2010

Da Filosofia Política e da Crença (ou das condições necessárias para a experiência do pensamento sobre a política)

por Renato Lessa

Resumo

Em que sentido podem as crenças importar para a filosofia política?

A crença nas existências da mente, do tempo e dos objetos sobre os quais pensamos são dimensões compulsórias à qualquer pretensão de conhecimento.

Entretanto, não é o caso aqui de qualquer pretensão de conhecimento, mas uma perspectiva particular, a da filosofia política (ou pública).

Em termos diretos, as crenças importam para a filosofia política em três sentidos fundamentais, a saber: (1) em um sentido trivial, a filosofia política reconhece a existência das crenças em operação no mundo social, e diante delas define atitudes distintas; (2) em um sentido menos trivial, a filosofia política inventa e descrimina as crenças; (3) e em um sentido não trivial, a filosofia política exige a presença de um conjunto de crenças básicas e nem sempre explícitas; tratam-se de crenças fortes que agem como condições de possibilidade de crenças secundárias.

A segunda e terceira proposições, envolvem dois aspectos cruciais: o da produtividade da filosofia política no processo de criação de crenças e do apego e dependência da própria filosofia política com relação a um conjunto mais profundo de crenças básicas.

Trata-se pois de definir um domínio e um regime de crenças dotado de dimensões políticas, e que, ainda assim parece operar em um plano epistêmico, aquele da relação entre o sujeito e o seu saber, algo assemelhado ao que Edmund Husserl em certa altura denominou como “crença mãe”, dotada de caráter pré-categorial.

Uma forma de aproximação a esse domínio de crenças pode advir de uma forma de considerar o tema das metáforas. Jorge Luis Borges, em um ensaio publicado em 1970, sugeriu que a história universal pode ser reduzida à história de algumas metáforas. Para tal, utilizou como exemplo, a imagem da esfera, recorrente em diversos autores – de Platão a Pascal, embora tenha encontrado em Alain de Lille uma forma precisa: Deus é uma esfera inteligível, cujo centro está em todas as partes e a circunferência em nenhuma. Temos aqui uma metáfora  que indica a unidade ontológica absoluta do mundo: trata-se de um mundo único, presidido por uma potência única, ubíqua e ilimitada.

Em que condições uma metáfora pode ser uma chave para alguma história? Para tal, mais do que mero aspecto de um jogo metafórico, as metáforas constituem as estruturas básicas de estados de coisas.

Trata-se, por fim, de supor a possibilidade de um regime de crenças dotado de propriedades similares, crenças que instituem, ou ao menos autorizam, crenças ulteriores. Sua forma, antes de ser considerarmos sistematicamente, pode ser variada. Pode estar presente na transmissão de uma sensibilidade básica, de uma intuição se assim quisermos, a respeito de como as coisas são em seu mais recôndito fundamento.

A filosofia política é um modo de conhecimento e de discurso que inventa e dissemina crenças. Essa é a sua forma particular de inserção no processo humano de fabricação de mundos.


Realism is not a natural condition. The natural condition is ideology,

dreaming. Whenever I protest against the reality principle, i. e.,

against what reality is doing to me, I’m being realistic.

Therefore, my motive for being realistic is antirealistic.

Alexander Kluge[1]

Commençons donc pour écarter tous les faits, car ils ne touchent pas à la question.

Jean-Jacques Rousseau[2]

ABERTURA

  1. Há três anos, Adauto Novaes convocou-nos para tratar de uma questão mais do que complexa, espinhosa e nada caridosa, a do esquecimento da política. A habitual provocação adautiana suscitou, entre os que atenderam a seu chamado, uma pluralidade de respostas, a demonstrar que, se dependesse dos analistas, a política não teria sido esquecida. Afinal, todos fomos obrigados a dela lembrar, mesmo que fosse para atestar a sua rarefação e virtual apagamento nos dias que correm.

Minha abordagem pessoal, na altura, procurou fazer uma distinção entre dizer que a política está esquecida dizer que ela simplesmente acabou[3]Em certo sentido, a sentença “a política foi esquecida” pode ser lida em uma dupla chave positiva. Vejamos:

  • Ela atesta a existência de um sujeito que, ao proferir “a política está esquecida”, afirma-se como alguém que exprime um juízo político, ou ao menos metapolítico. Por essa via, tem-se uma prova de sabor cartesiano a respeito da existência desse sujeito, fundado na proposição: esqueço logo existo;
  • Há, ainda, uma deriva ontológica: a sentença atesta a existência daquilo que supõe negar ou sepultar. A inteligibilidade da sentença “a política foi esquecida” exige a presença de uma memória – qualquer uma – a respeito do que foi – ou teria sido – a política, antes de seu mergulho abissal no esquecimento. A proposição re­ sultante é: se algo é esquecido, algo existe.
  1. Os termos da presente provocação – a experiência do pensamento permitem, por inversão, o acréscimo da seguinte questão: a da relação entre pensamento e experiência. Com a inversão, chegamos ao tema da política. Com efeito, o tema da experiência evoca como condição de inteligibilidade o tema da ação humana. Um dos modos clássicos de considerar esse tema consiste em colocar sob foco o domínio da política. Pretendo fazê-lo a partir de uma questão genérica: quais as condições necessárias para um pensamento a respeito da política? Em outros termos, que experiência do pensamento deve abrigar a consideração de questões políticas?
  2. Trata-se de pergunta não inocente, posto que instituída por uma intenção clara de demarcação com relação ao tratamento dito científico da política. A meu juízo, é necessário trazer a filosofia política para o exercício de interpretação da vida pública. São as implicações dessa urgência que serão tratadas a seguir.

Na estrutura geral do texto, pretendo considerar as seguintes questões:

  • uma definíção pragmática e operacional dos termos “teoria política” e “filosofia política”;
  • a relevância do tema da crença para uma interpretação da filosofia política, ou, em termos mais diretos, a crença como dimensão com­ pulsória da filosofia política.

TEORIA POLÍTICA E FILOSOFIA POLÍTICA: DEMARCAÇÕES NÃO EXAUSTIVAS

Com a emergência de uma autodesignada “revolução behaviorista”, que teria ocorrido a partir dos anos 1950, a tradição da filosofia política viu-se sob forte ataque e interpelação. O termo, um tanto triunfalista, pretendia designar uma virada empírica e positiva no campo do conhecimento da vida política, voltada para a explicação de como os fenômenos políticos ocorrem no chamado mundo real. Uma ciência da política, assim revolucionada, deveria sustentar-se em bases exclusivamente experimentais e dispensar referências de ordem deontológica e/ou teleológica.

O traço behaviorista dessa virada pretendia atingir as ciências humanas em seu conjunto. Em particular, tratava-se de desenvolver uma concepção da condição humana a partir da eliminação do tema do “interior” – ou da subjetividade – como problema teórico e existencial. Em seu ataque à tradição psicanalítica, por exemplo, a virada behaviorista refuta uma concepção do humano como marcada por dimensões pulsionais, que repõem a todo momento o tema do mal-estar e da descontinuidade entre “interior” e “exterior”. Tal refutação, em direção oposta, sustenta-se na crença de que é possível entender a vida social sem a consideração de estratos pulsionais mais profundos e não acessíveis à razão e à manipulação consciente.

A aplicação do paradigma às ciências sociais associa-se, ainda, ao tema do “fim das ideologias”, tal como posto em célebre livro de Daniel Bell[4]. Com tal terminalidade, abre-se a possibilidade de narrativas a respeito do mundo social descontaminadas de resíduos subjetivos e normativos. Crenças passam a ser percebidas como valores que indicam comportamentos. Em tal chave, o tema do comportamento – de seu controle e previsibilidade – ganha centralidade, em lugar de percepções da subjetividade e do “interior” como calcados na tensão entre “eu” e “mundo”.

Uma das mais pesadas críticas feitas pelos adeptos dessa “revolução” – o veterano cientista político canadense David Easton, mais do que todos – foi a de que a filosofia política – ou teoria política – havia esgotado suas energias cognitivas e degenerado em um simples esforço historiográfico a respeito de si mesma[5]. Por falta de assunto, passa a tratar de sua própria história como objeto privilegiado. A interpelação diria, pois, respeito a uma falha grave: a incapacidade de dizer coisas a respeito do mundo realmente existente. A teoria política, para Easton, teria perdido seu caminho original como “veículo por meio do qual indivíduos inteligentes e articulados expressariam suas ideias a respeito dos negócios públicos”. Por não mais cumprir tal papel, teria perdido, ainda, sua utilidade básica, qual seja, a de estabelecer um “quadro moral de referência” (moral frame of reference)[6]A tarefa de esclarecimento moral a respeito do que deve ser feito teria desaparecido por força de um decline into historicism, por meio do qual a teoria política acabaria por não ser mais do que uma história das ideias políticas.

Há várias implicações na interpelação feita por Easton à filosofia política. De modo imediato, deve ser registrada a opção de corte positivista, acompanhada de uma suposição ingênua a respeito do modo pelo qual os objetos se constituem, além da presença de uma deriva conservadora evidente. Contudo, apesar do triunfalismo inscrito na perspectiva cientificista adotada, não é dado aos “revolucionários” eludir uma grave falha: a não percepção de que qualquer seleção de objetos relevantes, no campo da política, dependerá do desenho normativo de ordem com o qual se trabalha[7].

O que importa notar, no entanto, é a força da interpelação de Easton que sustenta a esterilidade da filosofia política, e sua, deriva historicista. Com, efeito, sob o rótulo de teoria política, instalaram-se programas de investigação com a marca inequívoca da História das Ideias. A investigação em teoria limitar-se-ia, nessas direções, à busca de contextualizações, linhagens e significados originais dos conceitos, em um processo no qual ela acaba por se constituir como seu próprio objeto. Havia, pois, na interpelação eastoniana uma pertinente indicação de algo como um silêncio da filosofia política, com relação aos temas e aos dilemas da vida comum.

Um alvo típico da fúria eastoniana pode ser encontrado no clássico livro de George Holland Sabine, professor de filosofia na Cornell University, A History of Political Ideas[8]O longo livro de Sabine, responsável pela introdução de várias gerações à história do pensamento político, contém, em suas mais de setecentas páginas, detalhada narrativa, iniciada entre os gregos até alcançar temas da década de 1940. Nos termos de Easton, nada havia no livro que tratasse de fenômenos políticos reais. Com efeito, ali havia apenas pensamento e sua história.

Independentemente do mérito do livro de Sabine – a meu juízo, grande -, a crítica de Easton à falência da teoria e da filosofia política era, no mínimo, tendenciosa. Não havia silêncio algum entre os praticantes da teoria e da filosofia políticas com relação ao chamado mundo real da política. Ao contrário, pode-se dizer que havia mesmo “ruído”. Com efeito, o que dizer de um conjunto de autores, ativos nos anos 1950 nos Estados Unidos, e que compreendia gente como Hannah Arendt, Leo Strauss, Sheldon Wolin, Herbert Marcuse, os exilados alemães na New School of Social Research, em Washington, entre muitos? Em sua maioria, gente à esquerda daquilo que Easton gostaria de reconhecer como uma ciência sadia e descritiva dos fatos. Gente que desafiava, já na década de 1950, a crença de que as instituições políticas do liberalismo – a chamada “democracia liberal” – haviam estabelecido a base real e objetiva de toda política salutar. Bastava descrevê-la, e não por outra razão, Gabriel Almond, um dos adeptos da revolução supracitada, a definia como uma revolução nos métodos de coleta de dados. Mas, qualquer que tenha sido o peso do esquecimento seletivo, a chamada “revolução behaviorista” acabou por formatar a ciência política contemporânea, entranhando-se em sua cultura disciplinar. Deu-lhe linguagem e um conjunto de objetos. Um dos sinais inequívocos de seu sucesso pode ser detectado no fato de que a expressão “teoria política” não dispõe, hoje, de qualquer significado autoevidente e incontroverso. Ao contrário de outras áreas nobres da Ciência Política – Partidos e Eleições; Representação Política; Políticas Públicas; Relações Internacionais, entre outras -, “teoria política” parece não indicar, de forma automática, quer o seu campo específico, quer os paradigmas que nele se movem.

Naqueles outros campos, a mera enunciação de seus nomes conduz o investigador, de forma direta, aos problemas, objetos, querelas e referências bibliográficas que os constituem. Nesse sentido, e ao contrário de outras áreas da disciplina, qualquer discussão sobre o estado da arte no campo da “teoria política” exige o esclarecimento da seguinte indagação: em que sentido se está a empregar a expressão “teoria política”?[9]

Em um sentido trivial, todos os que lidam com os fenômenos politicos e a eles prestam alguma atenção analítica estão envolvidos com “teoria”. A suposição nada tem de provocativa. Ela tão somente adapta para o campo do conhecimento político a famosa maldição perpetrada por Aristóteles no célebre fragmento do Protréptico: “Se se deve filosofar, deve-se filosofar e, se não se deve filosofar, deve-se filosofar; de todos os modos, portanto, se deve filosofar”[10] Em notação contemporânea, o imperativo dessa dimensão filosófica ou teórica foi reconhecido por diversos autores, a destacar a proposição de Wittgenstein – a respeito de “desenharmos o mundo para nós mesmos” – e Nelson Goodman – em sua reflexão a respeito dos modos de fazer mundos, ambas cruciais para a inteligibilidade do que estou a dizer[11].

A não ser que tenhamos dos objetos da reflexão que lida com os fenômenos políticos uma concepção rústica fisicalista, a mediação de esforços intelectuais de interpretação é mais do que inevitável: ela é condição necessária do empreendimento. O objetivismo inercial presente na disciplina faz com que os seus objetos apareçam naturalizados e, dessa forma, portadores de seus próprios significados: bastaria uma observação arguta e a utilização de procedimentos metodológicos capazes de revolver completamente todos os “dados” para que o conhecimento sobre o mundo se configure de modo cada vez mais preciso.

Mas, se levarmos a sério a sugestão do filósofo George Edward Moore, de que atributos conferidos ao mundo não podem ser concebidos como suas propriedades naturais, somos obrigados a reconhecer que todo exercício de conhecimento social exige a mediação de perguntas que são dirigidas a objetos, senão a expressão de emoções[12]. Em outras palavras, o mero reconhecimento dos objetos exige a vinculação prévia do observador a uma tradição intelectual que os define como existentes e relevantes.

A sensação de que “todos lidamos com teoria” pode ser ancorada em um comentário de Alexandre Koyré a respeito da epistemologia de Galileu[13]. Segundo Koyré, Galileu teria sido responsável pela ideia de que o experimentum, base inegociável da ciência, decorre de perguntas que dirigimos a nossos objetos e cujas respostas são transcritas na linguagem que configura as próprias perguntas. A clareza do argumento de Koyré vale a citação: A experimentação consiste em interrogar metodicamente a natureza; esta interrogação pressupõe uma linguagem com a qual formulemos as questões, bem como um dicionário que nos permita ler e interpretar as respostas”[14].

A prescrição pode, a meu juízo, abrigar duas interpretações. A mais dura delas, suspeito que a do próprio Galileu, supõe a homologia entre a linguagem na qual as perguntas são feitas e algo como a linguagem própria da natureza[15]. Nesse sentido, perguntar ao experimento significa, tão somente, possuir uma chave cognitiva capaz de revelar a intimidade do mundo natural. Essa possibilidade foi claramente admitida por Galileu quando afirmou que a superioridade cognitiva da matemática é garantida pelo fato de o mundo organizar-se, ele mesmo, matematicamente[16]. A suposição instaura uma teoria da verdade por correspondência: verdadeiros são os juízos que dizem a verdade de seus objetos, para usar notação intencionalmente tautológica. Em outros termos, o que garante que perguntas e respostas sejam exprimidas pela mesma linguagem é o fato de que o mundo possui in natura a gramática e a sintaxe dessa linguagem.

Uma interpretação menos objetivista recepciona a ideia de que o conhecimento exige a operação de perguntas dirigidas ao mundo. Mas, a isso acrescenta que tais perguntas são lógica e cronologicamente anteriores ao experimentum propriamente dito. Em outras palavras, o idioma das perguntas e das respostas não tem como suporte códigos contidos nas coisas, mas deriva sua carga semântica e denotativa de tradições intelectuais que o produziram e o seguem acolhendo. O que as perguntas introduzem, e as respostas, digamos, “revelam”, não é, nessa interpretação “subjetivista”, nenhum conjunto de propriedades naturais do mundo, mas sim dimensões a ele atribuídas. Nesse sentido, “teoria”, mesmo em uma concepção minimalista e pragmática, seria tão somente a utilização compulsória de perguntas. Mesmo que nossa “filosofia espontânea” insista que conceitos devem manter uma relação de correspondência com o mundo, e sustente que investigar as suas bases normativas e cognitivas é tarefa irrelevante, torna-se necessário insistir que a possibilidade das próprias perguntas – e, por suposto, das respostas – é instituída por tradições intelectuais.

É importante, ainda, a isso acrescentar o tema da singularidade dos objetos postos à observação daquele que pretende conhecer o mundo político. Mais do que um domínio circunscrito por instituições, trata-se de um universo extremamente permeado pela ação e pela vontade humanas. O mundo político, dessa forma, possui sem dúvida atributos factuais, mas sua possibilidade “material” decorre da decantação de invenções, de antecipações utópicas, de experimentos mentais que constituem a própria tradição intelectual da reflexão política. Ainda que o mundo institucional resulte de algum conflito societal, marcado por forte componente “material” ou de circunstâncias histórico-conjunturais, ele terá necessariamente forma linguagem, atributos que o tornam significativo para os humanos. Em outros termos, a realidade dos humanos exige sua descrição constante através da linguagem, da nomeação; e esta só se faz possível nos quadros de tradições simbólicas e intelectuais precisas, presentes nas muitas linguagens da reflexão política.

Tal precedência não está limitada a aspectos puramente cognitivos e linguísticos. A implicação normativa é, aqui, evidente: as perguntas que dirigimos a nossos experimentos decorrem de supostos normativos cristalizados nas tradições que os conduzem.

Na história da reflexão política há exemplos significativos de referências ao absurdo ontológico materializado em uma existência desprovida de supostos normativos mínimos. Nesse sentido, embora a tradição da teoria política esteja longe de configurar um domínio homogêneo e cumulativo[17], há uma espécie de repulsa a experimentos sociais não sustentados em bases normativas minimamente reconhecíveis.

O exemplo de Thomas Hobbes é, a esse respeito, eloquente: o estado de natureza é natural na medida em que não é configurado por qualquer princípio artificial de direito, por qualquer linguagem capaz de organizar uma gramática consistente, dotada da atribuição de designar os nexos regulares e necessários da cooperação social e da prerrogativa de garantir a sintaxe da vida social. Em Hobbes manifesta-se de forma dura o horror a estados de mundo desprovidos de fundamentos normativos claros e distintos[18].

Leitor de Hobbes, o filósofo político alemão Franz Neumann sustentou no seu Behemot (1942), em um juízo que sabe a Montesquieu, que todo sistema político pode ser caracterizado por sua teoria política, presente tanto na sua estrutura como em sua finalidade[19]. Isso fez com que, observando o experimento alemão pós-1933, ele perguntasse: qual a teoria política do nacional-socialismo?[20]

Para ele, só se depreendem da retórica daquele regime definições negativas: ele é antidemocrático, antiliberal, antirracional; é impossível para Neumann atribuir uma definição positiva[21]. A razão para isso ilustra o ponto que tento desenvolver: não havia na linguagem e na tradição da teoria política – até o momento (e suspeito que até hoje) – recursos cognitivos e linguísticos para dizer do que se tratava. Neumann pede, então, socorro a Hobbes, ao Behemot original (1668), para ali encontrar, na análise do Longo Parlamento e de seu rump, uma situação caracterizada pela ausência de direito. Consultado Hobbes, revela-se para Neumann o “fato” básico do nacional-socialismo: ele não se enquadra em nenhuma teoria absolutista ou contrarrevolucionária conhecida; ele não possui qualquer teoria da sociedade.

A referência rápida a Hobbes e a Neumann cumpre aqui a função de um contraste. Suas concepções supõem que experimentos sociais não fundados em “teorias políticas” não fazem qualquer sentido, ainda que sejam empiricamente possíveis. O corolário positivo apresenta-se no argumento de que mesmo os objetos sólidos do mundo real da política foram precedidos por objetos não sólidos, para seguirmos a bela notação introduzida por Virgínia Woolf, em memorável pequeno conto[22]. Se isso faz sentido, estamos diante de uma das características singulares do conhecimento político: ao mesmo tempo em que as tradições que o habitam inoculam o mundo ordinário com os seus objetos, elas definem os jogos de linguagens nos quais eles podem fazer algum sentido, para seus observadores.

Mas, se é verdade que todos estamos envolvidos com teoria, a natureza desse envolvimento é vária. O ato de perguntar ao experimento – mesmo que acompanhado da convicção rústica de que os objetos nos comandam – exige tão somente um patamar de envolvimento mínimo, no qual o investigador é um usuário de conceitos e técnicas de pesquisa, tidos como ferramentas para lidar com problemas de ordem factual.

Outra forma de envolvimento – de segunda ordem – se apresenta na descrição do que faz o investigador-usuário como um operador cognitivo vinculado a uma longa tradição intelectual, na qual os próprios objetos foram inventados.

Na perspectiva do investigador-usuário, é possível definir a teoria política como uma “caixa de ferramentas” para lidar com a “realidade”. Os conceitos seriam instrumentos heurísticos para lidar com o mundo. Tal enquadramento é base para as duas formas principais do objetivismo: uma forte, que sustenta a possibilidade de juízos nomotéticos e fundados no comportamento real do mundo; e outra fraca, que define aqueles instrumentos heurísticos de forma hipotética e como artificias para estabelecer juízos idiográficos, ainda que capazes de generalízação progressiva, pela via da comparação. Ainda nessa perspectiva, em ambas as vertentes, “teoria” mede-se por sua utilidade para lidar com objetos.

É este o momento de dizer com clareza que os campos da ciência política e da filosofia política possuem particularidades irredutíveis. Entre esses campos, os usos possíveis da expressão teoria política dependerão das ênfases pretendidas: (i) a de um saber empiricamente orientado ou (ii) a de uma indagação a respeito das imagens de mundo social inventadas e desenvolvidas, ao longo do tempo, por uma reflexão voltada para elucidar os significados e propósitos da vida pública.

Ao falar de filosofia política, mesmo sem o intuito de uma definição exaustiva, devo indicar o uso pretendido da expressão. Não se trata de buscar uma precisão nominal fundada na pretensão de esclarecimento puramente conceitual, mas de indicar uma referência de ordem pragmática, para que o proposto neste texto tenha sentido. Em outros termos, menos do que definir o conceito “correto”, importa indicar o padrão temático – ou o conjunto de objetos – posto sob inspeção do filósofo político.

Pretendo fazê-lo através da proposição de que o conhecimento político pode encerrar modalidades múltiplas de operação, cada qual com regimes de verdade e de validação próprios. Em termos esquemáticos, é possível partir da ideia de que no campo da política – aqui tomado como coextensivo ao do conjunto de problemas e temas de interesse público – pode ser feita uma distinção entre questões de primeira ordem questões de segunda ordem.

Questões de primeira ordem dizem respeito ao que fazer e ao como fazer.

Elas correspondem aos aspectos práticos das decisões humanas e com frequência são tomadas como os indicadores mais inequívocos de desempenho dos decisores. Tal dimensão envolve, ainda, os contextos institucionais – isto é, conjuntos de normas, restrições e incentivos – nos quais as decisões são tomadas. Em outros termos, trata-se de um conjunto típico de objetos e fenômenos que Aristóteles não hesitaria em pôr sob a jurisdição da Política, por ele definida como um saber prático (téchne), e não como um saber teórico (epistéme) de natureza contemplativa[23].

Questões de segunda ordem falam-nos do por quê e do para quê. Envolvem, pois, questões de natureza deontológica e normativa que, por definição, não podem ser formuladas a partir dos fatos. Ao contrário, elas os antecedem e, por vezes, os configuram. São regimes de crença que as instituem. O modo de interação com os fatos é variável, mas qualquer alternativa parte da precedência de uma dimensão não estritamente factual.

Aos dois conjuntos de problemas correspondem modalidades distintas de conhecimento. As questões de primeira ordem, por exemplo, exigem um padrão cognitivo fundado na precedência dos objetos. A proposição do filósofo norte-americano Willard Quine, de que somos sempre propensos a falar de objetos, parece ter aqui seu endereço preciso[24]. Os saberes práticos aristotélicos – tal como tratados na Política e na Ética – apresentam-se como exemplos clássicos: há um mundo prévio ao nosso juízo e passível de descrição e de intervenção humanas. Os regimes de verdade praticados sustentam-se prioritariamente nos mecanismos da argumentação, e possuem como horizonte uma validação provisória e probabilística[25].

Enquanto os saberes teóricos podem sustentar-se na demonstração e na prova – um teorema, um silogismo, uma lei da Física[26] – os achados da investigação prática são transmitidos por argumentação, já que sempre sujeitos a controvérsias. Tais controvérsias, contudo, podem ser objeto de acordo, a partir da operação de normas de validação comuns. Trata-se portanto de litígios que podem ser regulados pela prática argumentativa. A suposta superioridade de um sistema eleitoral, por exemplo, sobre os demais não pode ser objeto de demonstração – da mesma forma em que um teorema é demonstrado. A verdade sobre esse tema depende muito mais das circunstâncias e das crenças envolvidas. Não há acordo acadêmico possível na matéria, o que não significa dizer que não possa haver acordo político. Mas, nesse caso, não são as artes teóricas da demonstração que ditam o jogo.

Em termos esquemáticos, é possível sustentar que:

  • regime de validação da ciência é o da prova, ou demonstração[27];
  • regime de validação da Política, enquanto saber prático, é o da argumentação.

Estamos diante de atos de crença distintos[28]. No primeiro regime de validação, o que se exige é que eu acredite na verdade de uma proposição científica. Para tal, a prova (ou a demonstração) é fundamental. No segundo, o que se exige é que eu acredite em uma determinada avaliação, comparação ou proposição causal[29]Para tanto, é fundamental que eu seja persuadido por atos competentes e apropriados de argumentação.

Resta por definir qual seria a natureza específica do regime de validação da filosofia política. Seguindo a notação utilizada para os demais regimes, sustento que esse regime de validação é o da evidência. Trata-se de crer na superioridade normativa de um desenho de mundo. Nesse sentido, a afirmação da superioridade de um determinado desenho de mundo, mais do que efeito de esforços de persuasão ou de demonstração, deriva de uma convicção que se instala no sujeito, para a qual ele não tem o socorro da prova ou da demonstração. Penso, por exemplo, na natureza da evidência rousseauniana a respeito da igualdade natural, à qual o próprio Rousseau dispensou o auxílio da razão e da história. Penso, ainda, em Thomas Jefferson, e seu preâmbulo à Declaração de Independência dos Estados Unidos, no qual menciona uma série de “verdades autoevidentes”: “todos os homens são criados iguais, dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis, que entre eles estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”[30].

A inteligibilidade dos processos de argumentação, assim como o reconhecimento do que tomamos como uma evidência, exige que consideremos o tema da crença. Em outros termos, e para exemplificar, a consistência e a durabilidade de uma filosofia política rousseauniana ou jeffersoniana exigem:

  • que alguns acreditem no que disse Rousseau – ou Jefferson – (efeito da argumentação);
  • que Rousseau – ou Jefferson – acredite naquilo que a si parece ser evidente (efeito de evidência).

O termo crença aparece como operador fundamental em ambos as sentenças. Trata-se agora de explorar alguns de seus sentidos.

DA CRENÇA E DA FILOSOFIA POLÍTICA

As crenças podem importar para a filosofia política em três dimensões básicas:

  • Em um sentido trivial, a filosofia política reconhece a existência das crenças.
  • Em um sentido menos trivial, a filosofia política inventa e dissemina crenças.
  • Em um sentido não trivial, a filosofia política exige a presença de um conjunto de crenças básicas e nem sempre explícitas: trata-se de crenças fortes que agem como condições de possibilidade de crenças secundárias.

A primeira proposição, aqui apresentada como trivial, indica que a filosofia política reconhece as crenças em operação no mundo social, e diante delas define atitudes distintas, não exaustivamente indicadas a seguir:

  • como doxai (Platão);
  • como formas de representação calcadas no absurdo (Hobbes);
  • como figuras da teologia política (Spinoza[31]);
  • como manifestações coextensivas ao humano: penso, aqui, em Michel de Montaigne (a postulação do princípio da variedade das crenças e formas de vida), em David Hume (a preocupação com a produtividade das crenças) e em Edmund Burke (mais do que a defesa da naturalidade das crenças, uma promoção ética e cognitiva da superstição como uma espécie de âncora social), para não mencionar o tradicional argumento cético que indica o caráter necessariamente crente de qualquer crítica das crenças;
  • como formas de consciência social, adequadas e correspondentes ao movimento objetivo da sociedade (Marx).

A segunda e a terceira proposição, julgadas aqui crescentemente menos triviais do que a primeira, exigem argumentação mais pormenorizada e incidem sobre um de meus argumentos centrais: o da produtividade da filosofia política no processo de criação de crenças[32] e do apego e dependência da própria filosofia política com relação a um conjunto mais profundo e tectônico de crenças básicas. Penso que será adequado desenvolver meu argumento a respeito da filosofia política como um modo de invenção e de disseminação de crenças, e como forma de conhecimento por elas sustentada, a partir da consideração de dois importantes episódios intelectuais, ambos ocorridos no contexto do Renascimento italiano.

A seguir à apresentação dos episódios, procurarei destacar de um modo mais analítico a natureza do problema intelectual por eles estabelecido, que repõe na abertura do pensamento político moderno o tema clássico do encantamento retórico e poético. Para além de seu vinculo com as crenças, tal como pretendo demonstrar, a filosofia política moderna é um campo discursivo cuja efetividade depende de sua capacidade de produzir efeitos de encantamento.

O primeiro episódio a considerar ocorre no fim do século XVI, e foi por mim recolhido em uma menção feita por Pierre-Maxime Schuhl, em seu luminoso Platon et l’art de son temps[33]O segundo foi retirado de duas passagens de Maquiavel, em duas de suas obras políticas mais importantes: os Discorsi e O príncipe.

Episódio 1:

Em 1591 um pensador italiano – na verdade o bispo de Latrão – chamado Gregorio Comanini, devotado a questões de natureza estética, propôs, em seu livro Il Figino, overa del fine della pittura, uma distinção funda entre duas formas de praticar a arte da cópia, ou mimesis[34].

Marcado pela força do argumento original platônico, desenvolvido no diálogo Sofista, Comanini subscreve a distinção entre a arte da boa cópia (eicástica)- aquela que exige a precisa e minuciosa reprodução do modelo original, por parte do artista – e um segundo tipo de imitação, de natureza fantástica – caracterizada como uma arte orientada pelas aparências.

Na letra platônica, o ponto de distinção resulta do abismo que se interpõe entre coisas que existem coisas que parecem existir. Ao tomar as primeiras como referência, o artista habilita se a um exercício eikastikén, ou assemelhador; ao permanecer cativo das aparências, limita-se a uma arte de tipo phantastikén. Se estabelecermos um paralelo entre estética e retórica, este último tipo de cópia aproxima-se da erística e da antilógica, como modos de argumentação.

A Pierre-Maxime Schuhl o sentido extraído por Comanini da oposição platônica original aparece como pour le moins bizarre. Com efeito, de um modo um tanto axiomático, Comanini assim repõe o contraste entre a arte eicástica e a arte fantástica: “La prima e quella che imita le cose, le quali sono: la seconda e quella, che finge cose non essistenti”.

Fingere cose non essistenti: a fórmula sugere a presença de um claro excesso de interpretação. Se é verdade que Platão, no Sofista, opõe de modo inegociável a boa arte da cópia a uma forma de arte inferior, o que define esta última não é a ausência de suporte ontológico, mas a sua dependência e seu apego a aparências. A aparência (phainómenon), embora irrelevante e não confiável como base para o conhecimento verdadeiro, não pode ser rigorosamente tomada como entidade não existente. Trata-se de uma existência rebaixada, mas não de uma não existência. A interpretação de Comanini, ao que parece, revela maior afinidade com o eleatismo – e sua fórmula originária que sustenta: o não ser não é – do que com algo que possa ser tomado como ortodoxia platônica.[35] Nada mais a dizer a respeito das habilidades hermenêuticas de Gregorio Comanini[36]: é suficiente reconhecer que, com frequência, erros e precipitações de interpretação podem ser extremamente úteis. No caso em questão, a utilidade manifesta-se na possibilidade de formular o seguinte conjunto de questões:

Que atributos da imaginação operam na produção de uma cópia de algo que não existe? O que é, afinal, uma entidade não existente? Ou ainda, como comparar duas, ou mais, cópias de coisas não existentes?

Antes de considerar de forma analítica essas questões, um outro episódio intelectual, não distante do contexto de Comanini e de sua taxinomia da imitação, deve ser incorporado ao argumento.

Episódio lI:

No célebre prefácio aos Discorsi, Maquiavel compara as atitudes cognitivas de seus contemporâneos diante do legado intelectual dos antigos. Na comparação, localiza uma intrigante diferença entre os esforços cuidadosos de apreensão e imitação de ensinamentos estéticos, filosóficos e morais do passado, e o desconhecimento a respeito do modo pelo qual a história e os fenômenos políticos foram produzidos. Tal imperícia na percepção do mundo real, de acordo com Maquiavel, devia-se à fraqueza imposta pelo cristianismo – la presente religione – ao mundo europeu:

This I believe comes not so much from the weakness into which the present religion has brought the world, or from the harm clone to many Christian provinces and cities by an ambitious leisure as from not having a true knowledge of the histories[…] dal non avere vera cognizione delle storie […],for in reading them we do not get that sense or taste that flavour which they have in them[37].

A afinidade principal dos cristãos associa-os, de acordo com Maquiavel, mais ao ozio do que à virtù. A visão peculiar da história que possuem, para pôr a questão de modo direto, é cega diante dos fenômenos históricos e políticos. Diante disso, Maquiavel, nos Discorsi, pretende corrigir o “erro”da interpretação cristã da história, através da promoção da importância dos exemplos como base segura para um verdadeiro conhecimento histórico. Dessa forma, uma imitação correta do passado é uma condição necessária para o conhecimento histórico e, por definição, político. A utilidade do exemplo depende da recolha cuidadosa e de sua correta descrição por parte do observador. Há, de modo inequívoco, em Maquiavel um conjunto de regulae para a boa observação dos objetos e para a direção sábia e sadia dos espíritos. Este parece ter sido o sentido com o qual Francis Bacon interpretou a novidade da perspectiva de Maquiavel. Algumas décadas mais tarde, ao escrever sobre seu próprio método, Bacon diz ter adotado uma forma de exposição: “[… ] which Machiavelli most wisely and aptly

chose for government; namely, observation or discourses upon histories and examples. For knowledge drawn freshly (…) out of particulars knows best the way back to particulars again; and it contributes much more to practice […]”[38].

As regulae de Maquiavel baseiam-se na observação do passado. A defesa da boa imitação histórica pode ser encontrada em famosa prescrição de O príncipe:

As for intellectual training, the prince must read history, studying the actions of eminent men to see how they conduct themselves during war and to discover the reasons for their victories or their defeats, so that he can avoid the latter and imitate the former. Above ali, he must read history so that he can do what eminent men have done before him: taken as their model some historical figure who has been praised and honored; and always kept his deeds and actions before them[39]. (39)

Ao prescrever tal modalidade de imitação, Maquiavel ataca de ,modo inequívoco uma forma alternativa, semelhante à criticada por Gregorio Comanini: “[… ] since my intention is to say something thatwill prove of practical use to the inquirer, I have thought it proper to represent things as they are in real truth, rather than as they are imagined. Many have dreamed up republics and principalities which have never in truth been known to exist”[40].

A passagem citada constitui evidência do abismo existente entre dois modelos de imitação: um de corte realista, baseado em fatos, e outro, visceralmente defeituoso, fundado na imaginação. Tal diferença parece confinar o papel das crenças ao último dos dois modelos, já que não é dificil demonstrar em que medida sonhos podem ser fundados em crenças. O que não deve ser desconsiderado no argumento de Maquiavel é o fato de que sua petição realista e avessa às crenças sustenta-se sobre crenças. Na verdade, sobre um conjunto de pressupostos astrológicos e antropológicos.

O primeiro desses aspectos, o astrológico, foi ressaltado por diversos estudiosos da obra de Maquiavel, desde Ernst Cassirer a Anthony Parel[41]. Em termos mais diretos, a ontologia social de Maquiavel conecta-se a sua concepção de cosmo, firmemente baseada nos paradigmas aristotélico e ptolomaico. Os homens são criaturas de um mundo sublunar, distante e distinto da harmonia e perfeição do mundo supralunar[42].

A dimensão antropológica, por definição inserida na circunstância astrológica, não constitui aspecto menor. A instabilidade no mundo sublunar está associada a uma ideia de natureza humana segundo a qual os homens são animais que produzem desordem e imprevisibilidade. Na verdade, o carácter errático do mundo sublunar tem na própria natureza humana a sua origem e explicação. Os homens têm permanente disposição para mu­ dar, dado que são movidos por uma insaciabilidade básica. Um forte antropocentrismo pessimista associa-se à crença na estabilidade da natureza humana, a despeito de tempo e lugar. Mas, trata-se de uma estabilidade marcada pelo fato de que sempre estamos a gerar instabilidades.

Maquiavel move-se e inscreve-se, de forma singular, em um debate típico do Quatrocentto, a respeito do tema da dignidade humana (dignitas hominis)[43]As posições polares em tal debate são claras: de um lado, a petição pessimista, de sabor agostiniano, indica a indignidade da espécie, já que somos seres pós-lapsários e não somos os autores de nossa própria história; de outro, a defesa da dignitas humana, a postular a perfectibilidade da espécie e sua autonomia existencial[44]. Tal como posto, o debate opera ao longo de duas oposições: (1) perfectibilidade vs. (2) imperfeição e (3) autonomia vs. (4) heteronomia. As soluções oferecidas acabam por constituir dois campos, marcados pelas seguintes combinações: (1) e (3) vs. (2) e (4).

A originalidade de Maquiavel, nesse particular, emerge na crença de que a combinação (2) e (3) revela a real natureza dos seres humanos. Somos autônomos, já que nenhum desígnio divino orienta a história e a política e somos nós a fazê-lo, mas ao mesmo tempo definitivamente imperfeitos. O decálogo mosaico, elevado à potência 1, somado ao catálogo dos pecados capitais, constitui, penso, para o secretário florentino um mapa preciso da alma humana.

Qual o estatuto das premissas astrológicas e antropológicas de Maquiavel? Ainda que muita tinta tenha sido empregada para apresentá-lo como o “fundador da ciência política”, penso que aqui não devemos hesitar: as premissas de Maquiavel são crenças. Seu caso revela, tão somente, um conflito de crenças: as crenças que critica são por ele refutadas por meio de novas crenças. Ou se quisermos, uma interessante antecipação de um tema caro a Donald Davidson: apenas crenças podem descrever crenças; apenas crenças podem refatar crenças. Os episódios considerados permitem-nos sustentar duas proposições centrais para o argumento aqui desenvolvido:

  • a filosofia política procede através de atos de imaginação, ou seja, sua condição de possibilidade exige a continuada prática da cópia de coisas não existentes[45];
  • aceder a coisas não existentes é algo que decorre necessariamente de atos de crença.

A dimensão propriamente política dessa intensa atividade ficcional é dada pelo fato de que, com frequência, os atos de imaginação constituem modos de realidade.

NOTA FINAL

Se a tradição da filosofia política, desde o pensamento grego clássico, sempre esteve envolvida com a imaginação e a crença em futuros possíveis, isso não significa dizer que tenha descurado o tratamento das chamadas questões práticas, que compõem o mundo dos fenômenos políticos reais. Não seria dificil associar, por exemplo, o desenho platônico de uma ordem política utópica ou distópica – na qual o sábio governa, do diagnóstico produzido pelo próprio Platão a respeito do caráter, para dizer o mínimo, imperfeito das instituições da cidade que condenou Sócrates à morte. Ao contrário, o dificil e intelectualmente inaceitável seria simular uma não correlação entre as duas dimensões: a fantástica – para opor Platão a Platão – e a eicástica.

No entanto, se Platão hoje nos interessa, isso não se deve ao fato de ter sido ele um dos testemunhos históricos diretos do julgamento de Sócrates. Outros o foram, tais como Xenofonte e Aristófanes, e permaneceram no registro de cronistas de seu tempo. Ainda que os diálogos platônicos sobre o julgamento e a morte de Sócrates sejam de valia para o historiador da cidade antiga ou para o politólogo que deseja compreender suas instituições, para quem lida com filosofia política, Platão importa por seu desenho de mundo possível, por sua construção paradigmática de um mundo social constituído pela razão e por seus operadores privilegiados, aqueles que sabem, que detêm o verdadeiro logos e que são capazes de pensar dialeticamente.

Tomo Platão aqui ao acaso, apenas para sugerir que a fantasia platônica pode dar – como deu – lugar a uma política platônica. A mesma associação pode ser sustentada tomando como exemplo a importância das inovações filosóficas, apresentadas ao final da Idade Média, por Pedro Abelardo e Guilherme de Ockham, fundamentais para a construção da noção moderna de agência humana, contida na ideia de indivíduo. Em uma notação mais geral, quero com isso dizer que a tradição da filosofia política inventou objetos, a partir de inúmeros objetos “reais”, alguns dos quais acabaram por decantar na história, digamos, real. Os objetos sobre os quais hoje se debruça o diligente cientista político são, em geral, invenções decantadas, tornadas triviais pela sua cristalização na vida social.

Antes que seja acusado de desvio idealista, é certo que tais objetos resultam de tensões da chamada história real, mas sendo esta protagonizada por agentes humanos que falam (Aristóteles) e atribuem significados simbólicos às coisas (Kenneth Burke), o modo de interação com os chamados fatores objetivos exige a operação de mecanismos de compreensão e interpretação. É esta tensão, aliás, que faz com que as ciências humanas sejam, a um só tempo, descritivas interpretativas. Meu argumento sustenta que a constituição de tais mecanismos humanos de compreensão e de interpretação de fenômenos sociais e políticos não se efetua sem a presença da tradição da filosofia política.

Tal mecanismo de invenção nada mais é do que uma faina de constituição de futuros possíveis; uma atitude intelectual que, se quisermos, nos dirige a objetos não existentes, antecipações, simulações de modos de realidade. Tais atos de fingir – para mobilizar a expressão direta de Wolfgang Iser[46] – são cruciais para erradicar a experiência de um tempo congelado e a imagem de um futuro plenamente contido nas estruturas do tempo presente. Nesse sentido, se definimos o conhecimento político como um saber voltado exclusivamente para o que existe de fato, isso significa deixar a indispensável tarefa humana de imaginar futuros possíveis para outros sujeitos ou, o que é pior, para ninguém.

A ciência política constituiu-se como disciplina acadêmica em meados do século XX, e marcada por uma forte inclinação realista. Com efeito, se recordarmos os termos da chamada “revolução behaviorista” – que está na origem da virada institucionalista dos anos 1980 e do fascínio por explicações “econômicas” da conduta humana -, veremos que naquele contexto a filosofia política (e toda especulação política de corte abertamente normativo) foi apresentada como uma forma deletéria de pensamento, incapaz de lidar com questões de fato. David Easton não hesitou em empregar o termo “putrefato” para designar o estado da arte da filosofia política na década de 1950, reduzida – a seu juízo – a exercícios de história do pensamento político.

Sendo uma ciência empiricamente orientada, o saber da política deve voltar-se para a vida como ela é. O mundo dos fatos, portanto, é composto de objetos cujas ontologias exigiriam menos especulação e imagética e mais aplicação e acuidade metodológicas. Um dos expoentes da revolução behaviorista, o cientista político Gabriel Almond, chegou a defini-la como basicamente uma revolução na coleta de dados.

Todo pensamento supõe uma forma de mundo. Pois bem, a forma de mundo suposta pela virada behaviorista ade umuniverso que contém dados. Dados que podem ser coletados, contados, correlacionados, comparados etc. Nesse sentido, tal orientação parece seguir a instigante prescrição de Willard Quine – em Falando de Objetos – de que somos propensos a falar de objetos.

No entanto, falar de objetos – e aqui reside a diferença filosófica – exige que os tomemos como problemas, o que nos remete às formas linguísticas e significativas de sua constituição. Os objetos de Quine, creio, podem ser aproximados da ideia wittgensteiniana de estados de coisas, de configurações lógicas e complexas que conectam o que de outra forma seriam entidades atômicas e desprovidas de significados. Tal enquadramento é, na verdade, um ovo de Colombo: falar de objetos significa inscrevê-los significativamente em estados de coisas. Se assim é, a questão incontornável que se apresenta ao filósofo político diz respeito aos modos de constituição dos estados de coisas que contêm os objetos sobre os quais um saber empírico da política exerce sua jurisdição.

A decisão pela filosofia política não refuta nossa propensão para falar de objetos. Ela apenas exige que o façamos de um modo tal que os objetos sejam percebidos como decantações de valores, de crenças e de apostas. O que se impõe, de modo mais forte, como indispensável é a experiência do pensamento a respeito de futuros possíveis, como condição mesma de aces­ so ao tempo presente. A imposição de realismo se dá, tal como na epígrafe de Alexander Kluge, pela necessidade de sermos antirrealistas. É preciso, pois, reaprender, como Rousseau, a pensar contra os fatos.

Notas

  1. Alexander Kluge, apud Hans-Bernard Moelle, “lntroduction”, in Alexander Kluge, Case Histories.New York: Holmes & Meier, 1988. 
  2. Jean-Jacques Rousseau, Discours sur L’origine et les fondements de L’inégalité parmi les hommes. Paris: Le Livre de Poche, 1991. 
  3. Ver Renato Lessa, “Política: anamnese, amnésia, transfigurações”, in Adauto Novaes (org.), O esquecimento da política. Rio de Janeiro: Agir, 2007. 
  4. Cf. Daniel Bell, The End of ldeology: On the Exhaustion of Political ldeas in the Fifties. New York: Free Press, 1965 [1ª ed. 1960]. 
  5. Ver David Easton, The Political System: An lnquiry in the State of Political Science, Chicago: The University of Chicago Press, 1953, e David Easton, A Framework for Political Analysis, Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1966. Os argumentos de Easton foram reunidos, ainda, em seu artigo clássico “The New Revolution in Political Science”, American Political Science Review, vol. LXIII, pp. 1051-1061, dec. 1969. Para uma visão geral do programa behaviorista e de sua aplicação a diferentes campos da análise política, ver ainda David Easton, Enfoques sobre teoria política, Buenos Aires: Amorrortu, 1969 [1ª ed. 1967]. 
  6. Cf. David Easton, The Political System ..., p. 234. 
  7. Para uma consideração dos pressupostos normativos da ciência eastoniana ver: Tracy Strong, “David Easton: Reflections on an American Scholar”, Political Theory, v. 26, n. 3, 1998, pp. 267-280. Os limites e as implicações da perspectiva behaviorista já foram brilhantemente tratados no artigo seminal de Sheldon Wolin, “Political Theory as a Vocation”, American Political Science Review, v. LXIII, 1969. 
  8. Cf. George H Sabine, A History of Political ldeas. London: George Harrap & Co., 1956. 
  9. Indagação correspondente dirigida a um especialista em Paridos e Eleições teria um impacto deliciosamente cômico. 
  10. Aristóteles, Protréptico, fragmento 2, apud Oswaldo Porchat Pereira, “Oconflito das filosofias”, in Bento Prado Jr.; Oswaldo Porchat ereira; Tércio Sampaio Ferraz, A filodofia e a visao comum do mundo. São Paulo; Brasiliense, 1981. 
  11. Cf. Ludwig Wittgenstein, Tracatadus Lógoco Philosophicus, São Paulo: Edusp, Coleção Os pensadores, Sào Paulo: Abril Cultural, 1988, e Nelson Goodman, Modos de fazer mundos, Porto, ASA, 1995. 
  12. Refiro-me aqui ao argumento de Moore a respeito dos valores morais como “não naturais”, mas como expressões de emoções. Cf. G. E. Moore, Principia Ethica. Cambridge: Cambridge University Press. 1903. 
  13. Cf. Alexandre Koyré, Galileu e Platão, Lisboa: Gradiva, s.d. 
  14. Cf. Alexandre Koyré, op. cit, p. 16. 
  15. Thomas Hobbes, no século xvII, foi o pensador mais afetado por essa crença epistemológica de Galileu, na medida em que supunha a possibilidade de uma linguagem capaz de corresponder com rigor, análogo ao da filosofia da natureza, às leis que regem o mundo moral. 
  16. Galileu sabe que o experimentum é uma pergunta feita à natureza, feita numa linguagem muito especial, na linguagem geométrica e matemática. Sabe que não basta observar o que se passa, o que se apresenta normalmente e naturalmente aos nossos olhos; sabe que é preciso saber formular as perguntas e, além disso, saber decifrar e compreender a resposta, ou seja, aplicar ao experimentum as leis estritas da medida e da interpretação matemática. Cf. Alexandre Koyré. Contribuição científica da Renascença, in Alexandre Koyré, Estudos da história do pensamento científico, Rio de Janeiro/ Brasília: Forense Universitária/Editora da UnB, 1982, p. 52. A respeito de Galileu utilizei, ainda, a ótima biografia feita por Stillman Drake, Galileo, Madrid: Alianza Editorial, 1980, e Ludovico Geymonat, Galileo Galilei: A Biography and lnquiry into His Philosophy of Science, New York: McGraw-Hill Book Company, 1965. Há aqui um nexo evidente com o neopitagorismo que marca parte considerável da linguagem contemporânea das ciências sociais: a possibilidade da mensuração radica na suposição de que os objetos são mensuráveis por natureza. Nesse sentido, a ênfase na mensuração, com frequência, extrapola o âmbito da mera prescrição metodológica e aproxima-se do que Sheldon Wolin, de modo perspicaz, designou como shaping of the mind (Cf. Sheldon Wolin, “Political Theory as a Vocation”, American Polítical Science Review, v. LXIII, 1969). 
  17. Muito ao contrário, para dizer o mínimo. Na verdade, as imagens céticas da diaphonía e do conflito das filosofias parecem-me mais apropriadas para descrever a discrepância sempre reposta entre os pensadores da política. 
  18. O ponto foi classicamente desenvolvido no Leviathan, mas encontra registro nobre na análise hobbesiana da crise inglesa, o Behemot(Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2002), na qual um dos principais fatores de desordem foi o esquecimento do que prescreve a lei natural. Desenvolvi esse ponto no texto “A gênese da desordem: a principal crise inglesa”, publicada no Jornal de Resenhas,# 78, 8 de setembro de 2001. 
  19. Cf. Franz Neumann, Behemot: pensamiento y acción en el nacional socialismo, Ciudad de Mexico: FCE, 1943. 
  20. O ponto poderia ser adensado com o acréscimo da pergunta sempre implícita em Primo Levi: qual a teoria política do Läger, como experimento social? A hipótese de Levi é a de que se trata de um experimento extremo, que recusa qualquer fundamentação- já que qualquer fundamentação indica a possibilidade de um limite – e que busca manter-se em fatores que dispensam a linguagem e qualquer justificativa. Essas seriam, segundo ele, as bases de uma interação na qual toda a causalidade foi abolida e na qual tudo é, portanto, possível. Para o ponto, ver Primo Levi, Se questo e un uomo, Torino: Einaudi, 1958, e I sommersi e i Salvati, Torino: Einaudi, 1986. Já Victor Klemperer recusa a ideia de um regime sem linguagem e procura descrevê-la, ainda que não encontre aí qualquer sistema, qualquer forma estável de regularidade. Ver, de Klemperer, o seu monumental Língua Tertii lmperii, London: The Athlone Press, 2000. 
  21. É importante considerar que as hipóteses levantadas por Neuman, em 1942, são anteriores à utilização generalizada da categoria totalitarismo, que pretende descrever regimes políticos por ela cobertos a partir de suas características próprias e não por suas ausências. 
  22. Cf. Virgínia Woolf, “Solid Objects”, in Virgínia Woolf, A Hauted House and Other Short Stories, London: Mariner Books, 1966 [1ª ed. 1947]. 
  23. A distinção aristotélica clássica entre os saberes, segundo a qual a Ética e a Política são saberes práticos, e não teóricos, foi estabelecida na Metafísica, livro VI. 
  24. Refiro-me ao seminal texto de Willard Quine, Falando de objetos, in W. Quine, Ontological Relativity and Other Essays, New York/London: Columbia University Press, 1969. 
  25. Para Aristóteles, a Política, enquanto saber sobre a vida pública, não pode ser considerada como ciência ou como exemplo de conhecimento teórico. Longe de significar um rebaixamento, trata-se de indicar o lugar preciso e a positividade daquele saber: uma investigação continuada sobre a vida pública e sobre formas de intervenção e aperfeiçoamento. O mundo da ciência trata de objetos cuja vigência independe da ação e da vontade dos humanos. Nesse sentido, conhecê-los significa contemplá-los. A vida política, por seu caráter prático e dinâmico, não se presta à contemplação. 
  26. É exatamente nos limites de um saber sustentado· em verdades demonstráveis e em proposições que podem ser provadas que faz sentido a seguinte frase de Alexandre Koyré: A física de Aristóteles é falsa. Cf. Alexandre Koyré, op. cit., p. 22. Dificilmente o mesmo pode ser sustentado para a Ética aristotélica. Ela será boa ou má, satisfatória ou não satisfatória, mas nunca falsa ou verdadeira. 
  27. Prova e demonstração, a rigor, não significam a mesma coisa. A primeira é algo que pode ser mostrado, como efeito prático da operação de algum juízo ou saber. A expansão dos gases, por exemplo, pode ser provada. A demonstração envolve procedimentos de confirmação de processos imateriais: um teorema pode ser demonstrado, uma proposição lógica. 
  28. O ponto foi proposto e desenvolvido com brilho por Paulo Tunhas, em seu ensaio Três tipos de crenças, in Fernando Gil; João de Pina Cabral; Pierre Livet (orgs.l, O processo da crença, Lisboa: Gradiva, 2004. 
  29. Há que prefira o uso da ótima expressão “crenças causais”. Cf. Peter Hass, “lntroduction: Epistemic Communities and lnternational Policy Coordination”, in lnternational Organization, Cambridge: Cambridge University Press, v. 46, n. 1, 1992, pp. 1-35. 
  30. Apud Lynn Hunt, A invenção dos direitos humanos, São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 
  31. O profeta, afinal, é aquele que “interpreta as coisas que Deus revela par aqueles que não podem ter um conhecimento exato e que, por isso, só pela fé as podem perfilhar”. B. Spinoza, Tratad teológico Político, 7, G, III, São Paulo: Martins Fontes, 2004. 
  32. O argumento central deste ponto foi por mim desenvolvido no ensaio Ceticismo, crenças e filosofia política, in Renato Lessa, Agonia, aposta e ceticismo: ensaios de filosofia política, Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2003. Publicado também em coletânea organizada por Fernando Gil; João de pIna Cabral; Pierre Livet, O processo da crença, Lisboa: Gradiva, 2004. 
  33. Pierre-Maxime Schuhl, Platon et L’art de son temps, Paris: Presses Universitaires de France, 1952. Analisei com mais detalhes este episódio nos seguintes textos: “Filosofia política e Pluralidade dos mundos”, in Renato Lessa, Agonia, aposta e ceticismo, op. cit., e “O mundo depois do fim”, in Luís Baptista; Anália Torres (eds.), Sociedades contemporâneas: reflexividade e acção, Porto: Edições Afrontamento, 2008. 
  34. Gregorio Comanini, Il Figino, overa del fine della pittura, Mantova, 1591, apud Pierre-Maxim Schuhl, e, op. cit., p. 5. Para uma edição recente, ver Gregório Comanini. Il Figino, or the Purpose of Painting. Toronto: University of Toronto Press, 2001 (traduzida e editada por Ann Doyle-Anderson e Giancarlo Maiorino). 
  35. Ver, a respeito, Jean Zafiropulo, L’Ecole Éléate, Paris: Les Belles Letres, 1950, e Jean Beaufret, Parménide: Le Poème, Paris: Presses Universitaires de France, 1996. 
  36. Cabe, talvez, o registro do que parece ser um paradoxo: o apego de Comanini a uma imitação rigorosa de coisas existentes não foi incompatível com sua amizade com Giuseppe Arcimboldi, por ele definido como “ingegnosissimo pittor fantástico”. Dificilmente o pintor de telas tais como // Bibliotecario Testa reversible con canestro di frutta poderia ser tido como um bom exemplo de ortodoxia mimética. 
  37. Niccolà Machiavelli, The Prince and the Discourses, New York: McGraw-Hill, 1950. 
  38. Francis Bacon, De Argumentalis Scíentíamm VIII, prov. 34, apud John Watkins, Hobbes’s System of ldeas: a studv in the political significance of phílosophícal theories, London: Hutchinson University Library, 1973. 
  39. Niccolô Machialvelli, The Prince, London: Penguin Classics, 1961, pp. 89-90. 
  40. ld., pp. 90-91. 
  41. Ver Ernst Cassirer, The Individual and the Cosmos in Renaissance Philosophy, Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1963, e Anthony Parei, The Machiavellian Cosmos, New Haven: Yale University Press, 1992. 
  42. Para o pessimismo cósmico e antropológico maquiaveliano, assim como para os vínculos de Maquivel com o aristotelismo paduano, ver Pierre Mesnard, L’Essor de la philosophie politique au XVIème siècle, Paris: Urin, 1977. 
  43. Um precioso resumo deste debate pode ser encontrado no excelente livro de Hugo Friedrich, Montaigne, Paris: Gallimard, 1968, especialmente ao longo dos capítulos III (L’Homme humilié) e IV (L’Acceptation de l’homme). 
  44. Típica desta última posição é a defesa da dignitas feita por Pico della Mirandola, em sua De hominis dignitate. Ver Pico deila Mirando la, Oração da Dignidade, Petrópolis: Vozes, 1994. 
  45. Um dos corolários da proposição é o de que os problemas cognitivos básicos da filosofia política possuem forte componente estético. É lamentável o fato de que nossas aproximações com questões de natureza filosófica acabem por não incorporar a dimensão da estética. Se a filosofia legisla a respeito de regimes de verdade, a disposição estética se apresenta em seus primeiros movimentos, pela preocupação com a forma e pela necessária decisão a respeito de como considerar o tema da mimesis. 
  46. Cf. Wolfgang lser, “Os atos de fingir, ou o que é fictício no texto ficcional”, in Luiz Costa Lima (org.), Teoria da literatura e suas fontes (V. III), Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. 

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