esse comportamento, Vieira contrapõe um exemplo que vai buscar na Antiguidade grega: “Conta Pausânias que no templo maior da Arcádia, estava um espelho, no qual os homens que olhavam para ele não se viam a si, mas só viam as imagens dos deuses. E quando os gentios, adoradores dos deuses falsos, entenderam que nos espelhos dos templos não se haviam de ver outras imagens que as dos mesmos deuses, têm nome e fé de cristãs as que levam os espelhos aos templos do Deus verdadeiro, não só para tirarem os olhos dos altares, e os porem em si, nem só para se verem a si, que seria menor escândalo, mas para verem e enfeitarem o modo com que desejam ser vistas?”.[45] Este trecho é importantíssimo para entender que, na concepção de Vieira, o que há de mais próximo entre o espelho e a ação demoníaca não é simplesmente a distorção do real, mas seu uso. Não se trataria, aqui, de uma distorção qualquer, de uma vontade deformadora que se afirmaria sem consequências, mas de uma vontade que teria, inequivocamente, um fim, um propósito. Esse propósito poderia ser, como na citação, a ação concupiscente, mas ela não é única. Mais do que isso, a finalidade da deformação imposta ao real pelo olhar seria a composição de uma forma, de uma imagem, capaz de atrair para si olhar alheio. Nesse sentido é que se pode entender com maior rigor o peso do termo “idolatrar” empregado por Vieira: não se trataria apenas de não olhar corretamente para as coisas, ou de não olhar para Deus, ou de permanecer simplesmente olhando para si, mas de mobilizar tudo isso na tentativa de objetivar uma admiração por si, de forjar a plateia ou o mundo que rapidamente reconhece a formosura que o sujeito passional do olhar inventa para si. É exatamente nesse sentido que Vieira interpreta a tentação do espelho, aqui apontada, como superior àquela da serpente, quando ela promete a Eva nada menos que a divindade. E isto porque o desejo da divindade, segundo Vieira, é menos evidente que o desejo de ver, diante de si, a própria formosura. Avançando ainda mais essa ideia, Vieira propõe mesmo uma reinterpretação daquela que seria a verdadeira tentação de Lúcifer, anjo decaído ao pretender ser como Deus. Eis a passagem.. “Quando Lúcifer disse: Similis ero Altissimo[46]julgaram muitos doutores, principalmente antigos, que nesta semelhança com Deus […] afetara Lúcifer a divindade; porém, muitos outros intérpretes, não menos doutos, que vieram depois, não por serem mais amigos do demônio, senão porque ao mesmo demônio se deve fazer justiça, quando ele a tiver — têm para si, que um espírito de tão sublime entendimento não podia cair em uma ignorância tão evidente, e em um erro tão crasso, senão em outro mais natural e mais próprio da formosura, em que também podem ser cúmplices os nossos espelhos. E qual foi? Foi que, vendo Lúcifer sua extremada formosura, ficou tão satisfeito dela que renunciando a vista de Deus, não quis outra mais que a sua”.[47] O grande perigo, a tentação mais terrível assinalada pelo olhar seria justamente a de que ao representar supostamente fora de si um mundo admirado pela formosura de seu sujeito, ele tenderia a renunciar tanto ao mundo real, que não reconhece, quanto — o que é extraordinariamente grave do ponto de vista cristão — à própria relação da criatura com o Criador. O olhar, desequilibrado a este ponto, se dispensaria da visão de Deus, dispensaria Deus, porque já teria a si mesmo como objeto de adoração. E não uma adoração que se reconheça solitária e irracional, porque, graças à configuração demoníaca do olhar, ele veria o mundo como espelho possível de seu próprio desejo. Ele tenderia a bastar-se — o que pode mesmo resumir a essência da noção cristã de pecado:[48] “[…] assim como Deus se vê no espelho do seu entendimento, assim eu […] me quero ver no espelho do meu. E assim como ele tem a sua glória em se estar vendo a si mesmo, assim eu quero ter a minha em me estar vendo a mim, e por isso não quero a sua glória nem a sua bem-aventurança, senão a minha”.[49] Isso mesmo é o que diz Lúcifer, a quem não poderia deixar de caber a forma mais radical da contradição constitutiva do olhar humano.

A paixão do olhar, portanto, não seria apenas aquela que turva o ser do mundo e nele confunde a imagem e o real. Essa paixão avançaria até o ponto em que as imagens se tornassem confirmativas de um suposto bem, ou formosura, sem outra substância que a da própria paixão. O olhar não apenas imaginaria em si esse bem, como procuraria atribuir-lhe generalidade, universalidade, o que ele só pode fazer imaginando o próprio olhar do outro sobre si, imaginando-se a si próprio como a forma objetiva da admiração alheia.

Se, na tradição tomista, a Glória divina, o conhecimento pleno que Deus tem de si, incorpora o conhecimento das imitações imperfeitas do Ser pelas essências particulares,[50] o que Vieira diz do olhar demoníaco refere-se a um deslocamento indevido disso para o plano dos homens: o olhar deformaria o real até o momento em que se considerasse o objeto da imitação aproximada de outros olhares. E exatamente nesse momento, quando se considerasse a razão do olhar alheio, ele já não seria capaz de reverter essa distorção: ele já não reconheceria em si a falta que se afirmara a cada instante desse circuito de deformação. E justamente esse desconhecimento quase absoluto de seus próprios limites caracterizaria o que Vieira vai chamar de “cegueira de terceira espécie”, aquela em que o cego garante que vê: “O cego que conhece a sua cegueira não é de todo cego, porque, quando menos, vê o que lhe falta; o último extremo da cegueira é padecê-la e não a conhecer”.[51] E, retomando o tema de João, em que apenas o cego natural reconhece em Cristo o verdadeiro Deus, ele comenta: “A natureza, quando tira o sentido da vista, deixa o sentido da cegueira, para que o cego se ajude de olhos alheios. Porém os escribas e fariseus estavam tão pagos dos seus, e tão rematadamente cegos, que não só tinham perdido o sentido da vista, senão também o sentido da cegueira: o da vista porque não viam, o da cegueira porque a não viam. […] não pode haver maior cegueira, nem mais cega, que ser um homem cego e cuidar que o não é”.[52]

Ao ver o mundo segundo as próprias paixões e depois a estas paixões como objeto pleno do desejo alheio, o demônio do olhar atingiria sua configuração mais radical, de suposta auto-suficiência e completude, o que, do ponto de vista católico, pode ser resumido no ato fatal, que definiria o mal moral mais extremo entre os homens, de recusa da Graça e, em termos mais gerais, de recusa da relação causal Criador-criatura. A “idolatria de si” não se caracterizaria inteiramente antes dessa inconsciência que, para Vieira, é, também, uma forma de loucura: “Refere Sêneca um caso notável, sucedido na sua família, e diz a seu discípulo Lucílio, que lhe contará uma coisa incrível, mas verdadeira: […] Tinha uma criada chamada Harpastes, a qual, sendo fátua de seu nascimento, perdeu subitamente a vista […] E que vos parece que faia Harpastes cega e sem juízo? Aqui entra a coisa incrível. […] era cega e não o sabia. […] quando o que tinha cuidado dela lhe dava a mão para a guiar, lançava-o de si. […] dizia que estava a casa às escuras, que abrissem as janelas; e as janelas que tinha fechadas não eram as da casa, eram as dos olhos”.[53]

O olhar traduziria o risco de que o desejo, conduzido pela vontade passional, já não atendesse à própria falta, tendendo, então, a cristalizá-la em uma completude puramente imaginária, constituída puramente de imagens. Especialmente a materialidade do olhar, a externalidade do visível contribuiria para supor objetivo o que, mais do que tudo, se moveria segundo a aparência. Assim é que, ao discutir sobre a conveniência ou não de Cristo mostrar-se por inteiro aos homens, Vieira considera preferível que ele não se mostre à vista, pois esta inclinaria mais ao “gozo” imediato que às “saudades”, mais à saciedade diante da imagem que ao refinamento da crença. Cristo, diz Vieira, “fiou mais seu amor de nossos desejos que de nossos olhos”.[54] Essa a grande “sem-razão” do olhar, que o levaria a contentar-se invariavelmente com a falsa objetividade do que avista. É o que ele diz, de maneira exemplar, retomando um argumento de santo Agostinho: “Os olhos do ídolo […] ainda que não vêem, vê-os o idólatra; os olhos de Deus, ainda que vêem tudo, o idólatra os não vê: e tal é a propensão e inclinação humana a nos deixarmos levar só do que vemos, que antes quer o idólatra dedicar os seus sacrifícios aos olhos visíveis do ídolo, porque ele os vê, ainda que eles o não vejam, do que aos olhos invisíveis de Deus, ainda que eles o vejam, porque ele os não vê”.[55] Ou seja, a paixão do olhar, estimulada pela paixão de ser visto, completaria aqui o seu circuito: após reduzir o mundo à sua imagem, reduz Deus à aparência do outro que vê.

Até agora, tudo o que ficou dito descreveu exclusivamente o que Antonio Vieira pensou a propósito do olhar humano. Mas ele também usou o termo tendo por sujeito a própria figura de Deus. Os sermões mais esclarecedores deste segundo uso são já de sua última fase produtiva, quando se dedicava integralmente, ou quase, à reescritura dos sermões e à elaboração daquela que seria a obra máxima de seu filão profético, a desaparecida Clavis prop hetarum. Aliás, dois dos sermões dessa época tomam por tema justamente os termos Respexit, et vzdit, “olhou e viu”, extraídos do suposto discurso do Cristo a Afonso Henriques, quando do famigerado “milagre de Ourique”. Para Vieira, esse “olhar e ver”, no momento em que Portugal garantia a sua independência enquanto nação, significaria, primeiramente, que Cristo criara Portugal por intervenção direta sua, diferentemente do que ocorrera com os outros estados, cuja instituição se fizera mediada pelas casas, pelos povos e outras circunstâncias: “esta prerrogativa é singular de Portugal”, o único “reino, ou nação” a quem se dirigiram estas palavras da própria “boca de Cristo”: “Eu quero estabelecer em ti, e na tua descendência, o meu império”.[56] Portugal, na concepção de Vieira, seria a nação eleita por Cristo para dar início a uma nova era da cristandade. Nesse sentido, o olhar divino posto sobre Portugal, no quadro das relações de pessoa admitidas entre o Criador e suas criaturas, se revelaria pleno de amor paternal. Entender esse amor, entretanto, na perspectiva de Vieira, significaria não apenas perceber um certo estado de coisas, mas, sobretudo, um programa de ação derivado diretamente da eleição amorosa. A eleição seria índice de uma Providência, isto é, de uma ordem e de uma finalidade para o universo, para cuja instauração plena o eleito terá de concorrer integralmente. Diz Vieira: “[Cristo] como fundador dos reinos, fundava o de Portugal, para que o seu nome fosse levado a nações e gentes estranhas”.[57] Ao eleito, portanto, caberia agir em direção a este fim, co-participar da Providência. Mas isto não quer dizer, por outro lado, que, na concepção de Vieira, o olhar divino em direção ao eleito seja, por assim dizer, pontual… Ele permaneceria velando pela ação do eleito, o que implicaria mesmo certas intervenções especiais da divindade em momentos mais embaraçosos da história humana. Para Vieira, conquanto a Providência fosse certa, e certa também a necessidade de mobilização empenhada dos eleitos, por vezes ele próprio teria que agir: “como a variedade e mudança das coisas humanas. são tantas como as voltas da roda da fortuna, que nunca pára, é força que, contra a firmeza e estabilidade dos sucessos futuros, ocorram muitos encontros, muitos impedimentos, muitos estorvos, muitas dificuldades, muitos embaraços, e grandíssimas implicações. E quantas vezes Deus desvia esses encontros, desimpede esses acontecimentos, estorva esses estorvos, facilita essas dificuldades, desembaraça esses embaraços, e desarma e desfaz essas implicações, tantas são as maravilhas que a providência, sabedoria e onipotência divina obra, para manter a verdade de suas promessas contra a mesma antiguidade delas”.[58] E essas “maravilhas” que repõem a verdade da providência — fruto desse olhar do Deus que vela por seus eleitos — se dariam sobretudo nos momentos em que correria grande risco de perda de autonomia a nação desses eleitos, vale dizer, segundo Antonio Vieira, o Estado português. Tal teria sido o caso da batalha de Ourique, como o que se seguiu à morte de d. Fernando: “Neste estado, porém, e nesta confusão temerosa, em que tudo ameaçava a última e total ruína, que fariam os olhos de Deus, sempre vigilantes sobre Portugal?”. Eles trataram de levantar “duas colunas”, “dois heróis”, que “em tantas e tão desiguais batalhas, e com tantas e tão vantajosas vitórias, defenderam gloriosamente a pátria, e tiveram mão na coroa”.[59] Aliás, o que mais ainda se garantiu, segundo Vieira, com o casamento dos filhos desses heróis e a fundação de uma nova Casa Real, a de Bragança: “dobrados alicerces ao reino”. O olhar tenderia, portanto, basicamente, a impedir que vagasse o trono português e ficasse à mercê da pretensão alheia. E “alheia”, aí, significaria não apenas “estrangeira”, como de “outra ordem”: apenas com Portugal e os portugueses se estabeleceria essa relação de “eleição”.

Em 1688, à época de d. Pedro II, a situação portuguesa parecia a Vieira igualmente delicada, já que o rei não tinha ainda filho varão. E é nesse ano, quando Vieira recebe no Brasil as novas do nascimento do infante d. João, que ele vai interpretar de maneira mais direta o sentido que teria o “olhar e ver” de Deus. Ele diz: “O olhar e ver de Deus, em linguagem do mesmo Deus, e frase da Escritura Sagrada, é fazer Deus mercê de dar sucessão a quem é servido, e não outra, senão de filho varão”.[60] E ainda: “o olhar e ver de Deus é dar filho varão”.[61] E mais: “o efeito infalível do olhar e ver de Deus é dar filho varão”.[62] E, justamente, d. João, acabado de nascer, seria esse “efeito”: “[…] ele, é o inteiro desempenho dos olhos de Deus; ele o esperado e suspirado parto do seu olhar e ver; ele o revelado e prometido ao primeiro rei; e ele o glorioso e fatal reparador de sua descendência”.[63] Nos momentos em que a autonomia do reino corresse perigo, manifestar-se-ia o olhar reparador de Deus, cujo efeito fundamental seria a geração, no seio da nação eleita, daquele que haveria de dar continuidade ao reino. Mas não só. O rei nascido diretamente do olhar de Deus posto sobre o grande perigo que corria sua nação, esse não seria, para Vieira, apenas mais um rei, mas o rei que haveria de fazer cumprir, na Terra, o oculto da Providência. “Olhar e ver”, no limite do emprego aqui descrito, seria gerar no povo eleito aquele que, de acordo com as profecias, haveria de conduzi-lo, ao lugar de Glória que lhe teria sido destinado pela Vontade divina. Eis o que diz Vieira, inteiramente convicto desse devir em que Portugal daria a volta por cima na história que assistia sua acelerada decadência: “Digo que este príncipe fatal, tantos séculos antes profetizado, e em nossos dias nascido, não só há de ser rei, senão imperador”.[64] E o império destinado a esse “fatal menino que hoje se está embalando no berço”, já se sabe, seria exatamente o “Quinto”, o maior dos mitos portugueses, de que Vieira, ao lado de Bandarra e Fernando Pessoa, é um dos três intérpretes máximos: Conquanto o mais desmoralizado deles: o infantezinho morreria dias depois do sermão. Detalhe, aliás, que em nada modifica o sentido do emprego que Vieira faz do termo “olhar”, aplicado aos olhos de Deus: no mesmo ano, ele o reafirmaria integralmente em outro sermão dedicado ao tema.[65]

Haveria uma confluência possível para esses dois olhares, tão marcadamente distintos? De um lado, resumidamente, o olhar do homem, que tenderia a instituir uni mundo fundamentalmente deformado, tanto racional quanto moralmente, tanto política quanto religiosamente. Um mundo em que, quase tautologicamente, seria a própria tangibilidade e vulnerabilidade ao olhar a propriedade mais essencial à definição do ser das coisas. O que não se desse à vista tenderia a ser excluído das cogitações e mesmo da existência — o que atingiria, obviamente, o ser oculto de Deus. Haveria uma tendência fortíssima, a todo título diabólica, no sentido de uma espécie de hegemonia do visível em meio humano. Uma tendência à autonomia e exclusividade da imagem e das formas sensíveis em relação ao seu fundamento racional e teológico. Isso, de um lado. De outro, nada menos que o olhar de Deus, .a afirmar a eleição de um povo entre todos os outros e a zelar pela sedimentação histórico-institucional de seu estado. O olhar amoroso do Pai para o seu favorito, que, em sua intensidade e como é próprio do Ser, justamente geraria ser: nasceria o “segundo vigário” de Deus na Terra, revelar-se-ia o “Vice-Cristo”, com “domínio universal […] sobre todo o mundo”.[66] Percebe-se aí que a aparente redundância da expressão “olhar e ver”, tal como é empregada por Vieira, resumiria esse momento extraordinário em que a Providência divina desdobra-se em seu instrumento humano, cumprindo assim a última condição para sua efetivação plena. Nesse momento, a história do homem já teria consigo, para dirigi-la e levá-la a cabo, a vontade capaz de redimi-la.

Um olhar, parece, vê praticamente o contrário do outro: o primeiro, a reconhecer a tendência de que o humano se satisfaça no puramente visível, o segundo a afirmar a proximidade dos tempos em que se há de cumprir a destinação superior do homem pensada por Deus. O primeiro olhar, claro, é interpretado negativamente por Vieira, como uma sombria e crescente ameaça, o segundo, ao contrário, como objeto de crença e esperança. Mas, refletindo melhor, de um olhar e outro, dirigidos ambos para o homem, Vieira diz algo bastante semelhante. Se o primeiro olhar caracteriza uma situação de crise, vivida e avaliada com rigor, e o segundo, bem ao inverso, trata de colocar em seu horizonte nada menos que a “paz universal”[67] durável por “grande número de séculos”, “até o fim do mundo”[68], “é bem certo, também, que em ambas as situações o olhar se quer definitivo, completo, capaz mesmo de estabilizar, de uma vez por todas, em uma direção ou outra, os acontecimentos humanos. Em um caso e outro, o olhar toma a constituição de algo fatal e iminente: ele vê, sempre, com uma espécie de voracidade terminal, com a urgência de um gesto decisivo, heróico mesmo, que pode condenar irremediavelmente e que pode salvar completamente.

Mas se um e outro olhar têm essa característica quase épica, eles têm ainda uma outra coisa em comum: as condições que determinam a sua direção, tanto a decaída quanto a salvadora, têm uma investidura eminentemente sensível, um revestimento fortemente material. No caso do olhar do homem isto fica mais ou menos óbvio: ele seria, desgraçadamente, apaixonado dessa materialidade, sobretudo daquela mais moldável à imagem que ele gostaria de encontrar de si. No caso do segundo olhar, ele também não pode prescindir da matéria, pois esse olhar partiria de Deus para efetivar-se em meio humano. Ao ressaltar a força interventiva desse olhar, ele afirma igualmente a sua capacidade de tomar forma nesse meio, uma forma que é encarnada (no caso do novo “Imperador”) e política (no caso mais geral de instalação do novo Estado universal, o “V Império”, que, como se sabe, é “Reino […] deste Mundo” e não do Além, “da Terra” e não do Céu).[69]

Se, de um lado, Vieira afirma a ideia de que o olhar seria tanto mais perigoso quanto mais parecesse preencher a vista, dissolvendo a questão de um conhecimento substancial, de uma ordem transcendente à matéria, de outro lado, ele justamente destaca a importância de uma vidência capaz de reconhecer os sinais do olhar de Deus, capaz de encontrar na matéria a marca do zelo da Providência. Se ele alerta para o perigo de um certo ontologismo exclusivista do visível, se ele recusa o espelho dos idólatras, ele absolutamente não recusa o caráter materialmente visível da divindade. Tudo o que Vieira diz sobre o “olhar e ver” de Deus aponta para uma aposta na possibilidade de se encontrar a forma ambígua, ou bivalente, capaz de, ao mesmo tempo, mostrar-se e mostrar as razões ocultas que a sustentariam. É importantíssimo perceber que Vieira não está simplesmente em busca dessas razões ocultas, o que ele quer é descobrir a matéria que torne irretorquível a presença delas entre os homens.

Longe da ascese, e mesmo da mística, Vieira está interessado sobretudo no supra-real, no supra-visível: os acontecimentos, maiores do que eles mesmos, sobre os quais se encontraria depositada a verdade transcendente. O problema de Vieira não é, basicamente, chegar à compreensão dessa verdade, mas, sim, reunir tais acontecimentos numa lógica que não é apenas a deles: essa a verdadeira arte de seu olhar.

Notas

[1] De uma primeira fase, ainda no Brasil, eu entenderia importante o exame do “Sermão da segunda quarta-feira da Quaresma”, pregado em Salvador, no ano de 1638. Da fase seguinte, como pregador e conselheiro político de d. João VI, eu escolheria pelo menos dois sermões para examinar mais de perto, um anterior e outro posterior às viagens de Vieira como enviado extraordinário da Coroa junto às embaixadas portuguesas de Roma, França e Holanda; são eles, respectivamente, o “Sermão do Santíssimo Sacramento”, de 1645, e o célebre “Sermão do Demônio mudo”, de 1651. Da fase seguinte, pará-maranhense, com o intervalo da visita ao rei moribundo, eu escolheria o “Sermão do Espírito Santo”, de 1657, e mais o da “Sexagésima”, de 1655, este pregado justamente durante a breve passagem pela Corte lisboeta. Do período imediatamente posterior à saída do Tribunal do Santo Oficio, valeria a pena considerar sobretudo dois sermões de 1669: o da “Quinta quinta-feira da Quaresma” e o das “Lágrimas de são Pedro”, ambos pregados em Lisboa. A seguir, da fase romana, eu destacaria o da “Quarta-feira de Cinzas” e o da “Quinta terça-feira da Quaresma”, este último quando já era a grande atração dos ofícios celebrados por ordem da rainha Cristina, da Suécia. Finalmente, de seu último período oratório, já de volta ao Brasil, à Bahia, penso ser interessante destacar o “Sermão de Ação de Graças pelo nascimento do príncipe d. João (Palavra de Deus Desempenhada)” e também aquele, apenas escrito, mas não orado, o da “Palavra do pregador empenhada e defendida (Disc. Apol.)”. São ambos de 1688. Afora isso, apenas referir à biografia de Vieira de autoria de João Lúcio de Azevedo, fundamental para a determinação das fases citadas: História de Antonio Vieira, Lisboa, Clássica, 1931, 2 ed., 2 vol.

[2] Para todos os sermões indicados, vou usar referências relativas à edição dos Sermões realizada pela Edameris, em 24 volumes, de 1957 a 1964. O sermão a que esta nota se reporta encontra-se no vol. 16.

[3] Vol. 16, op. cit., p. 71.

[4] “Sermão da Sexagésima”, pregado em 1655, na Capela Real Lisboeta. Vol. 1, op. cit., p. 53.

[5] A citação refere-se ao seguinte trecho do “Sermão da Sexagésima”:: “Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras” (vol. 1, p. 66), em que ironiza o estilo “dificultoso” e “afetado” ao gosto de pregadores e ouvintes “agudos”.

[6] “Sermão do Santíssimo Sacramento”, Lisboa, 1645. Vol. 1, op. cit., p. 167.

[7] Idem, ibidem.

[8] “Sermão da quarta-feira de Cinzas”, Roma, 1670 (2). Vol. 1, op. cit., pp. 117-8.

[9] “Sermão do Espírito Santo”, São Luís, 1657. Vol. 5, op. cit., p. 249.

[10] Idem, ibidem, p. 250.

[11] Idem, ibidem.

[12] É enorme a importância da visualização, da “composição de lugar” nos Ejercicios espirituales de santo Inácio. Eis o que ele diz, por exemplo, no “1° preámbulo” do exercício das “três potencias”: “El primer preámbulo es composición viendo el lugar. Aqui es de notar que en la contemplación o meditación visible, así como contemplar a Christo nuestro Serior, el qual es visible, la composición será ver con la vista de la imaginación el lugar corpóreo donde se halla la cosa que quiero contemplar. Digo el lugar corpóreo, así como un templo o monte, donde se halla Jesu Christo o Nuestra Sefiora, según lo que quiero contemplar” (in Obras Completas, Madrid, La Editorial Catolica, 82, p. 221). Um ótimo comentário a respeito também pode ser encontrado no capítulo de Os jesuítas, de R. F. Miller, dedicado ao “Emprego dos sentidos”, Porto Alegre, Livraria do Globo, 1935.

[13] “Sermão da Sexagésima”,, vol. 1, op. cit., pp. 61-2.

[14] Idem, ibidem, pp. 60-1.

[15] “Sermão da quinta quinta-feira da Quaresma”, vol. 1, op. cit., p. 423.

[16] Para a compreensão da relação estabelecida pela filosofia cristã entre a natureza humana essencialmente boa e a perpretação do pecado, julgo fundamental a leitura de E. Gilson em seu capítulo dedicado à caracterização do que ele chama “otimismo cristão”. L’esprit de la philosophie médiévale, Paris, J. Vrin, 1983, 2a ed.

[17] “Sermão da quinta quinta-feira da Quaresma”, op. cit., p. 431.

[18] Idem, ibidem.

[19] Idem, ibidem, pp. 431-2.

[20] Idem, ibidem, p. 432.

[21] Idem, ibidem

[22] “E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença: e os seus discípulos perguntaram-lhe: ‘Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?’. Jesus respondeu: nem ele nem seus pais pecaram; mas foi para se manifestarem nele as obras de Deus” (JO, 1, 3).

[23] “Sermão das lágrimas de são Pedro”, vol. 2, op. cit., p. 127.

[24] “Sermão da quinta quinta-feira da Quaresma”, op. cit., p. 422.

[25] Uso o termo baseado sobretudo nas observações de Philippe Ariès a propósito da mentalidade de verdadeira “paixão pela vida”, presente nas camadas intelectualizadas dos séculos XV e “O homem das
épocas proto-capitalistas […] tinha um amor irracional, visceral pelos temporalia, entendendo-se por tempora-lia, simultânea e combinadamente, as coisas, os homens, os cavalos e os cachorros”. História da morte no Ocidente, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977, p. 35.

[26] “Sermão das lágrimas de são Pedro”, op. cit., p. 127.

[27] “Sermão das lágrimas de são Pedro”, op. cit., p. 127

[28] O entendimento dessas operações pela Teologia tomista está descrito por E. Gilson no capítulo dedicado ao tema da relação entre “O ser e as essências” de sua Introduction a la philosophie chrétienne, Paris, J. Vrin, 1960.

[29] “Sermão do Demônio mudo”, op. cit., pp. 2.13-4.

[30] Idem, ibidem, p. 215.

[31] Idem, ibidem.

[32] “Sermão da quinta quinta-feira de Quaresma”, op. cit., p. 439.

[33] Idem, ibidem, p. 441.

[34] Idem, ibidem.

[35] Idem, ibidem.

[36] O sermão foi pregado numa segunda-feira da Semana Santa… Esse nome, “Lágrimas de são Pedro”, refere-se à passagem de Lucas (22, 60 e ss.) que ele tematiza: após negar Cristo por três vezes, Pedro cai em si e, arrependido, chora.

[37] “Sermão das lágrimas de são Pedro”, p. 117.

[38] Idem, ibidem, p. 118..

[39] Idem, ibidem, p. 119.

[40] Idem, ibidem, p.113.

[41] Trata-se do “Sermão da quinta terça-feira da Quaresma”, pregado, em 1673, na capela de são Pedro, anexa ao palácio romano da rainha conversa. Foi dito originariamente em italiano.

[42] “Sermão da quinta terça-feira da Quaresma”, vol. 15, op. cit., pp. 327-8.

[43] “Sermão do Demônio mudo”, op. cit., pp. 221-2.

[44] “Sermão do Demônio mudo”, op. cit., p. 223.

[45] Idem, ibidem.

[46] “Serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14, 11).

[47] “Sermão do Demônio mudo”, op. cit., p. 218.

[48] Mais uma vez eu remeteria ao capítulo de Gilson, já citado, a propósito do “otimismo cristão”. Aí o “pecado”, resultado de um emprego errôneo do livre-arbítrio, é interpretado sobretudo como a recusa da criatura de sua dependência em relação ao Criador.

[49] “Sermão do Demônio mudo”, op. cit., p. 219.

[50] Agora, novamente, é o capítulo de Gilson sobre “O ser e as essências” que me permite estabelecer essa relação. Traduzindo livremente um trechinho particularmente interessante: “Deus se basta, porque 41e é e é o conhecimento que tem de Si”. Esse conhecimento é “o de todos os Seus efeitos atuais ou possíveis” . Vale dizer: o conhecimento que Deus tem de Sua própria essência (ou o.conhecimento que Ele é) inclui o conhecimento “de todos os seres de que é ou pode ser a causa”.

[51] “Sermão da quinta quinta-feira da Quaresma”, op. cit., p. 443.

[52] Idem, ibidem, pp. 443-444.

[53] Idem, ibidem, pp. 445-446.

[54] “Sermão do Santíssimo Sacramento”, op. cit., p. 175.

[55] “Sermão da quinta terça-feira da Quaresma”, op. cit., p. 337.

[56] “Palavra do pregador empenhada e defendida”, op. cit., vol. 22, p 61. Inúmeros outros sermões reproduzem essa suposta fala de Cristo a Afonso Henriques.

[57] “Palavra de Deus desempenhada”, op. cit., vol. 21, p. 393.

[58] Idem, ibidem, pp. 375-6..

[59] Idem, ibidem, p. 377.

[60] Idem, ibidem, p. 371.

[61] Idem, ibidem, p. 372.

[62] Idem, ibidem, p. 400-1.

[63] Idem, ibidem, p. 372.

[64] Idem, ibidem, p. 402.

[65] “Palavra do pregador empenhada e defendida”, sermão “oferecido secretamente” à rainha d. Sofia, mas que logo se tornou público.

[66] “Palavra de Deus desempenhada”, p. 417.

[67] Tal é a “Questão “Liv. 3”, do “Projeto da História do Futuro”: “Se há de haver no dito estado paz universal? E em todo o Mundo? Afirmativo”. História do futuro, Lisboa, 1N/cm, 1982, p. 30.

[68] Relativo às questões “2” e “5 “ do “Livro 5o” do mesmo “Projeto”, p. 33.

[69] Praticamente todo o “Livro segundo” da História do futuro versa sobre a questão.

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