2007

Uma sociedade sem virtudes?

por Newton Bignotto

Resumo

Apesar das marcas profundas que os regimes totalitários deixaram no mundo, as necessidades, ideias e expectativas que os geraram ainda se fazem sentir. Assim, para que se entenda a atual condição humana, é preciso notar que a barbárie mais extrema pode ressurgir a qualquer momento. Mais: que ela é – como observou Agamben – o “paradigma oculto do espaço político da modernidade”. A reflexão sobre o campo de concentração é, pois, uma reflexão sobre a política contemporânea também. Uma tarefa ampla e complexa. Por isso a necessidade de explorar uma só dimensão dela, a mais geral e inquietante. Trata-se da “violência inútil”, como a chamou Primo Levi. Ou melhor: sua prática numa escala que não se tinha visto até a Segunda Guerra Mundial. Mesmo nas mais sanguinárias tiranias ou ditaduras, que não foram poucas ao longo da história.

Tudo começava com o longo périplo até o campo de concentração. Já desnutridos e humilhados – uma vez que confinados em vagões semiabertos –, os prisioneiros sentiam-se como “porcos que merecem seu destino” (para usar mais uma expressão de Levi).

Se, então, vivia-se o “prólogo”, o campo de concentração correspondia à variação de um tema: o do povo “superior” que submete e elimina outro. Nudez, sujeira, intermináveis séries de rituais para enlouquecer os prisioneiros – a exemplo das contagens –, tudo refletia como os regimes totalitários concebiam as relações entre indivíduos, ou seja, classificando-os como vencedores ou vencidos, patriotas ou traidores, de modo a reduzi-los a puras abstrações, desprovidas de vínculos sociais e profissionais, espaciais e temporais. Resta, pois, a violência. Ela que “não se dissipa, mas imprime-se” – como observa Lefort – “na sociedade, para perseguir e destruir qualquer pessoa, palavra ou ação que fogem da norma dominante, para apagar os sinais do eu individual ou coletivo”.

A partir disso, já é possível divisar duas ideias: a de que os campos de concentração não decorreram de um vazio legislativo, já que sancionados por tal poder. Ou seja: eles não se sobrepuseram a um mundo de normas, mas foram cercados por uma linguagem jurídica que sustentava o horror. Ela cuja racionalidade pode até ser negada, mas não ignorada em seu caráter humano, uma vez que respaldada por boa parte de uma sociedade, incapaz, então, de discernir entre valores e interesses de uma poderosa parcela dela.Comum às sociedades totalitárias, a segunda ideia é a do indivíduo como número, incapaz de recorrer a mediações para confrontar-se com os poderes do Estado. Daí que, para Hannah Arendt, “a principal característica do homem de massa não é a brutalidade nem a rudeza, mas o isolamento e a ausência de relações sociais normais”. É tal característica também perceptível nas sociedades industriais e pós-industriais.

Mas que não se confunda o campo de concentração como limite e espelho da atual condição política com a suposição de que ele seria o modelo da vida institucional democrática, já que ideal ele não foi nem para os regimes totalitários. Isso, por outro lado, não significa que o campo de concentração não esteja no coração mesmo da modernidade democrática. Eis a herança. A potencialidade. Até porque é preciso notar que nas sociedades de consumo passivo os vínculos sociais são enfraquecidos e, com eles, a vida pública (em função da particular). Características das sociedades totalitárias também. Por isso nunca é demais lembrar que o nazismo nasceu em meio a tradições culturais fortes e leis muito sofisticadas.

Daí que, para não restringir as virtudes públicas ao passado, é preciso tomar como referência o extremo presente. Do contrário, aquelas parecerão utopias bem intencionadas, mas estéreis. Eis a questão mesma: a volta às virtudes, em grande medida associadas à tradição republicana, precisa considerar as condições especiais nas quais a vida política contemporânea se desdobra, senão ela se reduzirá a uma espécie de nostalgia.


No dia 13 de dezembro de 1943 Primo Levi foi feito prisioneiro, junto com outros resistentes ao regime fascista, e seria em seguida deportado para Auschwitz, onde ficou até o final da guerra. De sua permanência em um campo de concentração nasceu uma obra extremamente fecunda, capaz de sondar nosso tempo do ponto de vista de quem conheceu o inferno e os limites de nossa humanidade. Sua obra principal — É isto um homem?[1] — é uma interrogação angustiada sobre o que resta de nossa natureza, quando somos expostos a uma forma extrema de degradação e à ameaça constante a sobrevivência.[2] Primo Levi se recusa a concluir que o homem é naturalmente bestial e levado a agir com violência quando liberado das amarras sociais. Sem recorrer a essa generalização apressada, ele observa, no entanto, que, quando estamos reduzidos à luta pela sobrevivência, a distinção principal que nos separa é entre os aptos a sobreviver e os que naufragam. Levi fala daqueles que naufragaram por terem seguido de forma inexorável o que lhes reservava o destino no momento em que foram conduzidos ao campo de concentração. Deles diz o autor: “Eles povoam minha memória com sua presença sem rosto, e, se eu pudesse resumir o mal de nosso tempo em uma única imagem, escolheria essa visão que me é familiar: um homem emagrecido, a fronte curvada, os ombros caídos e os olhos sem reflexo algum de pensamento.”[3]

Essa imagem se tornou recorrente nas evocações das tragédias associadas ao nazismo, mas estamos longe de ter esgotado sua significação. Primo Levi mesmo não cessou de se interrogar sobre o sentido de um acontecimento que transformou a vida de milhões de pessoas e fez cair sobre as esperanças alimentadas pela ideia de progresso do século XVIII, e pelos avanços das ciências, um véu de preocupação e medo. O fato biográfico, essencial para a conservação da memória do Holocausto, deu origem no escritor italiano a uma intensa procura pelo sentido dos acontecimentos. A tragédia do homem, vivida por tantos nos campos de concentração, encontrou um eco poderoso em meio àqueles que, como Hannah Arendt já no começo dos anos 1950, se perguntavam como algo tão absurdo pôde acontecer e, sobretudo, o que tornara possível a emergência de formas novas de governo, baseadas na destruição dos espaços públicos e nos laços mais íntimos da convivência humana.[4]

Refletindo sobre Auschwitz quarenta anos depois do fim da guerra, Primo Levi desloca sua atenção para o fato de que com muita frequência lhe perguntavam se a experiência de horror que havia vivido poderia se repetir.[5] Ele se nega a dar uma resposta — que poderia parecer uma profecia mas observa que naquele momento o Camboja vivia uma tragédia de grandes proporções. Os regimes totalitários deixaram marcas profundas nas sociedades que os experimentaram, mas não foram frutos do mero acaso. Respondiam a necessidades, a ideias e desejos que estão longe de terem desaparecido de nosso tempo. Por isso, para compreendermos a condição do homem contemporâneo, é necessário levar em conta o fato de que a barbárie mais extrema é parte de suas possibilidades e pode retornar a qualquer momento. O campo de concentração, diz Agamben, “…como puro, absoluto e insuperado espaço biopolítico (e enquanto tal fundado unicamente sobre o estado de exceção), surgirá como o paradigma oculto do espaço político da modernidade, do qual deveremos aprender a reconhecer as metamorfoses e os travestimentos”.[6] Pensar o campo de concentração é parte de nossa reflexão sobre a política contemporânea.

Mesmo se não estamos em condição de realizar esse amplo e complexo programa no espaço de um texto, podemos recorrer às reflexões de Primo Levi para pelo menos identificarmos alguns traços que caracterizam os horrores e as possibilidades de nosso tempo. De maneira geral, o trago mais inquietante da experiência totalitária pode ser resumido no fato de que se praticou em grande escala uma violência cujos fins eram diferentes daqueles que aprendemos a identificar como parte dos regimes cruéis, das tiranias e ditaduras que povoam a história, O escritor italiano chama essa violência de inútil, para diferenciá-la de todas as formas com as quais nos acostumamos ao analisar guerras e outros acontecimentos, que são parte de nossa condição. A “inutilidade” da violência começava já no transporte dos prisioneiros. Para viagens que podiam durar duas semanas, observa Primo Levi, as autoridades não proviam literalmente nada. A vida era rebaixada a algo menos do que a mais reles das mercadorias. O prisioneiro era rapidamente degradado e humilhado de tal maneira que já no curso da viagem sua condição de besta fosse exposta a seus olhos e aos olhos dos outros. A ideia de solapar a dignidade das pessoas fazia com que aqueles que os viam passar pelas estações ferroviárias intermediárias os considerassem como aquém da humanidade, “como porcos”, que mereciam seu destino.[7] Analisando essa situação, Primo Levi afirma. “Era de fato um prólogo. Na experiência que iria se seguir, no ritmo cotidiano do campo, a ofensa ao pudor representava, pelo menos no começo, uma parte importante do sofrimento global.”[8]

O campo de concentração não serve como metáfora da condição humana. Em sua radicalidade, ele é muito mais. Comentando as inúmeras humilhações impostas aos prisioneiros e, em particular, as intermináveis contagens dos detentos, Levi conclui. “Todos esses sofrimentos eram o desenvolvimento de um tema, aquele do pretenso direito de um povo superior de sujeitar ou eliminar o povo inferior.”[9] Ao reduzir ao estágio bestial os prisioneiros, ao expô-los a uma constante vexação, ao fazer da nudez, da falta de higiene e da constante exposição do corpo uma regra de comportamento, a organização do campo de concentração corresponde exatamente à forma como as relações entre as pessoas é pensada pelos regimes totalitários. A ideia matriz de destruir o núcleo da personalidade do detido encontra sua raiz na afirmação de que a humanidade pode ser partilhada em estratos: os vencedores e os vencidos, os patriotas e os traidores.[10]

Refletindo sobre os campos de concentração soviéticos, Lefort mostra que a experiência de confinamento de prisioneiros políticos teve início já nos primeiros anos do regime comunista.[11] Reduzir os dissidentes ao estágio da pura sobrevivência, fazê-los desejar a própria servidão,[12] fazia parte de uma estratégia cujo objetivo era “obter enfim homens abstratos, sem laços que os unissem, sem propriedade, sem família, sem vínculos com um meio profissional, sem implantação no espaço, sem história desenraizados”[13] A existência dos campos de concentração durante praticamente toda a existência do regime totalitário soviético, demonstra, segundo Lefort, que não podemos associá-lo a um período específico da história e nem mesmo à busca de fins pragmáticos. “A violência”, afirma o filósofo, “no lugar de se dissipar, se imprime na sociedade, transforma-se em instituição, para perseguir e destruir todos cuja ação ou a palavra desviam da norma dominante, para apagar os sinais do eu individual e coletivo.”[14] O terror stalinista é o modelo da destruição da política pelo apagamento de todos os seus canais de expressão. Não se trata de provocar o caos na sociedade, mas de associar violência e organização tendo em vista um fim supremo: a construção da sociedade socialista. No lugar disso, mostra Lefort, consegue-se apenas: “dar nascimento à Violência absoluta até minar o poder de seus agentes”.[15]

Agamben viu nessa redução do homem a seu corpo nu a marca e a herança dos campos de concentração e o sinal de que eles incorporaram à cena contemporânea um dado definitivo. Refletindo sobre isso, o que lhe chama a atenção é o fato de que o homem, na sua condição de ser biológico, passou a estar no centro das considerações sobre a organização das sociedades totalitárias, mas também nas discussões sobre o papel dos indivíduos nas sociedades de massa. É claro que desde os gregos o fato biológico faz parte das análises antropológicas. A novidade é o que ele chama de “biopolítica”. Para ele: “Somente porque em nosso tempo a política se tornou integralmente biopolítica, ela pôde constituir-se em uma proporção antes desconhecida como política totalitária.”[16] Nessa nova realidade, o que aparece no centro da cena política não é mais um indivíduo dotado de direitos, e nem mesmo alguém dotado de marcas pessoais, que incorporam uma história e uma trajetória partilhada com outros. O “homem nu” se vê reduzido a um estágio no qual o fato social não pode ser pensado como uma dialética entre seu ser interior e sua forma de se manifestar. O homem reduzido a lutar pela sobrevivência é simplesmente um ser biológico, sobre o qual cabe perguntar, como Primo Levi, se ainda podemos compreendê-lo com as velhas ferramentas da antropologia.

Gostaríamos de reter duas ideias antes de prosseguir. A primeira diz respeito ao fato de que os campos de concentração não foram experiências que ocorreram num vazio legislativo. Ao contrário, como sublinhou Agamben[17] foram criados e receberam sanção jurídica antes da Segunda Guerra Mundial na Alemanha e logo no começo do regime bolchevique. Longe de simplesmente substituírem o mundo das normas legais pela violência, os campos criaram uma linguagem jurídica para sustentar o horror. Podemos, é claro, negar legitimidade e racionalidade jurídica a esse processo, mas resta o fato de que num mundo que reconhece plenamente o caráter humano das leis nem sempre os membros de uma comunidade nacional são capazes de distinguir o que são valores, e o que são interesses poderosos de grupos travestidos em leis. Como resume Agamben: “O campo é o espaço dessa absoluta impossibilidade de decidir entre fato e direito, entre norma e aplicação, entre exceção e regra, que entretanto decide incessantemente sobre eles”[18]

O segundo aspecto importante é o fato de que nas sociedades totalitárias a solidão dos indivíduos, sua transformação em número — como previram tantos escritores —, ou simplesmente seu isolamento em relação às estruturas tradicionais de sociabilidade, é um acontecimento essencial para explicar a criação de novas formas de poder e para a destruição do espaço público. Hannah Arendt já notara que o homem de massas é reduzido a si mesmo na medida em que não pode mais recorrer a mediações para se confrontar com os poderes do Estado. Para ela: “A principal característica do homem da massa não a brutalidade nem a rudeza, mas o seu isolamento e a sua falta de relações sociais normais.”[19] O essencial, entretanto, é que a condição de isolamento, que define o homem nos regimes totalitários, faz parte – ainda que de forma não-integral — da condição do homem moderno. Nas sociedades industriais e pós-industriais, os indivíduos se vêem cada vez mais como mônadas e percebem sua sobrevivência cada vez mais como um acontecimento individual. Curiosamente, o que parece protegê-los nas sociedades democráticas é a ordem jurídica constituída. O sinal vermelho se acende quando percebemos que um regime totalitário não é caracterizado pela ausência de ordem legal, mas pela transformação da exceção em normalidade jurídica. O indivíduo isolado simplesmente não pode se defender se, além de um conjunto de normas, não puder contar também com um espaço político. Essa talvez seja a lição mais dura que aprendemos, quando confrontamos a fragilidade de nossa condição de indivíduos, cada vez mais visados em nossa condição biológica, com a inevitável destruição da política que se apossou de tantos países antes regidos por leis democráticas.

As considerações anteriores não devem nos induzir ao erro de confundir a ideia do campo de concentração como limite e espelho de nossa condição política, com a ideia de que ele é o modelo de nossa vida institucional. Nada nos autoriza a aproximar as instituições dos países democráticos com o território de horror implantado em vários países. Não se trata de um ideal, nem mesmo nos regimes totalitários. Nesses, os campos são uma necessidade, uma decorrência lógica da maneira como as relações humanas são pensadas, e uma consequência da destruição dos espaços de mediação, que normalmente constituem a vida política e suas instituições. Os campos são uma possibilidade inscrita no coração mesmo da modernidade democrática, eles são um risco, mas, sobretudo, uma realidade que alterou nossa forma de olhar para os membros das sociedades políticas. Por isso, não basta nos perguntarmos como tudo pôde acontecer. É necessário nos darmos conta de que o fato mesmo de ter acontecido mudou os termos do problema. Não podemos legar a existência do universo concentracionário ao território do passado. A política como território das disputas entre iguais, de liberdade e lugar de ação foi tragada por uma visão da condição humana que despreza a tradição e se erige sobre as cinzas do mundo comum. Que isso seja possível, e ligado à própria modernidade, é a herança terrível dos campos de concentração com a qual temos de conviver.

Observando por outro ângulo as sociedades democráticas, podemos ser levados a pensar que os extremos da barbárie estão muito distantes da calma e apatia que parece dominar sociedades compostas por cidadãos nutridos pela luta encarniçada por seus interesses e dispostos a tudo apenas pelo direito de competir no mercado. Com efeito, uma análise inicial das sociedades industriais e mesmo das jovens democracias da periferia, como é o caso do Brasil, pode nos consolar com a ideia de que a apatia, ou mesmo o desinteresse pela cena pública, é característica muito distante da que viram nascer os regimes totalitários. Alguns autores chegam a argumentar que a apatia, que reina em sociedades democráticas mais avançadas, é apenas um sinal da maturidade de suas instituições e um sinal de que os cidadãos estão contentes com o rumo que a vida política tomou. Outros chegam a considerar que um certo grau de apatia é bom para a vida democrática, diante do fato de que a maioria dos cidadãos não possui informação suficiente para opinar na maior parte dos debates políticos.[20] Na base de funcionamento dos países democráticos estaria um cidadão-consumidor, cuja meta principal é lutar por seus interesses particulares e cuja ambição política se confunde com a ideia de liberdade negativa, ou seja, com o desejo de poder realizar tudo aquilo que a lei não impede e de não ser obstaculizado em seus movimentos, sob a condição de que esses não interfiram nos limites impostos aos movimentos de todos os membros do corpo polftico.[21]

Olhando do ponto de vista de alguns autores liberais, poderíamos chegar à conclusão de que não há razão para se preocupar com o crescente esvaziamento da cena pública. Ele seria o reflexo tanto da expansão dos ideais democráticos liberais quanto do fato de que a democracia é um regime baseado em leis e acordos, mas que dispensa a referencia às virtudes cívicas. Uma vez que os direitos são respeitados, não há razão para se preocupar. No caso brasileiro esse cenário parece tanto mais verdadeiro, que é preciso reconhecer que nas últimas décadas, em particular depois da redemocratização, houve expansão da participação na vida pública, se compararmos os dados com aqueles do começo do século XX.[22] Mesmo se estamos longe de alcançar o grau de estabilidade institucional característico das democracias antigas, experimentamos muitos progressos, sobretudo no tocante ao voto de parcelas amplas da população. O risco do autoritarismo não está afastado, mas não há razão para supor que ele se alimenta apenas do desejo crescente dos indivíduos de participar da sociedade de consumo.

O progresso da democracia e sua consolidação em muitos países, inclusive o nosso, devem muito ao fato de que valores associados à tradição liberal — como por exemplo a expansão da esfera dos direitos civis — se tornaram uma referência na cena política mundial. A luta pela igualdade de direitos entre cidadãos, a defesa dos direitos dos consumidores e da pluralidade de crenças e opiniões são fatores importantes para a construção de um conjunto de referências na luta contra formas renovadas de discriminação e regimes autoritários. O reconhecimento dos aspectos positivos da divulgação de valores associados à tradição liberal não deve, no entanto, impedir a constatação dos perigos que rondam as sociedades, que colocam no centro de sua vida a defesa da livre competição entre seus membros no mercado.

Para compreender a ameaça que ronda nossas sociedades democráticas, é preciso atentar para a combinação de dois traços que, tomados separadamente, não parecem constituir um perigo radical: a constituição de uma sociedade de consumidores passivos e a crescente solidão dos indivíduos que vivem nas sociedades industriais. A transformação do cidadão em consumidor implica uma alteração da balança que governa a relação entre a vida privada e a vida pública. Ao pender para o polo dos indivíduos, a balança termina por anular a esfera dos valores coletivos em prol de um ordenamento jurídico cuja função é a defesa dos direitos dos “átomos”, que constituem o corpo político.[23] Desde que os direitos individuais não sejam alterados, a democracia parece sobreviver em perfeita harmonia com os traços que emergiram da modernidade política. A substituição do cidadão ativo da antiguidade pelo consumidor passivo não impede — aos olhos dos pensadores liberais como Berlin — que os membros das comunidades políticas partilhem valores e convicções, mas estes se referem à defesa dos mecanismos que garantem a luta pelos interesses particulares.

O resultado desse processo é que mesmo em sociedades com forte tradição associativa, como é o caso dos Estados Unidos, os cidadãos são cada vez mais desligados de seus laços com os outros e compelidos a lutar individualmente para se impor na sociedade. O cidadão, detentor de direitos, e que aparentemente não tem nada a ver com o indivíduo massificado dos regimes totalitários, acaba ele também por se tornar um solitário no meio de movimentos que não controla e, na maior parte das vezes, não compreende. Prisioneiro de uma máquina que funciona em escala planetária, ele é impotente para compreender o que se passa com o próprio pais, mesmo no que tange a seus interesses imediatos.

A solidão e a ausência de um espaço público no qual possa aparecer e se diferenciar constituem o solo sobre o qual se erige o homem contemporâneo.[24] O crescente isolamento dos membros das sociedades democráticas os aproxima do homem de massa que é a matéria sobre a qual se ergueram os regimes totalitários.[25] Nunca é demais lembrar que o nazismo foi possível em uma nação rica em tradições culturais, e que vivia sob o manto de uma constituição altamente sofisticada quando Hitler chegou ao poder. O terreno comum da destruição dos vínculos entre os membros das comunidades políticas, e desses com a própria sociedade em que vivem, é a expressão mais clara do “esquecimento da política”, que caracteriza nossa época.

O quadro que traçamos antes aponta para os extremos que foram atingidos pelas sociedades contemporâneas com o aparecimento dos regimes totalitários e do homem de massa. Olhando esse cenário, podemos ser levados a pensar que estamos condenados a viver na zona arriscada e estéril criada pelos regimes de terror e pela apatia, que nos afasta do mundo público. Ora, mesmo se os limites apontados não descrevem a multiplicidade das organizações sociais atuais, eles delimitam o campo dentro do qual devemos nos perguntar sobre possibilidade de agirmos de forma virtuosa em nossas sociedades. Se não quisermos lidar apenas com imagens edificantes do passado, é preciso tomar como referências os extremos, que constituem nosso tempo, para formular corretamente o problema das virtudes públicas e das virtudes privadas. No mundo atual, é ainda possível falar de sociedade virtuosa sem cair em utopias bem-intencionadas, mas estéreis? Nosso ponto de partida é que o retorno ao problema das virtudes públicas, em grande medida comandado pelo recurso à tradição de pensamento republicano, precisa levar em conta as condições especiais nas quais a vida política contemporânea se desenrola, para não ser uma simples nostalgia de momentos glorificados do passado. De maneira radical, podemos simplesmente nos perguntar se ainda faz sentido falar de virtudes públicas no mundo em que vivemos.

A abordagem dessa questão exige que retornemos ao início da modernidade, quando o problema das virtudes sofreu o impacto das sociedades nascentes e de condições que alterariam para sempre o terreno das investigações sobre o relacionamento da ética com a política. Com efeito, até o século XV a questão sobre a virtude e a vida em comum era invariavelmente respondida pelo recurso à ideia de que o bom governante e o bom cidadão dependiam de uma prática virtuosa, para atingir o ponto alto de suas atividades respectivas. Como mostrou Foucault, é falsa a ideia de que o fim das cidades-estado gregas significou o fim da exigência de um conjunto de virtudes associado à boa prática política.[26] A substituição do espaço político das pequenas cidades gregas pela vastidão do Império romano fez surgir o problema da moralidade dos governantes e de suas virtudes. Se o Império deixava, na maioria das vezes, o ator político distante dos centros de decisão, a moral do cidadão refluiu para o ator individual, que nem por isso deixou de ter sua comunidade como referência. Como resume Foucault: “Tratava-se de elaborar uma ética que permitisse se constituir a si mesmo como sujeito moral com relação à suas atividades sociais, cívicas e políticas, nas diferentes formas que poderiam ter e em qualquer posição que estivermos.”[27]

Um eco dessa preocupação com a elaboração de uma ética que permitisse agir num mundo muitas vezes difícil de ser compreendido, mas que nem por isso eximia os atores de bem agir, é encontrado na literatura dos “espelhos dos príncipes”, que teve grande importância na literatura política do final da Idade Média.[28] Esses textos de aconselhamento dos governantes, que foram escritos a partir do século XII, tinham por referência o universo de valores cristãos, e não mais as filosofias helenísticas, como no período romano imperial. Eles conservaram, entretanto, a ideia de que o bom governante depende do desenvolvimento de suas virtudes individuais e do cultivo de sua moralidade, para bem agir na arena pública. Em que pesem diferenças marcantes existentes tanto com relação às cidades-estado gregas quanto ao Império romano, sobreviveu a ideia de que os Laços entre ética e política, e, portanto, o cultivo de virtudes, é um traço essencial daqueles que atuam na cena política. De alguma maneira, a fórmula de uma sociedade sem virtudes simplesmente não fazia sentido para o mundo antigo, e mesmo para o mundo medieval.

Para entender o que torna nossa questão plausível, é preciso compreender as raízes modernas da situação em que nos encontramos. Não se trata, é claro, de encontrar “culpados” e nem mesmo de apontar uma única fonte para a explicação do “esquecimento da política”. Isso corresponderia a simplificar um processo altamente complexo, que se convencionou chamar de modernidade. Essa explicação simples e unitária não existe. Podemos, no entanto, prestar atenção para alguns fatos e para o crescente mal-estar que vai dominando os que se preocupam com o tema da ética e da política.

Com Maquiavel, nasce a suspeita de que as virtudes que eram exigidas dos governantes cristãos não eram necessariamente qualidades que poderiam garantir o sucesso.[29] Afrontando a tradição dos “espelhos dos príncipes”, o escritor florentino não apenas deslocou o problema da ação para a questão da eficiência da conservação do poder, mas mostrou que o respeito irrestrito aos conselhos prodigalizados pela tradição é uma fonte de ruína para os que governam.[30] Bem agir na cena política é um valor a ser conservado, mas isso não se liga necessariamente ao fato de ser capaz de respeitar os valores morais vigentes. Maquiavel não se preocupava em defender o comportamento de atores duvidosos como César Bórgia, que fora capaz de praticar crimes imensos.[31] Para ele, o caráter criminoso das ações do príncipe enfraquecia sua posição no seio da cidade. Isso não se deve, no entanto, ao fato de que as virtudes morais sejam as mesmas exigidas para um homem de ação, mas sim que a política define um território diferente daquele da ética. A célebre virtù de governantes como César Bórgia é algo diferente pelo simples fato de que visa a algo diverso do que visamos quando desejamos agir corretamente em nosso meio. As virtudes morais não deixam de existir, e mesmo de importar, para a política. Mas sua importância decorre do fato de que elas guiam nosso julgamento sobre os atores políticos e não porque o respeito a seus preceitos garanta o sucesso dos que governam. O que Maquiavel mostrou é que nosso julgamento é guiado por valores, mas eles não são todos derivados da moral. Conseguir manter o poder, derrotar seus inimigos, são também pontos importantes em sociedades que passaram a valorizar o indivíduo e o sucesso nas carreiras.

Estava aberta a porta para a modernidade que, mesmo com todas as críticas que endereçou a Maquiavel,[32] passou a separar virtude moral e virtude política numa chave muito próxima daquela do pensador florentino. Se em nossos julgamentos cotidianos continuamos a prestar muita atenção ao comportamento dos homens políticos, segundo padrões morais herdados da tradição, é um fato reconhecido pelo senso comum que o sucesso desses mesmos homens, que muitas vezes criticamos, se deve ao fato de que não são virtuosos do ponto de vista dos costumes vigentes. Essa simples constatação inaugurou a suspeita moderna quanto ao papel das virtudes nas comunidades políticas.

A fratura será ainda mais profunda quando, no século XVIII, a questão da virtude dos cidadãos ocupará a cena. Num movimento que havia se iniciado ainda no Renascimento, os pensadores políticos e os escritores literários visitaram intensamente as obras gregas e romanas, à caça de exemplos de personagens que souberam, no passado, se comportar de forma heroica, mesmo diante de circunstâncias difíceis. Plutarco fazia parte da educação dos jovens e fornecia modelos a serem perseguidos por aqueles que queriam evitar a corrupção dos costumes da época. Mesmo ao preço de amálgamas superficiais, alguns escritores apontavam para Brutus como o exemplo a ser imitado. O recurso ao passado tinha algo de anacrônico numa sociedade que se acostumara a reconhecer os traços negativos de suas estruturas e havia transformado os rituais de etiqueta em verdadeiras regras de comportamento, a despeito de qualquer referência a valores morais. Mas ele foi eficaz ao criar o solo sobre o qual as experiências revolucionárias iriam se erigir. Nos primeiros anos da Revolução, ainda encontramos, em articulistas e homens de ação como François Robert, a ideia de que finalmente a França tinha seus heróis à altura daqueles da antiguidade.[33] Podemos supor que se tratava apenas de um passo retórico, destinado a captar a benevolência dos leitores. Mas quem pode deixar de lado a força da retórica num momento de intensas transformações? O fato é que a virtude política fez parte dos debates intelectuais do século XVIII e encontrou ai seus limites e aporias.

Rousseau teve um papel fundamental nesse debate, mesmo que suas posições nuançadas tenham gerado interpretações controversas, como a de intérpretes que pretenderam enxergar em suas constantes referências ao problema da virtude um sinal de sua concepção autoritária da vida política.[34] A verdade é que, contrariamente ao que pretendem esses críticos, o pensador genebrino foi um dos primeiros a compreender o verdadeiro drama que a modernidade estava encenando em torno do problema dos atos virtuosos. Em Nova Heloísa, a personagem Julie declara em uma de suas últimas cartas: “Eu amei a virtude desde minha infância e cultivei sempre a razão.”[35] Essa afirmação pode nos levar a pensar que ela se dedicou à virtude para realizar um ideal destinado a servir de exemplo para seus leitores. Aqueles que a acompanharam ao longo do livro sabem que a busca desse ideal custou muito à personagem. No começo do romance, ela chega a sentir que não sendo capaz de manter suas promessas, o que leva sua prima Claire a lembrá-la que ela deve servir à virtude “à sua moda e não à moda dos homens”.[36] O que importa observar é que a virtude, tão difícil de ser alcançada, e que escapa das mãos mesmo daqueles que parecem reunir as melhores condições para atingi-la, é uma forma privada de virtude, algo que se realiza no interior de uma pequena comunidade, e não a virtude dos heróis do passado. Em Nova Heloísa, Rousseau faz o elogio rasgado da vida privada, como se estivesse antecipando as catástrofes que irão se abater sobre aqueles que se jogarão na arena política e serão tragados pela luta pelo poder durante a Revolução Francesa. O autor do Contrato social, que será a fonte de inspiração de tantos revolucionários, coloca na boca de Saint-Preux, que havia percorrido o mundo e observado o funcionamento de vários regimes, um elogio da vida doméstica e retirada dos habitantes de Clarens: “Para mim, penso que o sinal mais claro do verdadeiro contentamento do espírito é a vida retirada e doméstica, e que aqueles que sem parar buscar a felicidade na casa dos outros é porque não a possuem em sua própria casa.”[37]

O pensamento de Rousseau, no entanto, não pode ser resumido pelo elogio das virtudes privadas. Mesmo no interior de Nova Heloísa, são muitas as referências à existência de outras formas de vida e de outras virtudes. O importante é reconhecer que o pensador genebrino sempre destacou a diferença entre a virtude moral — que diz respeito relação do homem consigo mesmo — e a virtude cívica — que se refere aos Laços dos cidadãos com a cidade,[38] e buscou compreender o que poderia levá-las a existir juntas, sem que uma necessitasse destruir a outra para sobreviver no corpo social. As virtudes cívicas, que segundo Masters levam os homens a preferir o bem comum a seus interesses particulares,[39] só podem existir num Estado de direito, no qual a lei é soberana. Fora dos quadros de um corpo político constituído segundo as regras enunciadas no Contrato social, sem o assentimento da vontade geral, a referência a um comportamento virtuoso não faz o menor sentido. Como resume muito bem Baczko: “… só uma sociedade fundada tanto sobre a lei quanto sobre a moralidade dos cidadãos e sobre suas atitudes afetivas constitui uma cidade-pátria, uma comunidade moral e política com a qual o indivíduo se sente ligado por um sentimento intimo de solidariedade”.[40] O ideal de Rousseau é, portanto, o de uma comunidade que, sem apagar a diferença existente entre o indivíduo e o cidadão, conserve ao mesmo tempo o caráter afetivo da adesão do indivíduo à comunidade e a necessidade de se preferir o bem comum no lugar do interesse individual, quando houver conflito entre os dois.

O equilíbrio buscado por Rousseau entre a esfera individual e a esfera coletiva, entre a virtude moral e a virtude cívica, entre o afeto e o respeito à lei, deu origem, no curso da Revolução Francesa, a uma concepção da política e do lugar da virtude que teve como resultado o paroxismo de violência do período do terror. A decadência moral do Antigo Regime favoreceu, nos anos que antecederam a Revolução, o culto à personalidade de Rousseau e a exaltação da ideia de virtude presente em suas obras. Nesses anos até membros da aristocracia se encantaram com a tópica do “coração puro”, que fazia do autor genebrino o paladino indômito de uma forma de vida simples e elevada.[41] Antes da Revolução os textos propriamente políticos do filósofo eram pouco difundidos, preval[42]ecendo entre seus muitos leitores o apego a Nova Heloísa e a Emilio.

O ano de 1789 não enfraqueceu o paradigma rousseauniano da virtude, mas transformou seu significado. Se antes o modelo buscado era o da vida doméstica, com os acontecimentos gerados pela queda da Bastilha, as virtudes cívicas ganharam a cena e passaram a servir de parâmetro para se julgar o comportamento dos vários atores políticos. Como mostrou Michelet, durante o período revolucionário foi frequente separar as pessoas entres as que eram virtuosas e as que eram viciosas. 42 A ideia de que se estava vivendo um novo tempo, de que uma janela fora aberta para a antiguidade, e de que esta podia ser revivida na forma do comportamento virtuoso de muitos de seus heróis, fez com que o modelo de virtude, antes buscado na esfera da vida privada, fosse alargado para o espaço da cidade e de suas múltiplas faces.

Robespierre foi um dos que se lançou na brecha aberta pela história e fez da reivindicação da virtude seu guia na cena pública. Leitor entusiasta de Rousseau, ele raramente citava as obras políticas do ídolo em seus discursos, preferindo as referências que o levam a acusar seus adversários de faltarem à virtude.[43] Mergulhado nas disputas pelo poder, Robespierre não se preocupava em definir os limites da virtude cívica, bastando-lhe mostrar que ela retirava sua origem do povo e, por isso, era uma referência que não podia ser deixada de lado. O povo, naturalmente virtuoso segundo ele, era chamado em silêncio a referendar os atos extremos dos que se arvoravam a ser seus defensores. No célebre texto em que defende os atos extremos de repressão, levados a cabo nos anos de 1793 e 1794, ele afirma: “Se o esteio do governo popular nos tempo de paz é a virtude, o esteio do governo popular nos tempos revolucionários é ao mesmo tempo a virtude e o terror: a virtude, sem a qual o terror é funesto, o terror, sem o qual a virtude é impotente.”[44] O apelo à virtude não esconde o fato de que a ação revolucionária busca em si mesma seu princípio de legitimidade, esquecendo-se de todas as barreiras, que as leis devem prover para evitar que a liberdade seja tragada no turbilhão das disputas políticas. Ao pensar o mundo como o da oposição entre os tiranos e os defensores da liberdade, Robespierre aceitou praticar todos os atos, que segundo ele estavam destinados â salvação da pátria.[45] A virtude política é aqui trazida para a cena pública, mas serve como justificava para sua destruição.

O Terror não é o resultado da afirmação do valor das virtudes cívicas na arena pública, mas seu enlouquecimento. Tomada como um referente universal abstrato, a virtude serve antes para construir a figura do inimigo e justificar a exclusão dos adversários da cena pública do que para guiar o comportamento dos cidadãos. Embora muitos jacobinos concebessem o recurso à ideia de virtude como um passo necessário à construção da cidadania, não lhes ocorria que o corpo político deveria ser fruto do exercício da soberania popular e não o produto da ação de indivíduos iluminados. Identificando-se diretamente com a figura do legislador de Rousseau, Robespierre, mas também Saint-Just, se atribuiu um papel extraordinário, concentrando num indivíduo o que deveria estar disperso em um complexo movimento de construção da liberdade.

Robespierre contribuiu para alimentar a dúvida quanto à possibilidade de nos servirmos da virtude como uma referência na vida pública. Muitos autores contemporâneos, como Bobbio, preferiram se fiar no equilíbrio formal das leis como garantidor das liberdades públicas, para evitar os riscos criados pelo jacobinismo.[46] Ora, se voltarmos nosso olhar para os dois extremos da vida política, discutidos no início do texto, e se levarmos em conta a desconfiança gerada pela experiência francesa revolucionária nos pensadores liberais, podemos ser levados a concluir que estamos condenados a viver numa sociedade sem virtudes, respondendo positivamente à pergunta do título de nosso texto. As virtudes continuariam, é claro, a comandar nossos julgamentos morais, mas, encantoadas na esfera privada, nada mais fariam do que assinalar a distância que separa o exercício do poder e o ideal de uma vida equilibrada, O que antes era percebido como uma das marcas da modernidade política acabou por se traduzir num divórcio completo entre as esferas pública e privada, a tal ponto que a política deixou de ser o lugar de nossos ideais para sinalizar apenas o espaço de nosso desencantamento. Nas sociedades ocidentais, a política acabou sendo deixada de lado em nome de forças maiores — como as da economia — e de um profundo desalento com a capacidade humana de reger de forma razoável seu destino.

Temos o direito de nos perguntar se nossas constatações anteriores descrevem todas as possibilidades das sociedades atuais. Se aceitarmos como naturais a apatia de algumas sociedades industriais e a corrupção implacável, que corrói os regimes políticos e nos empurra para a zona sombria dos regimes autoritários, teremos de nos conformar com a ideia de que a maneira como concebemos a política, aprendida há tantos séculos com os gregos, chegou ao fim. Estamos diante do “fim da história”, para os que acreditam na vitória do liberalismo, ou diante de um mundo cinzento e regido apenas por relações de força, para os que vêem nos tempos atuais a confirmação da tragédia produzida pelo fim das utopias, que encantaram a vida de muitos atores políticos nos dois últimos séculos. Em ambos os casos, a política parece destinada a ser esquecida em proveito de novas formas de ordenação das relações sociais, que excluem qualquer referência aos ideais cívicos do passado. Ora, uma sociedade sem política é também uma sociedade sem virtude.

Nesse quadro de desesperança e “esquecimento” do mundo político é que devemos nos perguntar se não há lugar para recolocar a questão das virtudes em nosso mundo e, na mesma chave, conceder dignidade à política, como fizeram os humanistas no Renascimento e pensadores como Hannah Arendt e Claude Lefort na contemporaneidade. As experiências modernas devem nos servir de alerta para o fato de que confundir virtudes cívicas com virtudes heroicas pode ser o caminho mais curto para a barbárie, como mostra a trajetória de Robespierre. Mas será que Benjamin Constant[47] tinha razão, quando afirmava que apenas uma liberdade negativa é possível em nosso mundo, negando com isso todo valor à participação direta dos indivíduos na cena política como potencialmente geradora de terror e corrupção?

No espaço de um texto não é possível retomar todos os temas que foram trazidos à baila com as discussões em torno da tradição republicana. Se nos ativermos, no entanto, ao problema das virtudes, podemos nos interrogar se o abandono total da referência ao civismo é um imperativo de nossa época. Nossas observações anteriores nos conduzem a evitar as armadilhas que aprisionaram os revolucionários franceses e marcaram o destino de sua influência ao longo dos últimos dois séculos. Mas é licito nos perguntarmos se não restam brechas em nosso tempo que permitam vislumbrar caminhos para uma prática da política, que não nos empurrem necessariamente para a barbárie do terror ou para o desencanto da apatia. Se assumirmos, como querem alguns, que a corrupção é um fato universal e que, portanto, a virtude é não só impossível, mas até mesmo indesejável, somos obrigados a concluir que as alternativas propostas pelos autores liberais — em particular por aqueles ligados à teoria da escolha racional — são as únicas dentro do campo da democracia. Uma regulação pelo mercado é, então, o único caminho para a existência de uma sociedade minimamente regulada por leis. É claro que não podemos esquecer da extensão do fenômeno da corrupção, sobretudo em sociedades como a brasileira, nas quais ele atinge esferas amplas, ligando algumas vezes agentes públicos, empresas e criminosos. Mas o realismo das análises não deve nos conduzir ao cinismo dos que apenas se contentam com a constatação dos danos causados ao país, como se se tratasse de uma catástrofe natural. No Brasil, a interpretação “natural” da corrupção nos conduz ao desamparo, pois não podemos recorrer à tradição legal como defesa contra seus efeitos, como fazem os liberais americanos. No nosso caso, negar a possibilidade de comportamentos virtuosos na arena pública corresponde a aceitar a barbárie das relações políticas como um fardo de nossa história.

Ora, não nos parece que essa via seja a mais adequada para enfrentar nossos graves problemas. Abdicar da dimensão ativa de nossa cidadania pode significar simplesmente abdicar de tentar atacar os problemas que nos afligem. O desafio, portanto, para o republicanismo é encontrar a via de uma ação política que não caia nos extremos apontados antes, mas que evite o recurso ao cinismo como molde de compreensão de nossas relações sociais. Essa tarefa está longe de ser simples, mas ela se impõe para aqueles que não desejam se esquecer do significado que a política teve ao longo de muitos séculos, como esfera de realização de dimensões da existência que não podem se desenvolver no interior das paredes da vida domestica, ou mesmo no espaço rarefeito da relação privada entre grupos de interesses conflitantes.

No final da Idade Média, um grupo de intelectuais fez de seu apelo à antiguidade greco-romana um ponto de partida para o que seria um vigoroso movimento de recuperação do sentido da política. No contexto italiano dos séculos XIV e XV não se podia falar de apatia, mas a participação na esfera pública era rejeitada como uma atividade menor, diante da importância concedida à contemplação. No plano mais imediato das relações de poder prevaleciam de um lado regimes principescos, sujeitos a complexos laços com forças decadentes como o Império ou com as Monarquias em formação na Europa; de outro lado, as tiranias estavam presentes em cidades importantes como Milão e davam o tom da forma como as pequenas cidades eram administradas e como se relacionavam umas com as outras. Esse quadro simplificado, que relembramos aqui, podia ser considerado desanimador para os que liam os historiadores e pensadores da antiguidade e seus relatos sobre os feitos de homens notáveis.[48] Muitos dos humanistas — Coluccio Salutati, Leonardo Bruni, Poggio Bracciolini — foram, ao mesmo tempo, apaixonados pelos clássicos e homens políticos experimentados. Ao lutar pela constituição de um regime republicano durável, levaram em conta as condições reais daquele momento, sobretudo no tocante à dificuldade de garantir a independência diante das tiranias e das potências externas, e também em vista do fato de a cidade ser constituída por grupos, que muitas vezes não podiam se conciliar e acabavam contribuindo para o enfraquecimento do corpo político.[49]
A solução dos humanistas, que hoje chamamos de cívicos, foi a de criar um espaço político republicano no qual o problema das estruturas de poder pudesse ao mesmo tempo servir de esteio para a defesa da cidade contra os inimigos externos e de lugar para práticas que garantissem a sobrevivência do corpo político. Embora inspirados nos heróis do passado, os pensadores italianos buscavam virtudes que pudessem orientar a vida de cidadãos que se interessavam pela integridade da cidade, mas também pela possibilidade de desenvolver seus negócios. Dessa forma, pensadores como Alberti puderam ao mesmo tempo defender os valores republicanos da liberdade e da igualdade e afirmar que a ambição era uma coisa boa para a cidade. Longe de tentar criar heróis, os humanistas buscavam construir um quadro de valores que orientasse os cidadãos para a defesa da cidade (a chamada cidadania militar), para sustentar o direito de todos de participar da vida pública (igualdade perante a lei) e para fazer da liberdade o valor mais alto da cidadania.

Certa vez, quando questionada se a política ainda fazia sentido, Hannah Arendt afirmou que não deveríamos nos esquecer de que originalmente o sentido da política era a liberdade, e que isso continuava a ser válido, se quiséssemos manter nossa crença nos valores que aprendemos a defender como o mais alto ideal da vida em comum.[50] Isso não quer dizer que podemos deixar de lado as dificuldades que enfrentamos para constituir uma sociedade democrática nos dias de hoje, mas temos de estar conscientes do que estamos deixando de lado ao decidirmos aceitar como inexoráveis o fim da política e o fato de vivermos em sociedades nas quais não praticamos mais as virtudes cívicas aprendidas com o passado. Ora, confiar nos mecanismos de regulação dos mercados, ou aceitarmos como normal a instituição de regimes extremos, implica abrir mão de buscar uma vida cujos destinos nos pertencem. Para falarmos de virtudes nas sociedades de hoje não poderemos apelar para o comportamento heroico de seus cidadãos como garantia para a construção de um espaço público republicano, mas nem por isso precisamos relegar a busca pela virtude ao quadro amarelado de um passado impossível de ser recomposto.

Tomemos, por exemplo, a questão da liberdade, que está no centro tanto da concepção liberal da política quanto da tradição republicana. Se aceitarmos, como fazem os autores liberais, Berlin em particular,[51] que a noção de liberdade pode ser entendida apenas em seu sentido negativo, como ausência de constrangimento, estamos relegando ao terreno perigoso dos extremos jacobinos toda tentativa de participar ativamente na vida pública. A concepção liberal da liberdade leva em conta os riscos inerentes à modernidade, mas continua a pensar a participação direta dos cidadãos na arena pública como aquela dos gregos da antiguidade. Ora, as transformações sofridas pelas sociedades modernas implicam que as condições de participação na vida pública também foram alteradas. Um comportamento virtuoso não precisa se espelhar em mitos, e deixar de lado uma compreensão realista do mundo político, para existir. O recurso à tradição republicana e ao ideal de liberdade positiva não implica desconhecer seus limites e não impede a busca por novas formas de afirmação do lugar do cidadão no mundo público. A própria arena pública terá de ser reinventada, para podermos falar de uma virtude possível nas sociedades democráticas. Se não contamos mais com a presença dos cidadãos cotidianamente na praça pública, temos hoje condição de divulgar informações, de promover debates e de criticar governos, por meios que antes não existiam. Isso aponta para a brecha pela qual a política pode adquirir seu pleno significado sem ser tragada pelas armadilhas dos extremos.

Falar de virtudes hoje requer valorizar a participação dos cidadãos na cena pública, valorizar o ideal de política como algo diferente da prática direta do poder. Não somos gregos, mas isso não impede de nos servirmos das mediações institucionais próprias da sociedade civil, de organizações não-governamentais, de associações de voluntários, para reinventar nossa relação com o Estado em todas as suas manifestações. Não precisamos ser heróis para compreender que muitas vezes temos de preferir o bem comum ao bem privado, se quisermos manter vivos os espaços democráticos, que garantem a expressão de nossa individualidade. Basta lembrar os extremos aos quais somos conduzidos pela solidão, para encontrarmos um argumento racional que justifique preferirmos agir juntos na cena política quando nossos interesses estão ameaçados exatamente porque não conseguem ser vocalizados e transformados em práticas sociais. Não se trata de negar o lugar do indivíduo, nem de tentar suprimir as grandes conquistas dos direitos civis e individuais. Essas são conquistas da democracia contemporânea que não devem ser abandonadas. Mas para mantê-las talvez seja necessário algo mais do que a confiança em mecanismos legais meramente formais, que ao longo do século XX se mostraram incapazes de barrar a ascensão da barbárie em todas as suas formas.

As virtudes republicanas possíveis em nosso tempo talvez não sejam tão espetaculares quanto as que aprendemos a admirar em personagens do passado, mas, em sua modéstia, poderão apontar para a manutenção do espaço da política como aquele no qual nossas potencialidades possam se mostrar em algo além do fato de sermos consumidores. Tentar encontrar meios de realização de virtudes cívicas como as do amor pela pátria, lutar para construir instituições que forneçam os meios para que sejamos capazes de decidir tendo como referência o interesse comum, valorizar a arena pública como o espaço que garante nossos direitos individuais, e não apenas em seus aspectos formais, são formas de se reafirmar a dignidade da política e, consequentemente, nossa liberdade como seres criadores de nossa própria realidade. Essa maneira de encarar a questão das virtudes pode se servir do exemplo dos pensadores do Renascimento, que souberam manter a referência de valores como os da participação e da igualdade perante a lei e encontrar em seu tempo as formas concretas que correspondiam à realização daquilo que, num primeiro momento, era um ideal quase utópico de sociedade. Encontrar esses caminhos é tarefa de cada tempo e só poderá dar certo se soubermos inventar nossos espaços de liberdade e nossa forma de fazer política, como souberam fazer outros atores em outros momentos da história. Se fracassarmos, estaremos condenados a viver em uma sociedade sem virtudes, e nos transformaremos na presa fácil dos processos que destroem uma parte importante de nossa humanidade e nos condenam a viver solitários no meio de homens solitários.

Notas

  1. Primo Levi, Si c’est un homme. Paris, Julliard, 1987. 
  2. Idem, p. 94. 
  3. Idem, p. 97. 
  4. Hannah Arendt faz três perguntas no prefácio da terceira parte de seu estudo sobre o totalitarismo, que recobre o campo de suas preocupações: “O que havia acontecido? Por que havia acontecido? Como pôde ter acontecido?”. Hannah Arendt, Origens do totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 339. 
  5. Primo Levi, Les naufragés et les reescapés. Paris, Gallimard, 1989, p. 85. 
  6. Giorgio Agamben, Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p. 129. 
  7. Primo Levi, Les naufragés et les rescapes. p. 110. Para uma análise ampla do processo de deportação durante o regime nazista ver: Raul Hilberg. La destruction des Juifs d’Europe. Paris, Gallimard, 1988, 2 vol., pp. 338-748. 
  8. Idem, p. 110. 
  9. Idem, p.114. 
  10. Idem, p.115. 
  11. Claude Lefort, Un homme en trop. Paris, Editions du Seuil, 1986, pp. 92-95. 
  12. Idem, p.106. 
  13. Idem, p.104. 
  14. Idem, p. 99. 
  15. Idem, p. 126. 
  16. Giorgio Agamben, op.cit, p. 126. 
  17. Idem, p. 174. 
  18. Idem, p. 180. 
  19. Hannah Arendt, op.cit. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 367. 
  20. Richard Dagger expõe de maneira clara a posição de alguns autores que abordam o problema da apatia e da não-participação de um ângulo positivo antes de fazer a crítica dessas ideias do ponto de vista do que chama de republicanismo liberal. Richard Dagger, Civic Virtus, Oxford, Oxford University Press, 1977, pp. 132-135. 
  21. A distinção entre liberdade negativa e positiva deriva das considerações de Benjamin Constant sobre a Revolução Francesa, mas foi popularizada no século XX por Berlin. Benjamin Constant, De la liberté chez les modernes. Paris, Hachette, 1980; Isaiah Berlin, “Deux conceptions de la liberté”, in Éloge de la liberté. Paris, Calmann-Lévy, 1988, pp. 167-218. 
  22. Ver a esse respeito: José Murilo de Carvalho, “O longo caminho”, in Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002. 
  23. Uma análise interessante dessa questão encontramos em: Norbert Elias, A Aociedade daa indivíduos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994. 
  24. Hannah Arendt, A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1981, capitulo II. 
  25. Sobre o declínio do espaço público a partir do final do século XIX ver: Richard Sennett, O declínio do homem público. São Paulo, Companhia das Letras, 2002. 
  26. Michel Foucault, Histoire de la sexualité. Le souci de soi. Paris, Gallimard, 1984, chap. 3, pp.101-117. 
  27. Idem, p. 116. 
  28. Ver a esse respeito: Michel Senellart, Les arts de gouverner, Paris, Seuil, 1995. 
  29. Para uma análise mais ampla dessa questão ver: Harvey Mansfield. Machiavelli’s Virtue. Chicago, The University of Chicago Press, 1996, pp. 6-52. 
  30. Os capítulos finais de O Principe de Maquiavel constituem um material privilegiado para o estudo dessa questão. 
  31. Machiavelli, Ii príncipe, in tutte le Opere, Firenze, Sansoni, 1971, pp. 266-268. 
  32. Ver a esse respeito: Giuliano Procacci. Machiavelli nella cultura europea dell’eta moderna. Roma-Bari, Editori Laterza, 1995. 
  33. François Robert, Le républicanisme adapté à la France. Paris, s/ed.,179o. p. 1. 
  34. Essa é, por exemplo, a posição defendida pela autora em: Denise Leduc-Fayette. J.-J Rousseau et le mythe de l’antiguité. Paris, J.Vrin. 1974, p.114. 
  35. Jean-Jacques Rousseau, Julie ou La Nouvelle Héloise. Paris, Garnier-Flammarion, 1967, p. 527. 
  36. Idem, p. 104. 
  37. Idem, p. 349. 
  38. Viroli trabalhou esse tema em: Maurizio Viroli, La thaorie de la .isociété bien ordonnae chez Jean-Jacque is Roumeau. Berlin, New York: Walter de Gruyter, 1988, p.127. 
  39. Roger D. Masters, La philosophie politique de Rousseau. Lyon, ENS éditions, 2002, p. 435. 
  40. Bronislaw Baczko, Rousseau. Solitude et communauté. Mouton, Paris, La Haye, École Pratique des Hautes Etudes et Mouton & co., 1974, p. 308. 
  41. Carol Blum, Rousseau and the Republic of Virtue. Ithaca, London, Cornell University Press, 1986, pp. 133-139. 
  42. Jules Michelet, Histoire de la Revolution française. Paris, Gallimard, 1952, tome I, p. 1269. 
  43. Alfred Cobban, Aspects of the French Revolution. New York, Brasiller, 1968, p. 154. 
  44. Maximilien de Robespierre, “Sur les principes de morale politique qui doivent guider la convention nationale dans l’administration intérieure de la republique. (18 pluviôse na II)”, in Discours et rapports a la Convention, Paris, Union Générale d’éditons, 1965, p. 221. 
  45. Idem, p. 222. “La terreur n’est autre chose que la justice prompte, sévère, inflexible; ele est donc une émanation de la vertu”. (O terror não é sendo a justiça imediata, severa, inflexível; ele é, pois, uma emanação da virtude.) 
  46. Norberto Bobbio e Maurizio Viroli, Diálogo em torno da república. Rio de Janeiro, Campus, 2002. 
  47. Benjamin Constant, op. cit., pp. 491-518. 
  48. Para um balanço dos estudos sobre o humanismo cívico ver: James Hankins (org.), Renaissance Civic Humanism, Cambridge, Cambridge University Press, 2000. 
  49. Trabalhamos mais detidamente esse tema em: Newton Bignotto. Origens do republicanismo moderno. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001. 
  50. Hannah Arendt, A dignidade da política. Rio de Janeiro, Relume Dumard, 1993, pp. 117-122. 
  51. Isaiah Berlin, op. cit., pp. 167-218. 

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