2014

O silêncio público

por Jean-Pierre Dupuy

Resumo

A transparência absoluta do espaço público tanto pode destruir uma relação interpessoal como um sistema social. Algums relações pessoais e alguns sistemas sociais só podem existir e durar se certas verdades sobre eles mesmos, apesar de conhecidas de todos, jamais forem ditas publicamente. Todo mundo conhece a verdade, todo mundo sabe que os outros a conhecem etc., mas ela não é enunciada no espaço público.

No século XVIII grandes filósofos como David Hume e Adam Smith conceberam uma outra ideia da razão humana, uma concepção que faz da razão, segundo a expressão famosa de Hume, a “escrava das paixões”. Foi neste terreno que nasceu e se desenvolveu a economia política. Para a economia a harmonia social é produzida pelo encontro dos interesses privados. Aqui a palavra “privado” significa privado do acesso ao espaço público. É preferível, pensava Smith, que os comerciantes e os agentes econômicos e financeiros não se misturem aos negócios públicos, assim a vida de todos será melhor. No século XX, este liberalismo econômico alcançou proporções consideráveis na obra de Milton Friedman.

Existe um conceito que desempenha hoje um importante papel em todo um conjunto de disciplinas, a filosofia moral e política, a economia e a teoria dos jogos, o direito, a sociologia e a antropologia: o conceito de Common Knowledge (CK).  Trata-se de um saber cuja localização é o espaço público.

Em 1924, Marcel Mauss publicou Ensaio sobre a dádiva onde observa que em um bom número de sociedades arcaicas, “as trocas e os contratos se fazem sob a forma de presentes, em teoria voluntários, na realidade obrigatoriamente dados e retribuídos”. Atrás da generosidade aparente da dádiva e da contradádiva, ele escreve, há apenas “ficção, formalismo e mentira social”.  

Em 1950, Lévi-Strauss apresenta uma crítica contundente à obra de Marcel Mauss, em um texto geralmente considerado como o texto fundador do estruturalismo francês. É ele que introduz a categoria do simbólico, categoria que será retomada pelo psicanalista Jacques Lacan, pelo historiador Michel Foucault, pelos filósofos Gilles Deleuze e Louis Althusser e, depois deles, por muitos outros.

Mas, em 1972, surge no debate Pierre Bourdieu, com seu livro Esquisse d’une théorie de la pratique. Bourdieu, denuncia o etnocentrismo de Lévi-Strauss mas admite, entretanto, a  interpretação estruturalista, interpretação que faz da reciprocidade a “verdade objetiva” da troca. Mas ele acrescenta que esta verdade objetiva não pode ser toda a verdade. Tomadas em conjunto no esquema teórico da reciprocidade, a obrigação de receber e a obrigação de retribuir levam a uma contradição. A troca de dádivas só pode funcionar como troca de dádivas sob a condição de dissimular a reciprocidade que seria sua verdade objetiva.

“Para que o sistema funcione”, escreve Bourdieu, “é preciso que os agentes não ignorem completamente os esquemas que organizam suas trocas dos quais o modelo mecânico da antropologia explicita a lógica e, ao mesmo tempo, que eles se recusem a conhecer e a reconhecer esta lógica”.

Eis um tipo de ordem social cuja estabilidade e existência implicam que sua verdade interna (vivida) seja diferente de sua verdade externa (quer dizer, objetiva) e a dissimule. Existe algum privilégio no que diz respeito a esta última porque ela seria mais científica? Ela teria um maior valor de verdade? Lévi-Strauss e os estruturalistas respondem que sim. Bourdieu e os sociólogos da prática respondem que não.


Devemos à Grécia Antiga a ideia de que a razão e a palavra formam uma coisa só. A palavra Logos significa ambas. O Século das Luzes, com Rousseau e Kant, insistiu sobre o caráter público do Logos e a transparência que resulta disto. No século XX, Hannah Arendt, John Rawls, Jürgen Habermas e muitos outros desenvolveram a ideia de que a democracia e a justiça demandam a existência de um espaço público. É nestes termos que, de maneira espontânea, nós pensamos.

Eu gostaria de mostrar que as ideias enunciadas assim ficam demasiado simples e que o simplismo delas pode ser perigoso, conduzindo mesmo a diversas formas de totalitarismo, tanto na casa como na rua, para retomar as categorias de Roberto DaMatta, tão bem conhecidas no Brasil[1]. A transparência absoluta do espaço público tanto pode destruir uma relação interpessoal como um sistema social.[2] Certas relações pessoais e certos sistemas sociais só podem existir e durar se certas verdades sobre eles mesmos, apesar de conhecidas de todos, jamais forem ditas publicamente. Todo mundo conhece a verdade, todo mundo sabe que os outros a conhecem etc., mas ela não é enunciada no espaço público. Nossas línguas inventaram expressões mais ou menos pitorescas ou paradoxais para designar este estado de coisas. Em francês dizemos que: “o segredo é que não existe segredo”, falamos de “segredo de Polichinelo”. Em inglês, utiliza-se o oximoro “segredo aberto” (open secret). Para respeitar o tema geral deste ciclo, tratarei do silêncio público. Eu me interesso pela situação onde esta forma de silêncio é a condição de possibilidade de um sistema social ou de uma relação interpessoal.

No século XVIII não aconteceram apenas as Luzes francesas e alemãs. Em Glasgow e em Edimburgo, grandes filósofos como David Hume e Adam Smith conceberam uma outra ideia da razão humana, uma concepção modesta, limitada, que faz da razão, segundo a expressão famosa de Hume, a “escrava das paixões”. Foi neste terreno que nasceu e se desenvolveu a economia política. Ora, para a economia é o encontro dos interesses privados que produz a harmonia social. Aqui a palavra “privado” significa privado do acesso ao espaço público. É preferível, pensava Smith, que os comerciantes e os agentes econômicos e financeiros não se misturem aos negócios públicos, assim a vida de todos será melhor. No século XX, este liberalismo econômico alcançou proporções consideráveis na obra do Prêmio Nobel Milton Friedman. Eis aqui uma citação reveladora:

Os preços que surgem das transações voluntárias entre compradores e vendedores – em resumo, no mercado livre – são capazes de coordenar a atividade de milhões de pessoas, cada uma delas voltada ao seu próprio interesse, de tal modo que a situação de todos melhore […] O sistema dos preços preenche esta tarefa na ausência de qualquer direção central, sem que seja necessário que as pessoas se falem nem tampouco que elas se amem[3].

Esta utopia de uma sociedade onde os homens não teriam necessidade nem de se falar nem de se amar para viver juntos, onde a indiferença mútua e o voltar-se para si seriam as melhores garantias do bem comum, é tão estranha, que se comenta que apenas um forte motivo tornou possível ela ter sido levada a sério por tantos grandes espíritos. Apresento minha hipótese. O mundo da concorrência econômica é um mundo extremamente duro para se viver na medida em que cada um ali luta pela sua sobrevivência. Melhor seria então as pessoas não se falarem nem se olharem, evitando, assim, sofrerem os tormentos da inveja. Seria um imenso mecanismo que asseguraria a todos a possibilidade de coordenarem seus projetos com os projetos dos demais. Eles estariam em guerra sem jamais se encontrarem.

Apenas uma palavra sobre o método que vou utilizar para apresentar minhas ideias. Estas ideias são filosóficas, mas vou introduzi-las através da mediação da lógica. A lógica é rigorosa, mas muitas vezes é oca e chata. Vou tentar evitar isto ilustrando os conceitos através de pequenas histórias divertidas que tomarão o formato de enigmas ou de quebra-cabeças. Mas, por trás desses jogos mentais, se escondem problemas filosóficos e políticos consideráveis.

INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE SABER PÚBLICO

(COMMON KNOWLEDGE OU CK)

Exemplo 1

O secador de cabelos de Beatriz quebrou. Ela quer que Flávio o conserte, mas ela não quer pedir isto a ele diretamente. Ela organiza a seguinte cena: desmonta o secador de cabelos e espalha as peças à sua volta, como se ela mesma o estivesse consertando. Mas se coloca de forma a que Flávio compreenda claramente que se trata de uma representação montada. Sua intenção é de mostrar a Flávio que ela deseja sua ajuda, e o meio que encontra para transmitir esta informação é deixar claro para ele que ela tem esta intenção. Entretanto, esta intenção de segundo nível – a intenção de deixar claro que se tem a intenção de informar – deve permanecer oculta para Flávio. Esta é a diferença essencial em relação a uma comunicação aberta, através da qual Beatriz pediria diretamente a Flávio que a ajudasse.

Antes de analisar precisamente em que consiste esta diferença, vejamos suas implicações sobre a relação entre Beatriz e Flávio. As implicações são consideráveis. Beatriz é uma mulher moderna, não quer dever nada a Flávio, mas também não quer se sentir rejeitada. Se ela se dirigir abertamente a ele: “Flávio, você pode consertar meu secador de cabelos?”, ela correrá esse duplo risco. Sua representação possibilita à Beatriz escapar totalmente disto. Se Flávio o faz, é por sua própria conta; Beatriz, que não lhe pediu nada, não lhe deve nada. Mas Flávio pode muito bem não fazer nada: afinal não se pode dar como certo que Flávio tenha interpretado o manejo de Beatriz como um pedido de ajuda, uma vez que ela nada pediu a ele. Beatriz deixou a ele essa porta de saída: não se tratará de uma recusa dolorosa, mas apenas de uma falta de atenção.

Eu denomino P a proposição: “Beatriz tem a intenção de pedir a ajuda de Flávio”.

Se a representação de Beatriz for bem-sucedida, poderemos descrever a situação mental de Beatriz e Flávio assim:

  1. Beatriz sabe P.
  2. Flávio sabe P.
  3. Beatriz sabe que Flávio sabe P (ela arranjou para que seja assim).
  4. Flávio não sabe que Beatriz sabe que Flávio sabe P: se Beatriz conseguiu tecer sua teia fazendo Flávio acreditar que ela nem percebeu a armadilha que ela mesma lhe preparou, Flávio acredita que Beatriz não sabe que ele sabe P.

Por outro lado, qual seria a situação se Beatriz pedisse simplesmente a Flávio que a ajudasse? Teríamos uma sequência infinita de proposições do tipo:

  1. Beatriz sabe P.
  2. Flávio sabe P.
  3. Beatriz sabe que Flávio sabe P.
  4. Flávio sabe que Beatriz sabe que Flávio sabe P.

Etc. etc., até o infinito.

Podemos exprimir esta sequência infinita em uma só frase, introduzindo um conceito que desempenha hoje um importante papel em todo um conjunto de disciplinas, a filosofia moral e política, a economia e a teoria dos jogos, o direito, a sociologia e a antropologia: o conceito de Common Knowledge, que eu assinalei como CK. É melhor traduzir Common Knowledge por saber público e não por saber comum. Com efeito, trata-se de um saber cuja localização é o espaço público. Por definição, existe o saber público entre duas pessoas, digamos Beatriz e Flávio, a respeito de uma proposição P, que se escreve:

P é CK entre Beatriz e Flávio,

se cada um sabe P, cada um sabe que cada um sabe P, cada um sabe que cada um sabe que cada um sabe P etc., até o infinito.

O exemplo do secador de cabelos de Beatriz mostra que o tipo de relação que ela pretende ter com Flávio – ser atendida por ele sem lhe pedir – implica que a condição de saber público não seja atendida. Há uma distância com relação ao CK porque o pedido não está formulado publicamente. É esta situação que eu nomeio uma situação de silêncio público.

Deve-se observar que nesta situação cada um sabe que Beatriz tem a intenção de pedir ajuda a Flávio: Beatriz, porque ela tem acesso direto às suas intenções; Flávio porque ele compreende, até certo ponto, que jogo Beatriz joga. Há um saber compartilhado, mas este saber não é público. Notemos também que não há nenhum julgamento de valor implicado na análise que acabo de fazer. A estratégia de Beatriz, ao querer ao mesmo tempo a independência da mulher moderna e os benefícios da mulher tradicional, é uma estratégia justa, honesta, aconselhável etc.? Estas questões não são pertinentes aqui. Eu quis apenas ilustrar como a estabilidade e a permanência de certas relações interpessoais só são possíveis ao preço de certo grau de opacidade que caracterizei como silêncio público. Como acabamos de ver, o silêncio público consiste na distância entre o saber compartilhado e o saber público. Vejamos outro exemplo desta estrutura:

Exemplo 2

Depois do 11 de Setembro as companhias aéreas exigiam que os passageiros se apresentassem ao balcão de check-in três horas antes da hora da decolagem. Esta regra era anunciada de maneira rígida. Mas, no fundo, todos sabiam que não somente esta regra podia ser transgredida, como também a eficácia determinava que ela assim o fosse, sendo ideal que os passageiros chegassem ao balcão num fluxo mais ou menos regular, adaptado à capacidade dos serviços de registro, e isto seria entre a hora (T-3) e a hora (T-1). Mas é evidente que as companhias não podiam enunciar publicamente a regra e em seguida anunciar a liberdade que era dada de não cumpri-la. Só era possível fazer-se publicamente silêncio sobre esta permissão.

O SILÊNCIO PÚBLICO E A MÁ-FÉ COLETIVA

Eis agora um caso muito mais complexo, onde os problemas filosóficos e antropológicos que se escondem atrás da estrutura a que eu acabo de me referir virão à luz.

A ideia de que a ordem social repousa sobre um tipo de má-fé coletiva está muito presente na história das ciências sociais na tradição francesa. Tudo se passa como se houvesse um esqueleto no armário ou então um elefante no meio do salão, fatos que todos conheciam e que nunca eram ditos para preservar a estabilidade da ordem social.

A ilustração mais convincente da importância desta estrutura é provavelmente a controvérsia, com as múltiplas reviravoltas, que provocou a publicação do Ensaio sobre a dádiva de Marcel Mauss, em 1924. É a questão da troca simbólica, fundamento de toda a economia, que foi colocada desse modo e que continua ainda a sê-lo. Vou considerar as teses respectivas de três autores maiores em relação a esta história: Mauss, Claude Lévi-Strauss e Pierre Bourdieu.

Em 1924, Mauss observa que em um bom número de sociedades arcaicas, “as trocas e os contratos se fazem sob a forma de presentes, em teoria voluntários, na realidade obrigatoriamente dados e retribuídos”[4]. Atrás da generosidade aparente da dádiva e da contradádiva, ele escreve, há apenas “ficção, formalismo e mentira social”[5]. Os atos separados: dar, receber, devolver, se apresentam tanto como gestos de generosidade como de cordialidade e obedecem, na verdade, a imperativos rígidos dos quais ninguém pode escapar.

Em 1950, Lévi-Strauss apresenta uma crítica contundente à obra de Marcel Mauss, acusando-o de “deixar-se mistificar pelo indígena”[6]. O erro de Mauss, segundo ele, é o de ter se prendido à maneira como os índios vivem as suas práticas, distinguindo ali os três momentos de troca. Isto é abordar o problema pelo lado errado, afirma Lévi-Strauss. E então ele apresenta contra Mauss uma citação do próprio Mauss: “A unidade do todo é ainda mais real que cada uma das partes”, ele afirma: “é a troca que constitui o fenômeno primitivo, e não as operações discretas nas quais a vida social se decompõe”.

E ele conclui: “A troca não é um edifício complexo, construído a partir das obrigações de dar, de receber e de retribuir, com a ajuda de um cimento afetivo e místico. É uma síntese imediatamente dada ao e pelo pensamento simbólico”.

Este texto é geralmente considerado como o texto fundador do estruturalismo francês. É ele que introduz a categoria do simbólico, categoria que será retomada pelo psicanalista Jacques Lacan, pelo historiador Michel Foucault, pelos filósofos Gilles Deleuze e Louis Althusser e, depois deles, por muitos outros. Eu acredito que tenha sido Lacan quem melhor captou o sentido do simbólico quando declarou: “O simbólico é o reino da máquina”[7]. O simbólico é uma entidade transcendente que funciona como um automatismo, que pensa quando nós acreditamos pensar, age quando acreditamos agir, julga quando acreditamos julgar. É um substituto do divino, ainda mais obscuro e incompreensível que ele.

Mas, em 1972, surge no debate Bourdieu, com um dos seus melhores livros, Esquisse d’une théorie de la pratique[8]. Bourdieu, por sua vez, não foi mais brando com Lévi-Strauss, de quem ele denuncia o etnocentrismo, do que Lévi-Strauss fora com Mauss. Bourdieu admite, entretanto, a interpretação estruturalista, interpretação que faz da reciprocidade a “verdade objetiva” da troca. Mas ele acrescenta que esta verdade objetiva não pode ser toda a verdade. Porque, se ela se tornasse presente na mente dos participantes do sistema, este não poderia mais funcionar.

Mostremos isso no caso da obrigação de receber e da obrigação de retribuir. (Poderíamos fazer o mesmo exercício fazendo entrar em jogo a terceira obrigação, a obrigação de dar.) Tomadas em conjunto no esquema teórico da reciprocidade, estas duas obrigações levam a uma contradição. Porque aquele que retribui sem esperar o objeto que lhe está sendo dado, de fato, recusa receber. A troca de dádivas só pode funcionar como troca de dádivas sob a condição de dissimular a reciprocidade que seria sua verdade objetiva. É preciso todo o espaço, ou melhor, todo o tempo da prática para desmanchar esta contradição. O alongamento temporal, separando o momento da dádiva do momento da contradádiva, fazendo-os aparecer como “atos inaugurais de generosidade, sem passado nem futuro, quer dizer, sem cálculo”, adia a reciprocidade, neste aspecto que a contradádiva é, com relação à dádiva, ao mesmo tempo diferida e diferente, ela não aparece como incluída no projeto da dádiva.

“Para que o sistema funcione”, escreve Bourdieu, “é preciso que os agentes não ignorem completamente os esquemas que organizam suas trocas dos quais o modelo mecânico da antropologia explicita a lógica e, ao mesmo tempo, que eles se recusem a conhecer e a reconhecer esta lógica”.

Comento: os agentes não têm necessidade do antropólogo para apreender a verdade objetiva do sistema social deles porque já a conhecem. E a conhecem até mesmo melhor do que o antropólogo porque eles sabem alguma coisa que o antropólogo desconhece: esta verdade é letal para o sistema social. Eis por que eles a recalcam. De tal modo, que o observador externo que vem lhes dizer a “verdade objetiva” aparece como um ingênuo que anuncia o que todo mundo já sabe, e um palhaço inconveniente impedindo o mundo de seguir girando.

Há em Bourdieu uma belíssima ilustração desta questão. Ele traz o exemplo de um agricultor que tinha ajudado o vizinho a trabalhar sua terra. Na maior parte das sociedades agrícolas é costume oferecer-se um grande banquete àqueles que doaram seu próprio tempo para ajudar o outro. Mas esse agricultor recusou o convite, pedindo dinheiro em lugar do banquete. Na troca de dádivas isto não se faz: a contradádiva não é jamais dinheiro. Compreende-se por quê: na troca monetária, mercadoria contra dinheiro, o pagamento nos libera de qualquer obrigação posterior. A troca de dons, ao contrário, é um modo de manter o laço social. Pedindo uma compensação em dinheiro, o agricultor confundia duas lógicas completamente opostas sobre o viver junto.

Sobre este trabalhador Bourdieu disse: ”Assim ele traiu o melhor e o mais mal guardado dos segredos porque todo mundo o guarda”. Esta fórmula descreve magnificamente a estrutura que eu tento definir desde o começo. O segredo é que a troca de dádivas não esteja menos submetida à regra de reciprocidade que a troca monetária. O segredo é público: todo mundo sabe do que se trata. Um segredo público é a mesma coisa que um silêncio público: ninguém fala. O trabalhador agrícola de Bourdieu rompeu a lei do silêncio.

Questão: eis um tipo de ordem social cuja estabilidade e existência implicam que sua verdade interna (vivida) seja diferente de sua verdade externa (quer dizer, objetiva) e a dissimule. Existe algum privilégio no que diz respeito a esta última porque ela seria mais científica? Ela teria um maior valor de verdade? Lévi-Strauss e os estruturalistas respondem que sim. Bourdieu e os sociólogos da prática respondem que não.

Não é fácil decidir sobre isto, e eu não vou tentar fazê-lo. Vou simplesmente dar um novo exemplo, fundamental para nossas sociedades construídas pelo cristianismo. Ao longo da história este foi frequentemente acusado – pensem em Maquiavel – de ter afirmado que o mundo dos homens se sustentava na violência. Mas esta revelação que obriga os homens a olhar de frente o papel que tem a violência na constituição do seu mundo não os cega mais do que os mitos que transfiguram ou apagam esta violência? Porque os homens têm boas razões para recalcar este saber. Maquiavel tentou ir mais rápido que o cristianismo para neutralizar sua mensagem pensando que esta, pela utopia que propaga, tornaria ilegítimas as cidades terrestres. A não violência do cristianismo, acusava ele, é uma violência ainda mais terrível que a violência dos homens. Se a cultura humana é verdadeiramente fundada sobre a violência, o cristianismo pode trazer outra coisa senão a destruição da humanidade sob as aparências falaciosas da não violência?

O que complica o debate é esta frase enigmática do Cristo em Mateus (Mt. 10, 34): “Eu não vim trazer paz, mas espada”. E não direi mais nada aqui.

O DEUS DO SABER PÚBLICO

Eu disse que Jacques Lacan tinha tomado de Lévi-Strauss o conceito de simbólico. Ao simbólico ele acrescentou a categoria imaginário. A relação entre o imaginário e o simbólico foi exaustivamente debatida pelos estruturalistas, pelos pós-estruturalistas e pelos desconstrucionistas (Derrida e sua escola).

Vou apresentar a posição de Lacan na época do seminário sobre “A carta roubada” (1955). Lembro a vocês que Lacan associa o imaginário ao “estágio do espelho”, que eu prefiro chamar de especularidade (do latim speculum, espelho), quer dizer, à capacidade da mente humana de se colocar no lugar de um outro e ver o mundo do seu ponto de vista. Logo que irrompe, a especularidade pode se desdobrar e se desenvolver infinitamente, segundo fórmulas como: “Eu penso que você pensa que ele pensa que eu penso…”. Denomino grau ou nível de especularidade o número de encaixes sucessivos deste tipo. O CK, ou saber público, corresponde a uma especularidade infinita.

A tese de Lacan na época da “carta roubada” era de que o simbólico é encarnado pelo Grande Outro e transcende o imaginário. O inconsciente, sinônimo de simbólico, é o discurso do Grande Outro. Não me peçam que lhes diga o que é o Grande Outro, eu prefiro lhes demonstrar a existência dele recorrendo, como Lacan, a um exemplo da teoria dos jogos.

Exemplo 3

A ação se passa em uma ilha onde a população é composta de uma centena de casais. Certos maridos são enganados por suas mulheres: eles são, entre todos os habitantes da ilha, os únicos que não sabem disto. De fato, existem exatamente três maridos enganados. Os costumes rígidos da ilha exigem que, se um homem tomar conhecimento da infidelidade de sua esposa, ele deve repudiá-la no mesmo dia em que descobrir isto, e deve fazê-lo pontualmente à meia-noite. Um missionário estrangeiro acabou de passar um tempo na ilha. Ele teve tempo de estudar os seus costumes. No dia da partida, de manhã, ele fez um discurso diante de toda a população reunida, concluindo com estas palavras: «Queridíssimos amigos, tenho o difícil dever de lhes revelar o seguinte: dentre vocês, há pelo menos um marido enganado”. E foi embora. Transcorre o dia, depois passa um segundo dia, sem que nenhum incidente notável tenha vindo perturbar a vida tranquila da ilha. Entretanto, no final do terceiro dia, os três maridos enganados repudiam suas respectivas mulheres. Então, que aconteceu?

Suponhamos que haja somente um marido enganado. Observando em torno dele, ele vê apenas homens cujas esposas são fiéis. Ora, o missionário acaba de afirmar que há na ilha pelo menos um marido enganado.

O infeliz deduz disto que só pode ser ele mesmo. Nesta mesma noite ele repudia sua mulher.

Suponhamos agora que haja dois maridos enganados. Cada um tem o seguinte raciocínio. Suponhamos que minha mulher me é fiel. Nesta hipótese, há apenas um marido enganado: fulano, de quem eu conheço a triste condição. Eu me coloco no seu lugar e raciocino como ele – caio no raciocínio do parágrafo anterior: fulano deveria, então, repudiar sua mulher à meia-noite da primeira noite. Espero até lá e vejo que nada acontece. Deduzo que minha premissa é falsa e, então, que minha mulher me engana. No dia seguinte à noite, eu a repudio e não sinto nenhum espanto que fulano faça o mesmo.

Demonstramos, assim, a seguinte regra: homem casado, eu observo em torno de mim n maridos enganados. Espero a meia-noite do enésimo dia. Se nada acontece, eu deduzo que minha mulher me engana e eu a repudio no dia seguinte. Se, ao contrário, os n maridos enganados que eu vejo repudiam suas mulheres, eu me asseguro da fidelidade da minha mulher. Surge então a questão que ninguém esperava e que dá no mesmo paradoxo. Compreende-se que aquilo que desencadeia a sequência dos raciocínios especulares que vai permitir a cada um conhecer sua sorte é a frase pronunciada publicamente pelo missionário: “Entre vocês existe pelo menos um marido enganado”. Sem este dizer público nada teria acontecido, do mesmo modo que nada havia acontecido antes da chegada do missionário: a situação era perfeitamente estável. Esta enunciação representa então um papel decisivo.

Ora – e é este o paradoxo do silêncio público -, a frase do missionário não traz nenhuma informação para ninguém! Que exista na ilha ao menos um marido enganado, cada um já sabia perfeitamente: os maridos felizes em casa viam três maridos enganados; cada um dos maridos enganados via dois maridos enganados. A informação fornecida pelo missionário é, portanto, nula. E, entretanto, sua enunciação no espaço público produz um efeito extraordinário: cada um agora conhece sua condição. Sem que ninguém o soubesse, a vida na ilha tinha como condição de possibilidade que ninguém dissesse publicamente o que era conhecido por todos. Ela dependia desse silêncio público.

Neste ponto da nossa reflexão, este paradoxo fica facilmente claro. Antes de o missionário falar publicamente, cada um sabia com certeza que havia na ilha pelo menos um marido enganado, mas este saber compartilhado não era CK – ele não era um saber público. A palavra pública do missionário mudou tudo dando fim a esse silêncio público.

Há outra maneira de apresentar este resultado, que se deve a um dos mais importantes teóricos dos jogos, Robert Aumann, Prêmio Nobel de Economia. Aumann mostrou que se n sujeitos se reúnem e se dedicam a jogos especulares desse tipo, tudo se passa como se houvesse um enésimo mais um sujeito, que ele denominou o “sujeito do CK”, ou “sujeito do saber público”, tal que:

O sujeito do CK sabe P se e somente se P é CK, onde P é uma proposição qualquer.

Quando o missionário se exprime publicamente, ele, automaticamente, torna o que disse CK[9]. Tudo se passa então como se ele se dirigisse diretamente ao sujeito do CK. Eu proponho dizer que este “sujeito do cK” é o Grande Outro lacaniano. Pode-se então reescrever a proposição precedente assim:

O Grande Outro sabe P se e somente se P é CK.

Há outra maneira de apresentar as coisas. Não é difícil de demonstrar isto: existe um único sujeito, o Grande Outro, quer dizer, o sujeito do CK, que comprova a propriedade seguinte:

O Grande Outro sabe P se e somente se cada um sabe que o Grande Outro sabe P.

Quando o missionário diz P, cada um desse modo sabe que ele sabe P. Ao invés de dizer que o missionário se dirige ao Grande Outro, é melhor dizer que, quando o missionário fala, o Grande Outro nele se encarna, ele fala em nome do Grande Outro. É porque cada um sabe que o Grande Outro sabe, que cada um é capaz de descobrir, por si mesmo, a verdade.

Há, então, duas maneiras de descrever a lógica deste jogo. A primeira coloca em cena indivíduos que buscam ansiosamente conhecer a verdade perdendo-se em espelhos infinitos que constituem, para eles, os olhares e o pensamento dos outros – do mesmo modo que os Antigos, cegos ao seu daimôn, tentavam desesperadamente perceber os reflexos deste nos olhos de seus semelhantes. A segunda maneira de descrever o jogo é substituir a especularidade infinita do CK (ou saber público) por uma especularidade nula: os olhares não se cruzam mais, os pensamentos não se imitam mais, cada um só tem relação com o Grande Outro. Mais precisamente, cada um só tem relação com os outros através da mediação do Grande Outro. O Grande Outro é um ponto fixo, um nó de relações, ele é a encarnação do coletivo que concentra nele o feixe dos olhares.

A especularidade infinita do saber público talvez seja inalcançável, de todo modo ela faz enlouquecer. Esta análise lógica mostra que ela pode ser substituída por uma ausência total de especularidade, cada um se relacionando apenas com um ser simbólico que representa a coletividade. Anteriormente, eu citei Cristo. Eis aqui outra citação: “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt. 18, 20).

Se vocês preferirem o islã e, mais precisamente, sua corrente mística, o sufismo, pensem neste magnífico poema de Farid Eddin Attar escrito no século XII, “A conferência dos pássaros”. Todos os pássaros, conhecidos e desconhecidos, se reúnem um dia para constatar que lhes faltava um rei. Eles decidem partir em busca do pássaro-rei Simorg, símbolo de deus na tradição mística persa. Depois de uma viagem cheia de perigos, depois de terem percorrido os vales do desejo, do conhecimento, do amor, da unidade, do êxtase, os trinta sobreviventes recebem então a última revelação: eles mesmos, quando reunidos, são o deus em busca do qual sacrificaram suas vidas.

DEMOCRACIA E SILÊNCIO PÚBLICO

Foi um lógico russo, Alexandre Zinoviev, que, no seu belíssimo livro Les hauteurs béantes, melhor descreveu o que é a essência “cognitiva” de um regime totalitário como foi a União Soviética. Para ele foi suficiente referir-se ao famoso conto de Andersen ”A roupa nova do rei”. O rei passeia nu no meio de seus súditos: todo mundo vê, todo mundo sabe. Mas ninguém fala disto. É um caso típico de silêncio público. Basta que um menino ingênuo grite “Mas o rei está nu!” para que, de repente, isto que era um saber compartilhado se torne saber público e que o rei perca seu poder.

E quanto à democracia? A questão não é simples e vou me referir à mais austera concepção de democracia jamais proposta, a de Jean-Jacques Rousseau. Fiel ao meu método, vou começar por propor um pequeno exercício de lógica que toma, como na análise do simbólico de Lacan, a forma de um jogo, no sentido da teoria dos jogos.

Exemplo 4

Dois condenados à morte esperam em suas respectivas celas o dia da execução que se aproxima. Um dia, de manhã, eles recebem uma mensagem do grão-vizir: este decidiu agraciá-los. No dia seguinte, de manhã, eles estarão livres. Entretanto, caso queiram, podem pedir que sua condenação à morte seja substituída por uma pena de dez anos de prisão. Se este for o caso, eles devem fazer chegar sua petição ao grão-vizir naquele mesmo dia antes da meia-noite: ela será imediatamente aceita. Mas eles devem saber que então seu companheiro de infortúnio em vez de ser agraciado será executado no dia seguinte, a não ser que ele mesmo peça para se ”beneficiar” com a pena dos dez anos de prisão. Neste caso, ambos terão dez anos de prisão. Os prisioneiros não têm como se falar. Que farão eles?

Cada um dos dois prisioneiros pode escolher entre duas estratégias: nada fazer ou escrever ao vizir. A primeira é uma estratégia de cooperação (C), a segunda de deserção (D) – porque ao demandar dez anos de prisão arrisca-se a condenar o outro à morte: uma deserção da qual não se vê à primeira vista que vantagem ela pode trazer àquele que a escolhe. Parece, de verdade, não haver nenhum problema aqui.

Representam-se classicamente os dados de tal jogo através da seguinte matriz: há quatro casos obtidos cruzando-se as escolhas de cooperação e de deserção entre os dois jogadores. Em cada caso indiquei os resultados obtidos por um e por outro: embaixo e à esquerda para o prisioneiro r e no alto e à direita para o prisioneiro 2.

Prisioneiro 2

C D

C

Livre

Livre

10 anos

Morto

Morto

10 anos

10 anos

10 anos

Prisioneiro 1

D

A cooperação mútua (cada jogador coopera) parece ser a única saída razoável para esta situação. Notemos, entretanto, que esta saída coloca um problema do ponto de vista do risco: se eu coopero, tenho o máximo interesse em que o outro coopere: caso isto aconteça eu estou livre, do contrário, serei executado. A deserção não coloca este problema porque, se peço dez anos de prisão, eu os obterei seja o que for que o outro faça: esta estratégia consegue me desconectar do comportamento do outro.

Basta colocar os jogadores em situação para compreender que quando a especularidade se instala, quer dizer, quando cada um tenta entrar na mente do outro por não poder falar-lhe, ela toma a forma de suspeita e desestabiliza irremediavelmente a cooperação mútua. Só a deserção imuniza contra o trabalho de solapamento da suspeita.

Cada prisioneiro pode, com efeito, ser tentado a recorrer à prudência, definida como a escolha que minimiza a perda máxima a que se pode estar submetido. Se ele coopera, o pior que lhe pode acontecer é morrer. Se escolhe a deserção, o pior que lhe pode acontecer é passar dez anos na prisão. A prudência recomenda, então, por definição, escolher a deserção. Mas esta é uma atitude que parece a priori absurda. E, no entanto, é a única razoável, como vou mostrar.

Eu sou o prisioneiro 1. Há uma infinidade de casos onde sou levado a desertar:

  1. eu sou prudente;
  2. ou bem, este não é o caso, mas suspeito que o outro é prudente;
  3. ou bem, este não é o caso, mas suspeito que o outro suspeita que eu sou prudente;
  4. etc. infinitamente.

É suficiente que uma suspeita apareça a um nível de especularidade finito, qualquer que seja sua profundidade, para que a prudência prevaleça. Tudo se passa como se a lógica da especularidade trouxesse imediatamente para a superfície qualquer suspeita enterrada no mais profundo da consciência. Eu cooperarei apenas se tal desconfiança não aparecer em nenhum nível. A possibilidade da cooperação mútua implica então uma infinidade de condições. Mas nós sabemos que podemos reuni-las numa só fórmula: a cooperação mútua só é razoável se o fato de que um e outro prisioneiro afastem a prudência é CK entre eles.

Na prática isto é impossível. Jamais se eliminará toda a suspeita. Este resultado é escandaloso porque proíbe a cooperação mútua, solução que parecia evidente para a situação. E legitimo o querer salvá-la. Há um meio radical de fazê-lo: substituir a especularidade infinita própria ao CK pela especularidade nula, como na análise do simbólico em Lacan. Privemos os jogadores da faculdade de especularidade: não podendo simular através do pensamento os pensamentos do outro, eles escolherão “naturalmente” cooperar. Certamente isto significa mutilá-los, aliená-los, mas esta alienação é libertadora. É a solução de Rousseau.

Com efeito, o exemplo 3 ilustra a situação que prevalece no que Rousseau chama, no seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, a má “sociedade natural”, esta que se forma espontaneamente na ausência de todo contrato social. No Discurso há uma passagem famosa que descreve uma caça ao cervo cuja estrutura é idêntica àquela do jogo que acabo de apresentar. Ou os homens coordenam seus esforços para caçar um cervo (C) ou cada um caça uma lebre por conta própria (D). Aquele que tenta sozinho caçar o cervo não consegue fazê-lo e morre de fome. O que eu denomino especularidade, Rousseau denomina amor-próprio. Sob o reino do amor-próprio os homens vivem sob o olhar dos outros e não cessam de comparar-se. Pelo mesmo raciocínio que acabo de apresentar-lhes, Rousseau demonstra a impossibilidade de cooperação mútua. Para torná-la possível é necessário que um contrato seja assinado. As condições deste são drásticas e se assemelham a uma espécie de lobotomia política. É preciso erradicar o amor-próprio transformando os homens em cidadãos. Então eles cessarão de espiar-se mutuamente, olhando todos em direção ao alto, ali onde se situam as Leis da Cidade. O grande problema em política, escreve Rousseau, é o de colocar a Lei acima dos homens, mesmo considerando que são eles que fazem as leis e que eles o sabem. O paradoxo é exatamente o do simbólico, segundo Lacan. Trata-se de produzir-se uma transcendência vinda do interior da sociedade – o que denominamos em filosofia uma autotranscendência.

Acusa-se a concepção rousseauniana da democracia de ter engendrado o Terror da Revolução Francesa e os totalitarismos do século XX. Sem dúvida atribuir-lhe tudo isto é excessivo, mas as análises que apresentei mostram pelo menos uma coisa. Num universo hiperindividualista onde os indivíduos supostamente não precisam se falar, encontrar alguma coisa da ordem de um mundo comum e de um domínio público exige uma transparência absoluta sob a forma da especularidade infinita do saber público; ou então, na impossibilidade evidente de satisfazer esta condição, uma passagem ao outro extremo, onde os homens só se comuniquem por meio de ficções simbólicas, que são os substitutos da transcendência e que se denominam Lei, Verdade, Vontade Geral. Felizmente o mundo onde vivemos ainda é um mundo onde as pessoas se falam.

Tradução de Ana Szapiro.

Notas

  1. Roberto DaMatta, A casa e a rua, Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
  2. Para evitar qualquer mal-entendido, devo precisar que através da expressão espaço público quero me referir a algo muito maior do que o que corresponderia ao Estado. O espaço público é o espaço da comunicação. Duas pessoas que se falam criam entre elas um espaço público.
  3. Milton Friedman, Free to choose, New York: Avon Books, 1981, pp. 13-14.
  4. Marcel Mauss, Essai sur le don, Paris: PUF, p. 147. Ed. bras.: Idem, “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”, em: Sociologia e Antropologia, São Paulo: EPU, 1974. (N.T.)
  5. Idem, ibidem.
  6. No caso, o informante maori da Nova Zelândia. Cf Claude Lévi-Strauss, “Introdução à obra de Marcel Mauss”, em: Sociologia e Antropologia, São Paulo: EPU, 1974. (N.T.)
  7. Jacques Lacan, Le Séminaire: livre II: Le moi dans la théorie de Freud-1954-1955, Paris: Seuil, 1978. Ed. bras.: Idem, O Seminário: livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 2010. (N.T.)
  8. Pierre Bourdieu, Esquisse d’une théorie de la pratique, Genebra: Droz, 1972. Ed. port.: Idem, Esboço de uma teoria da prática, Portugal: Celta Editora, 2006.
  9. Com uma plateia diante de mim, eu peço aos ouvintes que me escutem atentamente porque vou revelar um segredo de familia. A mãe da minha mãe se chamava Felícia. É provável que isto em nada interesse a eles. E, entretanto, daqui em diante, não somente eles sabem o nome da minha avó materna como sabem que os outros ali presentes sabem disso, e os outros sabem que os outros sabem que todos ali o sabem etc., até o infinito.

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