1996

Teatro obscuro teatro obsceno

por José Celso Martinez Corrêa

Resumo

No público do teatro, a miséria brasileira pode ser percebida. Na maioria das vezes, o público sai sem jamais ter entrado em cena. O orgiástico do teatro não foi sequer percebido. O lugar vivo onde a arte se encontra com as pessoas, o palco, está mediado pelo acabamento do design.

Porém, há artistas que se plugam com o oculto e superam as contemplações admiradas, criando um novo solo onde a protagonização é presente. Aí forma-se o chão do Olimpo. No teatro, Dyonísios renasce e aparece quando esse solo é criado. Pode acontecer no placo ou na tela da TV, se a transmissão for ao vivo. Mas a TV atual tem medo.

O novo colonialismo global toma ao pé da letra a nova ordem mundial e se nega a criar o fogo renovador de sua desordem. O catolicismo burguês, o drama ibérico, a resignação, a autopiedade, o drama pessoal do puritanismo americano, todos cegos à cultura-arte do carnaval brasileiro.

Uma denúncia e uma condenação por vilipêndio ao culto por uma montagem teatral. Mas onde está o vilepêndio a um terreno sagrado do teatro quando engenheiros do cadastramento do estado de São Paulo fazem um levantamento do terreno da Oficina para colocá-lo na lista dos imóveis que poderão ser postos a venda em troca do “phalo phalido” do Banespa?


Cheguei, Para fazer minha conferência em Belo Horizonte. Pelo convênio com os organizadores, todas as despesas de hotel excluíam, como de praxe, álcool. Eu estava sem inspiração. Resolvi pôr uma garrafinha de Bell’s no bolso.

(Apanho agora meu bornel preto dourado com Passport.)

Atravesso a rua, entro num auditório, um palquinho com cortinas pretas ao fundo, cobrindo alguma coisa… Me veio uma eletricidade. O mistério do teatro oculto, obsceno, fora da cena, estava lá. Subo até o palco como um detetive e escancaro as cortinas: uma parede meio descascada, um balde, uma lata de lixo, uma escadinha, e… ouro: um piano de cauda! Estará fechado? Olhei para o público. A chave foi trazida. Arrebitei a cauda do piano pavão, comecei a tocar o fá sustenido no ritmo do ditisambo de Dionizos nascendo prematuro. Zeus goza com todo o fogo do seu tezão, parte a barriga da mãe, da mortal “Semelha” – Semelle, retira o recém-nascido do fogo, molha na fonte de Tebas, traz o filho pras coxas e grita assim:

Vem no meu útero coração entra viril.
Te xamo Baco aqui em Tebas
ditisambo.

Tirézias, Zeus, Zé, eu, xamei cantando este ponto, tirando a garrafinha de Bell’s do bolso, engolindo um gole daquele Baco, batizando com outros o piano e minhas mãos, que traziam o embrião de Dionizos.

(Engulo meu Passport, banho meus dedos nele, pra teclar agora.)

Quando Zeus quis levar o deus menino pro Olimpo, Hera, sua mulher, quis chutar a criancinha do céu. Zeus, como se espera de um criador, cria uma cena. Colhe uma “Parte”, não “parto”, do éter que vidra o globo, modela com ela uma realidade virtual de Dionizos, dá pro ciúme de Hera descontar em cima do cover da criança duplicata e costura o filho rheal na coxa, pra esconder do olho gordo de Hera.

Aí que os mortais começaram a dizer que Dionizos tinha nascido das “partes” de Zeus, fazendo troca-troca de “parto” com “parte”. Muitos dizem que o deus deu à deusa “um parto” de suas partes. Quando, sacana, vendeu um pedaço de éter por Dionizos.

Aquele palquinho era uma “parte” da sala toda. Ficou pelado. Era um dos inúmeros quadrinhos onde o libidinoso, o libertário artista ou pensador, como o Percevejo e a personagem da peça de Maiakowski, cinquenta anos depois de um incêndio, são descongelados e exibidos noturnamente numa vitrine, para uma humanidade turista de si mesma. “Assim era o ser trans-humano, espécie em instinção.”

covers, no écranzinho de luminárias das TVS, nos palquinhos dos teatros, nas salas de aula, nas telas dos computadores, nos CD-ROMS, mas há vidências que estão percebendo esta cegueira táctil nos subtextos e nos corações, tanto dos que espectam como dos espectros, que estão se mostrando.

O conferencista senta, fala, como o padre na missa, ou o busto, a herma, o “plano americano” do talk-show. Molduras, rotundas pretas, saias de velhas portuguesas, sotainas cobrem o luxo de presenças, de sacrários sexuais ou de um piano de cauda.

Os sons das teclas piraram meu útero viril, que dança pelo espaço todo, tomado, tomando, sendo tomado atravessando as fronteiras físicas das poltronas, pontos “corpos de vista”, leitores topográficos individuais na sala-piscina de “parto” que vai ligando na mesma água o obscuro obsceno oculto, acendendo a luz de um cio subtil que traz tudo, todo não dito. Pã! “Ió Pã!”

Quando vai-se ao teatro, aos shows, a miséria brasileira pode ser muito bem sentida. Dói. No recorte da “parte”-palco, alguma coisa maravilhosa ou não está acontecendo, falando, cantando ou dançando ou exibindo simplesmente seu extrato de ranço. Luzes lindas, de altar. Cortinas delicadas. Pinturas.

Na plateia, uma multidão de pessoas de meia-idade, da classe média, os que podem pagar espetáculos, saem dos carros, sentam e assistem civilizadamente o teatro visível, como diante da TV, ou num sarau de Araraquara nos anos 40. No final aplaude de pé. E sai sem ter entrado em cena. Pegam os carros, pagam as gorjetas aos guardadores e partem. O palco não fez “partos”. Só “partes”. Se fez, o orgyástico não é percebido, não vem à consciência geral além do país do indivíduo. Ninguém fica mais bonito ou mais feio. Todos muito acanhados. Não foram mexidos os líquidos comunicantes dos mistérios da libido presente. Como no século vitoriano, outra vez a libido está sublimada na cerca não pulada do palco. Percevejo!

O teatro de Hera, colhido do éter dos satélites, ilustra a nova dura ordem mundial liberal: a recolonização dos cérebros e corpos. O lugar vivo onde a arte se encontra com as pessoas vivas, ao vivo, está midiado pelo acabamento do design no palco “parte”. A vida não faz parte.

Há (c)a(n)tores que se comunicam com o público além das vias e sinais frios, exteriores. Estes se plugam no oculto como Cacilda, Satanislawski, João Gilberto, Zé Miguel Wisnick. Superam as contemplações admiradas, respeitosas diante de um produto de muito boa qualidade, que se “vê” com olhos pasmos e submissos. Chegam ao tecido invisível, das correntes elétricas da libido geral presente. “Amor não, libido”, diz Jesus das Comidas de Oswald. Artistas do oculto, vão inconscientemente abrindo por baixo das poltronas bocas secretas famintas de raízes insaciáveis que vão segregando uma Internet có(s)mica, na hora. Dependendo da voltagem sente-se a ressurreição da glória da macaca de auditório da Rádio Nacional num cio de silêncio. Esta era a função plugadora do coro báquico, orgyástico: criar o solo, novo solo, onde a protagonização é presente.

Assim é o deus costurado nas coxas de Zeus. Está no oculto. Não está em cena, na vitrine do Percevejo, mas sempre presente, calado, como um pênis mole, pronto para entrar em ereção se tocado pelo instante de tezão social não ou mao dito no lugar. Dionizos aos cuidados das mais perigosas feras, das mais loucas bêbadas e relaxadas Mênades, tem renascimento e chega quando chega este solo de ligação mortal orgyástica na multidão. Aí forma-se o chão do seu Olimpo. Aí ele sobe. Pode acontecer também no palco, no écran da TV, se a transmissão for ao vivo como ameaçou de ser o fim de A próxima vítima, se tivesse público ao vivo. Macacas multidões presentes de todos os lados. Teria sido o teatro eletrônico. Mas a TV atual está dominada pelo medo, pelo consenso, pelo terror do teatro vivo, como constatei num debate de que participei no programa Roda viva com a empresária Ruth Escobar. Toda a roda parecia a operação Quadrado Morto montada pelo CCC em 68 para acabar com a Roda viva. Um esforço imenso de trazer o poder do fogo do teatro era militantemente, civilizadamente apagado por anos húmidos, para que não se criasse a faísca do cordão dourado do fogo do teatro vivo de Zeus. Os vampiros do velho teatro ao morto brasileiro temem o fogo da Fênix ao vivo. O novo colonialismo global, fidelíssimo ao consenso de Washington, interpreta ao pé da letra a nova ordem mundial, e não cria nela o fogo renovador possível de sua desordem. Necessária, vital, até para esta ordem mesmo. Do chororó do sentimento católico português, ou do drama ibérico, passa-se às técnicas individuais da resignação, autopiedade, drama pessoal, do indivíduo puritano americano. Todos cegos à cultura-arte da alegria do Carnaval Brazyleiro.

E na dor eu encontro prazer
saber sofrer é uma arte,
e pondo a modéstia de parte, eu digo que sei sofrer. [Noel]

Sinais da presença permanente de Dionizos como um pau mole encontram cinturões de castidade nas cabeças, como se pudessem impeder o endurecer do pau, que vem, quando menos se espera, trazendo brincadeira e alegria.

Dionizos chega como um fato histórico na montagem de Bacantes, para ser o espelho off cena, do oculto público. Dionizos é o gêmeo. O penetra que faz lugar e pessoas, gêmeas de suas divindades, no belo engraçado e terrível que é o encontro da arte com a vida. Materializa o sexual da utopia, faz do lugar o preciso para as renovações necessárias, queridas da orgya.

Mas a vinda à luz do oculto do obsceno, o encontro da metade secreta com a explícita, é mais temido que nunca pelo novo colonialismo.

A colônia global pensa que com o afluxo de capitais e com os cortes tem de fazer armadilhas, tramas, fofocas, jogos e jogos para que o obscuro obsceno vá para o ponto de esvaecimento, ponto de partida, e não faça o Parto. Não vê como se possa não ser empregado do possível, escravo da nova ordem. Não sonha em aproveitar toda “ordem” para outro rolê antropofágico.

Os libertários libidinosos, iluministas iluminados, abriam a fenda em Terra, que nos deixa contemplar e terratransar com a beleza dos nossos gêmeos infernais. A fonte de fogo jorra do útero da arena grega. O Thimelê, o fogo de Zeus vindo da terra de Semelle, vivo, sempre vivo. Este poder de fogo, que é o do teatro, pode muito bem derreter o gelo da ordem de cera mundial e contribuir para trazer a força magnética soberana de Terra, em que os satélites são nosso público e nossos servidores de nós terrenos, cósmicos, globais, em nossas viagens planetárias ou extraterrestres.

Das cinzas do incêndio da razão iluminista nasceu a razão do apetite, da libido, do coração phalante. Sem ela, não há poder de decisão, planificação, memória e história viva que possa curar a lobotomia social que nos transforma todos em realidade virtual. Seres de arquivo, sem emoção, escravos da computação como fomos da indústria.

Hoje a ciência conhece partes do cérebro que, se danificadas, mantêm toda nossa ordem liberal pessoal funcionando. Em troca perde-se a emoção, o pôr pra fora, o poder de ação, de decisão, de planejamento. Perde-se qualquer possibilidade de intervenção no consenso especulativo programado das telas dos micros da ordem ordinorum. Só é visível o painel do indivíduo partícula.

Chato, chorão, reclamão, piegas, cheio de autopiedade, dramático, com vergonha de ser mais que humano, besta de deus. Mas o diabo vê e vem no dígito, graças a deuses. Nas luzes da encenação dos espetáculos fundamentalistas das tecnocracias, das pastoras messiânicas, cristãs carismáticas com ou sem carisma, monodigistas de Jesus, ou de Alá ou da Moeda Forte, os poucos muitos rastros de luz, que os libidinosos e libertários sempre deixam, explodem na multidão. Foi assim nos fins dos 60.

Hoje são ocultados e obscenizados até o requinte dos salões de libido de apartaide “parte”. Nos palquinhos públicos classificados para gays, sapatas, peruas, rozencrants, guildensterns, andróides menores, casais héteros católicos, piedosos.

No deserto, a necessidade de vinho, comida, dinheiro, emoção, tezão, águas, começa a mandar de novo sinais do desejo para o cérebro que recomeça a velha eterna razão nova via libidinosa, teclar o poema da ação libertária de agora, a fim do drama. O comunismo igualitário da tragyco-mediorgya. O enredo da ordem com a desordem, do culto desocultado, do explícito, do estilhaçado, da vitrine tornada obscena. Do cênico que quer a ceia toda. A santa também.

Um renascimento de Dionizos, não o de um teatro, ou do teatro, mas de uma arte de viver, de um salto na evolução, de uma cultura, de uma sociedade, que já deu pinta na Grécia, na Índia, na Bahia dos 50, em São Paulo-Rio dos 60, no Renascimento europeu e no brazyleiro antropófago modernista, tropicalista. O renascimento de novo no deserto paulista, em um “oasys de futilidade e fertilidade pública”.

Óbvio que todo teatro empregado global de Hera, sua mídia, sua política, seus pastores, está sendo incumbido de fazer, aí sim, o impossível, para o rebanho cortado, desempregado: assistir quieto, “primeiro mundo”, civiliciado, seu espetáculo especulativo de colono, de Abelardo. Mas este teatro não consegue conter todo o corpo dos seus atores contratados, principalmente se libidinosas e libertárias correntes de ouro de libido, corais, Ais e Iás!, coletivos, ligados pela gemealidade do desejo, do tezão, tyasos, vibrarem agradecidos com o fato de serem os cortados. Bem pouco phoder tem a cidadania, a piedade social, ou a solidariedade cívica hipócrita da compaixão, da autopiedade, e do draminha pessoal pequeno-burguês, alçado agora à nobreza magna colunável.

A divisão da humanidade em os que estão por cima e os que estão por baixo só é unida se esta posição for a sexual e tiver rolê, inversão. Quando o tezão baixa, fica fraco nos baixos, nos fora de cena, sobe o desejo de Rozencrantz e de Guildenstern de aparecerem na história, de serem o destaque, the best. Trazem a velha vergonha da besta da Orgya, do ser có(s)mico, do ser todo mudo. Todo mundo quer ser Madame.

Dar no Coro é outra coisa. O tema da minha conferência não foi dado por mim e nasceu de um erro de texto. “Obscuro e obsceno”. São os estigmas certos, que impedem os trabalhos de seus michês de serem mal pagos. Mantêm a fantasmagoria das múmias que circulam na postura impostura do poder. Uma droga de revelação, como é o teatro em público, fica assim proibida de ser bancada, ainda que seu dinheiro de retorno seja casch. O medo de Dionizo, de não barrar ninguém, é mais forte que o medo de ganhar dinheiro na produção teatral dos rituais de passagem deste deus que vem para harmonizar o círculo com a reta, a história com a eternidade e a ordem global com a desordem cósmica.

A razão da ordem liberal louca não pode bancar comandos motores da decisão, da ação, do planejamento que perturbem seu funcionamento provinciano e acanhado.

Para entender isso, leia-se, monte-se Santa Joana dos Matadores nesta dramaturgia xamânica dos tabus liberais. Vai se receber a obscena clareza vermelha de Brecht: o dinheiro casch, dinheiro de droga admitida, estimulada, jorra farto pros exércitos de salvação de Jesus, de Alá, do capital especulativo, e da lobotomia social. Enquanto isso, santas Joanas são fritas em microondas.

Libertários e libidinosos gostam de comer bem, muito, muita gente, gostam do que é caro. Somos pombagiras. Que fazer?

Na Funarte do Rio foi montado por ocasião das conferências um magnífico terreiro, para elas, para muitas pombagiras. Círculos concêntricos encontrando-se, as caudas dos pés com as cabeças. Dobras nos caracóis das cobras, encontrando-se em espelhos curvos de três andares. Muitas gêmeas pombagiras e todas espelhando-se ao infinito, numa epifania sóbria, silenciosa e cheirosa, de um útero. De bater a cabeça! De aterrar! Uma graça, de graça. Uma dádiva que se dá agora mais à vida. É bom ver o espelho que junta outros gêmeos de nosso destino para produzir uma economia de vida libidinosa, como a de Tirezias, Hermes, $anta Maria da Conceição Tavares. Viver como putas sagradas do Mangue, cobrando o michê de nossa Orgya. Não temos nada nos mercados emergentes senão nosso corpo-alma, que são procreativos, criativos. Uns não têm nada. Alguns, por sorte e graça de uma fraternidade como a deste libertino, comem e têm um teto para viver. Como milhares que vivem de muito poucos que recebem salários. Uma nova sociologia. Uma nova forma de família. Cada empregado cobre dezenas de não-empregados e surge uma sociedade nova filha dos cortes. Um repartir do pouco pão. Um socialismo oculto e obsceno. Somos no Oficina Uzyna Uzona posseiros de um outro teto, móvel. Um Canudos de libidinosos, não os últimos, nem os primeiros. Um terreiro de Apoio para Dionizos andrógino foi erguido da luta de graça, de trabalhos investidos por libertários. O Estado intermediou, por pressão nossa, mas este dinheiro só vai para empreiteiras, máquinas burocráticas e burocratas. O dinheiro não se aplica na força do titã Humano. Este lugar é o teatro Oficina Uzyna uma Uzona. Alguns libertários libidinosos se fodem e fodem-se no túmulo de Semelle, mãe de Dionizos, Cacilda Becker. Um túmulo túmido, o Oficina é um canteiro de terra chegada na primavera de 95. Terra de lençóis subterrâneos, fertilidade negra, espermas das trepadas de dentro de terra. Alleyona Cacilda Semelle plantou treze Cavallis de uva. Na lua cheia de libra no dia 9 de outubro vamos à polícia nos Jardins de São Paulo. Somos denunciados por um padre da terra onde nasci e morei com o sol, Araraquara: “Vilipendiamos” o culto da comunhão. A ceia que “todas temos na parede e no coração”. A re“partição comunista do pão, no parto” da comunhão. Doze bofes mais um. O mais lindo deles diz: “Comei e bebei, este é o meu corpo, este é o meu sangue”. Todos caem de boca. Na nossa ceia Jesus das Comidas traz uma banana “colocada no lugar do pênis”, como diz padre Baldan, orientador espiritual de seminaristas efebos, amante da música e da arte moderna. Estouramos champanhe, o público comunga em sacro tezão comum. A estátua do Cristo Redentor da Guanabara, despida no final da peça, se revela o Mistério Gozozo do Rio de Janeiro de Oswald de Andrade: “É um caraio! dourado!”. Deu denúncia no artigo 208 do Código Penal: dois anos de prisão. Vilipendio a culto.

Dionizos oculto se mostra e se deixa ir à delegacia pelos empregados de Pentheu. Como Graciliano Ramos, estamos ameaçados de conhecer de novo os subterrâneos tétricos da ordem liberal.

Esta semana engenheiros do cadastramento do estado de São Paulo foram fazer um levantamento do terreno do Oficina para ser colocado na lista dos imóveis do estado que poderão ser dados à venda em troca do phalos phalido do Banespa.

Vilipendio a um solo sagrado de mais de trinta rodadas da Terra em torno de Apolo. A lei da ordem liberal não se libera de suas velhas crenças repressoras, nem respeita os Sertões de territórios libertarizados por Oficina em sua linha contínua de pulsão libidinosa.

Uma guerra da própria ordem liberal no dia de são Che Guevara pode ser percebida, deflagrada, contra o renascimento, contra Dionizos, guerra empatativa de uma nova graça para a vida da arte de viver que este lugar está destinado a ofertar. Guerra perdida.

Libertários libertinos, desejo, necessidade, destino entram em estado de contracenação com desejo, necessidade de seus desprezadores. Os tartufos precisam agora encher o saco, e fazer o cerco.

No início foram conferências oficiais guardadas pelos espelhos da pombagira no prédio do Ministério da Educação. A Dinamarca brazyleira que criou aquele palácio tem seus fantasmas que caçam seus Hamlets. Os libertinos, como as fúrias de Atenas, começaram a ter seu lugar impresso oficial para pensar. Páginas impressas, para a linguagem das putas, a pornografia, gênero literário exuberante, agora de cio reconhecido. Inspirou caderno Mais da Ilustrada. Provocou a loucura de cidadãos republicanos repeitáveis, doutores de impostos que não permitem uma trepada iluminada por Apolo, ou obscurecida douradamente por Sade.

Agora nestes dias que o Oficina passa, a poesia passa como o passaporte para gozar paz. Não quer guerra. A felicidade guerreira só está armada com a fartura da poesia da Paz. A penetração doce, suave, no culto que quisermos e precisarmos. Vai ter que se dar na situação-limite da precariedade radical. Fazemos poesia da orgya que podemos, que é possível. Um cordão de ouro, religioso, de uma putaria pública, bonita, artística.

Pelintra vendendo o que nunca foi vendido, como Rimbaud no salmo do “Saldo”, trafica e marketiza misteriosas, santas orgyas como a do altar redondo das pombagiras da Funarte. Estamos vendendo nossos anéis de ouro, pequenas giras dos Mistérios gozozos de Oswald e das Bacantes, bíblia de Eurípides do nascimento e do culto de Dionizos, como produtores e ainda mercadores do renascimento recente. Ressementes do Carnaval da cultura não colhidas do éter dos satélites, mas nascidas de Terra, de trepadas de todos os Brazys. O éter e os satélites são nosso público. Não estamos chegando com “uma parte” mas com “Partos”. Com os iluministas, foi nas alcovas, nas caves, nos anos anéis dos 60, nas ruas por tudo, até 69. Agora, na alcova fálica e de círculos bocéticos do teatro Oficina, nos teatros italianos ocupados inteiramente como o de Belo Horizonte, sem lugar para não estar ou nos Maracanãs redondos dos esportes públicos. Os pés dos ritmos do Carnaval, dançando todo o corpo de um teatro tragyco-micorgyástico, emergem no mercado emergente, como um cogumelo, com o outro mesmo, o gêmeo feio bonito da diaba, da pombagira.

O teatro costurado nas coxas de Zeus, obscuro e obsceno, nasceu com Dionizos, em Ribeirão Preto, dia 12 de agosto do inverno de 1995, para 2800 pessoas que acolheram maternalmente como Demeterra.

(Tomo mais um gole de Passport.)

Dia 8 de outubro de 1995. Não conseguimos ainda ter o $ real para fazer o ritual que temos dentro de nós, de nosso tiazo para Dionizos no teatro-terreiro erguido para ele: o canal do Oficina, barrado ainda nos fundos pelo Baú da Felicidade.

Estamos em plena estratégia utópica fabricando um milagre público de abrir com Bacantes o nascimento do deus num canal urbano ligado a dois sexos: o canal é de Lina Bardi e Edson Elito, é o Oficina. No minhocão em frente, a cabeça de Paulo Mendes da Rocha esporreou uma “Agora” quando num terreninho que sobrou da desapropriação visualizou, ao lado de uma bilheteria, um altar cintilando de um Bar de Pingas de todos os países do mundo como estátuas em frente de um espelho, como o da pombagira da Funarte. Torres fálicas e uma Broadway de Carnaval. Esta ejaculada traz uma inundação musical de Óperas de Carnaval. Atravessamos o canal, no carro-naval de Dionizos, com seu karalho em erecção de mastro de vela branca arrondilhada de heras e parreiras. Os himens dos muros caem, acabamos no largo, numa concha grega negra, a boceta enorme de um extádio do Anhangabaú da felicidade, o gênesis do oasys de futilidade pública cercado de shopping de lazer do Baú da Felicidade.

Dionizos nasce repubicamente, abrindo nas vias da capital um canal sexual de cultivo dos vinhos dos cogumelos da via libidinosa libertária, de Libertas, que era o nome da ex-escrava que ganhou na cama estas terras de seu ex-senhor. Depois os paulistas estupraram o lugar, grilaram. Mas Libertas deixou lá uma “caveira de burro”.

Espíritas mesa branca tentaram tirar, não adiantou. Chegamos na taça do Oficina dos ventos dos 50-60. Desenterramos a caveira nas escavações arqueológicas de Una Bardi Brecht nas Selvas das cidades. Hoje Tirezias, Serafim, Fantasma vingado de uma dinastia que libertou esta “ária” que quer ser não uma Dinamarca ou uma Bayreuth, mas uma maloca futurista de libidinagem pública. Terreiro da Puta Sagrada.

O que a comunidade dos beatos de Canudos ou o silêncio que ainda cheguei a ouvir em Araraquara sobre um crime de coronéis fazendeiros jogado em cima da cidade como “linchamento” tem a ver com libertários e libertinos, com um texto de uma conferência que não foi gravada, que nem pretendo reconstituir? Buscar um ponto de “parto”, ação, tezão. A melancolia toda gostosa foi posta a prova na cama da alegria da conferência de Belo Horizonte. É possível, na ordem liberal da Idade Mídia, libertar-se e renascer como foi na ordem medieval que Galileu pôde furar.

Neste dia eu encontrei o caminho de fazer Bacantes que buscamos, nós, há nove anos: Catherine Hirsch, Denise Assumpção, Marcelo Drummond, Alleyona Cavalli, Pascoal da Conceição, Cibele Forjaz, Fransergio, Zé Celso e outros nomes concretos ligados a este renascimento, tyaso.

O público da conferência, em círculos mesmo, foi crescendo, crescendo, quanto mais minhas rondas avançavam. Desiste, esta ronda é inútil, mas eu não desistia. Essa roda inútil. Fútil. Ronda. Ronda. Vêm muitos nomes de outras rodas, uma história a ser contada do polo sul do tropicalismo como Risério tão bem conta a do polo bahiano. As duas se interligam e completam e produzem Florestas de Oficinas para os deuses das chuvas e mais, muito mais, cirandas, for all. Vida. Sem fronteiras. Saga de Noilton Nunes, Euclides da Cunha. Áfricas de “25”, Xamãs da Frelimo e da Renamo, religados. Canto, me encontro de novo no caminho que leva de novo à certeza de estar de novo grávido de bacantes, neste ritual em Tebas de São Paulo, o mesmo chato dos evangelhos, que faz as terras paulistas um pouco fechadas. Difícil para Isaurinha Garcia, para Oswald de Andrade, para Itamar Assumpção, para o teatro Oficina. São Paulo capital de Pentheu depende da Justiça e Adoração sexual que a perversidade libertina possa inspirar e que falta, enrolada pela bondade brocha liberal, dos bons meninos que pegam no pé mas não pagam o trampolim da decisão libertária. São Paulo, ex-perseguidor de Jesus, desemprega hoje os repórteres e tudo que é vivo. Mas não vamos arredar pé do território conquistado. No cio profano sagrado do ócio de não estar agora em cena, revejo o Percevejo e conto + para alegria. O tédio no dedo phala fiado em outros canais, mascara, não resistiu, morreu, entregou. Mas agora começa a acordar de novo. É hora de escarrar fogo do Brazyl. Não importa a ordem colonial, o congestionamento burocrático dos ministérios, secretarias, departamentos de Marketing privados da cultura, 98 anos do massacre de Canudos “não se rendeu”, 98 anos, em Araraquara os coronéis assassinaram dois sergipanos. “Os Brito”: o linchamento encenado, onde os donos da cidade pintaram as caras de preto para jogar a culpa nos pretos, e fizeram meu lugar de nascimento ficar conhecido como “linchaquara”. Na lua cheia do dia 9 de outubro, o caso de polícia que virou os Mistérios gozozos vira um caso com a polícia, onde queremos que a Igreja peça desculpas dos 2 mil anos de vilipêndio ao sexo. Nossa origem sagrada, Bacantes traz o abalo: “O Ia! A! Ia! O Ha! Ha! Ha!”. Um terrrrrrrremoooooootooo, que vem vindo no mínimo de nossos corações bacantes para que a terra transe, escarre fogo de suas siete cabezas, rua, muros, paredes, como as rotundas de Belo Horizonte, e revele a luz da lua, do sol, dos refletores. O toque do piano do teatro obsceno e obscuro magnetizando o tezão: “Ditisambo vem”, juntando todos xamados xamânicos, de todos os neurônios de todas as memórias, histórias, fisiologias e biologias, mateasmáticas e ciberinternéticas, telepáticas, para uma nota de decisão, um ato elétrico de uma razão tão justa e adorada que libertária e libidinosa. Reescrevo não Belo Horizonte mas meu xamado. Estou me convocando para me encher de Dionizos e me pôr em movimento para fazer seu rito e dizer: “FOGO, FAÇAM FOGO!!!”.

Sonhei que estava num castelo, num festival internacional de teatro. Era no Brasil, mas não era no Brazyl, era na sociedade global imperial portuguesa, Carlota Joaquina! Rozencrants e Guildenstems do mundo no maior “uni-vos”. A ordem por ser de consenso era uma zona, não sabia mais onde era o meu quarto. Eu tinha sido convidado por Hera a dirigir um trabalho sobre “o fogo”, tacar fogo na igreja morta do teatro brasileiro, com seus santos mofados, sua cegueira, sua excomunhão que graças a Dionizos eu mereci.

É o mesmo do primeiro nascimento de Dionizos. O mesmo do terremoto de sua libertação. O mesmo que queima todos na mesma fogueira. Na mesma ordem, libertários, libertinos, liberais. É o fogo que nos faz no mesmo ar, na mesma água, na mesma terra, faz o fogo pegar e nos faz gêmeos ígneos. Pode vir, como disse Pereio à Roda Viva que conheço, o cu. O meu está pegando fogo. “Todas temos” FOGO!

(Último gole.)

-Cantando bêbado de um bomber, “eu chego, com o deus do barulho”. Do terremoto surdo, doce demhorado, doido, dos rios de fogo subcutâneo do coração, queimando nos canais ocus do cu ao terceiro olho e além, nas tremedeiras das coxas, no pau que está mole e quer ser duro, pai de todo endurecer, na magna macha que quer ser mãe do mar, no cu que quer aprender a dar, das águas da saudade que trazem a água do reparto, da barriga alimentada por comida dada, da cabeça coberta por teto gêmeo, do fraternal abrigo do outro Canudos em retângulo que quer comer, quer comungar, dar o alimento, quer encontrar com o que não queria se encontrar, “em mim”, que quer porque quer, decidir, este abraço “em mim” mesmo, planificar para que o que quer seja querido pelo querer e “para si”, que está querendo “para si” o mesmo que “para mim”, que estamos querendo “pro sol”, ser decisão, plano, duração, molhação, que queira querer o que tudo quer, libertinagem gêmea de libertária e da tia liberal, que queira o que a necessidade quer, tudo ‘clue faz as gêmeas precisarem sempre de mais uma,

sempre de algum

sempre de algum

sempre de algum

sempre de mais alguém, para querer mais, para dar mais, para ter algum e querer precisar, ter pra dar.

Amar tanto o quero como o preciso, o tido como o dado. O que não foi e o que é, o não-ser e o ser e principalmente o que não pode ser. O michê e o michado. O puto e o cafetão, o freguês e a freguesia. O que colhe escolhe o colhente a colhida a comida a fome o apetite. A saciedade. A imaginação para ter mais apetite ainda em sociedade e em solo. Nunca. Sempre. Pois sempre há um verme que nos quer, e nosso apetite é dele, é ele querer, decisão, planejamento libertário libertino, querendo porque quer não aturar a tia liberal, e a ordem do capital como ela quer ser aturada, com compaixão e piedade. Raul Seixas: “Mas o que você não sabe por inteiro, é como ganhar dinheiro. Isso é fácil, você vai ver”.

É preciso querer ganhar dinheiro

para poder dar dinheiro

para poder provar o valor do dinheiro.

hay que queimar el cielo se espreciso, por vivir,

hay que endurecer,

para non perder ias gostosuras

para não perder nem o dinheiro.

O dedo é um órgão sexual sempre duro. Mas o tato é mole e a tecla o tyato. Na noite de Belo Horizonte, no bar terreiro da UF escola de teatro, embaixo, mora o poeta “gueza” do coro do Ensaio geral do Carnaval do povo Helinho — HÉLIO. Inconfidente mineiro duma comuna do Brasil da “abertura” que quase escancara a Portela, por onde não passou a cultura e a arte “brazyleira” que continua no AI-5. Só que em vez das fardas dos militares são os ternos dos executivos marketeiros que desempenham este papel de rolha. Este coro que viveu, trabalhou, lutou contra a guerra de extermínio seis meses recebeu a maior pena imposta a um grupo de teatro: interdição de trabalhar, de aparecer, de se apresentar, de viver, independente da peça, lugar, ou como se desse sua epifania. Coro Momo Precoce. Baco prematuro. Depois da minha conferência fui transportado para as delícias do convívio no seu bar. Hélio começou a tocar minha memória lobotomizada. O renascimento do Brasil, o de Dionyzos, precisa do rel(ATO) de Hélio, é o elo de um belo perdido que precisa ser reencontrado já. A este príncipe do amor dedico a viagem de busca desta conferência perdida que afinal me releva a fazer Bacantes. Este texto ainda precisa do dele, só fica claro se Hélio contar. Conte Hélio para podermos cantar, e ser verdade:

Deus lhe deu

a luz outra vez.

Bebe com xifre de tours,

eu sou divino,

vim pra atuar meus rituais,

e para NASCER

MÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ.

Paraíso, 22 de outubro, morte de Oswald, véspera de escorpião.

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