1986

Rio e Excelsior: projetos fracassados?

por Alcir Henrique da Costa

Resumo

Quando se escreve a história da televisão no Brasil, fica-se, em geral, nos grande projetos, particularmente na Globo e na Tupi. Algumas tentativas, consideradas fracassadas, são simplesmente esquecidas ou, quando não, são limitadas aos fatos, desvinculando-os do contexto da época. Na realidade, a análise da história dessas tentativas pode servir de parâmetro ao estudo da linha de desenvolvimento da televisão no Brasil, na sua passagem do modo empresarial tradicional, descentralizado, apoiado num só homem ou família, ao estilo da televisão-empresa, sem romantismos, da centralização, da rede. E, com isso, fornecer elementos ao tratamento da evolução da linguagem, da estética e da organização da programação televisiva.

Por isso, é de extrema importância discutir os casos da TV Rio e a TV Excelsior quando trata-se da história da TV no Brasil. A primeira, por marcar o “apogeu da televisão romântica no país”, como afirmou Geraldo Casé, por marcar a grande época do amadorismo, do “vamos fazer e pronto”, segundo João Loredo. Um amadorismo que fez da Rio, entre 60 e 67, uma das emissoras campeãs em audiência e, talvez, a grande escola onde homens como Boni e Clark definiriam uma política de produção e empresarial que seria, depois, aplicada na Globo. A TV Rio foi a emissora dos grandes programas humorísticos, do “Jornal Nacional” ligando por microondas o eixo Rio-São Paulo. Foi a emissora que lançou “O Direito de Nascer”, novela que representou, com seus 73 pontos de audiência, a afirmação do gênero. Foi a emissora que planejou, no Rio de Janeiro, a transmissão em cores e a primeira a utilizar o video-teipe.

Outro canal incluído no ensaio foi a Excelsior, portadora de um projeto coerente com os interesses monopolistas de seu dono, Mário Wallace Simonsen. Foi uma emissora que construiu seu êxito e desaparecimento na confrontação com os monopólios estrangeiros e com a política de negação do populismo do governo de João Goulart, que limitava a penetração do capital estrangeiro na economia nacional. Talvez o sucesso da Globo tenha na raiz o fracasso da Excelsior, mais vinculada a um grupo cuja visão nacionalista não encontrava espaço no quadro de expansão do capitalismo brasileiro.

Mas a Excelsior não era somente um projeto político. Com a TV Rio, introduziu no Brasil um conjunto de inovações na linguagem e organização da televisão, aproveitando a experiência acumulada em outros países. Introduziu também a verticalidade e horizontalidade na programação, inovou o telejornalismo, criou a telenovela diária. Se observarmos todas as áreas de atuação da emissora, a Excelsior esteve, sem dúvida, entre as mais inventivas, a ponto de levar Álvaro Moya a afirmar que “hoje em dia já não existe mais isso, existe só a Globo imitando o que a Excelsior foi. E sem nenhuma criatividade”.

Lamentavelmente, com a falência dessas emissoras, foram perdidos todos os seus arquivos e centros de documentação. Informações imprecisas indicam que essa documentação estaria, no caso da Rio, com os padres capuchinhos do Rio Grande do Sul, e, da Excelsior, com “um advogado” que teria participado das negociações finais de fechamento da empresa. Essa ausência de documentos explicaria a total ausência de trabalhos analíticos sobre esses canais.


TV Rio: 22 anos no ar

Tudo em família

A TV Rio foi ao ar em 1955, exatamente no dia em que se instalou no Rio de Janeiro o Congresso Eucarístico. Nessa época, já se havia dado a separação empresarial, no caso da TV Rio, entre as famílias Machado de Carvalho e Batista do Amaral, mas a união que já vinha de mais de duas décadas só foi possível, provavelmente, pela compatibilidade de estilos empresariais. E é Manuel Carlos[1] quem lembra: “O Dr. Paulo Machado de Carvalho sempre teve uma postura muito curiosa em relação ao dinheiro. Passava no caixa, via quanto tinha e anotava cuidadosamente na sua caderneta. Isso acontecia, pelo menos, até 1970, enquanto eu trabalhava lá. No fim do dia, o Moacir, que era o contador da TV Record, dava para ele os números, quanto tinha dado de lucro, e ele anotava naquela caderneta.” Essa rápida passagem nos indica o estilo da associação, “por assim dizer, familiar”,[2] entre as duas famílias, durante muitos anos.

Depois de criarem uma empresa de out-doors, João Batista do Amaral, pai (conhecido como “Pipa Amaral”), e Paulo Machado (casado com a irmã. de “Pipa”), fundaram, em 1931, a Radio São Paulo e, mais tarde, as Radios Record e Pan-Americana. Criaram, depois, o jornal O Tablóide, possivelmente o primeiro no gênero no Brasil, em 1946, utilizando pouco texto e fotografias de ação. O passo seguinte foi a criação das TVs Record e Rio. Opinamos que as características da Rio — a que nos interessa nesse estudo — estiveram muito marcadas pelo estilo empresarial que orientou a longa associação entre as duas famílias.

Na sua entrevista, João Batista do Amaral Filho procura demarcar-se dos Carvalhos, dando a entender que seu pai (o “Pipa”), pelo menos na área de televisão, buscava romper com a visão doméstica: “O tio Paulo não achava que a televisão devesse se organizar necessariamente em redes, enquanto nós achávamos /…/. O meu pai estudou televisão e viu que não podia ser um negócio pequeno, tinha que ser grande e para ser grande tinha que ser rede.”[3]Mesmo sendo essa a mentalidade da família Amaral, na pratica a expansão da Rio não se deu, pelo menos, nos níveis propostos. Diz Manuel Carlos que a TV Rio funcionou “como uma televisão local, e por muito tempo foi considerada televisão carioca mesmo, até tinha muita simpatia do público por causa disso /…/ Ela era uma televisão doméstica, como a Record, uma televisão que não se expandia”.[4]

Na discussão desse tema, do estilo empresarial presente no projeto da Rio e na sua relação com o fracasso da emissora, Walter Clark se apresenta de maneira contraditória. Inicialmente, concorda com Amaral Filho, reconhecendo no “Pipa” a visão empresarial de longo alcance. Afirma que Joao Batista do Amaral “era um gênio”, sabia que o modelo americano das redes era o futuro da televisão.[5] Mas critica a direção da Rio e, no caso, também “Pipa” Amaral, por impor a “fórmula antiga” ao trazer de volta Péricles do Amaral, primeiro diretor artístico da casa, em detrimento de José Bonifácio Oliveira Sobrinho, o Boni, na época em que a Rio perdeu para a Excelsior todo o seu elenco.

João Loredo, diretor artístico da emissora, de 1956 a 1960, opina como Manuel Carlos. Para ele, “a decadência da estação foi devida unicamente A. sua estrutura empresarial muito familiar e uma gerência financeira muito peculiar”.[6] E acusa, de maneira genérica, “os donos” que “compraram casa e a mobiliavam com permutas; tinha-se muito anúncio, mas jamais o dinheiro entrava!”. Aliás, nessa questão, Manuel Carlos também faz as suas acusações: “A TV Rio não desapareceu, ela faliu, não é o caso da Excelsior – a TV Excelsior é um caso à parte. A TV Rio faliu, que eu saiba, que me conste, por total incompetência, desorganização, por roubos, má administração. O que transpirou para nós foi falência comercial mesmo, empresarial.”[7]

Também para Geraldo Casé, filho de Ademar Casé, a TV Rio acabou devido à estrutura paternalista e familiar da direção.

Por mais que a questão seja contraditória, tudo parece indicar que a Rio foi uma emissora típica do período romântico, do amadorismo, que não resistiria (e não resistiu) ao impacto da TV Globo, emissora típica do modelo industrial.[8] Segundo Geraldo Casé, “era impossível fazer uma boa televisão na Rio, porque ela funcionava contra qualquer princípio técnico. As câmaras Dumont eram consertadas com arame, barbante e esparadrapo. O impacto das primeiras redes, tipo de organização que barateia todos os custos, acabou com a TV romântica e impôs o modelo industrial”.[9]

Mas, como vimos, a Rio foi criada em 1955. Antes de ir ao ar, por divergências não aclaradas, João Batista do Amaral tomou posse integral na TV Rio, passando à família Carvalho parte de seu poder na Record. A polêmica sobre a criação de canais locais ou de estabelecimento de rede teria sido, conforme insinua Amaral Filho, o motivo que provocou uma redistribuição acionária nas empresas das duas famílias: “Sem rede não há solução e ele (João Batista do Amaral) forçou a rede. O tio Paulo, na ocasião, achava que o Estado de São Paulo por si só era uma rede, naquela conversa de paulista, achando que São Paulo vai levar tudo.”[10] Outras fontes falam abertamente em atritos pessoais, sendo que Walter Clark chega a dizer que “Pipa” Amaral “lido confiava em ninguém e não se dava com a família”.[11]

Mas o fato é que, com a separação, diz Amaral Filho que seu pai ficou com 50% da Record e 100% da Rio, sendo que esta teve, legalmente, suas ações divididas por três membros da família: pelo pai (50%) e pelos dois filhos (Amaral Filho e sua irmã), cada um com 25%.

Da simples existência a líder de audiência

Nos dois ou três primeiros anos da TV Rio, deu-se a luta pela própria existência, a partir da “meia dúzia de equipamentos”[12] que “Pipa” Amaral recebeu dos Machado de Carvalho. Em 1956, Walter Clark, com 19 anos, foi contratado como assistente de Cerqueira Leite. Na realidade, “a televisão era apenas um caminho curto para o cinema, só que ele ficou nela até hoje, chegando, aos 40 anos, a ser diretor da Rede Globo de televisão”.[13] Foi uma época difícil de disputa do ainda pequeno mercado carioca, onde a Tupi mantinha indiscutivelmente a liderança de audiência. “As pessoas recusavam-se a falar comigo, nenhum empresário acreditava em televisão ainda.”[14]

Talvez se pudesse falar que a TV Rio desponta como uma emissora respeitada a partir de 1958, quando chegou ao primeiro lugar em audiência com o programa de boxe no domingo: “TV Rio Ring”, além de penetrar nas casas dos telespectadores, reunia no auditório da emissora um grande público, mero de amantes do boxe: “Na faixa de esportes, a ‘TV Rio Ring’, aos domingos, também batia recordes no IBOPE. Além da audiência de casa, uma refinada plateia, composta até de senadores, militares e magistrados, acompanhava o nascer de ídolos do boxe, como Fernando Barreto, mais tarde vítima de sua própria atividade profissional e do êxito que a emissora lhe deu.”[15]

Mas o grande salto, a grande explosão, dá-se em 1960, com a afirmação do programa “Noite de Gala”, que lançou Flávio Cavalcanti como apresentador. “O ‘Noite de Gala’ era um programa musical que tinha a pretensão de realizar uma coisa boa para a época. Guardadas as proporções, era realmente boa. Não era uma produção da TV Rio: era absolutamente isolada, um desses casos de injunções de patrocinadors, e o Medina mandava na TV Rio. Ele era um dos maiores e mais importantes patrocinadores que nós tínhamos. Trazia para o ‘Noite de Gala’ os melhores artistas nacionais e também estrangeiros da época. Era também um programa de entrevistas, político e de externas. Ele começou em 1955 e ficou 11 anos no ar.”[16]

Geraldo Casé, também, fala da importância e do êxito do programa “Noite de Gala”, considerando as limitações do Canal 13 e da época: “Meu pai tinha a ideia de realizar um programa de variedades na televisão, um precursor do Fantástico, mas ao vivo, que foi ‘Noite de Gala’. Mas a Tupi recusou. Abraão Medina, dono das lojas Rei da Voz, resolveu topar e fomos fazer o programa na Rio. O único estúdio que tinham — corria o ano de 1955 — era um quarto-e-sala. E havia apenas uma câmara. Fizemos estúdio novo, evidentemente sem tratamento acústico, o que dava uma reverberação grandiosa, e realizamos um programa sem ritmo, descozido, que durou, na sua primeira audição, mais de três horas.” A seguir, Casé lembra as pessoas que participaram do programa: Carlos Thiré, Tom Jobim, Vinícius de Morais, Sérgio Porto (apresentador), Henrique Pongetti, Fernando Sabino, Chico Anísio, Walter D’Avila, Luis Delfino, Elizeth Cardoso. E completa: “Saiu tudo baratinho e improvisado, mas o público gostou; Medina acreditou e chegou até a financiar a compra da segunda câmara da estação. ‘Noite de Gala’ viveu 11 anos, foi a mola propulsora de uma época porque marcou o início da grande produção em televisão.”[17]

“Noites Cariocas” foi outro grande programa da TV Rio, batendo o recorde de audiência em 1961 e 1963. Era um musical humorístico, dirigido por Péricles do Amaral, “que bateu os recordes de audiência na década de 60.”[18] Amaral Filho lembra de “Noites Cariocas” como um programa “que intercalava números humorísticos com musicais, de forma que a qualquer hora que se pegasse o programa era possível acompanhá-lo”.[19]

Outros programas destacavam-se nessa época: “O Riso é o Limite”, humorístico que liderou a audiência em 1962; “Teatro Moinho de Ouro”, uma produção de Vitor Berbara; “Praça da Alegria”, “um humorístico que a TV Rio foi buscar também em São Paulo com o Manuel da Nóbrega, que tinha bolado o programa para o Canal 5, TV Paulista /…/ Quando nós trouxemos o Praça da Alegria da TV Paulista, eu não havia mandado aliciar o Manuel da Nóbrega: simplesmente o prestígio da Rio era tão grande que eles quiseram colocar o programa na Rio. Só isso”. Ou, como lembra Artur da Távola, um programa “que parava a cidade e trazia o gordo da Iskibrega”;[20] “Chacrinha”; “Preto no Branco”, com a voz de Sargentelli; “Big Lar Show”; “Peter Gunn”, líder de audiência em 1964; e “Moacyr Franco Show”.

O êxito do “Jornal Nacional”

Nessa época, a TV Rio criou o “Jornal Nacional”, “noticioso e tido como de boa credibilidade”.[21] Aproveitando o êxito do telejornalismo da TV Tupi, com o “Repórter Esso”, a Rio contratou Heron Domingues, que constituiu dupla com Léo Batista: “A Tupi tinha um bom telejornalismo, o ‘Repórter Esso’. A diferença é que nós fomos buscar o reporter ‘Esso’ do radio, o Heron Domingues e, em vez de um locutor, nós pusemos dois — o segundo era o Léb Batista.”[22]

O telejornalismo da Rio ia ao ar diariamente às 20 horas e chamava-se “Nacional”, porque era patrocinado pelo Banco Nacional. “Não era nacional ou mesmo internacional como o da Globo de hoje. Naquela época não havia satélite”, diz Amaral Filho, afirmando entretanto, que apesar das limitações da época, a Rio foi a emissora que apresentou o telejornalismo que mais uniu o território nacional. Explica: o “‘Jornal Nacional’ era de todos o mais nacional, porque nós tínhamos uma ligação de microondas entre São Paulo e Rio. Nós nos antecipamos à Companhia Telefônica. Mais especificamente, meu pai fez uma companhia que se chamava Radio Comunicações Ltda., que fez a primeira ligação de microondas para video (para televisão), para aúdio, telefonia e teletipo. Há 25 anos atrás nós já éramos uma empresa que alugava teletipo”. Assim como essa estrutura de comunicação, o “Jornal Nacional” conseguiu destacar-se dos demais. Segundo Amaral Filho, a criação de estações da Companhia Telefônica obedeceu organização da Radio Comunicações. Aproyeitaram “até o nosso serviço de prospecção /…/. atual presidente da Telefônica, Coronel, ou talvez já seja General, Eldésio Gilson, foi nosso funcionário”. Por isso, “tinha-se condições de dizer ‘fala Sao Paulo!’ e falava mesmo”.[23]

Tudo isso constituiu o novo no telejornalismo brasileiro; por isso, a Excelsior e a Rio disputavam a hegemonia, e dividem hoje as opiniões no que diz respeito as contribuições ao desenvolvimento do telejornalismo no Brasil. Nisso, Amaral Filho é modesto: “eu nem acho que o jornalismo da TV Rio tenha sido inovador: foi inovador em termos de Brasil, mas era calcado no jornal da NBC, da CBS, dos Estados Unidos. Procuramos dar cunho nacional e internacional e, em vez de filmadoras tradicionais, nós tínhamos filmadoras com voz: o sujeito falava na imagem. Isso era uma novidade fantástica”.[24]

A Excelsior entra de sola

1963 foi um ano decisivo na vida da TV Rio. Num só dia, a Excelsior contratou dezenas de artistas da Rio, oferecendo o dobro de salários. Antes, já havia sido contratado o Moacyr Franco, mas a série interminável de contratações (“criou-se uma fila no escritório”[25]) iniciou com o J. Silvestre e Chico Anísio. Na realidade, na TV Rio permaneceram apenas Golias, Manuel da Nóbrega e Carlos Alberto Nóbrega. “Os principais diretores de espetáculos, escritores, arranjadores e atores da TV Rio, seduzidos por maiores salários, foram contratados pela Excelsior a despeito do esforço feito pelos dirigentes.”[26] Amaral Filho não consegue esconder certa irritação quando trata do assunto, e chega a exagerar os números: “A Excelsior levou 400 funcionários da Rio em um só dia, inclusive a telefonista e o barbeiro.” Mais adiante, na mesma entrevista, corrige-se falando em 100 ou 150 (“eu disse 400, mas talvez seja um número menor. Mas certamente não é 40, é muito mais.”). De qualquer forma, o fato é que foram dezenas os contratados e não se limitaram a Rio: “A Rio não era só a TV Rio: nós tinhamos 50% da Record, a TV Belo Horizonte, a TV Alvorada de Brasilia, a TV Juiz de Fora, a TV Nova Friburgo etc. Eram dez ao todo.” Amaral Filho procura mostrar o sentido do comportamento da família Simonsen: para ele, a Excelsior não se propôs a fazer um negócio comercial, mas um negócio político, “uma jogada política (mas que foi) malsucedida /…/. Ele (o Simonsen) precisava de audiência, mas não para amanhã: ele precisava para já. Não adiantava plantar e esperar a árvore crescer para depois colher os frutos. Então, teve que tirar de quem já tinha, que pegar pronto. E foi o que ele fez, e o fez politicamente vinculado a um regime que foi derrubado por uma revolução”. Para Amaral Filho, a repressão exercida pelos governos militares pós-64 justificava-se perfeitamente: “o Mario Wallace Simonsen, pai do Wallinho, é de uma das melhores famílias de São Paulo, família tradicional, bem nascido, rico, profissão banqueiro”. Terminado o que seriam elogios, dá início às criticas: “O Mário Simonsen, pai do Wallinho, quando resolveu fazer televisão, o fez por motivos politicos. Ele tinha ambições políticas mas foi impaciente e não soube esperar o pós-Jango para se realizar politicamente /…/. Embora fosse de uma família tradicional, ele entrou na televisão para ter força política ainda com Jango, embora ele fosse anti-Jango. Seria o último a apoiar, um governo, digamos, pelo menos, de esquerda. Um governo que um radical poderia dizer que pretendia entregar o país para a Rússia, para os comunistas – o que não deixa de ser verdade /…/. Então, era muito natural que essa revolução olhasse com desconfiança um concessionário de serviços públicos ligado ao regime derrubado. O chamado dono de televisão não é nada mais que um concessionário de serviços públicos, que usufrui aquela concessão se faz as coisas de acordo com o que diz a concessão. Então, se alguém começa a fazer comícios, subversão /…/”. E dá a justificativa final: “A Excelsior trabalhava para uma ditadura de esquerda, então é muito natural que ela tenha sido devassada, e não ha quem resista a uma devassa”.[27]

Foi, seguramente, um golpe muito forte na TV Rio. A maioria dos contratados era responsável pela programação humorística da emissora, exatamente por onde se deu a sua afirmação na conquista de audiência. Amaral Filho procura diminuir o alcance do prejuízo: “/…/ a Excelsior não ganhou, eles não conseguiram muita coisa. A Rio não perdeu no IBOPE, ela só viria a perder mais tarde, mas a Rio foi mortalmente atingida nas suas finanças.”[28] Walter Clark, entretanto, coloca claramente essa questão como uma das responsáveis pela decadência da emissora. Mas, mais importante para ele, foi a concepção empresarial conservadora que sempre dominou a Rio: “A estação começou a ter lucro, mas claudicou porque faltou a seus donos a consciência de equipar, usávamos câmaras de antes da Segunda Guerra Mundial. Além disso, em 1963, a TV Excelsior levou todo nosso elenco numa só noite, pagando o dobro dos salários.” Walter Clark diz que tentou a contratação do José Bonifácio Oliveira Sobrinho – o Boni – , “único que sabia tudo sobre produção, um dos seis maiores especialistas do gênero, do mundo”. Mas, segundo Clark, a direção da Rio não aceitou por uma visão conservadora, “eles recusaram e trouxeram de volta Péricles do Amaral /…/. Foi a vitória da fórmula antiga.”[29] Amaral Filho se opõe, entretanto, radicalmente, As opiniões de Walter Clark e defende Péricles do Amaral, creditando a ele o sucesso da TV Rio: “O Walter Clark foi durante muito tempo um diretor comercial muito bom. Mas a criatividade era com o Péricles do Amaral. Quem criou tudo isso que até hoje continua? Quem descobriu e inventou o Moacyr Franco, que já foi um grande ídolo? Quem descobriu o Chacrinha? O Wilton Franco? Foi o Péricles do Amaral, que era um grande criador em televisão. Ele deu o tom a TV Rio e, de certa maneira, da televisão brasileira. O Walter tem algum espirito criador, o Boni já bem menos, o Péricles era só criador. Péricles sem um administrador talvez não funcionasse. O gênio não é organizado; se fosse, não seria gênio.”[30]

Boni e Clark: um projeto a curto e médio prazo

Mas meses depois, Boni foi contratado, quando, segundo Walter Clark, “a vaca (já tinha ido) pro brejo”. Afirma que a única coisa que a Rio conseguiu realizar nesse intervalo foi a primeira novela diária da televisão carioca, “A Morta sem espelho”, de Nelson Rodrigues, com Fernanda Montenegro e Sérgio Brito. Mas assim mesmo só pôde ser levada ao ar às 11 horas da noite, por exigências do Juizado de Menores.

Na realidade, Boni e Clark, mais que resolver uma crise na TV Rio provocada pela concorrência da Excelsior, tinham um projeto empresarial muito mais global, objetivado, um pouco mais tarde, na TV Globo. “Apesar do sucesso, o fato de a Record não ter querido produzir em comum com a TV Rio, jogou por terra a possibilidade de tornar realidade uma convicção que tínhamos, o Walter Clark e eu: a de que só uma central de produções e uma programação nacional tornariam viável a televisão em termos empresariais, pela diluição de custos e o alcance de um mercado realmente majoritário, o de Rio-São Paulo. Embora depois tentada na Tupi, quando la estive, a central de produções só pôde mesmo ser feita anos depois, graças à consciência e aos recursos postos disposição pela Rede Globo. A prova de seu acerto como política empresarial pode ser expressa no êxito nacional conseguido pela Rede Globo de Televisão.”[31]

Se isso é verdade, também o é a preocupação do Boni e Clark em solucionar um problema imediato, vivido pela Rio: “Chegamos à conclusão de que a única opção, diante do fato consumado do esvaziamento de nosso cast, era partir para a telenovela.”[32] A Rio lança então “Renúncia”, uma história de Oduvaldo Viana, pai, estrelada por Irina Grecco e Francisco Cuoco e, em seguida, lança “O Direito de Nascer”, considerado como um dos maiores sucessos no gênero. Sobre ela, escreveu Artur da Távola: “Da TV Rio ficará outra contribuição: a novela de televisão como é concebida hoje em dia numa forma e modelo que só o Brasil possui em igual quantidade e qualidade, nasceu lá, com ‘O Direito de Nascer’ (embora gravada em São Paulo, pela Tupi). Antes, o que havia em telenovela não era da mesma natureza do que passou a haver depois de o “O Direito de Nascer’.”[33]

No final de 1964, foram comprados, por 10 mil dólares, os direitos de três novelas de Félix Caignet, cubano exilado. Uma delas era “O Direito de Nascer”, que já fizera sucesso, no início da década de 50, no rádio. “Na novela, eu acho que ‘O Direito de Nascer’ foi realmente a primeira. O resto, foram tentativas de fazer novela que davam alguns pontinhos no IBOPE. Foi ‘O Direito de Nascer’ que fez o vício da novela, a audiência da novela.”[34]

Adaptada para a televisão pelo Canal 4, Tupi, de São Paulo, os direitos de retransmissão no Rio foram entregues a TV Rio. “A TV Rio não fez nada em ‘O Direito de Nascer’, foi uma produção da Tupi /…/. Não foi o departamento de criação da TV Rio, nem alguém que bolou a coisa. Foi o departamento comercial da Rio que, por imposição de cliente, queria colocar uma novela nacional /…/. Feita lá (em São Paulo), foi oferecida para a Tupi do Rio, Emissoras Associadas, que também não eram muito associadas, mas elas não quiseram, talvez porque isso fosse dar cartaz a São Paulo — uma briguinha interna Rio-São Paulo.”[35]

O êxito de “0 Direito de Nascer” foi total, alcançando no. Rio 73% de audiência. Encerrou suas apresentações em agosto de 1965, com uma grande festa no Maracanãzinho, que indicava o nível de conquista da opinião pública — “a primeira grande festa popular da televisão no Rio”, como afirma Walter Clark, ou a “Gran finale”, como prefere Amaral Filho. Era a afirmação do gênero, a afirmação da telenovela, já que, ao que parece, “O Direito de Nascer” era ainda muito limitada, tanto do ponto de vista literário quanto do da linguagem televisiva. Tratando do original levado ao rádio, Mario Brassini lembra que o texto era repleto de adjetivações e de lugares comuns, momentos que demonstravam o “pior mau gosto, uma verdadeira estupidez do ponto de vista literário e de comunicação”. E narra uma dessas passagens: “E o sol, cansado de todo o dia de luz, escondeu-se atrás dos montes, deixando o espaço livre para as trevas”.[36] Sherman também é da mesma opinião. Fala de “O Direito de Nascer” como “a novela mais mal feita desse país”. E acrescenta “Ela foi tão mal feita que foi dirigida por um cara que nunca tinha vivido novela. Surgiram crises incríveis, mudaram de diretor três vezes, pegaram o elenco de segunda, porque o elenco de primeira não quis fazer.”[37]

Começa o fim

A inauguração da TV Globo, em 1965, significou outro golpe, talvez o decisivo, na Rio. Nesse mesmo ano, Boni transferiu-se para a Globo e, logo depois, Walter Clark também se afastou, levando para a nova emissora o pessoal da Rio que escapara da contratação em massa efetuada pela Excelsior… Sobre a saída de Clark, Manuel Carlos comenta o fato como um dos motivos do declínio da Rio. E lembra que “o Walter Clark cobrava muitos recursos da TV Rio e ela não dava /…/ ele nunca quis sair da TV Rio, mas ela realmente não dava a ele recursos”.[38] E, de alguma forma, Walter Clark confirma essas observações: “Eu era tão arraigado à estação, que fiquei um mês chorando as escondidas, e o dia anterior assinatura do meu contrato com a Globo foi o pior da minha vida. E assinei esse contrato ouvindo e vendo o programa ‘Musikelly’ da Rio, que era, na época, campeã de audiencia.”[39]

O declínio da TV Record, no final da década de 60, agravou ainda mais a situação da Rio. Com a Record, entrou em decadência a REI (Rede de Emissoras Independentes), da qual fazia parte a TV Rio.

No final da década, a família Batista Amaral vende a emissora para os Machado de Carvalho e para Murilo Leite, donos, respectivamente, da TV Record e da TV Bandeirantes. “Quando a Record comprou a TV Rio — talvez essa seja uma razão forte para o desastre da Rio —, o fez muito por influência do Murilo Leite, e a comprou meio massa falida, já com muita dívida, com funcionários reclamando na justiça /…/” opina Manuel Carlos.[40] Essa afirmação é, entretanto, combatida por Amaral Filho: “Quando eu vendi a TV Rio, ela estava em excelente posição: tinha 8% de IBOPE, o que um índice cobiçável. O que aconteceu foi que a Globo liquidou todas as outras televisões através de um monopólio que eu não saberia dizer de que modo se estabeleceu. Mas a Rio, quando foi vendida, era uma empresa cheia de vitalidade, embora muito menor do que tinha sido antes. Nós enxugamos a empresa justamente porque tínhamos decidido sair do negócio. Foi uma decisão nossa. Ela deveria ter, na época da venda, uns cento e poucos funcionários e seus oito pontos no IBOPE. Não era minha a empresa quando não deu certo, porque enquanto foi minha estava muito-bem-obrigado, apesar de todos os pesares.”[41]

Mesmo aceitando-se que se tratava de uma empresa com “muito menos (vitalidade) do que tinha antes”, dificilmente a TV Rio, sem artistas consagrados, sofrendo uma forte pressão da Globo e, agora, sob a direção da decadente Record, conseguiria sustentar-se. Segundo Manuel Carlos, a Rio ficou totalmente abandonada, “nunca puseram, aqui no Rio, ninguém importante para dirigir a empresa. Isto porque eles constatavam o seguinte: só se um dos Carvalho viesse para cá é que a empresa poderia deslanchar. Mas quem queria sair de São Paulo, com medo de que os outros comessem a parte dele?”.[42] A TV Rio teria, então, ficado de tal forma esquecida que, na ausência de a quem reclamar a falta de salários, os funcionários levavam máquinas de escrever, câmaras, máquinas fotográficas etc. “Houve tantos (diretores), que você não pode nem imaginar. Eu acho que até eu cheguei a ficar um pouco, um mês.[43]

Por pouco tempo a TV Rio ficou com os Carvalho, que passaram a emissora, “no final dessa década” segundo escreve Maria Helena Dutra,[44] para o grupo da Televisão Difusora de Porto Alegre, dominado pelos frades capuchinhos. Esse grupo mantinha vinculação com o grupo Gerdau, considerado uma das maiores fortunas do mundo, e as expectativas que justificaram os fortes investimentos da TV Difusora com a compra da Rio eram as de que a Gerdau entrasse na transação. Com o fracasso da associação, a empresa gaúcha não conseguiu, depois de dois anos, sustentar mais os pesados juros do dinheiro que levantara para a compra de equipamento novo a ser utilizado na Rio. Os motivos do fracasso são discutíveis. Hermann Kyaw, um dos diretores de programação da Rio, diz que “quando o negócio estava praticamente fechado, o Governo brecou, ficando a Difusora sozinha”.[45] Maria Helena Dutra afirma que foi o próprio grupo Gerdau que desistiu do negócio: “/…/ este grupo pedia ao mesmo tempo um generoso financiamento governamental para sua siderúrgica no Rio Grande do Sul. Algo que lhe seria negado caso tivesse dinheiro para comprar uma estação de televisão”.[46]

A TV Rio foi, então, vendida ao grupo Scorzelli e Banco Halles. Em apenas uma semana, o Halles foi cassado pelo governo, deixando toda a responsabilidade das dívidas e dos novos investimentos com Roberto Scorzelli, dono da agência de propaganda Artplan. E mais uma vez a TV Rio foi vendida, agora para o grupo Vitória-Minas que, igualmente, viria a ser cassada por apresentar irregularidades em seus negócios imobiliários e de caderneta de poupança.

Obviamente, a TV Rio passou a servir como elemento de negociatas; pelo menos é o que nos indica a frequência das transações, as cassações e o fato de as vendas terem sido efetuadas sem qualquer autorização do governo. Em 1975, por ação dos trabalhadores em radiodifusão, através de seu sindicato, o Ministério de Comunicações exigiu que o grupo da TV Difusora reassumisse o controle da TV Rio. Segundo informações de Ramon van Buggenhout (ou Burghenaut), que assumiu a superintendência geral em fevereiro de 1976, o controle acionário da emissora (872 000 ações) ficou dividido, principalmente, entre Augusto Amaral de Carvalho (100 000), José Salimen (117 700), Walmor Bergersch (117 720), Frei Cyrillo Mattiello (58 860), Frei Antônio Guizzardi (241 980), Frei Osébio Borghetti (58 860) e Frei José Pagno (58 860). Tudo indica que houve uma preocupação dos novos donos em não vincular diretamente a Rio com a Difusora. Isso se reflete nos comunicados oficiais de cassação definitiva da Rio[47], onde não encontramos referências a emissora gaúcha, e numa nota distribuída pela diretoria da Radio e TV Difusora, desmentindo qualquer vinculação dessa emissora com a TV Rio.

Para termos ideia da situação da Rio, basta lembrar que as suas dívidas chegavam, em 1976, a Cr$ 75.000.000,00, época em que o setor técnico da empresa recebia salários de Cr$ 5.000,00. “A situação da TV Rio chegou a um estado tão precário que ela não dispunha mais sequer de telefones. Os poucos funcionários e diretores que ainda trabalhavam eram obrigados a se utilizar dos telefones do restaurante Berro D’Agua, que funcionava no terraço do prédio. Até mesmo o superintendente van Buggenhout preparava sua lista de ligações para fazê-las do restaurante e, quando recebia algum telefonema urgente, um garçom ia chamá-lo alguns degraus abaixo.” As dívidas não paravam de aumentar, todos os funcionários (cerca de 120) estavam com os salários atrasados em pelo menos quatro meses, e a publicidade era quase nenhuma, já que a pressão dos empregados e fornecedores sobre as agências era grande na tentativa de vincular a conta ao pagamento das dívidas da empresa. Conta-nos Maria Helena Dutra que “um jornalista afirmou certo dia que o grupo imobiliário Letra estaria interessado em comprar a estação: no dia seguinte, formava-se fila de oficiais de justiça na porta da empresa, já preparados para cobrar dívidas. O negócio foi desfeito antes de começar”.[48]

Em abril de 1976, por ação da RCA, um oficial de justiça colocou a emissora fora do ar por quase uma semana, argumentando falta de pagamento. A TV Rio ficou sem a sua câmara colorida e, além dos filmes fornecidos gratuitamente pelos consulados, a emissora só podia passar os em preto-e-branco da distribuidora Dife, de São Paulo, a quem ela devia menos. Já no final, a Rio estava com cerca de 80% da programação feita. ao vivo e, sempre com a situação agravada, foi mais uma vez retirada do ar, no inicio de 1977. Rompido o prazo oficial de 30 dias, a emissora pediu ao Denter[49] uma prorrogação de 15 dias para continuar fora do ar. Para que voltasse a funcionar, um grupo de produtores e apresentadores, que se intitulou “comissão financeira”, resolveu tirar do próprio bolso recursos que solucionassem a crise da empresa. Foi arrecadado um total de aproximadamente Cr$ 800.000 pelo grupo, que estava integrado por Henrique Lauffer, João Roberto Kelly, J. B. de Aquino, Anuar Salles, Paulo Monte, Martinho-Duarte, Josias Alt e Cláudio Ferreira. Mas já não havia mais jeito. Três ou quatro dias depois, a presidência da República assinou decreto cassando a concessão outorgada em 1954 à TV Rio para explorar o Canal 13. Na época, escreveu Artur da Távola: “No artigo de ontem, em breve notinha, eu saudava a volta da TV Rio ao ar, supondo ser possível a sua sobrevivência. A página já estava impressa quando chegou a notícia da cassação do Canal 13. A volta ao ar tinha sido a visita da saúde. O alento final do moribundo. Quem analisar friamente a questão vê que não havia outro caminho.”[50]

Artur da Távola disse que a cidade do Rio de Janeiro ia sentir saudades da TV Rio, por sua importância na política, nos noticiários, nos shows, nos humorísticos. Isso parece ser verdade. Ninguém pode negar a importância da emissora na intensificação dos debates políticos nos períodos de maior liberdade democrática. Foi ela a primeira emissora a retirar dos estúdios essa programação e levá-la para os locais onde ela ocorria com mais intensidade. Também não é à toa a disputa que ainda ocorre entre os defensores da Rio e da Excelsior para ver qual delas mais inovou no terreno de telejornalismo. Igualmente, no campo dos shows, a Rio marcou uma época, particularmente com “Noite de Gala”, “com o mago Medina a comandar o espetáculo e revolucionar a concepção de espetáculo televisivo no Brasil”.[51]

Mas a mais indiscutível hegemonia da Rio foi na programação humorística, que obrigou a Excelsior, em seu período de afirmação, a contratar, de maneira preferencial, os profissionais da Rio que atuavam nesse gênero.

O moderno no familiar

Talvez Geraldo Casé tenha razão quando afirma que a Rio foi muito importante por ter marcado o apogeu da televisão romântica no Brasil. Mas se isso é verdade, também o é o fato de a TV Rio ter sido, em muitos aspectos, a primeira, ou uma das primeiras, a incorporar elementos, tanto técnicos como organizativos, de uma visão empresarial chamada moderna. Foi ela a primeira a introduzir o video-teipe, em 1960 (com Chico Anísio Show, dirigido por Carlos Manga), fundamental na racionalização da programação e no estabelecimento da rede, que acabou por não se concretizar. Foi a primeira na ligação Rio-São Paulo por microondas, dando os primeiros passos na chamada integração nacional. Se não foi a Rio a primeira a transmitir em cores, foi lá — segundo nos diz Amaral Filho — “que o coronel Brito, competente engenheiro do Exército, que foi diretor técnico da Rio, preparou tudo para que ela passasse em cores”, o mesmo coronel Brito que “foi para a Globo e lançou a cor”.[52] No que diz respeito a organização da programação, Alvaro Moya, primeiro diretor artístico da Excelsior, garante que foi essa estação (e não a Rio) a primeira a romper com as imposições dos anunciantes e introduzir a chamada verticalidade e horizontalidade. Mas essa opinião se choca com a de Amaral Filho, o que nos indica que, provavelmente, o correto seria afirmar que Rio e Excelsior se complementaram e inovaram nessa questão. Mas negando o pioneirismo da Excelsior, Amaral Filho foi direto: “Aqui no Brasil, a Rio foi quem primeiro usou isso, sem a menor dúvida. Até os nossos anúncios eram assim /…/ Uma das razões do sucesso da TV Rio foi essa. Na Excelsior e na Globo, a virada se deu somente quando o pessoal da Rio foi pra lá.”[53] E conclui mas adiante: “/…/ a TV Rio não morreu: ela só não vive mais no Canal 13”.

Foi por isso que Artur da Távola escreveu que a Rio ia deixar saudades. E lembra a importância da emissora na formação de um número muito grande de profissionais, nas diferentes Areas: Walter Clark, Boni, Carlos Alberto Lofller Fernando Barbosa Lima, Borjado, Oswaldo Sargentelli, Flávio Cavalcanti, Geraldo Casé, Elod Dias, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Silvia Hoffmann, Chico Anisio, Castrinho, Luis Mendes, Léo Batista, Hilton Gomes, Fernando Garcia, Luis Jatobá, Armando Nogueira, Carlos Imperial, Cid Moreira, Moacyr Franco, Moacyr Areas, Moacyr Masson, Jorge Loredo, Jô Soares, Ronald Golias, J. Silvestre, Rui Matos, Armando Barroso, entre outros. E, lamentando o fim da emissora, conclui: “Eu sei que havia chegado a hora da TV Rio: mas não posso deixar de me sentir ferido e magoado, com tristeza difícil da perda. Nada é mais triste para um jornalista do que o fechamento, a morte ou fim de qualquer canal de comunicação. Com a morte a TV Rio, a gente tem mais certeza ainda de que um tempo importante para nós morreu de verdade e nunca mais voltará. Morreu com ela. Que exatamente por mantê-lo já tinha morrido. E não sabia.”[54]

Excelsior: a destruição de um grande império

A TV Excelsior foi criada em 1959, As vésperas das eleições presidenciais. Ligada, segundo afirmam alguns, inicialmente a Jânio Quadros, apoiou o governo populista de João Goulart e apôs-se ao golpe militar de 1964. Alvo de uma forte repressão, desencadeada pelos chamados “governos da revolução”, a Excelsior teve sua concessão cassada em 1969. O que procuraremos mostrar é que a vida e, particularmente, sua falência estiveram intimamente ligadas ao processo de monopolização da nossa economia e às transformações políticas a ele vinculadas. E que são afirmações precipitadas ou, pelo menos, parciais as que situam puramente no campo administrativo as causas da falência da Excelsior, como, por exemplo, as conclusões de um trabalho publicado sob o título “No Brasil, uma aventura tropicalista”: “a Excelsior morreu em 1969 em plena falência, sem fazer história devido ao seu amadorismo financeiro e artístico”.[55]

Os limites do nacionalismo

Sem dúvida, uma forte propaganda nacionalista marcou os anos 50 e parte dos 60. No governo de JK, a intelectualidade ligada ao ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e a maioria dos grupos de esquerda formularam teorias onde procuravam relacionar um desenvolvimento industrial autônomo à solução dos graves problemas sociais. E o faziam na certeza de que a ideologia nacionalista estava presente na consciência e na formulação de projetos do empresariado brasileiro.

É inegável que o nacionalismo, nos limites do capitalismo, manteve-se e mantém-se presente na consciência de segmentos importantes da nossa população; outra questão, entretanto, é vermos em que medida essa ideologia atingiu de maneira consequente os segmentos incluídos no processo decisório. Porque o que se sabe é que a vida, no seu desenrolar, “encarregou-se de mostrar tanto a fragilidade do projeto econômico, com a crise do modelo de substituição de importações, quanto do projeto político fundado no pacto populista”, ao mesmo tempo em que ao lado da euforia nacionalista dos anos 50, “a expansão industrial tornava-se cada vez mais dependente de novos investimentos e da utilização de tecnologia avançada”.[56] Nesse sentido, Luciano Martins, em sua tese de doutorado, chega a lembrar que, já em 1951, vários empresários brasileiros de destaque participaram de negociações com os Estados Unidos para conseguir financiamento para o reequipamento econômico brasileiro, e já utilizavam argumentos anticomunistas.[57]

Poder-se-ia argumentar que sem um nacionalismo arraigado na consciência de importantes segmentos da sociedade, inclusive dos dominantes, poderíamos lembrar que, enquanto o Estado dominava os setores estratégicos da economia, o capital monopolista internacional penetrava em todos os demais setores da economia. Assim, uma penetração que já, se dava desde a metade do século passado ganhou impulso depois da Segunda Guerra. Em 1965, o governo de Vargas anulou todas as limitações para a remessa de lucros, além de permitir a formação de sociedades anônimas mistas, que “serviram de base para a penetração intensiva do capital estrangeiro na economia brasileira”.[58] Em 1955, pela Instrução 133 de Sumoc,[59] as empresas estrangeiras traziam ao Brasil equipamentos obsoletos na qualidade de investimentos direto de divisas e, consequentemente, com direito à isenção de impostos. Dessa forma, entre 55 e 62, entrou no país equipamento industrial absoleto no valor de 511 milhões de dólares.

Talvez pudéssemos afirmar que o populismo não tenha chegado a ser um projeto global, mas, tão-somente, um projeto político que dificultou (mas não impediu) a penetração dos capitais estrangeiros no Brasil. De todos os modos, tal dificuldade era compensada uma vez que a discussão de “classe” era trazida para a discussão do “nacional”, aprofundando a relação de dominação existente. E, a medida que se dava o crescimento da importância do capital estrangeiro em nossa economia, foi-se impondo a necessidade de uma planificação centralizada, de um projeto global, onde o Estado funcionasse como “agente de acumulação de capital e mediador nas relações entre a sociedade dependente e o capitalismo internacional”[60]. Já não havia grandes espaços para um modelo predominante nos anos de Joao Goulart. Aumentavam as dificuldades de financiamento interno aos projetos que exigiam cada vez maiores investimentos de capital. Isso colocava na ordem do dia uma importação planificada de tecnologia. E se somarmos a afluência de capitais estrangeiros por anos, verificaremos que o Brasil, que recebeu 15.307 mil dólares (incluindo empréstimos, financiamentos etc.) em 1963, recebeu, depois da derrubada de João Goulart, as seguintes somas: 268.246 mil (1964), 887.433 mil (1965) e 2.517.060 mil (1966).[61] Isso provocou um aumento nas taxas de monopolização da nossa economia: se em 1960, 2,6% do total das empresas com mais de 100 empregados davam 61,1% da produção industrial segundo o valor, dez anos depois a relação mudou para 2 e 75%. E essa penetração se verificou basicamente nos setores de ponta. Como escreveu Michin: “Os grupos monopolistas industriais brasileiros, de acordo com sua atividade básica, estão concentrados predominantemente nos ramos tradicionais da indústria, ou seja, naqueles setores que produzem bens de consumo não-durável, como as áreas têxtil, alimentícia etc. Os grupos monopolistas industriais estrangeiros, ao contrário, estão concentrados, predominantemente, nos setores novos e modernos da indústria, que produzem bens de consumo durável, e na indústria pesada.” Mas a situação se reverte em se tratando das atividades não-industriais. E o mesmo Michin quem escreve: “Entre 38 grupos não-industriais (comércio de exportação e importação, atividade bancária e securitária, serviços, investimentos etc.), há 27 grupos brasileiros, 10 estrangeiros e um misto.”[62]

Com o crescente aumento dos investimentos estrangeiros nos setores mais dinâmicos da economia, foi-se impondo um processo de concentração com a hegemonia para o capital estrangeiro, aproveitando-se do descompasso em termos de tecnologia e Know-how. Entretanto, junto aos setores não-industriais, como é o caso do comércio de exportação e importação, mantinha-se uma supremacia das empresas nacionais. Nessa área, onde a questão tecnológica não entrava, atuava um ramo da família Simonsen, exatamente aquele que comprou a TV Excelsior.

O nacionalismo de Simonsen

Para se ter uma ideia da fortuna de todo o grupo, basta vermos o estudo de Mauricio Vinhas de Queiroz,[63] de 1965, que situava o grupo entre os grandes monopolistas brasileiros, ao lado do Moreira Salles, Gastão Vidigal, Pignatari, Brahma, entre outros.

Mário Wallace Simonsen (que nada tem a ver, segundo afirma o seu filho Wallace Cochrane Simonsen Neto, com o ex-ministro, o economista Mario Henrique Simonsen) estava vinculado basicamente à exportação de café, o maior produto de exportação do Brasil na época. Simonsem estendeu seus negócios a todas as etapas da exportação, eliminando radicalmente o intermediário: “toda a gama de lucros que era auferida depois da saída do café em saca daqui, até chegar ao consumidor final, era auferida pelo pessoal que passava no meio do caminho. Então, meu pai, simplesmente, criou um mecanismo que eliminou o intermediário.”[64] A penetração na Europa chegou ao ponto de a exportadora Simonsen (COMAL-Wasin Internacional Inc.) dominar, na Alemanha, por exemplo, o próprio comércio de venda de cafezinho ao público. Segundo Wallace Cochrane Simonsen (conhecido como Wallinho), “a COMAL /…/ chegou a ser a maior exportadora de café no mundo”.[65] Obviamente, ela começou a entrar em choque com as grandes companhias de comércio internacionais, “queria ficar com o mercado de café para o capital brasileiro e ele se insurgiu contra as multinacionais do café, começou a invadir o terreno das multinacionais na Europa”.[66]

Travava-se uma imensa luta intermonopolista. Na Europa, a campanha nacionalista contra a COMAL foi sistemática, segundo afirma Wallinho, liderada pelos órgãos de imprensa, como a revista alemã Der Spiegel, que se destacou na Alemanha. Formou-se “um conluio internacional no sentido de eliminar a atuação do meu pai”, porque além do mais “era um mau exemplo /…/. Imagine se o vendedor de banana lá do Haiti resolvesse fazer a mesma coisa…”.[67]

Internamente, Simonsen buscara alianças no nacionalismo e apoio nos governos democrático-reformistas. Ele independia de grandes investimentos em tecnologia e em know-how e sabia que um projeto global de desenvolvimento capitalista dependente passava por uma reciclagem das funções do Estado, até então produto de interesses contraditórios, onde políticas nacionalistas tinha campo para germinar. “O Jânio pediu a ele que formasse uma grande rede de televisão”, afirmou Scherman na entrevista citada, contrariando a observação de Wallinho de que “não houve nenhum favorecimento Excelsior por parte do governo Jânio Quadros, se bem que não houve também nenhuma pressão contrária.”[68] Alvaro Moya procura aclarar mais essa questão: “Logo que a televisão Excelsior começou, o grupo Simonsen apoiou o Lott para a presidência da República e o outro sócio da firma, o José Lins Moura, que foi quem me levou para dirigir a TV Excelsior, apoiava o Jânio Quadros. A coisa chegou a um ponto que o Moura se propôs a comprar a parte do Simonsen ou a vender a sua parte. Ou se apoiava o Lott ou o Jânio Quadros. E o Simonsen comprou a parte do Moura…”.[69] Depois da vitória eleitoral, Jânio chamou Saulo Ramos, diretor comercial da Excelsior, para ocupar o cargo de oficial de gabinete. “O Saulo se licenciou então da Excelsior e eu acumulei o cargo de diretor comercial. O Simonsen, por outro lado, tornou então a se aproximar do governo através do Saulo Ramos. O grupo Simonsen ficou ligado ao Jânio Quadros também no curto período em que ele esteve lá.”[70] Mas apesar das ligações com Jânio e da antipatia clara a Carlos Lacerda, a Excelsior foi a emissora que abriu espaço para os ataques do então governador da Guanabara: “O Carlos Lacerda veio fazer o primeiro pronunciamento que determinou a renúncia do Jânio Quadros”, lembra Moya, para quem a Excelsior “era uma televisão efervescente”.

Tanto Wallinho como Sherman ressaltam o lado democrático e nacionalista de Mario Simonsen, e a partir daí procuram justificar suas ligações com os governos de Jânio e de Jango, procuram justificar sua posição antilacerdista e de oposição aberta a qualquer articulação golpista contra o governo constitucional de Jango. Isso parece ser inegável. Mario Simonsen sempre foi antiudenista e procurava seguir os passos de seu tio-avô, senador industrial Roberto Simonsen, considerado destaque na luta pela industrialização do Brasil, no início do século. O que estamos tentando trazer discussão é o fato de que a atitude de Mário Simonsen não foi orientada simplesmente por seus sentimentos nacionalistas e democráticos, mas que também, de alguma forma, correspondiam a seus interesses monopolistas. E, segundo Moya, interesses ligados ao capital inglês: “o governo estava querendo tirar o café das mãos dele e dos grupos ingleses para passar para os grupos norte-americanos”.[71]

Começa a destruição

A crise nos negócios de Simonsen estourou mesmo quando, um pouco antes do movimento politico-militar de 1964, a COMAL deixou de cumprir suas obrigações internacionais, depois de uma fortíssima geada que provocou um considerável aumento nos preços do café. “Aí quiseram debitar sobre ele a diferença de preço da coisa e ai foi uma trapalhada louca, processaram a COMAL. Foi aí que começou essa história toda. Os sujeitos fizeram denúncia contra a COMAL na qual até meu tio, que hoje é presidente do Banco Noroeste em São Paulo e não tinha nada a ver com a coisa, foi denunciado e sequestraram os bens de todos.”[72]

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do café, montada, nessa época, segundo afirma Wallinho, por Herbert Levi (por coincidência, também ligado à exportação de café), desmoralizou os negócios Simonsen, inviabilizando as articulações da COMAL com banqueiros ingleses: “naquele momento ele estava procurando recompor o grupo econômico dele com uma série de contatos com banqueiros ingleses no sentido até de entrar em composição acionária com eles”.[73] Esse fato correu o mundo dos negócios. Muito abatido e com a mulher muito doente (viria a morrer um pouco mais tarde), Simonsen foi morar na Europa.

Depois de 1964, aumentou a perseguição contra todo o ramo da família, tendo como alvo principal, agora, a TV Excelsior: “A Excelsior, nas circunstâncias em que tudo aconteceu, foi dizimada, foi destruída, foi desmontada pelo novo sistema /…/. Naquele dia, 31 de março ou 1º de abril, nós estávamos trabalhando. Uma turma de sujeitos invadiu a TV Excelsior com o General Gustavo Borges à frente, o chefe de polícia do Lacerda com uma metralhadora na mão. Invadiu uma emissora cujos únicos revólveres que tinha eram os da contra-regra, revólveres Estrela, e os tiros que a gente dava era de pólvora seca. Invadiram com essa violência e tomaram conta dos estúdios, mandaram lacrar, mandaram tirar, mandaram não-sei-o-quê, e o Lacerda babando no meio daquilo tudo. Porra, conseguiu! Um negócio triste… Então começou a se desmontar a rede Excelsior que era maravilhosa, muito bem feita profissionalmente, muito digna com os profissionais…”.[74] Também Manuel Carlos faz as suas observações: “As televisões sempre faliram deixando os donos muito ricos; só a Excelsior que não, pois na Excelsior foi cassado o homem, quem foi empobrecido foi o Mario Simonsen. Foi tudo política!”[75] E, finalmente, também Wilton Franco: “Foi uma vergonha aquilo, foi política pura! Era a única estação que tinha condições realmente de ficar no ar.”[76]

Apertava o cerco: a censura, que atingia todo tipo de criação intelectual, era mais rigorosa com a Excelsior, tumultuando de maneira considerável a organização da empresa. “Depois de 64, começou a ficar cada vez mais insuportável, para nós, detentores das ações, herdeiros da Estação e herdeiros da perseguição também.”[77]

A Panair, empresa de aviação, de propriedade de Mario Simonsen, também recebeu o seu golpe mortal, forçada pelo novo regime a fechar as portas, pouco tempo depois de abril de 64 — afirma a revista Briefing.[78] Uma das maiores empresas aéreas brasileiras, a Panair estava conseguindo fazer acordos que dariam maiores espaços no tráfego para a Europa.

Isso, segundo afirma Wallinho, feriria “basicamente os interesses da Yang e de todas as companhias estrangeiras”. Acusada de insolvência, o novo regime cassou a licença da Panair. “Na realidade, mais um ato que prova o conluio”, afirma Wallinho. E acrescenta: “A Panair era economicamente viável, como está provado hoje, porque ela tem muito dinheiro depositado hoje no Banco do Estado do R.J”[79]

Apesar dos comentários afirmando que Mario Simonsen, em 1965, suicidou-se, seu filho faz questão de deixar claro: “Ele morreu do coração e dormindo.”[80]

Wallinho, então diretor da Excelsior (“naquela época eu era muito jovem e meu pai estava querendo me situar, me colocar em alguma coisa em que eu pudesse produzir. Então eu fui ser diretor da Excelsior”),[81] lutava para manter viável a emissora. Com os salários atrasados, vários compromissos pendentes, a Excelsior aceitou empréstimo do banco do Estado, passando, assim a receber influência direta do governo de Lacerda, já em choque com o governo federal. “Em termos administrativos, você pode imaginar a bagunça que virou aquilo, porque não dava mais. Havia uma paranoia solta lá dentro que nos levou a vender esses direitos sucessórios para o pessoal das Folhas /…/. Isso em 1965, 66. Ela estava ficando inviável economicamente, não havia mais capital próprio para investir, ficava-se dependendo do sistema e, na medida em que o sistema estava contra você, não havia nada a fazer.”[82] Até a negociação com as autoridades governamentais, que colocava o diretor de Polícia Federal, Coronel Newton Leitão, no comando da emissora, foi tentada. Mas nem isso evitou a debâcle: “A medida resultou inútil [83]

Se correr o bicho pega

Na França, Wallinho — segundo ele mesmo afirma, sob tratamento psiquiátrico — comprou novamente a emissora: “Em 67, 68, eu estava em Paris, estava casado com a Adelita Scarpa, da família Scarpa. Fui apresentado pelo meu sogro a um advogado que me propôs a compra da televisão, novamente. Nesse momento a televisão já estava economicamente inviável, mas eu não tive discernimento para saber o que estava fazendo, eu estava totalmente pirado. E comprei a televisão de volta: jogaram a coisa para estourar em cima de mim./…/ Eles foram muito malandros porque transferiram, esse contrato existe, ele esta em cartório, eu assinei um contrato em que eu recebia as concessões de volta, o equipamento, mas os imóveis, não.” O que não fica claro é o autor desse “conluio” final, pois nessa mesma parte da entrevista, Wallinho esquece a família Scarpa para atacar o governo: “Quer dizer, o próprio sistema que tirou, quando viu que não dava mais pé, jogou em cima de mim de novo.”[84]

Dia 28 de setembro de 1970 o governo federal cassou a concessão do Canal 9 (em São Paulo). Era o fim da Excelsior e Wallace Cochrane Simonsen Neto teve que responder a processo quando, mais tarde, sindicâncias oficiais observaram que “grande parte dos bens imóveis, ao que tudo indica, achavam-se desviados pelo grupo econômico Folha da Manhã S.A., em manifesto conluio com representantes, procuradores ou prepostos de Wallace Cochrane Simonsen Neto, este último já conhecido pela crônica judiciária do Pais, pelo caso COMAL-Wasin Internacional Inc.”[85]

No início, quase uma aventura

A Excelsior surgiu quando Mario Simonsen comprou, em 1959, a concessão do Canal 9 (em São Paulo) de Vitor Costa (também dono do Canal 5, mais tarde comprado pela Globo). Álvaro Moya foi escolhido o primeiro diretor artístico, que contou, já na festa de abertura, com a colaboração de Manuel Carlos e Abelardo Figueiredo.

Quando se trata da televisão nos seus primeiros anos, não se pode pensar na estrutura empresarial que temos hoje, particularmente na Globo, simplesmente porque não havia acúmulo de experiência no setor, além da ausência de uma indústria desenvolvida de aparelhos. As condições materiais para o desenvolvimento de emissoras com uma sólida estrutura empresarial deu-se com a implementação de um modelo integrado, a partir de 1968. Nesse processo de integração, a televisão não só teve papel destacado, unificando nacionalmente padrões de consumo, como até mesmo se solidificou enquanto empresa, aproveitando-se da expansão da indústria publicitária. Isso não quer dizer que a estrutura empresarial esteja presa a um círculo de ferro determinado pelas condições da expansão industrial. Se em última instância há determinantes objetivos, há igualmente campo para opções empresariais que se aproveitem, menos ou mais, e estimulem em menor ou maior grau a própria expansão da indústria como um todo. O elemento consciente não pode ser subestimado.

E as limitações da época são observadas por Wallinho. Ao tratar do esquema empresarial, ele lembra que “não havia o pessoal especializado, não havia o tipo-Boni… não era viável naquela época, tecnicamente, pelas condições inclusive de faturamento”. O amadorismo era necessariamente um componente da ação empresarial nesse campo: “fazer uma novela — lembra Wallinho — era uma coisa de louco. O equipamento, os carros de externa, eram esses ônibus Mercedes Benz cheios de coisas dentro… não tinha dublagem, então o som saia todo atrapalhado, o pessoal amarrando as coisas com barbante, com arame… Era tudo nessa base”. Sem um sistema de telecomunicações desenvolvido, a transmissão de uma simples partida de futebol exigia todo um sistema de microondas caro e complicado. E lembra ainda Wallinho que o processo de centralização tinha que levar em conta o fato de os interesses regionais naquela época serem mais fortes, exigindo, em larga medida, uma programação local. Ligado a isso, havia a dificuldade de uso do video-teipe: “A cabeça de gravação durava tantas horas e era impossível importar normalmente por causa da burocracia.”[86] Alvaro Moya trata dessa improvisação com muito humor: “/…/ começa o espetáculo, pifa uma câmara. Eu estava trabalhando com três câmaras, fico trabalhando só com duas, e fica aquele bolo de técnicos consertando o aparelho e eu empurrando eles para ver o que eu estava fazendo, e como eu tinha feito o script, tinha um produtor que ficava do meu lado, virando as páginas. De repente, pifa outra câmara: fica uma só”. Com uma única câmara, Moya continua o trabalho, utilizando as câmaras com defeito “só para dar troca de take” No momento em que consertam uma das câmaras, a terceira para de funcionar. Moya pede uma quarta câmara, “porque era tudo equipamento velho” e — conta — dá as ordens: “Puxa a câmara aqui, vai lá e abre a porta do estúdio!” E continua: “O câmara foi lá, abriu a porta, abriu a lente do lado de cá e pifa a outra câmara também… Eu digo: atenção, estúdio, as três câmaras estão pifadas, ninguém se move no estúdio, só os atores fazem a marcação e sigam essa câmara do lado de cá…[87]

Sobre o projeto da emissora

De todos os modos, se é que se pode falar em um projeto, no caso da Excelsior, diríamos que ela esteve sempre integrada ao nacionalismo presente na política dos anos 60. Wallinho repete a cada instante a intenção, na época, de “criar uma televisão brasileira, basicamente brasileira” e, por aí, justifica a permanência no ar por vários anos do programa “Brasil Ano 60”, que se tornou “Brasil Ano 61”, e assim sucessivamente. Programa apresentado por Bibi Ferreira, já na inauguração da emissora, a ele eram “chamados os cantores brasileiros da época: era todo um programa de interesse em cima de assuntos da cultura brasileira”.[88] E essa opinião compartilhada integralmente por Alvaro Moya: “A Excelsior era uma televisão eminentemente nacionalista, ela não tinha uma trilha sonora com musica estrangeira, a trilha sonora da TV Excelsior era só de músicas brasileiras, o ‘Brasil 60’ só tinha coisas brasileiras, era teatro brasileiro, cinema brasileiro, entrevista brasileira, música brasileira.”[89] As apresentações de filmes estrangeiros, segundo Moya, eram compensadas pela exibição semanal de um longa metragem brasileiro. Lembra ainda que além da promoção do festival de cinema brasileiro, a Excelsior incentivou Alfredo Palácios a fazer o primeiro seriado para a televisão. Também no teatro, a emissora seguiu essa linha: “No ‘Teatro Nove’ era só Gianfrancesco Guarnieri, Vianinha, Jorge Andrade, Valter George Durst, todos eles escreveram ou adaptaram coisas brasileiras /…/. Era uma televisão que tinha uma preocupação de fazer uma programação brasileira, de cultura nacional. Era um projeto cultural Excelsior /…/. Quando a gente apresentava alguma coisa estrangeira era porque fazia parte de um projeto cultural brasileiro, como os concertos de músicas estrangeira que nós fazíamos. A nossa ideia era fazer um módulo brasileiro, uma rede brasileira que refletisse a cultura brasileira.”[90]

Do ponto de vista empresarial, a revista Briefing diz que a Excelsior teria sido “a primeira (emissora) a ser administrada com razoável visão empresarial /…/. Foi a Excelsior a primeira emissora a fazer muita propaganda de si mesma”,[91] como na adoção de slogan criado pelo jornalista publicitário Mário Regis Vita (“Eu também estou no 9”), utilizado na apresentação aos telespectadores dos astros vindos de outras emissoras. Até o final deste texto, esperamos deixar claro a grande preocupação da Excelsior em romper com o amadorismo e impor um espírito profissional, aproveitando o acúmulo de experiências do meio de comunicação nos Estados Unidos e na Argentina.

O grande salto

1963 foi um ano importante para a Excelsior. Na luta contra a hegemonia da Tupi e Rio, foram contratados Edson Leite e Alberto Saad, que haviam deixado a Radio Bandeirantes um pouco antes. Através de Ricardo Amaral, a emissora também contratou praticamente todo o elenco da Rio: inicialmente veio Moacir Franco e a seguir Chico Anísio (que trouxe depois o diretor Carlos Manga), J. Silvestre e muitos outros. Em uma noite foi desarticulado o setor humorístico da TV Rio, que perdeu seguramente mais de 40 figuras (João Batista do Amaral Filho, da TV Rio, fala em 100 ou 150) de grande sucesso, todos atraídos pelos altos salários pagos pela Excelsior. O Mauricio Sherman comenta esse episódio: “As Associadas é que pagavam mal, a Globo é que pagava mal, a TV Rio é que pagava mal. A Excelsior veio a colocar realisticamente o nosso salário.”[92] Uma certa ética que parecia existir orientando o conjunto das emissoras na relação salarial com os empregados fora rompido pela Excelsior. A mesma Excelsior que, logo depois de criada, rompera o chamado “convênio”. E o próprio Wallinho quem lembra dos dois casos: “Naquela época, havia uma coisa odiosa que era o chamado ‘convênio’ entre as estações, ou seja, um determinado artista ou elemento que trabalhasse numa estação e que fosse dispensado por algum motivo não era contratado por outra estação: ele virava um pária dentro do meio. Eu me lembro que o primeiro caso desses que ocorreu comigo já na direção da estação foi com o Silvio Caldas. Na época, ele tinha um programa de muito sucesso na Record, mas ele brigou muito não sei por quê, saiu e eu o contratei. E Edmundo Monteiro, que era o diretor geral da Tupi em São Paulo, pediu ao meu pai que fizéssemos uma reunião com ele e chegou inclusive a ameaçar meu pai.” E a seguir, Wallinho faz a ligacão desse fato com a contratação dos funcionários da TV Rio: “Esse episódio do Silvio Caldas /…/ evoluiu para o seguinte: quando se fundou a Excelsior aqui no Rio, a estação que ocupava o primeiro lugar em audiência era a TV Rio, que era do ‘Pipa’ do Amaral, e que fazia intercâmbio com o Paulo Machado de Carvalho, da Record, de São Paulo. E o pessoal andava muito descontente porque se ganhava um salário horrível /…/ O Chico Anisio foi para São Paulo conversar e nós convidamos mesmo, aliciamos, a verdade é essa /…/. E aí criou-se uma fila no escritório, e logicamente deu problema. O pessoal ficou danado da vida.”[93]

Essa é a época — escreve a revista Briefing — em que a Excelsior revela uma nova geração de escritores brasileiros, que “começaram a desenvolver uma temática e uma linguagem mais nacionais para a nossa televisão, até então vivendo praticamente de adaptações de obras estrangeiras e de copiagem de esquemas igualmente importados dos Estados Unidos em sua maioria”.[94] E quando são lançados nomes, alguns deles já citados por Alvaro Moya, como Antunes Filho, Ademar Guerra, Francisco Rangel, Guarnieri e Vianinha. Quando surgem Heloisa Mafalda, Juca de Oliveira, Nathalia Thimberg, Stênio Garcia, Mauro Mendonça, Rosa Maria Murtinho e Cleide Iaconis, compondo o elenco de intérpretes. Segundo ainda a mesma fonte, teria se dado aí o grande salto: Edson Leite e Saad, que planejavam a criação da TV Bandeirantes,[95] aplicaram toda a experiência na Excelsior.

É o próprio Edson Leite quem afirma: “O modelo por nós adotado foi o da TV Argentina que, na época, fazia uma televisão maravilhosamente boa. Em menos de seis meses, utilizando campanhas publicitárias de grande impacto, linha de programação horizontal e filmes, despontamos em primeiro lugar em audiência. Um índice médio equivalente ao da Globo de hoje, com programas de audiência média ainda maior, como o ‘Moacyr Franco Show’, que chegava a médias entre 80 e 90 de audiência, o que na Globo de hoje provocaria escândalos.”[96]

Moya também reafirma o papel de vanguarda da Excelsior e lembra, inclusive, que “existe uma tese na Universidade americana de que a Globo é um plágio da Excelsior, feita por um sujeito que trabalhou na embaixada americana aqui”. Mas afirma igualmente que as inovações de que fala Edson Leite foram trazidas dos Estados Unidos: “A Excelsior descobriu a programação horizontal e a primeira coisa que apareceu como programação horizontal fui eu que trouxe dos Estados Unidos.”[97] Essa ideia de programação foi inicialmente utilizada com “Cinema em Casa”, quando todos os dias, mesma hora, era apresentado um filme. A adaptação seguinte foi nas novelas! “A telenovela já existia desde o começo da televisão, a Tupi fez a primeira, só que era feita ao vivo e então tinha que montar e desmontar estúdios, cenários, a cada vez. Então era feita as terças, quintas e sábados ou as segundas, quartas e sextas. Isso, para a dona de casa, era um raciocínio muito difícil e, quando veio o equipamento de video-teipe (a Colgate, a Palmolive, a Kolinos, a Gessi-Lever, todas as empresas norte-americanas tinham interesse nesse ópio do povo, o ópio da América Latina de fazer uma telenovela), você podia montar o cenário e, num dia só, gravar todos os capítulos da novela e depois passar horizontalmente na semana /…/. Do ponto de vista da dona de casa ela sabia que todo dia as 8 horas da noite tinha novela /…/, é como todo dia ter que fazer almoço, todo dia ter que levar a criança para a escola. Então, esse tipo de coisa foi que deu a horizontalidade da programação, quer dizer, programação de segunda a sexta.”[98]

A verticalidade da programação também foi introduzida pela Excelsior. Moya concorda que a ideia foi trazida por Edson Leite, da Argentina, mas lembra que esta copiava a verticalidade da televisão norte-americana: “A televisão argentina teve simplesmente alguns arroubos, foi sempre um país muito irregular politicamente desde os tempos de Penton. O que o Edson Leite trouxe foi essa verticalidade de programação que era a verticalidade da programação americana, a televisão americana é que tem essa verticalidade perfeita, e ele trouxe esses bonequinhos da Argentina.”[99] A verticalidade implicava uma organização diária que acostumava o telespectador a uma ordem determinada da programação: começava sempre com um programa infantil, depois vinha uma novela seguida do telejornal, show e encerrava com filme de longa metragem.

Edson Leite também representou um marco nas telenovelas. Antes dele, houve, nesse terreno, “apenas algumas tentativas tímidas: ‘Alma Cigana’ ou então ‘Gabriela, Cravo e Canela’, com um ou dois capítulos semanais”.[100] Em 1963, a, Excelsior lança “2-5499 Ocupado”, novela do autor argentino Alberto Migré, dirigida por Tito De Miglio, também argentino. Foi a primeira telenovela em capítulos diários, experiência que iria influenciar o conjunto das emissoras. Nela atuaram Armando Bogus, Irena Grecco e, aproveitando a fama alcançada com o filme “Pagador de Promessas” (Palma de Ouro, 62), Glória Menezes.

Nessa época, também no teleteatro destacou-se a Excelsior. Segundo Walter George Durst, o “Teatro 63” teria sido o melhor programa que lograra realizar em toda a sua vida profissional: “renovador na linguagem, nos temas enfocados e no desempenho dos atores, o programa infelizmente não permaneceu no ar o tempo necessário para que suas raízes se firmassem e pudessem imprimir marcas maiores na televisão”. Segundo Durst, isso não significava pensar o Brasil em termos teóricos, mas enfrentar a sua realidade e trazê-la à televisão, negando a representação dos inconvenientes Mr. e Mrs. Cunningham. Os atores deveriam representar, a partir de agora, “gente que pudesse ser vista na rua mesmo”. Preocupado em não cair no populismo, Durst tentava “captar o mundo daquelas pessoas e interpreta-lo de modo que elas próprias e os telespectadores pudessem fazer uma reflexão a respeito”.[101]

Estabelecida em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, a Excelsior procurava afirmar sua programação baseada no jornalismo, novela e humorismo. Enquanto, nesse último, destacava Chico Anisio e Sérgio Porto, na linha de telenovelas manteve o sucesso de “2-5499 Ocupado” com “A Moça que Veio de Longe”, interpretada por Rosa Maria Murtinho e Hélio Souto. Apresentava a estrutura melodramática das novelas de hoje, e o êxito foi tal que o Ginásio do Pacaembu lotou para ver um desfile do elenco. Segundo a revista São Paulo na TV, em edição especial de julho de 64, “uma multidão incalculável lotava completamente aquele logradouro que foi pequeno para conter milhares de pessoas, que para lá se dirigiram e não conseguiram acomodação. Carlos Zara apresentou todos os elementos do elenco e cada um que desfilava pela passarela era freneticamente aplaudido. E nessa sucessão colorida comandada por gritos, soluços, lágrimas e risos, Maria, Pedro, Lenita, José Carlos, Regina, Dr. Raul, Maria Aparecida, Elsa Helena, Dr. Leopoldo, Dr. Nestor, Dona Conceição e outros personagens mais, receberam aplausos de seus fãs”.[102]

A novela seguinte foi “Ambição”, escrita por Ivani Ribeiro, considerada a primeira novelista brasileira de televisão. Dirigida por Dionísio de Azevedo, a novela retratava o cotidiano de uma família de classe média, “seus problemas, dramas, acertos e desacertos, num esquema que desde a época vem sendo muito repetido por todos os autores brasileiros”.[103] “A Deusa Vencida”, também de Ivani Ribeiro, a primeira novela a usar letreiro-titulo padrão e música especialmente composta, lançou a atriz Regina Duarte.

Na mesma época, a Excelsior cuidava da qualidade dos filmes e lançou o “Cinema em Casa”, diariamente as 22 horas. “Apresentando um longa metragem com legendas, transformou-se numa das primeiras experiências de cinema de arte, exibindo Fellini, Antonioni, Godard, Bergman, Resnais, Pasolini.”[104] Sobre isso, ainda, Moya opina: “Como nós estávamos sendo boicotados pelas distribuidoras americanas, optamos pelos filmes italianos e franceses; na década de 60 (conseguimos) impor um grupo de atores que não eram conhecidos do público. /…/ E nós começamos a promover Brigitte Bardot, Marcelo Mastroiani, Gina Lolobrigida, Sofia Loren /…/. Nós passamos todos os filmes mais importantes do cinema europeu daquele momento. Quem fazia a programação do ‘Cinema em Casa’ era eu, o que nós fizemos foi uma extensão da cinelândia cinematográfica mesmo.”[105]

Apesar da disputa com a TV Rio no que diz respeito a inovações no telejornalismo, é aceita por todos a grande importância da Excelsior nessa área. Homens como João Batista Lemos, Fernando Pacheco Jordão, Wladimir Herzog, Nemércio Nogueira e Fernando Barbosa Lima tornaram o telejornalismo da Excelsior “mais de acordo com o resto da programação”, segundo a revista Briefing.[106] Introduzido entre as duas novelas, teve a sua audiência muito ampliada. “Esse esquema de programação que a Globo utiliza hoje era o nosso. Nós não tínhamos três novelas, nós tínhamos duas, com o jornal no meio. Isto porque você monopoliza o pessoal das novelas para o jornal. Os jornais de televisão não tinham um grande nível de audiência /…/. Quando nós introduzimos o jornal no meio das novelas, o pessoal começou a assistir ao jornal, valorizando inclusive o jornalismo na televisão.”[107]

Segundo Alvaro Moya,[108] o telejornalismo da Excelsior seguia o padrão norte-americano, “muito bem feito, visualmente”. Comparando com o telejornalismo da TV Tupi, ele afirma que essa emissora sempre foi mais “controversial”, preocupava-se mais em confrontar opiniões, enquanto a Excelsior se destacava no desenho, “muito superior à Tupi, principalmente o ‘Jornal de Vanguarda’, que o Fernando Barbosa Lima fazia no Rio”. Sobre sua atividade no setor de jornalismo da Excelsior, o próprio Barbosa Lima lembra que, quando foi chamado em 1962, não existia video-teipe nem transmissão via satélite: “O jornalismo em TV ainda era embrionário”. Jornalismo era, segundo afirma, um departamento “com dois ou três jornalistas, uma secretária, um ou dois cinegrafistas”. A reformulação efetuada por Barbosa Lima foi radical: contratou jornalistas obedecendo às especialidades por áreas (política, economia, etc.), para “contar, comentar e explicar a notícia para o público”. Chegaram à Excelsior os jornalistas Newton Carlos, Tarcísio Holanda, Villas Boas Correa, Haroldo de Holanda, Gilda Müller, Millôr Fernandes e Borjalo. “O ‘Jornal de Vanguarda’ que fizemos nessa época” — afirmou ainda Barbosa Lima — “foi um telejornal rico de imagens, em permanente movimento /…/, ganhou prêmios nacionais e internacionais.” Foi exatamente o êxito alcançado pelo programa que levou Barbosa Lima a tirá-lo do ar depois de implantado o Ato Institucional nº 5, em 1968, “cavalo de raça a gente mata com um tiro na cabeça /…/. Não podia deixar esse campeão, cheio de troféus, morrer melancolicamente, cada vez mais apertado pela censura, como todos os outros jornais de televisão”, afirmou.[109]

Tratando ainda do telejornalismo da Excelsior, Moya afirmou que a forma como hoje a Globo coloca uma imagem atrás da outra é a introdução de uma técnica cinematográfica e da utilização do video-teipe. “A avalanche de imagens[110] /…/ teve uma primeira experiência na Excelsior. Era em um programa de arquivo, um telejornal que entrava um minuto no intervalo e que trabalhava só com material de arquivo. Quando chegava a notícia, a gente a editava em filme de 16 mm.

Essa preocupação estética, a Excelsior sempre teve, desde quando introduzida por Ciro Dornelas, o mesmo que “depois fez o visual de abertura do ‘Fantástico’, dando todo o padrão visual da Globo até hoje. Era ele que fazia toda a programação da emissora. Passando pelo canal, era possível reconhecer o padrão visual da Excelsior”, afirma Moya. Essa preocupação se refletiu inclusive na publicidade: Gilberto Martins, dono de um estúdio de jingles, realizou para a Excelsior o primeiro filme de publicidade, marco na superação da garota-propaganda. Moya conta como foi: “O Gilberto viu um anúncio que tinha uma rosa — se não me engano era o Leite de Rosas — então ele filmou uma rosa se desfolhando e mostrou de trás para a frente: a rosa se formava e depois aparecia o Leite de Rosas.[111]

Se observarmos todas as areas de atuação da emissora, a Excelsior esteve entre as mais inventivas, a ponto de deixar uma enorme saudade em Alvaro Moya: “Hoje em dia já não existe mais isso, existe só a Globo imitando o que a Excelsior foi, e sem nenhuma criatividade. E as outras, paradas, tentando imitar a Globo, sem ver que existem outros caminhos para a televisão /…/ A Globo é uma televisão vertical, que determina um tipo de programação e não há escolha. Aquele plin-plin é o sininho do Pavlov: quando toca, as pessoas ficam salivando porque está trocando a programação.”[112]

Notas

  1. Manuel Carlos (entrevista à Funarte em 1981).
  2. João Batista do Amaral Filho (JBAF) (entrevista à Funarte em 1982).
  3. JBAF, id.
  4. Manuel Carlos (entrevista à Funarte em 1981).
  5. Walter Clark (cit. por Maria Helena Dutra, Jornal do Brasil, 7.4.1977).
  6. João Loredo (cit. por Maria Helena Dutra, id.).
  7. Manuel Carlos (entrevista à Funarte em 1981).
  8. Reafirmando a contradição, veremos, no decorrer do trabalho, que seria um erro subestimar o fato, de que também a TV Rio procurou incorporar elementos (técnicos e organizativos) de uma visão empresarial chamada moderna.
  9. Geraldo Casé (cit. por Maria Helena Dutra, id.).
  10. JBAF (entrevista à Funarte em 1982).
  11. Walter Clark (cit. por Maria Helena Dutra, id.).
  12. Walter Clark (id.).
  13. Maria Helena Dutra (Jornal do Brasil, 7.4.1977).
  14. Walter Clark (cit. por Maria Helena Dutra, id.).
  15. “Cassada a concessão da TV Rio” artigo de jornal não identificado, abril de 1977.
  16. JBAF, id.
  17. Geraldo Casé (cit. por Maria Helena Dutra, id.).
  18. Amiga, 1977.
  19. JBAF, (id.).
  20. Artur da Távola (O Globo, abril de 1977).
  21. Amiga, 1977.
  22. JBAF, (id.).
  23. JBAF, (id.).
  24. Id., ibidem.
  25. Wallace Cochrane Simonsen (entrevista à Funarte em 1981)
  26. Amiga, 1977.
  27. JBAF, id.
  28. id., id.
  29. Walter Clark (cit. por Maria Helena Dutra, id.).
  30. JBAF, id.
  31. Boni (cit. em Fatos e Fatos, s/d).
  32. Briefing (setembro de 1980).
  33. Artur da Távola (id., id.).
  34. JBAF, id.
  35. Id., ibidem.
  36. Mario Brassini (entrev. A Funarte em 1980).
  37. Mauricio Sherman (entrev. à Funarte em 1980).
  38. Manuel Carlos (entrev. à Funarte em 1981).
  39. Walter Clark (cit. por Maria Helena Dutra, id.).
  40. Manuel Carlos (entrev. à Funarte em 1981).
  41. JBAF, id.
  42. Manuel Carlos (entrev. à Funarte em 1981).
  43. Id., ibidem.
  44. Maria Helena Dutra (Jornal do Brasil, 7.4.1977).
  45. Hermann Kyaw (cit. por Lena Frias, JB de 1.5.1976).
  46. Maria Helena Dutra, id.
  47. “Cassada a concessão da TV Rio”, id.
  48. Maria Helena Dutra, id.
  49. Departamento Nacional de Telecomunicações.
  50. Artur da Távola (O Globo, abril de 1977).
  51. Id., ibidem.
  52. JBAF, id.
  53. Id., id.
  54. Artur da Távola, id.
  55. Jornal do Brasil, 8.1.1977.
  56. Diniz, Eli e Boschi, Renato, Empresariado Nacional e Estado no Brasil, pág. 112.
  57. Martins, Luciano (cit. por Eli Diniz e Renato Boschi, op. cit., pág. 115).
  58. Michin, S. S., Processo de Concentração de Capital no Brasil, pág. 75.
  59. Superintendência da Moeda e do Crédito.
  60. Diniz, Eli e Boschi, Renato, op. cit., pág. 116.
  61. Correio da Manhã (cit. por S. S., Michin, op. cit., pág. 156).
  62. Michin, S. S. op. cit., pág. 68.
  63. Queiroz, Mauricio Vinhas (cit. por S. S. Michin, op. cit., pág. 53).
  64. Queiroz, Mauricio Vinhas (cit. por S. S. Michin, op. cit., pág. 53).
  65. Id., ibidem.
  66. Sherman, Mauricio (entrev. à Funarte em 1980).
  67. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  68. Id., ibidem.
  69. Moya, Alvaro (entrev. à Funarte em 1982).
  70. Id., ibidem.
  71. Id., ibidem.
  72. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  73. Id., ibidem.
  74. Sherman, Mauricio, id.
  75. Carlos, Manuel (entrev. à Funarte em 1981).
  76. Franco, Wilton (entrev. dada A Funarte em 1981).
  77. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  78. Briefing, setembro de 1980.
  79. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  80. Id., ibidem.
  81. Id., ibidem.
  82. Id., ibidem.
  83. Amiga, 1977.
  84. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  85. Estado de S. Paulo, 16.6.1971.
  86. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  87. Moya, Alvaro, id.
  88. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  89. Moya, Alvaro, id.
  90. Id., ibidem
  91. Briefing, setembro de 1980.
  92. Sherman, Mauricio, id.
  93. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  94. Briefing, id.
  95. A TV Bandeirantes, depois de cinco anos de planejamento, foi inaugurada em 1967.
  96. Leite, Edson, (cit. pela Revista Briefing, id.).
  97. Moya, Alvro, id.
  98. Id., ibidem.
  99. Id., ibidem.
  100. “Telenovelas: evolução superficial com as mesmas receitas de sempre” (artigo de jornal não identificado).
  101. Durst, Walter George (entrev. ao IDART, em novembro de 1963, cit. na Revista O Teleteatro Paulista nas Décadas de 50 e 60, págs. 80-1, 1981).
  102. O Teleteatro Paulista nas décadas de 50 e 60, págs. 80-1, 1981.
  103. Briefing, id.
  104. Jornal da Tarde, 13.9.1980.
  105. Moya, Alvaro, id.
  106. Briefing, id.
  107. Simonsen, Wallace Cochrane, id.
  108. Moya, Alvaro, id.
  109. Lima, Fernando Barbosa (cit. pela Revista Briefing, id.).
  110. Moya,Alvaro, id
  111. Id., id.
  112. Id., id.

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