1987

Édipo e a paixão

por Hélio Pellegrino

Resumo

A partir de uma antiga lenda tebana, Sófocles escreveu sua tragédia imortal: Édipo-Rei.

Filho único de Laio e Jocasta – soberanos de Tebas –, Édipo cometeria, segundo um oráculo que o vê ainda bebê, parricídio e incesto. Por isso, o casal resolve matá-lo. Para tanto, entregam-no a um pastor que vive nas imediações da cidade e que o amarra pelos pés no galho de uma árvore, para que seja devorado pelas aves de rapina. Édipo estará, a partir de então, destinado a continuar preso à árvore-mãe, incapaz de nascer e inventar seus caminhos. Surge então um pastor vindo de Corinto, cidade vizinha a Tebas. Ele vê o bebê e resgata-o. Pai simbólico, é ele que muda o destino de Édipo, contrariando assim o veredito todo-poderoso de Jocasta. O pastor entrega o bebê a Mérope e Políbio, reis de Corinto, que o adotam como filho legítimo. A esta altura é interessante notar que Édipo significa “o que tem pés inchados”, motivo pelo qual ele andará sempre canhestro, trôpego, de modo a ser incapaz de seguir seu próprio caminho.

Adulto, num banquete, Édipo ouve de um conviva que é filho ilegítimo. Angustiado, procura um oráculo, que não só confirma a informação como revela seu destino, parricida e o incestuoso. Foge, então, de Corinto.

Em viagem, desentende-se com um velho acompanhado de uma escolta. Mata-o. É Laio. Édipo começa, assim, a cumprir seu destino.

Às portas de Tebas, sabe da existência de um monstro que flagela a cidade de tal modo que Creonte, irmão de Jocasta, oferece a coroa e a mão da rainha viúva a quem derrotar a Esfinge.

Édipo realiza a façanha. E, como tal, passa a rei e possui Jocasta, sua mãe de sangue.

Quando a verdade vem à tona, Jocasta se mata. Diante disso, Édipo arranca os próprios olhos.

 


Vamos falar de Édipo, herói de uma velha legenda tebana, na qual se apoiou Sófocles para escrever sua tragédia imortal, Édipo-Rei. Édipo, filho de Laio e Jocasta, soberanos de Tebas. Ao casar-se com Jocasta, recebeu Laio, de um oráculo, um veredicto terrível. Seu filho único, que lhe nasceria do matrimônio, cometeria parricídio e incesto, casando-se com a mãe.

Ao nascer a criança, Laio e Jocasta resolveram eliminá-la. Para tanto, entregaram-na a um pastor de Tebas, para que a matasse. Aqui se pode perceber um último sopro de piedade em Jocasta. Foi ela quem entregou o filho ao pastor, incapaz de assassiná-lo com as próprias mãos. O pastor, para cumprir a sentença dos reis de que era súdito, dirigiu-se, com a criança, para o monte Citeron. Lá, também apiedado, ao invés de matá-la, furou-lhe os pés e, trespassando-os com uma corda, amarrou-a a uma árvore, para que as aves de rapina consumassem o infanticídio. Nessa situação simbólica se prefigura o destino de Édipo. Ele seria sempre o filho amarrado à árvore-mãe, incapaz de nascer e de inventar seus caminhos. Atado, prisioneiro, preso à mãe pelo cordão umbilical — essa pode ser a leitura simbólica do pequeno infante dependurado numa árvore, no monte Citeron.

Um pastor de Corinto, cidade vizinha, ao passar por ali, viu a criança enforcada pelos pés e, apiedado, resgatou-a para levá-la à cidade. Esse pastor cumpriu a função do pai simbólico, cuja mediação separa a criança da mãe, pelo corte do cordão umbilical que os une. Ao cortar a corda que prendia Édipo, mudou seu destino e contrariou o veredicto todo-poderoso de Jocasta, que o condenara à morte.

Mérope e Políbio, reis de Corinto, não tinham filhos. O pastor entregou-lhes a criança, que eles adotaram como filho legítimo, sem jamais informá-la do segredo de origem. Édipo — eidein, estar inchado, e pous, pés — significa em grego “o que tem os pés inchados”, e caminhando, canhestro, tropeçando em sua marcha, incapaz de dançar o próprio destino.

Édipo, criado por Mérope e Políbio, cresceu protegido pelo carinho dos pais, sem que nada de especial o turbasse. Já adulto, na força da mocidade, ouviu num banquete, de um conviva bêbado, a notícia de que não era filho legítimo dos pais de Corinto. Profundamente angustiado com a versão que ouviu, mesmo depois de ter sido ela desmentida por seus pais, procurou Édipo um oráculo e dele escutou uma predição terrível: seria parricida e incestuoso e, de seu matrimônio com a mãe, lhe nasceria uma prole nefanda.

Para fugir ao destino, o herói tebano decidiu afastar-se de Corinto para sempre. Em viagem, na errância a que o condenara o oráculo, teve uma altercação, numa encruzilhada, com um velho acompanhado de escolta. Édipo, na luta, matou o velho e dois dos guardas que o acompanhavam. O terceiro fugiu. Já aí, sem que absolutamente o soubesse, o herói começara a cumprir seu destino. O velho abatido em combate era Laio, o rei de Tebas, que se atravessara em seu caminho e fora destruído.

Seguindo viagem, Édipo aproximou-se do território tebano e, quase às portas da cidade, soube da existência da Esfinge, monstro que propunha aos que por ali passassem enigmas de difícil solução, despedaçando aqueles que não os resolvessem. Creonte, irmão de Jocasta, sucessor de Laio, anunciara por toda a Grécia que daria a coroa e a mão da rainha viúva a quem conseguisse livrar Tebas do terrível flagelo.

Édipo enfrentou a Esfinge e foi por ela desafiado com o seguinte enigma: “Qual é o animal que, pela manhã, anda com quatro pés, ao meio-dia com dois e, pela tarde, com três pés?” O herói tebano encontrou a resposta: é o homem, que na infância anda de gatinhas, na maturidade sobre seus dois pés e, na velhice, apoiado por um bastão.

A Esfinge, roída de despeito, precipitou-se no abismo e Édipo, recebendo a mão de Jocasta, passou a reinar sobre Tebas. Do matrimônio incestuoso lhe nasceram quatro filhos: Polinice, Eteocles e duas mulheres, Ismênia e Antígona. Durante anos, reinou em paz, até que uma peste devastadora se abateu sobre o país. Consultado o oráculo, revelou que a epidemia era conse-quência de não terem os tebanos vingado a morte de Laio.

Édipo ordenou, como rei, investigações rigorosas, que o levaram por fim a reconhecer-se como parricida e incestuoso. Jocasta, desesperada, se enforca, reproduzindo a situação originária de seu filho, dependurado por uma corda. Édipo, ao ver a mãe morta, arranca de seu manto as agulhas que o adornavam e, com elas, dilacera os olhos, tornando-se cego.

No início da década de 60, num congresso latino-americano de psicanálise, realizado em Santiago do Chile, apresentei uma reavaliação do complexo de Édipo freudiano a partir do mito e da legenda que serviram de tema a Sófocles para escrever sua tragédia imortal, Édipo-Rei. Santiago, nesse tempo, era uma linda e amável cidade, ainda não devastada pela peste do fascismo pinochetista. O trabalho suscitou interesse, por ter eu nele levantado uma questão ainda não explicitada no terreno da literatura psicanalítica. Mostrei simplesmente o óbvio, a saber: Édipo, herói da legenda tebana, ao assassinar o pai e ao casar-se com a mãe, não se enquadra no esquema estrutural e conceitual do complexo de Édipo, tal como o descreve Freud. Édipo, portanto, não padecia do complexo de Édipo freudiano, tendo sucumbido a vicissitudes de natureza pré-edípicas.

Senão vejamos: no conceituar o complexo de Édipo, diz Freud que o menino, entre três e cinco anos, na fase fálica de seu desenvolvimento libidinal, se apaixona sexualmente pela mãe e, em virtude desse sentimento devastador, quer cometer parricídio para livrar-se do pai, rival que lhe barra — segundo a fantasia infantil — o caminho até a mulher desejada. Voltaremos a esse tema adiante, com minúcias maiores.

Ora, se Édipo, herói tebano, se enquadrasse nos termos freudianos do problema, deveria apaixonar-se loucamente por Mérope e estaria condenado a eliminar Políbio, os pais que o criaram desde quando tinha poucos dias de idade. Entretanto, aterrorizado pela predição do oráculo, Édipo, pensando fugir ao seu destino, afastou-se de Corinto para evitar parricídio e incesto. Ele não ficou preso aos pais que o amaram e respeitaram. À base do amor recebido — o amor é o chão da liberdade — conseguiu sair de casa, inventando seus caminhos com os pés, embora inchados.

Édipo não se viu preso a Mérope e Políbio e, sim, sem sequer sabê-lo, a Laio e Jocasta, pais que o rejeitaram e condenaram à morte. A prisão lhe veio de um desamor fundante e fundamental, que o atou à mãe e o arrastou à eliminação do pai. Não se pode falar, aqui, de uma paixão amorosa, como no complexo de Édipo, freudiano, e sim de uma condenação cuja raiz é, ao contrário, a total ausência de amor.

A tese por mim defendida no trabalho de 1966 é de que na situação edípica há que distinguir dois níveis de estratificação. O primeiro, mais superficial, implica a triangulação freudiana — pai, mãe, filho — e transcorre na fase fálica do desenvolvimento da libido. O segundo, mais primitivo e originário, corresponde à fase oral e diz respeito à relação da criança com a mãe, nos seus primeiros tempos de vida.

O nível superficial e triangular, nessa linha de pensamento, será determinado pelo nível arcaico, que funciona, na situação edípica, como variável independente. Isto significa que a virulência do conflito edípico, na fase fálica, será decisivamente influenciada pelas vicissitudes da relação entre a criança e mãe, na fase oral. Quanto pior for esta relação, quanto menos se sentir a criança amada e protegida pela figura materna, mais se agarrará a ela, e mais devastadoras serão as paixões desencadeadas na etapa posterior. Ao contrário, se a relação for boa e amorosa, mais facilidade terá a criança de aceitar o corte separador que, com a interdição do incesto, a afasta da mãe.

Esse aparente paradoxo é fácil de compreender. A criança, ao nascer, precisa agarrar-se — fundir-se — à mãe, e essa necessidade será tanto mais convulsiva quanto menos segurança e garantia tiver ela do amor materno. Um náufrago, num mar proceloso, se aferrará à sua tábua de salvação na proporção direta do tamanho das ondas que o ameaçam. A criança, jogada no mundo com o nascimento, procederá dessa mesma forma. Ela irá ligar-se à mãe com desespero, e esta dependência desesperada será diretamente proporcional à sua insegurança.

Para tanto, dividirá — fará a cisão — da figura materna em duas imagos: a da mãe boa, protetora, ou a da mãe má, persecutória. Esse splitting maniqueísta, segundo Melanie Klein, se inicia logo após o nascimento. Os instintos de vida e de morte serão representados, no psiquismo arcaico, pelas fantasias de um seio bom, idealizado, correspondente aos instintos eróticos, e de um seio mau e perseguidor, relacionado aos instintos tanáticos. Fica, assim, fundada uma triangulação arcaica, constituída pela criança e pelas fantasias que faz de um seio bom e de um seio mau.

Quando a relação primitiva entre criança e mãe for má, essa triangulação arcaica tende a persistir. A imagem da mãe má — ou do seio mau — será projetada na figura do pai que, desta forma, se transformará num perseguidor odiado. A criança, acuada, cheia de um ódio que incendiará essa perseguição, desejará matar o pai para entrar mãe-a-dentro, numa última — e incestuosa — busca de refúgio.

Essa é, literalmente, a história de Édipo. O herói tebano ficou chumbado à figura de Jocasta, mãe que o condenara à morte. Tendo assassinado Laio e destruído a Esfinge, imagos da mãe má, casou-se incestuosamente com Jocasta e dela renasceu, através de filhos que eram, ao mesmo tempo, seus irmãos.

Vejamos de que maneira Freud concebe o complexo de Édipo e as vicissitudes cruciais que o constituem. Para o criador da psicanálise, a criança — no caso da nossa exposição, o menino —, entre os três e cinco anos, se apaixona sexualmente por sua mãe e, em decorrência, quer matar o pai, rival que lhe barra o caminho da paixão incestuosa. Ele quer a mãe, e a quer falicamente, transformando o pênis num objeto fálico. Veremos depois que pênis e falo não são conceitos superponíveis. O pênis é um objeto — ou símbolo fálico — tanto quanto o seio ou as fezes podem sê-lo. Nessa fase da evolução da libido, o pênis-falo ganha um formidável valor narcísico. Ele é o eixo, o centro da atividade sexual da criança, o fulcro de seu orgulho narcísico e de sua afirmação de onipotência e completude.

O menino, portanto, na fase fálica, deseja a mãe e quer matar o pai. Essa situação mobiliza todo o elenco das mais terríveis paixões humanas. Ciúme, inveja, ódio parricida, culpa, tremor e temor, tais são os ingredientes das paixões edípicas. Para que possamos entender de que maneira Freud conceitualiza a resolução do drama edípico, precisamos distinguir as duas etapas da fase fálica e introduzir, em nossa bagagem conceitual, o complexo de castração. Esta é uma referência central no pensamento freudiano e, juntamente com o complexo de Édipo, constitui o centro, o arcabouço fundamental do edifício da ciência psicanalítica.

A fase fálica do desenvolvimento sexual infantil implica duas etapas, que são marcadas pelas teorias sexuais infantis construídas em cada uma delas. Na primeira, a criança elabora uma teoria sexual pela qual só existe um sexo, o masculino. Todos os seres humanos são dotados de pênis, que aqui surge como falo, como objeto imaginário, e não como uma realidade. No caso do menino, o falo corresponde ao pênis, anatomicamente presente. No caso da menina, a falta de pênis simplesmente não é assinalada. Há uma negação dessa falta, através de um objeto imaginário, que é o falo.

Acredito que essa maciça negação da falta, através do falo, possa corresponder a uma defesa primitiva contra o fantasma da castração, que é, segundo Freud, arquetípico, e, portanto, suprapessoal. O fantasma da castração é um dos fantasmas originais. Tem dimensão filogenética, herdada, e independe de experiências pessoais. Ele está presente no psiquismo e, inclusive, interfere — ou mesmo determina — o jogo da fantasmática individual. Na primeira etapa da fase fálica, portanto, o falo está presente em todos os seres humanos, de tal maneira que a falta do pênis nas meninas e mulheres simplesmente é negada. O falo é, em última análise, o significado da falta, conforme o define Lacan. Na primeira etapa da fase fálica, ele é imaginarizado e aparece, exatamente, como alguma coisa que preenche a falta. A falta só pode ser representada através de alguma coisa que a preencha. Não posso representar uma falta por outra falta. Um orifício, só posso representá-lo pelas paredes que o circunscrevem ou por um objeto que, entrando nelas, o denuncia — e o representa. Um dedo que penetre um cano vai denunciar o vazio do cano, torna-se significante desse vazio. O dedo, entretanto, pode vir a significar imaginariamente não o vazio do cano, mas o contrário deste, isto é, sua plenitude. Nessa medida, esse dedo passa a desempenhar uma função fálica imaginária.

Na segunda etapa da fase fálica, a criança descobre a falta do pênis nas meninas e nas mulheres. Essa falta será lida não como significando a diferença sexual e, como tal, constituindo a oposição significativa masculino-feminino, mas a partir da primeira etapa da fase fálica. A criança permanece fiel à sua teoria de que todos os seres humanos têm o falo, mas constata, perplexa, que ele pode ser perdido. Há criaturas que foram despojadas do seu falo, e a prova disto é que lhes falta o pênis, vivido como falo.

Essa descoberta é crucial e passa a constituir o fundamento do complexo de castração. O menino passa a ter medo de perder o pênis, uma vez que a ausência dele, na menina, é prova de que isso pode acontecer. A oposição, nessa etapa da evolução libidinosa, é fálico ou castrado. O pênis — falo imaginário — pode ser perdido, e esta perspectiva ou possibilidade o menino a articula ao complexo de Édipo. Não nos esqueçamos de que, no drama edípico, o menino quer possuir a mãe, sexualmente, eliminando o pai, através do parricídio. Na fantasia inconsciente, odeia o pai, quer assassiná-lo, castrá-lo, destruí-lo, reduzi-lo a nada. Não é surpreendente que, a partir daí, passe a temer a vingança retaliatória do pai, que o vai punir com a mesma moe-da. No inconsciente vige, soberana, a lei de Talião: olho por olho, dente por dente.

Na medida em que o menino percebe, na segunda etapa da fase fálica, a ausência do pênis-falo na menina e na mulher, cria a teoria de que elas o perderam. E, nessa medida, passa a temer, com todas as forças do seu medo, que a mesma coisa lhe aconteça, por obra do Pai terrível, implacável e castrador. O menino, cuja vida psíquica na fase fálica é enfunada pelos ventos da paixão incestuosa, defronta com o perigo eminente — e iminente — da castração. Ele pode vir a perder seu artefato fálico — o pênis — tão caro e necessário à plenitude do seu narcisismo. É esta ameaça brutal que, segundo Freud, o leva a desistir da paixão que o faz desejar a mãe e querer matar o pai. O temor da castração, filogeneticamente condicionado, presente na fantasia inconsciente, é, para Freud, a mola mestra que leva à superação do complexo de Édipo. O menino, para evitar a suprema injúria narcísica que seria a perda do pênis-falo, desiste de sua paixão incestuosa, capitula diante da Lei do Pai, ou Lei da Cultura, que interdita o incesto e, identificando-se com tal interdição, aceita a gramática social do desejo e se prepara para ser, quando adulto, sócio pleno da sociedade humana. A resolução do complexo de Édipo implica, para Freud, a internalização identificatória com as prescrições e interdições da cultura. Por isso é que o criador da psicanálise afirma que o superego é o herdeiro do complexo de Édipo.

Em trabalho intitulado Pacto social e pacto edípico (1983), procuro mostrar que a resolução do complexo de Édipo se faz não apenas em nome do temor e de tremor, mas também em nome de amor. A Lei do Pai é internalizada, sem dúvida, no temor. Sem a ameaça de castração, que dá à Lei da Cultura plena potência interditória, a resolução de Édipo seria impossível e, com isto, a criança jamais se desligaria da mãe para criar sua própria aventura. Mas a ameaça não é o único elemento que confere à Lei o seu poder de convicção — e conversão. A Lei não existe para aniquilar o desejo, aviltando-o ou degradando-o. Ao contrário, existe como gramática capaz de articulá-lo com o circuito de intercâmbio social. O menino, ao aceitar a interdição do incesto, tornando-se com isto candidato ao pleno estatuto de sócio da sociedade humana, tem o direito — ao qual corresponde um dever social — de viver um processo fecundo e favorável de socialização, no qual estejam inscritas as inalienáveis prerrogativas de alimentação, saúde, moradia, educação — e carinho.

A Lei é produto de Eros — não de Tânatos. Ela é guardiã de desejo, na medida em que o encaminha no sentido de uma subordinação ao princípio de realidade, luz apolínea capaz de articular-se com a dimensão dionisíaca e desmesurada da pulsão, na sua busca de prazer a qualquer preço. A Lei disciplina o desejo para guardar a vida, introduzindo, na espessura do corpo e da carne, o clarão do Logos.

Voltemos à fase fálica e às teorias sexuais infantis que nela se manifestam. É na segunda etapa da fase fálica que surge, com agudez dramática, o problema da castração. Até aí não existia, do ponto de vista da teoria infantil, a diferença sexual. Depois, a diferença aparece, ainda lida a partir da teoria construída na primeira etapa. O falo deixa de ser alguma coisa que se tem, sem problemas maiores, e passa a ser alguma coisa que se perde. O falo é destacável, circula, pode assumir várias formas. Freud, inclusive, criou uma equação simbólica assim formulada: pênis-fezes-presente-filho. Esses podem ser objetos fálicos, e podem equivaler-se.

Para o menino, o medo da castração o obriga a desistir de sua paixão incestuosa. É pelo horror à perda dos órgãos genitais que ele desinveste a figura materna de seus desejos sexuais e acaba por identificar-se com as interdições do superego. Mas, enquanto a castração leva o menino a sair do campo do Édipo, ela conduz a menina à entrada nesse campo. A menina descobre que não tem o pênis-falo e, com isto, sente-se prejudicada. Ao perceber que a mãe também não o tem, passa a desvalorizá-la e, nessa medida, se dirige para a figura do pai, dotado de falo e, portanto, cheio de poder e fascinação. A menina se dirige ao pai para solicitar dele ou o falo, ou um equivalente do falo, que é um filho. Ela pleiteia do pai um filho, como indenização pelo fato de ter sido despojada do pênis-falo, por defeito de fabricação.

Tais conceitos são importantes para o esclarecimento da ideia — ou da acusação — de que Freud foi um machista impenitente, defensor da superioridade do homem sobre a mulher. Freud fala da inveja do pênis, sem dúvida. A mulher teria inveja do pênis, e sua ausência seria fonte de graves sentimentos de inferioridade. Entretanto, aquilo que provoca inveja não é o pênis anatômico, mas o pênis-falo, o objeto imaginário fálico, apto como tal a investir quem o tenha de um valor de completude e de plenitude narcísicas. Nessa medida, também o homem tem inveja fálica. Se o seu pênis é o falo, isto é, se fica preso à etapa de desenvolvimento da libido, será sempre rondado — e roído — pelo medo da castração. Poderá perder o falo para ver-se possuidor de um pênis apenas, com as chuvas e trovoadas eventuais que isso possa acarretar. O pênis-falo não pode ser apenas potente: ele tem que ser onipotente. O homem, nessa medida, pode sentir-se inferiorizado — ou impotente — na medida em que não alcance um rendimento sexual que testemunhe essa onipotência.

A inveja fálica, de homens e mulheres, pode deslocar-se para qualquer coisa que teria significado fálico, isto é: qualquer coisa que implique plena expansão narcísica e pleno sentimento de completude. Esta coisa pode ser a inteligência, a beleza física, a força do corpo, a voz, a produção artística, o canto, a fama, a glória, o dinheiro — o que quer que seja. Dado que o falo é um objeto mítico, imaginário, impossível, uma vez que não existe nada que possa conferir a quem quer que seja a completude — a não ser a morte —, a inveja fálica, que é o desejo de possuí-lo, será sempre presente, numa tentativa de retorno a uma atitude narcísica também impossível.

Falemos, agora, do conceito lacaniano de castração simbólica. Lacan, na sua elaborada e sofisticada teoria, metaforiza o complexo de castração freudiano. Neste, há o risco de um corte mutilante, que a criança teme. Para não perder o pênis, eixo central de sua expansão narcísica, o menino desiste de sua paixão incestuosa e aceita a interdição do pai, que proíbe o incesto. Na verdade — e Lacan o mostra — o menino aí aceita um corte, não do seu pênis, que ele refuga, mas da sua relação narcísica com a mãe. Para Lacan, no início, a criança é o falo da mãe, aquilo que lhe falta e a completa. Através da criança, que é o falo, a mãe o tem, o possui e, com isto, cria para si um estado ilusório de completude narcísica.

A castração simbólica implica a perda da abastança fálico-
-narcísica, seja para a criança, que deixa de ser o falo da mãe, seja para a mãe, que deixa de ter o falo, encarnado na criança. Ela é operada pelo pai simbólico, em nome da Lei do Pai, ou Lei da Cultura. O pai simbólico não é a Lei, mas o representante da Lei. Ele faz a maiêutica da subjetalidade de filho, partejando-o das águas maternas, reduzindo o poder absoluto do desejo da mãe e mediatizando a relação mãe-filho, na medida em que introduz nela um terceiro termo: a Lei, a linguagem, o circuito de intercâmbio social.

A castração simbólica é o coroamento de um processo gradativo de separação entre a criança e a mãe. Em primeiro lugar, é o corte do cordão umbilical. Esse corte é prototípico de todo corte separador e, portanto, de toda castração. É dele que se trata, em última análise, quando a criança teme perder o pênis, através de um corte. O pênis-falo liga a criança à mãe, tanto quanto o cordão umbilical a ligou, um dia, a ela. O corte temido é, no fundo, uma metáfora corporal pela qual a criança exprime — e revive — a angústia do nascimento.

Depois do corte do cordão umbilical, modelo prototípico de castração, perturbação catastrófica da placidez narcísico-fetal, há cortes que vão construindo a separação entre criança e mãe. O desmame é outro corte decisivo. A criança perde o seio-falo, fonte de toda a segurança e de todo o prazer, objeto cuja posse, uso e gozo constitui garantia de completude — a beatitude. Depois, vem a exigência de controle esfincteriano, pelo qual a intimidade corporal entre criança e mãe é mediada por regras, prescrições, interdições. O bastão fecal, dentro da equação freudiana de equivalência simbólica, pode significar um objeto fálico que circula e costura a união entre criança e mãe. Em seguida, vem o drama edipiano e a interdição do incesto. Aí, a mãe tem que ser perdida, como objeto de relação dual, fálico-narcísica, exclusiva e excludente. Essa perda crisma, confirma e consagra o corte do cordão umbilical, que, no nascimento, separa a criança da mãe. Ela instaura, por mediação da Lei e da ordem do simbólico, a presença, no coração do ser do homem, da falta, da cárie, da carência — que o nascimento inaugura.

O falo simbólico é o significante dessa falta, dessa cárie, dessa carência. Ele é o significante do centro do desejo, que é vazio. O falo simbólico é o significante da indeterminação, da liberdade — e da possibilidade da linguagem. Ele é o significante da possibilidade de significação, em termos de um circuito de intercâmbio social. O ser humano é o ser para o qual o mundo, tal como está, não basta. Isto decorre do fato de que ele nasce prematurado e, portanto, incompleto e, em consequência, incompatível com o meio-em-torno que o rodeia. O ser humano, ao nascer, em virtude da prematuração, sofre um corte para cujo preenchimento ele não tem equipamentos. O animal, ao nascer, traz consigo uma trama de instintos capazes de costurá-lo ao meio que o rodeia. Ele não vive a experiência de aguda insuficiência biológico-ontológica na qual o nascimento precipita o ser humano. O animal tem ganchos de abordagem aptos a costurá-lo à realidade. Tendo vindo de casa — do útero — ele continua em casa, já que o Cosmo é sua casa. Ele marcha para o real e se conecta a ele, sem precisar simbolizá-lo. Ao animal, não lhe falta nada. A leitura que faz do mundo corresponde, simetricamente, à estrutura de suas necessidades. O mundo é a concha que o envolve e na qual ele se perde, estático. O animal faz, desde o nascimento, uma experiência de pertinência cósmica que o torna parte do real, íntimo do coração da matéria, filho dileto — e inocente de Deus.

Já o ser humano é, por definição, e em sua essência, impertinente. Nascido, faz uma experiência aguda de derrelição. Ele é jogado no mundo, atirado a um meio que não lhe serve de chão, por faltar-lhe as cordoalhas instintivas pelas quais poderia tecer-se no tapete cósmico, fazendo parte de tudo. Nascimento é exílio amargo, crispação de angústia no corpo, auge de um despedaçamento que vulnera a carnalidade mais íntima do infante. Ele se vê marcado, no centro de sua experiência biológico-existencial, por um impasse originário que se constitui pelo esbarro formidável do corpo nascido com uma muralha impenetrável, incognoscível, nadificante, da qual não salta, de início, nenhuma resposta que corresponda de maneira plena a uma demanda instintiva pré-formada, capaz, portanto, de significar o mundo, tornando-o decifrável.

O instinto não procura, acha. O ser instintivo faz do mundo uma leitura seletiva que o torna imemorialmente familiar. O instinto é, por definição, isso: memória imemorial, lampejo platônico de um conhecimento que se enraíza no começo dos tempos e do mundo. O instinto é a encarnação da lei cósmica, e sua sabedoria transcende, infinitamente, o campo do indivíduo, para inseri-lo numa sabedoria arcaica, que ele não pode modificar. O instinto está despregado da cruz da liberdade, e sua estrutura corresponde aos grandes movimentos do Cosmo, à sucessão das noites e dos dias, às estações com seus coloridos vários e aos cios cujas fogueiras queimam para extinguir-se — sem palavras —, renovando-se em seguida.

Por não ter sido nascido — ou partejado — pelo Cosmo, por não ter dado o salto da natureza para a cultura, por não carregar em seu centro a liberdade — essa fraqueza no coração do ser, como a define Merleau-Ponty —, o animal não precisa dar testemunho da sua passagem no mundo, não precisa falar porque é falado pelo acontecer cósmico, é parte do real, do oceano incomensurável, em movimento, que abarca as constelações mais remotas, e a erva mais modesta — e mais próxima. O animal digere o Cosmo, que o atravessa todo, sem precisar imaginarizá-lo — ou simbolizá-lo.

Já o ser humano, prematurado, biologicamente incompleto, num estado de inermidade que é ímpar em todo o leque riquíssimo da criação, experimenta, ao nascer, a realidade como angústia. A condição de ser humano, como ser-no-mundo, revela ao homem, primigenamente, como uma fulguração apocalíptica de angústia. O rumo do ser nos chega à pele e ao corpo, em primeiríssima instância, pelo aguilhão da angústia. Este dado constitui um dos fundamentos da filosofia heideggeriana. Para Heidegger, a angústia é um estado privilegiado do Dasein, através do qual se anuncia a chegada do ser.

O primeiro movimento do infante, após o nascimento, é refugar a realidade, fonte, para ele, de uma ansiedade catastrófica. Ao saltar do ventre materno para a luz do mundo, o recém–nascido, por mercê da prematuração, por falta de equipamento instintivo, cai no abismo, recebe na carne um montante de estímulos para cuja acalmia a realidade pouco ou nada pode fazer. A criança, ao nascer, esbarra numa muralha de angústia, feita de poderosas, vertiginosas e explosivas excitações que lhe atravessam o corpo. A criança, diante disso, reflui. Ela recua, frente a uma realidade que não a acolhe, buscando abrigo no passado. Para Freud, um dos fantasmas originários é, exatamente, o fantasma da vida intrauterina. A criança, ao nascer, em função da angústia, desnasce. Volta para a casa primordial, cujo modelo está gravado em sua mente. É importante assinalarmos que a criança, nascida biologicamente, se refugia num útero fantasmado, arquetípico, negando, desta forma, o nascimento — e a realidade.

Este é o primeiríssimo passo: a negação da realidade. Pelo narcisismo primário — fusão absoluta e imaginária ao organismo materno — a criança atualiza e dá consistência ao fantasma da vida intrauterina. Ela cria para si mesma um sleeping-bag envolvente e protetor, onde se acolhe — e recolhe — transida. É claro que o intercâmbio da criança com a realidade, do ponto de vista objetivo, se faz incessantemente. Para a escuridão do útero fingido onde ela se abriga, fluem, incessantemente, os rios de leite e mel dos cuidados maternos, que inscrevem no psiquismo infantil as primeiras — e imorredouras — experiências de satisfação. São estas as luzes primordiais, na escuridão da mente. Elas são fulgurações de prazer que prefiguram a realidade — e a antecipam. A vida, em seu fundamento, é sonho. Nascemos, aos poucos, do sonho imaginário para o sonho simbólico, que, em sua ordem, inclui o imaginário e o real e os transmite através da linguagem.

As experiências de satisfação, na criança, vão ser representadas alucinatoriamente, em primeira instância. O infante guarda dentro de si tudo o que lhe é aproveitável, do ponto de vista do prazer. Fica fora o que é mau ou indiferente, desse ponto de vista. A criança, por sua prematuração, não suporta estar separada dos objetos que atendam à sua necessidade e ao seu desejo. Ela os instala, alucinatoriamente, em seu mundo interno, e os investe segundo o ritmo dessas necessidades e desejos. É curioso notar-se aqui que a carência, seja em função da necessidade, seja em função do desejo, vai ser geradora do objeto capaz de preenchê-la e de aplacá-la. No psiquismo primitivo, portanto, regido pelo princípio do prazer, a necessidade ou o desejo aparecem sob a forma dos objetos capazes de satisfazê-los. Se estou com fome, começo por alucinar um seio capaz de atendê-la — e aplacá-la. Ao mesmo tempo, o leite que me chega da realidade externa, e da mãe real, vai ser atribuído não à realidade, mas à alucinação por mim criada. As experiências reais são, para a criança, matéria de sonho, tanto quanto a argila que é, para o escultor, matéria de trabalho. Não há escultura sem argila, da mesma forma como não há objetos alucinatoriamente gratificantes se não houver experiências de satisfação cuja substância é a realidade.

No começo, a criança alucina a realidade e as experiências de satisfação, e as coloca sob a égide do princípio do prazer. Para este, conta o prazer, acima de tudo. Um seio alucinado é mais próximo e coroável ao princípio do prazer do que um seio real, transcendente ao desejo da criança. O princípio do prazer vige no inconsciente, seja infantil, seja adulto, é a mola que põe em marcha os sonhos. O psiquismo primitivo, alucinatório, a serviço do princípio do prazer, tem nos sonhos o seu herdeiro privilegiado. Os sonhos estão basicamente a serviço da realização de desejos, embora recalcados. Neles, tanto quanto no psiquismo primitivo do infante, a necessidade aparece sob forma de sua satisfação. Se sonho com um banquete é porque estou com fome. Se dormi com o desejo de comer uma maçã, posso sonhar que a como. O desejo, cujo centro é uma cárie — uma carência —, aparece no sonho como um preenchimento dela e, portanto, como satisfação do desejo.

A atividade alucinatória do psiquismo infantil, assim como os sonhos, visa à completude e serve ao princípio do prazer. Neste sentido, possui, imaginariamente, função fálica, visa à negação da falta e à expansão do narcisismo. Aqui chegamos a um ponto crucial — nodal — da evolução humana. O princípio do prazer nega a realidade. Este é o primeiro movimento do infante ao nascer. Ele reflui para si próprio e constrói um mundo de objetos imaginários, constituídos por via alucinatória, que têm por função negar a falta, a cárie, a carência que nos constitui, em nosso centro. Essa função, negadora da realidade, é uma função fálico-imaginária. Ela obtura o espaço vazio, de indeterminação e liberdade, no qual a realidade pode fazer sua aparição. Ela utiliza as experiências da satisfação, que a realidade oferece, para negá-la, através da atividade alucinatório-
-imaginária. Numa primeira etapa, a criança transforma, radicalmente, a realidade em sonho, dispensando-a, nesta medida. Ela seria uma realidade onírica e alucinatória feita à imagem e semelhança de suas necessidades e desejos satisfeitos.

Essa negação primária da realidade vai, entretanto, até um certo ponto. Ela é, inicialmente, indispensável para que a criança possa defender-se das insuportáveis angústias mobilizadas pelo nascimento. Quanto mais prematurada e inerme estiver a criança, mais terá ela que abrigar-se ao sleeping-bag de sonho e prazer que fabrica para si mesma. Há, entretanto, um momento em que a realidade externa começa a cobrar seus direitos. A criança começa a perceber que os objetos capazes de satisfazê-la transcendem sua possibilidade de criá-los a seu bel-prazer. Eles têm existência própria, densidade própria, movimentos próprios, vão e voltam, se ausentam, se separam da criança sem que esta possa ter sobre eles controle absoluto.

Começa a vigência do princípio da realidade. Esta passagem do princípio do prazer para o princípio da realidade tem significado momentoso. Ela marca o início do processo de um novo nascimento — ou re-nascimento — pelo qual a criança, perdendo a onipotência que lhe conferia o princípio do prazer, tem que sair de si — e de sua abastança narcísica — para buscar o mundo externo e os objetos externos.

No princípio é a negação da realidade. Minhas produções alucinatórias, embora a utilizem, a dispensam. Vivo num mundo onipotente de completude fálico-imaginária. Com o passar do tempo, e em virtude do processo de minha própria maturação, percebo, literalmente, que não posso viver de ilusão. Os objetos externos se impõem, cada vez mais e, com sua autonomia, me fazem perceber as falhas de meus jogos — e dispositivos — imaginários. Preciso da realidade e dos outros, cada vez com mais urgência. A negação da realidade, pela qual construí meu sentimento de completude narcísica, tem que agora ser, por sua vez, negada.

A negação dessa negação é o simbólico. Perco a capacidade de fechar os olhos ao mundo, através de minhas construções imaginárias mas, abrindo mão delas, vou simbolizá-las, no mundo exterior, segundo as leis que o regem e, acima de tudo, segundo as leis da linguagem e da cultura. Pela linguagem, simbolizo também o mundo externo, ao nomeá-lo e articulá-lo. A linguagem, portanto, é a terceira margem do rio, confluência do sonho e da realidade, núpcias da pulsão e do Logos, que, no transporte da paixão, engendra o verbo. Há quem pense que, com a dominância do princípio da realidade, o sonho se acabe. Em verdade, não acaba nunca. O sonho é centelha que salta do desejo e é através dela que vou acender as fogueiras através das quais o rosto do mundo se ilumina. O sonho, levado aos ombros da realidade, que o simboliza, é o projeto profundo do homem e a teleologia da história. O sonho, vivido, enraizado no real, que o suporta, vai ser a matriz da utopia, o eixo das grandes transformações que fazem a grandeza do processo civilizatório.

* * *

Voltemos ao conceito de castração simbólica. Ela significa, exatamente, esse trânsito do imaginário, fálico e onipotente, para o mundo da realidade externa. O desejo tem que desinvestir seus fantasmas inconscientes, cujo momento obedece ao princípio do prazer, para dirigir-se aos objetos externos, regendo-se pelo princípio da realidade. A completude fálica é, no caso, perdida. No mundo inconsciente primitivo, o desejo surge sob forma de sua satisfação. Não existe, como vimos, falta, cárie — carência. A passagem pelos desfiladeiros da castração simbólica implica a perda dessa dimensão fálica. Se quero comer uma maçã, não basta sonhá-la, ou aluciná-la. Essa possibilidade, dirigida para o mundo externo, implica a aceitação do princípio da realidade: tenho que comprá-la, ou pedi-la, ou roubá-la da árvore da ciência do bem e do mal. De qualquer forma, tenho que assumir minha incompletude, a partir do meu desejo de comer a maçã. Minha fome é estímulo para que eu, jungido ao princípio da realidade, vá buscá-la, inventando, com trabalho e pena, o caminho até ela.

O símbolo, por um lado, atesta a perda da coisa simbolizada. Só simbolizo aquilo que perco. A palavra copo, enquanto tal, é um signo linguístico que não é, obviamente, a coisa significada. Se assim o fosse, conseguiríamos beber água na palavra copo. A palavra é a ausência da coisa, embora a represente e a invoque, evoque — ou convoque.

A castração simbólica marca a possibilidade de simbolizar o mundo interno e o mundo externo. Para tanto, há que perder um e outro. Ao proferir o mundo, transformando-o em discurso, torno-o metabolizável para a minha mente, mas o perco na sua opacidade densa — e impenetrável. O real é impossível — diz Lacan —, e tem razão. O real — ser-em-si — é transcendente a nós, e não se rende ao humano discurso. Ele nos atravessa, nos constitui em nossa materialidade concreta, mas guarda silêncio, aquém — ou além — das palavras. O real está aquém — ou além — do simbólico. Ele é simbolizável e, como tal, pensável. Mas, cerrado em sua noite, é guardião de seu próprio segredo. As coisas simbolizadas passam a representar um dado algébrico numa infinita galáxia de significantes, em movimento estrutural. O código linguístico, as regras e prescrições da cultura, a Lei que os preside e organiza, tudo isso gera a possibilidade de infinitos discursos sobre o real. Ele próprio, mudo e quedo, traz em seu coração o mistério do Cosmo.

A castração simbólica, constituída de um corte crucial, marca o segundo nascimento humano, ou melhor: introduz a criança no universo do simbólico e, como tal, faz ela candidata a sócia plena da sociedade dos homens. A princípio, como já vimos, o infante refoge a realidade e se enrodilha em si mesmo. Ele reflui para o próprio corpo, recompondo imaginariamente a situação intrauterina da qual saíra. Para tanto, utiliza o arquétipo — ou o fantasma originário — de vida intrauterina.

Nesse estado de abastança — de beatitude narcísica — a criança desnasce e se instala em seu universo imaginário. Na noite em que se recolhe, gradativamente, vão se acendendo as luzes alucinatórias que passam a povoá-la. As experiências de satisfação são matéria de sonho e, com ela, o infante produz seus fantasmas, com os quais estabelece uma nexualidade sexual permanente, regida pelo princípio do prazer. O que o recém-nascido faz, ao criar sua fantasmagoria — sua Pasárgada originária —, é negar o corte do nascimento, a separação por ele inaugurada, vivida como hiância, abismo sem fundo, matriz do terror.

Ao negar a realidade, numa primeira instância, a criança nega o nascimento. Em seguida, cria para si um útero — escuridão do narcisismo primário — cuja noite vai gradativamente sendo privada de luzes. A criança cria para si um mundo interno, que ela controla e no qual habita, segundo o princípio do prazer.

Desse mundo, num passo seguinte — negação da negação —, tem ela que sair, para dar-se à luz da realidade. Os objetos externos começam a surgir, em sua objetividade alteritária. A criança tem que aceitá-los e fazer deles objetos de desejo, em substituição aos objetos internos, fantasmados. Para que isto ocorra, é necessário que o mundo interno alucinatório, mais real que a realidade, seja barrado, tornado inconsciente. A libido, investindo os objetos externos, tem sempre gana de voltar à sua primeira, mágica — e prodigiosa — pátria. É daí, mais do que em qualquer outro lugar, que o princípio do prazer arma o seu acampamento faustoso. “La, tout n’est qu’ordre et beauté,/Luxe, calme et volupté.”

Esse mundo primeiro, fálico e onipotente, ingênuo e dionisíaco, anterior à medida apolínea — é preciso perdê-lo. Sua perda vai constituir o cerne da nostalgia humana, síndrome incurável. Mas, ao perdê-lo, ganhamos a possibilidade de simbolizá-lo. O símbolo implica, como vimos, a morte da coisa simbolizada. Mas, ao mesmo tempo, o símbolo a resgata através daquilo que representa. O símbolo comemora — e rememora — a coisa simbolizada, ao representá-la no objeto, material ou semiótico, que a substitui.

O sonho, portanto, uma vez criado, como negação de realidade, para preparar-lhe o advento, não se perde jamais: ele se transforma. A negação dessa negação primígena não representa a destruição do sonho, mas sua transfiguração. O real, antes negado, se torna, como portador de sentido, suporte de sonho — seu símbolo. Winnicott estudou, com sensibilidade maravilhosa, essa transição do sonho para o mundo externo. Seu conceito de objeto transicional tem força iluminante. A criança, ao viver a figura materna como objeto externo, no começo de sua relação alteritária com ela, não pode perdê-la totalmente como mãe imaginária — mãe de sonho. A mãe interna está comigo sempre, como meu anjo da guarda, sombra de luz que me acompanha. Começo a navegar nas águas da realidade agarrado a cada boia de salvação. Ela será representada pelo ursinho de pelúcia ou pelo rabo de fralda de que a criança necessita para dormir ou mesmo para brincar. Através do objeto transicional a criança simboliza a presença mãe, imaginária e real, e, nesta medida, atenua a angústia da perda que a separação alteritária vai aguçar. O objeto transicional é um símbolo em segundo grau. É símbolo, uma vez que a mãe da realidade é símbolo da mãe do inconsciente — profundamente perdida.

Seja como for, para simbolizar a mãe, é preciso perdê-la — profundamente. É por aí que passa o corte da castração simbólica. No inconsciente primígeno, anterior à resolução do Édipo, a mãe é minha, nexual — e sexualmente — numa relação imaginária que antecede — e repele — a Lei da Cultura. Esse matrimônio eidético, ideal, implica uma franja infinita de inscrições, signos, hieróglifos de carne e reentrâncias, rumores, quenturas e odores que vão constituir galáxia materna — obscuro objeto do nosso desejo primordial. É preciso não esquecer que a sexualidade, para Freud, não é sinônimo de genitalidade. O casamento de criança e mãe, representação na fantasmática inconsciente, é um prodigioso painel onde deságuam todos os discursos eróticos do sonho, da fantasia, da intimidade mais profunda e voluptuosa: “La, tout n’est qu’ordre et beauté,/ Luxe, calme et volupté” . Criança e mãe, nesse nível, se dissolvem e resolvem numa intimidade que afoga as diferenças e abole o nascimento. No fundo, o desejo da mãe, no inconsciente, aponta para o desejo de tumulação uterina, de “volta à pátria da homogeneidade”, como diz o poeta.

Essa mãe — é preciso perdê-la. É preciso barrar o desejo do incesto, uma vez que ele visa à saturação do desejo, à sua abolição. Não nos esqueçamos que, em nosso centro, somos fenda, falta, hiância, vazio. Desta falta saltamos para a transformação do mundo. A nossa relação com a realidade externa tem que trazer inscrita, na intimidade de sua estrutura, essa falta que nos torna incompletos e, nessa medida, nos condena à vida e ao movimento do desejo — motor da vida.

Nascer é incompletar-se. A castração simbólica nega a negação dessa incompletude. Ela, portanto, a afirma — e confirma —, por mediação da Lei do Pai e da ordem do simbólico. Perder a mãe imaginária significa simbolizá-la na realidade, conformando-a e afeiçoando-a às exigências da Lei da Cultura. A mãe externa, da realidade, é símbolo da mãe interna, estruturado segundo as exigências de pai simbólico. Essa mãe nos é interdita, em termos de incesto. Não a podemos penetrar genitalmente, uma vez que isto significaria a confirmação da negação do nascimento e, portanto, a morte. Negar a negação do nascimento é ter que abrir mão da mãe, como objeto sexual genital. Fomos expulsos do paraíso, e esta exclusão, que nos trespassa de angústia, torna-se depois o estandarte onde se inscreve a honra da condição humana.

Fomos expulsos do paraíso — e temos que simbolizá-lo, numa tarefa sem termo. O paraíso perdido se torna nossa utopia — futuro da história humana. Em termos de experiência individual, ou pessoal, quanto mais rico e matizado for o paraíso criado em nós pelo amor materno, mais ricas e matizadas serão nossas possibilidades de simbolizá-lo. Não nos esqueçamos que o símbolo implica a perda da coisa simbolizada, para um resgate noutro nível. Quanto mais temos o que perder, mais ganharemos. Quem perder sua vida, ganhá-la-á — diz o Evangelho, e, em matéria de símbolo, tem razão. A representação simbólica do amor materno, da formidável intimidade corporal que ligou criança e mãe, vai constituir o chão do mundo, o fundamento da experiência, a base sem cuja firmeza a vida se torna impossível. Lembro-me de um velho e querido cliente meu, já morto, que me procurou em virtude de uma fantasia pela qual o chão iria abrir-se a seus pés para engoli-lo. Ele vivia apalpando as ruas e calçadas, com o bico do sapato, para tentar defender-se da fenda hiante que lhe roubava alegria e repouso. Expressava, assim, seu desejo de morte, de retorno ao útero materno, pela impossibilidade de simbolizar, a partir da galáxia materna inconsciente, o chão como terra firme e o mundo como a casa do homem.

É claro que esse duro limite na possibilidade de simbolizar o amor da mãe, em virtude da pobreza de sua relação primordial com ela, implicou uma desesperada crispação do desejo genital incestuoso. O cliente, ao palpar com o bico do sapato o chão, em verdade exprimia o seu desejo de penetrar genitalmente a mãe, já que a terra não podia representá-la com termos de firmeza e segurança. Ele queria entrar mãe-adentro por medo de estar vivo, e seu sintoma exprimia, ainda em nível simbólico, o seu desejo de possuir genitalmente a mãe. Ele não podia libertar-se da obsessão de incesto, que também lhe aparecia, diretamente, em sonhos e fantasias. Esta obsessão era sintoma não de muito amor, mas do oposto. O cliente aspirava à total e absoluta intimidade com a mãe por não poder perdê-la, simbolizando-a. Faltava-lhe, para tudo, o que perder. Por não tê–la ganho — não a podia perder, ou melhor: só podia ganhá-la como útero, como urna — como túmulo.

E aqui voltamos ao velho Édipo, com quem o meu velho cliente tanto se assemelhava, não nas vicissitudes concretas da vida, mas na heroica decisão de conhecer a verdade. A legenda do herói tebano constitui ilustração excelente para a tese que estamos desenvolvendo. Édipo teve duas mães — e dois pais. O casal que o gerou — Laio e Jocasta — condenou-o à morte, isto é, à rejeição absoluta. Foi a este casal, e ao desejo funesto que dele emanava, com uma força de destino, que Édipo ficou amarrado, sem poder libertar-se. Édipo matou o pai e casou-se com Jocasta, a quem recebeu como prêmio, sem tê-la conhecido — ou escolhido. Ele não podia simbolizá-la, uma vez que dela não recebera nada, a não ser, talvez, o derradeiro sopro de piedade que a impediu de assassinar a criança com as próprias mãos. Diante dessa mãe que o condenara à morte e de quem, por isso mesmo, não conseguiu libertar-se, só uma coisa podia Édipo desejar e exigir: que ela o acolhesse, de volta, ao seu ventre, perda única do único abrigo que dela recebera. O casamento de Édipo com Jocasta, depois da derrota da Esfinge, representou sua volta ao útero materno. Ao penetrá-la, no ato sexual, num hausto agônico da função simbólica, representava ele o retorno à grande escuridão perdida, noite sem estrelas de que ele fora despejado ao ser dado à luz. O incesto, para Édipo, significou sua última defesa contra a morte. O coito com a mãe simbolizou seu retorno ao útero. Se isto não tivesse sido possível, só restaria a Édipo o caminho da morte. O túmulo simbólico, que Jocasta representou — simbolizando-o para o filho —, teria sido substituído pela urna funerária concreta, berço onde a vasta morte semeia o orvalho de sua anistia absoluta — sem termo e sem retorno.

Em verdade, durante todo o seu casamento com a mãe, Édipo esteve cego, incapaz de vê-la — e de ver o mundo na sua realidade. Lacan, através do conceito de forclusão, mostra de que maneira certos significantes excluídos do universo simbólico deixam de integrar-se ao inconsciente para brotarem do real, sob forma alucinatória. Este é o fundamento do fato psicótico. A partir dessa leitura, pode-se afirmar, com propriedade, que o casamento de Édipo com Jocasta representou uma atuação psicótica, último recurso por ele utilizado para vencer a morte. Jocasta, para ele, foi a mãe não-simbolizável, figura que, por isso mesmo, emergiu não do inconsciente, mas do seio do real, sob forma de alucinação. Jocasta, para Édipo, não era real — era criação alucinatória, já que o real, para o homem, é o impossível. Jocasta era sua cegueira — e sua tumba.

Há, na tragédia de Édipo, um ponto crucial, que agora se elucida. Ao descobrir sua condição de parricida e incestuoso, Édipo, aos brados, clama por Jocasta, nos labirintos e corredores do palácio real de Tebas. Ao encontrá-la morta, por si mesma enforcada, arranca do manto as agulhas que o adornavam e, com elas, dilacera os olhos, tornando-se cego. Antes, na medida em que tinha em Jocasta seu túmulo uterino, onde se recolhia sem precisão de ver, podia fazê-lo, mantendo abertos os olhos. A total cegueira de Édipo, com relação à sua origem, dava-lhe a possibilidade de preservar sua visão. Cego, ele via — porque não via. Ao abrir os olhos, conhecendo a verdade, cegou-se. Édipo não suportou ser dado à luz, pela luz da verdade. Ele só podia viver na escuridão uterina, simbolizando o único dom que a mãe lhe dera: concebê-lo e conservá-lo no ventre até seu nascimento. Perdendo a mãe, cegou-se Édipo para preservar, ao preço da cegueira, sua condição de des-nascido. Sua luz — sua única luz — era a escuridão anterior ao nascimento, para onde, ao cegar-se, se recolheu.

A restante história de Édipo, de grande beleza — e nobreza —, exigiria uma longa elucidação, aqui impossível. Cego, banido de Tebas, reduzido à condição de mendigo, o velho rei, pelas mãos de sua filha Antígona, vagou pelos campos gregos, condenado a assumir sua condição de nascido, embora dela quisesse fugir pela cegueira. Fora dos muros de Tebas, expulso da cidade-mãe, Édipo afinal nasceu, na pobreza e na errância. Seus passos no mundo escuro só eram possíveis pelo amor de Antígona, sua filha, sua irmã e, agora, sua mãe. Através da guia, que era sua luz, também nascida do ventre de Jocasta, pôde Édipo viver uma experiência que, por sua figuração materna, lhe permitiu o resgate final da rainha de Tebas. Sua relação simbólica com Jocasta, passo a passo, foi construída — e tornada possível — através de Antígona. Édipo, pela escuridão do útero, salvou-se da morte. Pela escuridão da cegueira, tentou fazer do espaço do mundo uma tumba uterina. O cuidado de Antígona, entretanto, puxou-o para a luz — Antígona era a mãe que o queria nascido. Jocasta era a escuridão da cegueira. Uma simbolizava a vida. Outra representava a morte.

Venceu a vida, no justo momento em que Édipo morria. Recolhido a um bosque sagrado da cidade de Colona, nas proximidades de Atenas, o velho Édipo prepara-se para morrer. Ele sabe, por predição do oráculo, que sua morte será cercada de circunstâncias miraculosas. Protegido por Teseu, símbolo paterno generoso e forte, reedição a Políbio, pai que o criara, Édipo espera o trespasse.

De repente, o relâmpago de Zeus ofusca o mundo. A terra se abre lentamente, e Édipo, tendo recuperado a visão, é acolhido no reino das deusas subterrâneas, entrando chão adentro. Essas deusas eram as mesmas que, através de pestes e flagelos desencadeados sobre Tebas, haviam levado Édipo rei a instaurar, sobre a morte de Laio, o inquérito que o condenou. Alfa e ômega se encontram, afinal. O túmulo psicótico de Édipo — útero materno — foi substituído pelo palácio das luzes no coração da terra.

Ao fim, por fim, depois de tê-lo merecido, voltaremos todos para casa.

 

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