2005

A linha evolutiva prossegue – A música dos universitários

por Ana Maria Bahiana

Resumo

A visão principal da música na década de 70 no Brasil, é, necessariamente, a visão das universidades — ainda mais que a crítica constante, em profundidade, surgida em meados dos anos 60, é, também, de extração universitária. Continuação natural dos anos 60, quando os festivais de música eram a grande vitrine onde o jovem artista se mostrava ao seu público em potencial e às gravadoras, a década de 70 é também marcada pelos festivais que continuam sendo a forma mais direta de acesso dos universitários ao cenário e aos meios de produção da música.

Entretanto, ao longo da década, os festivais diminuem em número. Na nova década, sobrevem apenas oFTCe o Universitário — mais tarde, com a opção do Festival de Juiz de Fora, onde o nível qualitativo era alto, mas a repercussão, mínima, por estar fora do eixo Rio-São Paulo. É nesse cenário que surge a primeira leva de universitários dos anos 70, a geração da entressafra.

De concreto, e em comum, essa nova geração tinha apenas a esperança de que os festivais fossem o acesso à profissionalização na música. Exemplares, para tentar compreender esta primeira leva de universitários dos anos 70, são os artistas Ivan Lins e Luís GonzagaJr.Aparentemente, seria simples resumir em duas linhas o sucesso de cada um: Ivan Lins seria o universitário burguês, “consumido pela máquina”, que faz autocrítica e adota uma postura mais politizada e, portanto, passa a merecer atenções. Gonzaguinha representaria o “artista popular” massacrado pela repressão que, às custas de luta e sacrifício pessoal, mantém sua carreira, se afirma através dela, mas só atinge popularidade maior quando enfatiza seu lado mais doce, a produção de canções de amor, de consumo sempre seguro.

Acima das diferenças, as semelhanças entre eles são notáveis. Gonzaguinha e Ivan produzem o mesmo tipode música, baseada na bossa nova e assimilando informações variadas tanto da música urbana do Brasil quanto do estrangeiro.

Nos derradeiros anos dos festivais, ainda na década de 70, emerge a segunda leva de universitários com diferenças marcantes. São compositores migrantes que trazem consigo vivências novas, a luta contra a província, o deslocamento do provinciano na “cidade grande”, o problema da sobrevivência cultural. Trazem, também, no núcleo mesmo de sua produção, uma gama muito maior de elementos, que englobam todo o universo da música nordestina (Fagner, Belchior, Alceu Valença, Ednardo, GeraldoAzevedo, Zé Ramalho,MarcusVinícius), um tanto de vanguardas eruditas(WalterFranco,MarcusVinícius) e uma dose derockbastante generosa (Raul Seixas).

Outro dado importante no cenário musical brasileiro da década de 70 é a presença da mulher como força de produção, ultrapassando o papel de mera intérprete de canções. O que se viu nesta década foi o aparecimento de uma quantidade considerável de mulheres compondo. Musicalmente, trabalham os mesmos materiais que seus companheiros de geração -jazz, blues,bossa nova, canção, as mais velhas, um tanto derockas mais jovens. Mas, no texto as mulheres trouxeram contribuições novas na escolha de temas, no testemunho dos pontos de vista femininos diante do amor, trabalho, vida, com uma quantidade e veemência como não se viu antes.


Música universitária, a rigor, não existe. É melhor ver e pensar o universitário na música, como classe, e tentar traçar o modo de ação que ele, assim, desenvolveu ao longo desta década. Sua presença não é novidade: a ascensão do compositor de formação universitária — vale dizer da classe média urbana em seu estrato superior, que constitui a maior parte da população das universidades brasileiras — e a ascensão da própria bossa nova, a instalação da “linha evolutiva” de que falou Caetano Veloso.[1] Universitários eram Tom Jobim (Arquitetura), Edu Lobo (Direito), Carlos Lyra (Arquitetura). Universitários seriam Caetano (Filosofia), Gil (Administração), Chico Buarque (Arquitetura) — e Milton Nascimento escapou de ser justamente porque pertencia a família modesta demais para aspirar a algo além de um curso médio, como o de Contabilidade.

Portanto, a formação universitária — não propriamente os bancos das faculdades, que todos abandonaram a meio caminho, assim que música se tornou uma profissão, mas o ambiente em torno das universidades, a circulação de ideias — está no miolo da música brasileira nesta e nas duas décadas passadas. A visão do veio principal da música, no Brasil, é, necessariamente, a visão das universidades — ainda mais que a crítica constante, em profundidade, surgida em meados dos anos 60, é, também, de extração universitária. Isso significa, em última análise, que o circuito se fecha de modo perfeito: a música sai da classe média, é orientada pela classe média e por ela é consumida. Observar o que aconteceu com a “música universitária” no Brasil dos anos 70 é observar o que aconteceu com a classe média e com a universidade brasileira nesta década.

Continuação natural dos anos 60, os universitários têm acesso ao cenário e aos meios de produção da música brasileira através dos festivais, em dois momentos breves, mas distintos e marcantes: um, envolvendo os dois últimos anos da década passada e os dois primeiros desta, traz a produção do eixo Rio-São Paulo, sensibilizado de modo direto pelos acontecimentos musicais do período 1965-68; outro, que é anunciado a partir de 1972, mas se realiza concretamente três ou quatro anos depois, marca a presença dos migrantes, dos compositores universitários fora do eixo, os nordestinos, a quem as explosões dos anos 60 chegam tarde e repercutem de modo diverso, com diferentes resultados.

É necessária uma palavra sobre os festivais, antes de tentarmos compreender seus personagens. Grande feira de amostras da música brasileira de classe média e formação universitária — apesar da existência da Bienal do Samba e de festivais de música carnavalesca, a fama da palavra se deve basicamente a esse tipo de compositores e plateias —, os festivais cumpriram várias funções — e, com o esvaziamento dessas funções, sua transferência para outras áreas, se esvaziaram também. Os festivais eram, basicamente, a grande vitrine onde o artista se mostrava exatamente ao seu público em potencial. E, como decorrência, o supermercado das gravadoras, que ali podiam escolher, com estreita margem de erro, seus novos produtos, já testados pelo confronto com o público. O elemento concorrência – em si absurdo, já que se tratava de julgar e premiar obras completamente díspares em forma e intenção – servia como atrativo extra, tempero, e ordenava os contatos artista/plateia, favorecendo a cristalização de tendências, grupos, torcidas.

A censura e a repressão direta, com prisões e exílios, tiraram dos festivais sua função de ponto de encontro e reduziram-nos apenas a feiras para novas contratações. Mas, com a recessão da indústria do disco – da qual ela só se refaria a partir de 1974/75 -, até esse papel se tornou supérfluo. As gravadoras preferiam investir nos nomes já contratados – e foi justamente nesta década de 70 que os estreantes dos festivais, como Chico, Milton, Gil e Caetano, tornaram-se “estrelas” em popularidade e bons vendedores de discos. Nos poucos casos de novas contratações, preferiam “fazer as compras” diretamente, mesmo porque, tolhida em sua liberdade de criar e exacerbado apenas o lado de competição, disputa, a produção que começa a aparecer nos festivais decresce consideravelmente em substância, gerando um ser estranho, híbrido e fugaz, conhecido como “música de festival” – da qual BR-3, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, vencedora do Festival Internacional da Canção de 70, talvez seja um dos exemplares mais típicos.

1972 pode ser considerado o ano final da era dos festivais – e, também, o ano que marca a entrada em cena da terceira geração de compositores a eles ligados, a segunda geração de universitários dos anos 70. Em 1975, a Rede Globo tentaria trazer de volta a fórmula, sem êxito – os compositores e seu público já tinham encontrado novos canais de comunicação. E, curiosamente, no ano final da década, mais uma vez os festivais ameaçam voltar, embora seja difícil prever sucesso para uma fórmula já tão exaurida e ultrapassada pelos próprios procedimentos dos músicos e das plateias. É interessante observar que, enquanto um dos festivais anunciados – o da TV Tupi, dirigido pelo veterano Solano Ribeiro – mantém o antigo formato de competição regulada por um júri de críticos, outro – o da Rede Globo – reflete de modo exato o estado de coisas na indústria do show-business do Brasil – prescindindo do intermédio de terceiros, as próprias gravadoras escolherão (e contratarão) os vencedores. O que significa “fazer as compras diretamente”, apenas, agora, com o teste ao vivo avalizando a aquisição – e revela o ponto de controle a que a indústria do disco chegou no panorama da criação musical do país.

Quando a década de 70 começa, os festivais já passaram de muito seu pique máximo, arrebanhando e lançando a segunda geração de compositores universitários, primeira pós-bossa nova. A repressão, com prisões, exílios e censura constante, esvaziara qualquer conteúdo que os certames algum dia puderam ter – e, ao mesmo tempo em que abria (à força) um espaço para novos nomes, impedia que eles surgissem, ou melhor, instalava-se como presença absoluta no próprio processo de criação. Havia também o próprio desgaste dos festivais, em si — na década anterior, existiam pelo menos quatro: o da TV Excelsior (1965/66) e o da Record (1965/68), em São Paulo, o Festival Internacional da Canção, da Rede Globo (1966/72), no Maracanãzinho, e o Universitário (1969/72), da Tupi, no Rio. Na nova década, sobreviviam apenas o FTC e o Universitário — mais tarde, com a opção do Festival de Juiz de Fora, onde o nível qualitativo era alto, mas a repercussão, mínima, por estar fora do eixo Rio-São Paulo. Nos dois, o desgaste já deixara suas marcas: o FTC ficara reduzido a uma feira livre para novas contratações, um espetáculo para grandes plateias, onde a apresentação valia mais que a música em si; e o Universitário tentava ser a porta imediata de escoamento da produção de novos compositores, “uma espécie de vestibular para o Internacional”, como disse José Jorge Miquinioty, letrista do compositor Ruy Maurity.[2]

É nesse cenário que surge a primeira leva de universitários dos anos 70, a geração da entressafra, espremida entre as comparações com o passado recente, o impacto das discussões levantadas com os anos 60 (conteúdo/forma, participação política direta/revolução estética, busca de raízes/assimilação e síntese de elementos externos), e a repressão que se instalava no presente — e, possivelmente, no futuro.

Parece desnecessário dizer que não eram muitos e estavam confusos. De concreto, e em comum, tinham apenas a certeza de que a universidade não os levaria muito longe, e a esperança de que os festivais fossem sua porta de saída, o acesso à profissionalização na música — e não havia muito além disso. “O festival é o único meio que o jovem compositor dispõe para se lançar no meio musical”, Ivan Lins disse em 1970, quando concorria a seu segundo Universitário. “A maioria dos estudantes não gosta dos programas de calouros ou das estações de rádio, já que, na maioria das vezes, estão arriscados a passar por vexames que podem comprometê-los definitivamente.”[3] A observação de Ivan é reveladora de como os compositores universitários se viam, na época — e, na verdade, ainda se vêem até hoje, em grande parte. Parcela escolhida da criação musical do país, detentora da continuidade da “linha evolutiva”, boa demais para se submeter aos “vexames” dos programas de calouros e das estações de rádio — estas últimas, essenciais a qualquer carreira profissional, e por onde todos eles, gostando ou não, tiveram que passar. Em 1976, Luís Gonzaga Jr. — não por acaso, o de formação mais popular e nessa época começando o processo de “abertura” de sua música que o tornaria um dos compositores de maior sucesso dos últimos dois anos 70 — mostrava-se acostumado e até divertido com essa realidade antes execrada. “Você sabe do que gosto? De trabalhar disco em rádio. Trabalho mesmo. Rapaz, meu sonho era ter um programa de rádio. Show da noite, sabe como é? Eu fui a uma porção de programas desses, transei com os caras, é fácil entrar na deles.”[4]

Podemos abordar e tentar compreender esta primeira leva de universitários dos anos 70 através das carreiras de dois deles: Ivan Lins e Luís Gonzaga Jr. Os dois são contemporâneos em idade, em formação e no desenvolvimento de seus trabalhos — e o que acontece com eles e sua música, ao longo da década, é revelador de quem eram, o que pensavam e criavam esses compositores universitários dos primeiros anos 70 (embora seja sempre bom lembrar que não se trata de buscar estereótipos, figuras típicas: Ivan e Gonzaguinha são antes exemplos de um grupo de criadores, num dado momento).

Ivan Lins vinha de uma família de classe média da Tijuca e cursava Química; Luís Gonzaga Jr., filho de Luís Gonzaga e de uma cantora de coros de gravação e casas noturnas, criado pelos padrinhos no Morro de São Carlos, ambiente decididamente popular da Zona Norte do Rio, estudava Economia (Ivan completaria seu curso e pensaria seriamente em seguir a carreira; Gonzaguinha deixou o seu no meio). Seus caminhos vão se encontrar exatamente nos festivais universitários da Tupi – e, como consequência, nas reuniões de músicos e compositores universitários cariocas que vão dar origem, em 1970, ao MAU – Movimento Artístico Universitário, de curta duração.

A história de suas estreias é muito semelhante: surgem no Universitário, atraem alguma atenção, passam ao Internacional, são alvo de interesse de gravadoras e meios de comunicação, integram o MAU numa atitude mais de defesa que de ataque, cerrando em torno de sua formação universitária expressa no nome do grupo, e acabam dilacerados pela superexposição – justamente o que mais temiam -, agravada por seu próprio despreparo diante das exigências do mercado onde, afinal, tinham buscado entrar. O programa de TV Som Livre exportação, da Rede Globo – criado para capitalizar e massificar o que os homens de TV viam como nova tendência de mercado, a faixa universitária de público -, é o marco. Inventado a partir do MAU e por causa dele, logo se esvazia, mostra sua verdadeira face e ameaça corroer as frágeis carreiras de seus contratados. Ivan se afasta do MAU para tentar o estrelato máximo, individual – “Quando estávamos juntos, meu sucesso quase sempre passava despercebido. Paralelamente, perdi contratos e chances de ganhar mais, só para ficarmos unidos, pensando que isso ajudaria a todos”, disse, em 1971[5] – mas um ano depois está arrependido, sentindo-se (com razão) desgastado, queimado, e esse impasse se arrastaria penosamente por quatro anos de silêncio quase total, com Ivan recolhido e quase esquecido, depois de alçado às glórias de sucesso instantâneo, em 1970 e 71. “A televisão usa a sua música para se promover, em vez de ser ao contrário, é angustiante”.[6]

Gonzaguinha, ao contrário, prossegue – em grande parte porque, de temperamento fechado, pouco dado a sorrisos, e música mais densa (como se verá a seguir), não se prestava para o papel de ídolo. Findos naturalmente o MAU e o Som Livre exportação, continua produzindo, gravando, e obtendo a mesma exposição mínima da sua estreia – resguardado, portanto, dos riscos do sucesso. Sua obra, muito coesa, só não está a salvo da censura, que recolhe seu compacto Comportamento geral, seu primeiro LP, e veta a maior parte da produção destinada aos álbuns de 1974 e 75, Luís Gonzaga Jr. e Plano de vôo.

Entretanto, ambos encerram a década registrando índices altos de popularidade (com seus sinais óbvios: boa vendagem de discos, lotação de shows) e prestígio junto à crítica. Para entendermos o que aconteceu a ambos — e, por extensão, o que aconteceu à esfera de produção e consumo de música que integram e representam — devemos olhar o que pensam e o que criam. Aparentemente, seria simples resumir em duas linhas o sucesso de cada um: Ivan Lins seria o “estudante burguesão” (como ele mesmo se definiu), “consumido pela máquina”, que faz autocrítica, arrepende-se de seus erros, adota uma postura mais politizada por influência de um novo parceiro (Vitor Martins) e, portanto, passa a merecer atenções. Gonzaguinha representaria o “artista popular” massacrado pela repressão que, às custas de luta e sacrifício pessoal, mantém sua carreira, se afirma através dela, mas só atinge popularidade maior quando enfatiza seu lado mais doce, a produção de canções de amor, de consumo sempre seguro. Seriam, assim, trajetórias em sentido inverso, da amenidade à densidade e vice-versa.

Estes elementos existem. De fato Ivan Lins surge com uma produção de canções de amor, baladas de letras banais, e perspectivas nada revolucionárias de fazer sucesso, transformar-se em ídolo. De fato sucumbe às pressões geradas por sua própria ambição e só se refaz, profissionalmente, a partir de sua união com Vitor Martins e sua autocrítica pública, incessante nas entrevistas a partir de 1976/77. “O que acontecia comigo acontecia com quase todos os jovens da minha idade. Eu era o protótipo do brasileiro da época. O cara alienado, que não pensava em nada e não queria pensar, com uma formação bem capenga de classe média. (…) Foi a partir de 73/74 que eu realmente tomei consciência de uma série de coisas e passei (…) a enfrentar não só estes problemas, mas outros.”[7]“Embora eu não renegue toda a minha fase inicial, tenho que reconhecer que então eu estava meio perdido, numa de garotão que ainda não sabe o que quer… Hoje o meu trabalho é mais tranquilo, mais pensado, porque eu também sou mais calmo, mais consciente.”[8]

E de fato Gonzaguinha mantém a duras penas sua carreira e atinge sucesso comercial e popular quando despe-se da grande dose de amargura que revestia seu trabalho. “Este é o disco mais ritmado, dançante, contente, é o trabalho mais envolvente que já fiz”, ele disse, a propósito de Moleque Gonzaguinha, seu álbum de 1977. “Fiz um disco dançável porque estou com muita vontade de dançar, de completar e expandir minha alegria”.[9] E a respeito de sua carreira passada, em 1979: “Verifiquei que estava colocando pra fora apenas parte do que eu era”.[10]

Mas as duas linhas não fazem trajetórias tão simples. Tanto há uma dose grande de cálculo na “autocrítica” de Ivan — “Vitor e eu conversávamos muito, ele me mostrava como eu tinha me desgastado com a crítica, com o público. O Vitor me mostrava as áreas onde eu estava queimado: na crítica, no público estudantil. A gente refletia sobre isso, ele dizia: Olha, primeiro vamos limpar sua barra, anular essa imagem que você tinha do seu passado.”[11] Quanto à “mudança” de Gonzaguinha, não é substancial a ponto de representar uma ruptura real na sua trajetória criativa: os mesmos temas, a mesma inquietação diante das desigualdades sociais, o mesmo humor ferino e cortante diante das contradições brasileiras e a mesma densidade melódica e harmônica permanecem em sua produção de 1972 ou de 79, mesmo cantada por intérpretes românticos como Maria Bethânia, ou efervescentes como as Frenéticas.

Não foram apenas as mudanças de orientação que firmaram estes universitários na produção da década. Na verdade, eles não mudaram tanto assim, e, acima das diferenças, as semelhanças entre eles é que são notáveis. Gonzaguinha e Ivan produzem o mesmo tipo de música, baseada na bossa nova e assimilando informações variadas tanto da música urbana do Brasil quanto do estrangeiro. “No início, minha música era uma mistura de soul com bossa nova, passando em seguida para uma fase de um samba mais misturado, mas aproximado das características mais verdadeiras do samba. Já a fase em que estou agora mostra uma diversificação maior, que resultou até na criação de um fado”, diz Ivan.[12] Gonzaguinha: “(Faço) a coisa que desde menino venho fazendo o tempo todo e que se chama bolero, samba-canção, forró, muito ritmo mesmo, muita batucada. Principalmente esta, que ouço há anos no Rio e vem desde o Sul do país e se estende até a África, o Caribe, o que, no fim, vai dar tudo na mesma.”[13]

E quando Ivan se une a Vitor Martins, até o texto se aproxima — guardadas as devidas diferenças de estilo —, ou seja, fixa-se na elaboração poética do quotidiano brasileiro, a reportagem de seus dilemas, contradições (e é interessante notar que, enquanto o texto de Gonzaguinha ganha leveza, sutileza, humor, o de Vitor para Ivan recua no tempo para encontrar o Gonzaguinha de seis, sete anos atrás, amargo e muitas vezes panfletário).

E se o pensamento expresso nas letras das músicas a princípio era diverso — Gonzaguinha desde o início preocupado com o aspecto social, Ivan inclinado para a vertente mais amena da bossa nova — a atitude de ambos diante de seu trabalho era, em resumo, idêntica — e expressa o pensamento e atitude de sua geração e do contexto em que ela viveu. Ambos acreditavam estar compondo para si, sem ceder a interferência alguma do exterior, do mercado; ambos desdenhavam o sucesso, no que ele representaria de aumento de vendagens, riqueza e conivência com “a máquina” — até esquivavam-se dele, ou melhor, de pensar sobre ele; ambos acreditavam estar exercendo, com seu trabalho, uma missão educadora do povo brasileiro, acostumando-o a padrões mais complexos de audição, de consumo. Era, portanto, mesmo depois da ampla discussão trazida pela Tropicália sobre consumo e mercado, uma retomada da postura da bossa nova, da busca de uma música desenvolvida. Ivan: “Eu nunca fiz música consumível. Tanto é verdade que quando estourei fiquei quase maluco. Eu só penso em som, em fazer o que me agrada.”[14] Gonzaguinha: “Não entro em festivais para competir, mas para mostrar minhas músicas, meu trabalho.”[15] Ivan: “No próximo LP que vou fazer vai ter música clássica, prelúdios, mil harmonias, coisas que eu gosto de fazer. Se num LP quatro músicas vão ser consumidas, no resto eu aproveito para mandar o meu recado.”[16] Gonzaguinha: “Temos que dar ao público umacriação de boa qualidade, mas que seja facilmente compreendida por todos. Não faço isto por dinheiro ou sucesso. Quero apenas comunicar uma determinada experiência a um número maior de pessoas.”[17] “É uma questão de aprimoramento do gosto. Educar o povo para que ele tenha condições de exigir o melhor para si.”[18]

O sucesso de ambos no final da década representaria não tanto um triunfo do mercado sobre o criador, com uma derrota ou retrocesso deste, mas uma adequação, um ajuste entre os dois. Afinal, o público que passou a consumi-los foi o mesmo que sempre esteve lá – o de classe média, formação superior – e o fato de eles ecoarem mais nessa faixa se deve antes à maturidade de seus projetos pessoais diante da música – o reconhecimento da necessidade do trabalho braçal, da atuação junto às gravadoras, rádios, imprensa. É claro que o aumento de interesse do público, em geral, por música brasileira criou o terreno propício para que eles colhessem os frutos desse trabalho.[19]

Nos derradeiros anos dos festivais, 1971 e 72, emerge a segunda leva de universitários.[20]É bem mais numerosa e, com exceção de Walter Franco (paulista) e Sergio Sampaio (capixaba), distante do eixo Rio-São Paulo que até então movera a música popular. Embora à primeira vista sua formação e propósitos sejam semelhantes aos de seus antecessores – e as idades sejam próximas – eles têm diferenças marcantes, que determinam toda a sua atuação nesta década.

São compositores migrantes, a quem os elementos dos festivais chegaram com pequeno, mas significativo atraso, via TV. Trazem consigo, portanto, vivências novas, a luta contra a província, o deslocamento do provinciano na “cidade grande”, o problema da sobrevivência cultural, tal como é vista em seu meio e longe dele. São dados novos, que, expressos claramente em música, texto e postura, alimentarão a produção musical do país, abrirão novas frentes de discussão e enriquecerão o debilitado veio “universitário”. Ednardo: “A gente tinha muita coisa para mostrar que a província não comportava”.[21] Zé Ramalho: “João Pessoa é uma cidade pequena, restrita, onde a influência é o que vem do Sul, é como um grande alto-falante repetindo as coisas daqui de baixo.”[22] Geraldo Azevedo: “Como nós estávamos perdidos nessa época! A gente não entendia nada de arranjo, orquestra, nada disso. A gente estava tonto, tinha uma… não é humildade, não, é uma falta de segurança, de certeza do que a gente estava fazendo. A gente não reclamava nada, aceitava tudo” (comentando sua atuação no Festival Universitário de 1969).[23] Belchior: “O meu disco é o de um nordestino na cidade grande. Agora um Nordeste verdadeiro, não um Nordeste mítico, dos livros, que o eixo cultural Rio-São Paulo inventou para consumo próprio, para explorar cada vez mais as pessoas.”[24] Marcus Vinícius: “A nordestinidade é uma contingência natural. Mesmo que eu diga que sou inglês, louro, de olhos azuis, não vou ser. É uma contingência da qual não posso fugir.”[25]

Trazem, também, no núcleo mesmo de sua produção, uma gama muito maior de elementos, que englobam todo o universo da música nordestina (Fagner, Belchior, Alceu Valença, Ednardo, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Marcus Vinícius), um tanto de vanguardas eruditas (Walter Franco, Marcus Vinícius) e uma dose de rock bastante generosa (todos os nordestinos, Walter Franco, mais o baiano Raul Seixas, que se inclina decididamente para o gênero). A chegada desses elementos, e principalmente o modo como esse novo grupo os manipula, no sentido da síntese, da dissecação, mistura, fusão, o modo como eles vêem e trabalham esses dados é fundamental para a revitalização não apenas da música de extração universitária, mas de todo o processo musical brasileiro.

De um modo geral, todos eles passam por um caminho semelhante, diverso do grupo imediatamente antecessor, nutrido em primeiro lugar de bossa nova. É o caminho de toda uma geração, no Brasil – ouvem música popular de origens diversas na infância e adolescência, são marcados pelo rock na juventude e retomam as primeiras influências depois, nesta década, de formas diversas, com outra leitura. Belchior: “A informação rock é um dado natural, como na época o Orlando Silva tinha uma informação fox. Eu não sou do tempo da bossa nova, sou do tempo do rock.” Alceu Valença: “Não fui atrás, de propósito. A coisa foi chegando e entrando no meu ouvido. E eu senti muito, porque achei muito parecido com as coisas que eu já conhecia e gostava, o rojão. Aquela choradeira do Elvis, por exemplo, aquele oh-oh-oh, puxa, eu disse, isto é arretado igual violeiro, choradeira de violeiro, sabe como é?”[26] Walter Franco: “(Meus ídolos) são John Lennon, o vanguardista-erudito americano John Cage e João Gilberto – a santíssima trindade dos joões.”[27] Fagner: “Minha formação musical é uma mistura. Tem os forrós da casa dos meus primos, lá na roça de Orós. Tem os discos do meu irmão, que eram Ademilde Fonseca, Silvio Caldas, Noel Rosa. Depois teve os Beatles. A primeira vez que ouvi I wanna hold your hand na rua, eu fiquei parado, paralisado. Me pegou totalmente. Aí teve Roberto Carlos.”[28] Zé Ramalho: “É claro que o rock e os Beatles expressavam uma realidade deles, lá, mas aquilo me tocou a sensibilidade, então não havia por que jogar fora. Mas a força do repente foi tamanha que, se algum lado me saiu perdendo, foi meu lado antigo, de roqueiro.”[29]

Há mais uma diferença essencial – embora ainda crendo na importância da “qualidade do trabalho”, na “missão de semeadura” junto ao gosto do público. Walter Franco: “Existe uma tribo dos que caminham à frente da manada, dos que amam, dos que têm fé neles mesmos e em suas pequenas, infinitas descobertas. Essa tribo sempre foi necessária e odiada. É a minha.”[30] A nova leva se mostrava mais disposta a pensar de imediato os problemas do mercado, a considerar a possibilidade do sucesso, da popularidade, da fama e das vendagens. Com mais timidez, retomavam em certa medida as propostas da Tropicália, do contato e da indagação direta sobre a música de massa, seja bolero ou rock’n’roll. E, justamente por isso, muitas vezes se colocavam em tensão diante desses nomes egressos dos anos 60- embora a ruptura, muitas vezes ameaçada, não tenha de fato acontecido, ficando apenas no plano das citações, teorias e até rusgas pessoais (como a que envolveu Caetano Veloso e Fagner. Belchior: “Nós somos uma geração esvaziada. Durante várias gerações seguidas, os ídolos foram os mesmos. Na faixa de alguns, estamos entrando no mercado para pôr em xeque suas proposições, pois se o tropicalismo atacou o “bom gosto” oficial da música brasileira, ele mesmo criou um novo critério que hoje está envelhecido e envilecido, ao longo de várias gerações. E é contra esse velho “bom gosto” deles que estamos chegando com nosso trabalho, dialeticamente.”[31]

Por maturação e expansão do mercado, por abrandamento da repressão, por maior e mais rapidamente organizada estrutura pessoal diante das exigências de uma carreira profissional em música. Belchior: “Eu crio muito melhor quando tenho sucesso. Quero definir a palavra sucesso em meus termos: a possibilidade de cantar mais, de fazer meu disco etc.”[32] Fagner: “Antes eu fazia discos para não vender. Eu tenho toda a consciência disso, embora na época não soubesse disso. Agora fiz um disco para vender. Não foi feito propositalmente pensando nisso, com esse objetivo, não tem um fim puramente de jogada, de grana. Não; é um disco com todas as coisas exatamente como eu queria dizer. Mas é um disco que me possibilita uma escolha: ele pode vender ou não.”[33] Esta segunda leva acabou forçando a abertura de um espaço amplo em que passaram a se movimentar não apenas seus integrantes, mas também seus antecessores, os primeiros “universitários” dos anos 70. Inclusive em termos de “popularidade”, de êxito de vendas, dois deles conseguiram ultrapassar as bordas do público habitual, classe média e de formação superior — Raul Seixas e Belchior, seguidos um pouco de longe, mais para o final da década, por Fagner.

Quando a década se encerra, a “linha evolutiva” da música brasileira não tinha sofrido nem danos irremediáveis — como os anos sombrios da repressão faziam supor — nem grandes progressos. A proposta de uma nova síntese e de uma discussão constante sobre as relações criador/indústria/mercado, anunciada pela Tropicália, simplesmente se viu completada e executada, incorporadora ao dia-a-dia. Ao próprio veio central da produção musical de formação universitária.

A MULHER FALA E CANTA

A presença da mulher como força de produção, na música, ultrapassando o papel de mera intérprete de canções alheias (e masculinas), é um dado importante da década de 70. Evidentemente, não pertence a ela com exclusividade: há Chiquinha Gonzaga no início do século e Dolores Duran nos anos 50, para citar dois exemplos. O que se viu nesta década foi o aparecimento de uma quantidade considerável de mulheres compondo — e, de imediato, nos dois anos finais do período, uma encampação do fato pela indústria do disco, que, revertendo a máxima até então em uso, “mulher não vende disco”, passou a investir nas novas criadoras, na tentativa de empacotar e vender mais um produto que, possivelmente, atendia a novas necessidades do mercado.

É óbvio, contudo, que a música – no sentido de melodia/harmonia, orquestração, execução instrumental – produzida por um homem e por uma mulher tem qualidades, defeitos e dificuldades idênticas. Difícil crer que fatores hormonais ou fisiológicos sejam capazes de alterar a organização das notas e a armação de acordes. Mesmo assim, a presença da mulher é um dado novo: pelo texto de seu trabalho, que vai assumir, como na literatura e na poesia, um valor de depoimento, de qualidades confessionais, e pela simples existência da mulher dentro de um sistema que não só a ignorava como rejeitava.

Quando uma compositora como Joyce diz: “Mulher não é considerada pra nada. Vai ser considerada na música?”[34], ou quando outra compositora, Sueli Costa, comenta sua tardia estreia em disco individual (aos 10 anos de carreira, em 1975), dizendo. “Era muito estranho. Uns não acreditavam. O Grisolli foi um que estranhou: ‘Como é? Mulher compositora?’ Outros me achavam um bicho estranho. Queriam me fazer assim um produto exótico. Mulher compondo música é mesmo muito estranho. (…) No começo doía, me incomodava. Eu sentia bem como era tratada… sabe como é… teve um cara aí de uma gravadora que queria me dar uns uísques, fazer uma transa, e depois ver se ia gravar. Essas coisas. Eu estranhei no começo. Fiquei quente de ódio”[35], temos de fato, aí, um acontecimento.

A partir de Joyce e Sueli Costa, lentamente a princípio, mais aceleradamente no final, a década de 70 vê surgir uma geração de mulheres compondo. A imensa maioria está na área “universitária”, embora exista Leci Brandão na esfera do samba e Marina Lima e Angela RoRo devam ser consideradas antes drop-outs, marginais de classe média, que propriamente de formação estudantil. Musicalmente, trabalham os mesmos materiais que seus companheiros de geração – jazz, blues, bossa nova, canção, as mais velhas, um tanto de rock as mais jovens (embora Fátima Guedes, a mais moça de todas, prefira decididamente as informações mais conservadoras, do samba-canção ao bolero).

Mas, no texto – com exceção de Sueli Costa, que trabalha constantemente com parceiros homens, permitindo-se raramente uma canção com música e letra de sua autoria -, as mulheres trouxeram contribuições novas na escolha de temas, no testemunho dos pontos de vista femininos diante do amor, trabalho, vida, com uma quantidade e veemência como não se viu antes. É interessante notar, também, que aproximadamente dois terços dessas compositoras se referem ao mundo urbano, na escolha das linguagens musicais e na narrativa das letras. Apenas Catia de França (paraibana) e Marlui Miranda (cearense, criada em Brasília) adotam o universo rural como ponto de referência, procurando trabalhar com materiais “de raiz” e preferindo suas sugestões ao aspecto confessional, pessoal, nas letras. E, de todas, somente Rita Lee – que fica numa espécie de limbo, entre a formação universitária que teve e a vivência de rock, que foi intensa – se afirmou como performer,como intérprete das próprias obras, vencendo uma espécie de timidez, comum a todas.

25 anos depois:

Fazendo algo que eu não costumo sequer considerar — reler e re(vi)ver o que já fiz — deparei-me, nestes textos, com alguns fatos intrigantes, interessantes, picantes e saborosos que, por si só, já servem de endosso a um projeto de longa vida (para ver o que acontece nos capítulos seguintes).

Escritos no calor da refrega, propositalmente sem tempo ou espaço para distanciamento e desaquecimento, estes textos falam de uma era de intensa transição. Qual era que não é de transição, certo? Mas 1979 via o Brasil ainda ditatorial explorando vagas avenidas de liberdades civis, a poucos anos de democratização, internet e Aids. Ganharíamos e perderíamos, quase simultaneamente, uma geração brilhante de artistas e criadores — entre os quais se incluem alguns de meus mais ausentes amigos. E quando a Roda girasse mais dez anos teríamos eleito um presidente em que em breve não confiaríamos mais, escolhido ídolos que nos abandonariam antes de ver a maturidade de suas carreiras, visto nossas grandes cidades incharem e se vergarem sob o peso de uma miríade de poderes paralelos, perdido quase todas as nossas economias e boa parte da nossa população jovem e/ou qualificada no que talvez tenha sido o maior ou único movimento de emigração, de diáspora de um povo — o brasileiro — que detesta sair da terra onde nasceu.

À luz disso, como são palpitantes estas descobertas e constatações do final dos 70, uma década que sempre se viu tão blasée, cool e deliciosamente perversa e que, com o benefício da lente longa, surge tão surpreendentemente pura e ingênua.

O que mais me chamou a atenção:

A enorme falha que, felizmente, veio a ser suprida duas décadas depois pelo livro Eu não sou cachorro, não, de Paulo Cesar de Araújo: os anos 70 são o tempo da cristalização, eclosão e disseminação do que viria a se chamar “brega” ou “cafona”, a música ultrapopular nascida da trituração do pop com os mais diversos temperos multirregionais, fronteiriços e pan-nacionais do Brasil. E, como Paulo Cesar tão bem aponta em seu trabalho, é nos 70 que este poderoso substrato cultural e musical abraça temas de real valor incendiário e impressionante modernidade: estilo de vida, drogas, aborto, controle da natalidade, sexualidade, discriminação racial e social. Entendo por que não o incluí: ele não fazia parte do meu universo consciente. Não havia sido treinada, intelectual e esteticamente, para registrar sua existência — e não registrei. Embora sua trilha tenha se mostrado indelevelmente gravada no disco rígido da minha memória afetiva da época.

A durabilidade daquela que provavelmente, à época, eu via como a expressão musical mais fragilizada e ameaçada: a instrumental, que parecia lutar para se manter flutuando num universo de aves canoras de grande brilho. Sem a carga da língua, do verbo, e nutrida por códigos conhecidos que reportam ao jazz, a música instrumental do Brasil ganhou facilmente o mundo, alimentando por sua vez um sem-número de outras manifestações.

Dois outros estilos que eu na época provavelmente tratei com luvas de pelica, temendo que se quebrassem sob o efeito de tempos ou mercado, provaram ser infinitamente mais resistentes que minha vã e limitada sabedoria: samba e rock. O último estava literalmente na véspera de sua maior explosão popular — a maré que se chamou Rock Brasil ou B Rock e que teve no Rock in Rio de 1985 seu momento definidor. A força desta eclosão foi tamanha que, na verdade, acabou por ofuscar completamente a primavera rock dos anos 70, criando na mente de duas gerações a ilusão de que tudo começa em 1982. O samba, que nos 70 apenas flertava com um grande impacto de mercado — especialmente via Clara Nunes e, numa outra esfera, Paulinho da Viola e Chico —, mostrou ter fôlego de maratonista, terminando os 90 como uma das mais importantes matrizes musicais, culturais e econômicas do setor.

Indetectável em seu futuro triunfo até pelos mais otimistas, como eu, que nele viam o sinal de uma interessantíssima opção estilística, o funk voou tão ou mais alto que estes dois e, num movimento naturalmente inevitável, veio a eles se fundir 25 anos depois, naquela que é, possivelmente, a melhor e mais saborosa salada musical destes novos tempos.

E finalmente — como quase todas as premissas econômicas que sustentavam meus raciocínios de 1979 iriam se tornar inúteis e irrelevantes com um único fato novo — a digitalização.

  1. “Isto é; o samba, passando a ser divulgado pelo rádio e pelo disco (vale dizer – por e para a classe média), mostra uma linha de evolução clássica, no sentido de coerente com a organicidade evolutiva de uma cultura.” Caetano Veloso, “Primeira feira de balanço”, jornal Ângulos, Salvador, 1965.
  2. Entrevista a Vander de Castro, Fatos & Fotos, agosto de 1970.
  3. Idem.
  4. Entrevista a Ana Maria Bahiana, jornal de Música, janeiro de 1976.
  5. Revista Amiga, 2/3/1971.
  6. Entrevista a Maria Bernadette, Última Hora, 1°/11/1971.
  7. Jornal Movimento, 29/5/1978.
  8. Entrevista a Carlos Alberto Miranda, O Globo, 24/4/1977.
  9. Entrevista a Paulo Macedo, O Globo, 18/4/1977.
  10. Entrevista a Regina Echeverria, revista Veja, 26/10/1979.
  11. Entrevista a Ana Maria Bahiana, revista Nova, novembro de 1979.
  12. Entrevista a Carlos Alberto Miranda, O Globo, 24/4/1977.
  13. Veja, 24/4/1977.
  14. Diário de Notícias / Domingo Ilustrado, 25/7/1971.
  15. Entrevista a Ana Borges, O Jornal, 22/5/1970.
  16. Diário de Notícias / Domingo Ilustrado, 25/7/1971.
  17. Jornal do Brasil, 5/12/1971.
  18. O Jornal, 22/5/1970.
  19. Nesta geração encontram-se ainda Ruy Maurity, José Jorge Miquinioty, Cesar Costa Filho, Ronaldo Monteiro de Souza, primeiro parceiro de Ivan, e Aldir Blanc. Aldir, ex-médico psiquiatra, poeta, letrista, traz, através de sua parceria com João Bosco, um elemento intermediário – o próprio João. Mineiro de Ponte Nova, estudante de Engenharia em Ouro Preto, Bosco conhece Blanc via TV, exatamente ao assistir a um festival – o que já é um dado significativo. A parceria se consuma em 1973, quando João vem morar no Rio, e o produto desse trabalho é, a princípio, híbrido – Aldir tem toda a carga dos universitários cariocas, que retomavam a proposta do texto claro, explícito, engajado, enquanto João, defasado das discussões pela distância e marcado por Minas, tinha um trabalho melódico e harmônico mais intrincado, muitas vezes de tom erudito. Aldir acabou vencendo, como João admitiu na contracapa de seu disco de estreia, o compacto da série Disco de bolso, do Pasquim: “Não é o meu trabalho de hoje. Agora estou partindo para rumbas, boleros, sambas-enredo, sei que este disco é muito comportado. São aquelas primeiras águas que a gente precisa deixar sair.” Com o texto de Blanc – e mais tarde Paulo Emilio, companheiro dos tempos do MAU – Bosco tem uma produção fecunda nesta década, já dentro do segundo momento destes universitários de Rio-São Paulo, a busca da clareza, do explícito. Aldir Blanc, a Opinião (19/3/1976): “Somos um povo que necessita muito dizer seus problemas. Precisamos aprender nossas queixas reais, o porquê delas e de que forma dizê-las objetivamente. Não podemos prescindir da palavra.”
  20. Marcos dessa chegada são os festivais Universitário de 1971, que Belchior vence com Na hora do almoço, e Internacional de 1972, que tem as presenças de Fagner (Quatro graus), Sergio Sampaio (Eu quero botar meu bloco na rua), Raul Seixas (Let me sing)e Walter Franco (Cabeça).
  21. Veja, 24/9/1975
  22. Entrevista a Ana Maria Bahiana, O Globo, 12/4/1978
  23. Entrevista a Ana Maria Bahiana, O Globo, 25/5/1977.
  24. Entrevista a Tárik de Souza, Jornal do Brasil, 8/8/1976.
  25. Folha de São Paulo, 14/9/1973.
  26. Entrevista a Ana Maria Bahiana, Jornal de Música, setembro de 1975.
  27. Veja, 24/9/1975.
  28. Entrevista a Ana Maria Bahiana, O Globo, 12/4/1978.
  29. Entrevista a Ana Maria Bahiana, O Globo, 12/4/1978.
  30. Veja, 24/9/1975.
  31. Folha de São Paulo, 14/9/1973.
  32. Entrevista a Tárik de Souza, Jornal do Brasil, 8/8/1976.
  33. Entrevista a Ana Maria Bahiana, O Globo, 8/11/1976.
  34. Entrevista a Ana Maria Bahiana, Jornal de Música, abril de 1975.
  35. Entrevista a Ana Maria Bahiana, Jornal de Música, abril de 1975.

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