O silêncio e a sombra
por Guilherme Wisnik
Resumo
A eclosão da modernidade, a partir da segunda metade do século XIX, é fortemente marcada pelo acelerado processo de urbanização e o correlato surgimento das grandes metrópoles. O espaço urbano moderno é o lugar da multidão, do encontro e do choque das massas humanas recém aglomeradas em um mesmo espaço físico. Lugar tanto do flâneur (Baudelaire, Walter Benjamin) quanto do indivíduo blasé (Georg Simmel), a grande cidade é confusa, agitada e ruidosa, tornando a turbulência sensorial uma espécie de signo da modernidade.
E se a agitação moderna fica normalmente associada ao impulso democratizante da grande cidade, de par com o ímpeto revolucionário das contestações políticas em espaço público, a imagem do silêncio, nesse contexto, acaba identificada à massificação alienada, como no caso da famosa frase do ex-presidente norte-americano Nixon agradecendo a “maioria silenciosa” que apoiava por omissão a Guerra no Vietnã. Contudo, à medida que o processo de modernização avança durante o século 20, reações à homogeneização ruidosa dos espaços da cidade se formam e amadurecem na produção de alguns notáveis arquitetos, tais como Lucio Costa no Brasil, Luis Barragán no México, e Tadao Ando no Japão.
Nos três casos, a criação de pátios internos e jardins silenciosos em casas e edifícios urbanos procura recriar a intimidade e o lugar mental da contemplação perdidos pelo processo de acelerado crescimento urbano, com as correlatas perda de vínculos familiares e desenraizamento em relação ao lugar em que se vive. E se Lucio Costa busca uma síntese paradoxal da vida bucólica colonial no ambiente pacato das superquadras de Brasília, os pátios metafísicos de Barragán multiplicam no espaço o “labirinto da solidão” de Octavio Paz, e o silêncio inquietante das casas de concreto de Tadao Ando dão expressão visível à poética da sombra, que tanto marca a cultura oriental, por oposição ao nosso iluminismo panóptico. Assim, busca-se no livro “em louvor da sombra”, de Junichiro Tanizaki, uma reflexão sobre como o silêncio e a sombra são conceitos que definem matrizes de uma poderosa contraposição ao processo ocidental de desenvolvimento: a chamada modernidade.