Bachelard e Monet: o olho e a mão
Resumo
No museu de Cluny de Paris, há um conjunto de seis magníficas tapeçarias do final do século XV. Profanas, cada uma delas se dedica a um sentido natural – e a sexta “A meu único desejo”, o que torna tudo mais intrigante. Tomadas de flores e bichos, predomina nelas o vermelho do qual se destaca invariavelmente uma espécie de tapete flutuante azul com uma dama e um unicórnio. Por que ele? Criação antiga, o unicórnio habitou o imaginário medieval, que explorou e desdobrou sua misteriosa natureza. Ela que só uma donzela poderia dominar. Por isso a serenidade dele nas tapeçarias de Cluny – das quais se destaca a dedicada à visão, já que nela a dama apresenta um espelho ao unicórnio, que nele se vê. Mais: ela vê um ser fantástico se vendo, duplicado. Nesse ziguezagueante itinerário do olhar, parte-se do empírico para o reino da representação artística, submetida ao jogo infindavelmente multiplicador da imaginação. A riqueza é tal que ninguém lembra do trabalho do tapeceiro sonhador, a não ser o filósofo Gaston Bachelard, cultor das mãos e da solidão. Não que ele tenha tratado diretamente de tais tapeçarias. Mas sua obra sobre arte e devaneio oferece possibilidades de desvelamento do segredo que une a dama e o unicórnio.
A começar pela ideia de imaginação segundo Bachelard. Contra a linhagem reflexiva intelectualista, a imagem, para ele, não media o real e o conceitual, mas ultrapassa a realidade. O sujeito do conhecimento não é mais simplesmente espectador. Por isso Bachelard parte da ideia de que “o conhecimento científico é sempre a reforma de uma ilusão”. Não que avenidas de sonhos também não existam na obra de Bachelard. Afinal, por materialista que ele possa parecer, irrompem nela – por meio do cotidiano – lembranças, devaneios, sonhos acordados. Por isso, se há um Bachelard neutro – físico e matemático –, há também um que reconhece espaço como lugar, situado, singular, povoado de lembranças e de experiências coloridas por emoções. Aqui, contra o olhar distanciador, recorre-se à mão, que escolhe, arbitra, decide, cria, sempre investindo a imaginação material contra a resistência do mundo.
Assim foi para o tecelão das obras de Cluny, solitário. A feliz solidão criadora, como a do pintor Claude Monet – que repercute no espírito de Bachelard. Tanto que “ao poeta das mãos” ele dedica três ensaios.
Para quem declara que pinta “como o passarinho canta”, o método de trabalho de Monet não é nada simples. Entre a solidão que desperta a imaginação criadora e o impressionismo que se entrega à fugacidade, ele se defronta com uma grande questão filosófica. Afinal, de que ordem seria a “tortura contínua” de perseguir “a natureza sem poder alcançá-la”? Fluxo universal, rio de águas sempre renovadas – fala-se de Heráclito e da antiga busca do invisível. Pinta-se o tempo. Esforço que se concentra na série de telas dedicadas à catedral de Rouen, composta por nada menos do que quarenta versões de uma mesma cena, catalogadas segundo hora e tipo de luminosidade, nas quais Bachelard vê, para além da captura do invisível, um tipo de alquimia artística capaz de fundir diferentes ingredientes da imaginação material, como segue: “Monet quis que a catedral fosse aérea – na sua substância, na essência de suas pedras. E a catedral tomou da bruma azulada toda a matéria azul que a própria bruma tomara do céu azul”. Não é diferente com a coleção das Ninféias, cujo objetivo é pintar como a água pinta. “Essas paisagens de água e reflexo tornaram-se uma obsessão” – à maneira de um auto-retrato; afinal, como nota Bachelard: “O cosmos, de alguma maneira, está tocado de narcisismo. O mundo quer se ver”. E se vê por intermédio dos espelhos, naturais ou não, como no lago, na pintura, no pensamento.
A enigmática e narcisista face do Universo, esse fantástico unicórnio.
Comecemos por admitir que existe uma linguagem tácita e que a pintura fala a seu modo.[1]
Merleau-Ponty
A TRAMA DO OLHAR
Em Paris, no Quartier Latin, perto da Sorbonne, existe um museu dedicado à Idade Média: o Musée de Cluny. De seu precioso acervo o que mais se destaca e suscita a admiração dos visitantes é, sem dúvida, o conjunto de seis magníficas tapeçarias do final do século XV. Trata-se de um conjunto seriado, sequencial, como estações dos mistérios do teatro medieval. Só que o mistério aí revelado parece, pelo menos à primeira vista, inteiramente profano: cada tapeçaria apresenta alegoricamente um dos cinco sentidos — a visão, o tato, o paladar, o olfato, a audição —, enquanto a sexta contém uma inscrição — À mon seul désir — que torna, pela oculta origem da determinação desse desejo, mais intrigante a significação do conjunto.
Em todas, a mesma delicadeza e exuberância do fundo mil-flores, animado, aqui e ali, pela presença de graciosos animais. Desse fundo em que predomina o vermelho destaca-se uma espécie de ilha ou tapete flutuante azul — o tapete dentro do tapete, como teatro dentro do teatro? — onde estão as personagens centrais do mistério: a Dama e o Unicórnio. Ninguém melhor que Rilke descreveu o conjunto e cada uma das tapeçarias:
Há tapeçarias aqui, Abelone, tapeçarias. Imagino que estás aqui, são seis tapeçarias, vem, passemos lentamente diante delas. Mas primeiro afasta-te um pouco, e olha-as todas ao mesmo tempo. Como são tranquilas. Há pouca variação nelas. Sempre essa ilha oval e azul, flutuando no fundo vermelho, florido e habitado apenas por diminutos animais, ocupados consigo mesmos. Só ali, na última tapeçaria, a ilha emerge um pouco mais, como se se tornasse mais leve. E traz sempre a figura de uma mulher em diferentes trajes, sempre a mesma. Às vezes há ao seu lado uma figura menor, uma criada, e há animais heráldicos, grandes, na ilha, participando da ação. À esquerda um leão, à direita, luminoso, o unicórnio. Seguram estandartes iguais, que expõem bem alto acima deles: três luas de prata erguendo-se, numa fita azul sobre fundo vermelho.[2]
No tempo de Rilke as tapeçarias não mais se encontravam no castelo de Boussac. Haviam sido adquiridas, desde 1883, pelo Musée de Cluny. Rilke percebe nessa transferência para Paris um sinal de novos tempos:
Agora também as velhas tapeçarias da Dame à la Licorne não estão mais no antigo castelo de Boussac. Chegou o tempo em que tudo sai das casas, que já não conseguem reter nada.[3]
Mas foi ainda em Boussac que George Sand descobrira as maravilhosas tapeçarias, imaginando a seu respeito uma bela lenda. Impressionada com os crescentes que os estandartes exibem, criou uma história oriental: as tapeçarias seriam o rico presente que um jovem apaixonado — o príncipe Zizim, filho de Maomé — encomendara para a dama de seus pensamentos e senhora de seu coração.
As pesquisas de especialistas, inclusive em heráldica, mostrarão, porém, que essa história de amor oriental é pura fantasia da escritora romântica. Os símbolos que aparecem nas tapeçarias indicam como sua fonte a família Le Viste, que usava crescentes de prata em seu brasão. Mais: as tapeçarias não pertenceram a uma dama, que as teria recebido como presente de bodas, mas a um homem: Jean Le Viste, que fez brilhante carreira na administração real, em Paris, e morreu em 1500.
Sabe-se agora, com segurança, a época da feitura dos tapetes: entre 1484 e 1500. Conhece-se também sua origem: são obras de anônimos tapeceiros que trabalhavam nas proximidades da corte, numa das cidades do sul da Bélgica, famosas por suas tapeçarias, como Lille, Arras, Bruxelas, Gand, Tournai.[4] Mas nenhuma dessas informações ajuda a decifrar o enigma proposto pelas próprias tapeçarias, que continuam a inspirar escritores[5] e a desatar a imaginação interpretante dos que, diante delas como diante de um oráculo, se entregam ao devaneio e à reflexão. Afinal, o que significa o gesto da Dama na sexta tapeçaria? O que está a fazer, em obediência apenas ao próprio desejo retira do estojo a jóia com que irá se enfeitar? Ou, ao contrário, nele deposita o colar, em sinal de despojamento, de renúncia aos adornos, à sensualidade, à satisfação dos sentidos? Após as cinco estações em que cada sentido é apresentado, será essa a mensagem ascética proposta pela sequência das tapeçarias: a alma impondo como seu único desejo o abandono dos profanos desejos do corpo?
Todas as elucubrações despertadas pelas tapeçarias possuem, porém, um centro de irradiação, ponto nodal da tecedura do mistério: a presença constante da lendária figura do unicórnio. Corpo de cavalo, cabeça de cabra, um único chifre, o unicórnio é uma criação fantástica, imaginária, invenção dos antigos. A primeira notícia que dele temos provém de Ctésias, médico grego que viveu há cerca de quatro séculos antes de Cristo. O imaginário medieval apossa-se desse ser híbrido e fictício, explorando e desdobrando sua misteriosa natureza. O unicórnio aparece então, profusamente, na heráldica e nas artes, como a tapeçaria. A lenda que o envolve fala de sua força prodigiosa e de que somente uma donzela pode capturá-lo.[6]
E é assim que ele surge nas tapeçarias do Cluny: sereno, dócil, sempre à direita da Dama, e luminoso — ressalta Rilke. Mas qual a origem de tanta força e de tão estranha luminosidade?
Uma possibilidade de resposta é sugerida pela tapeçaria sobre a visão (fig. 1). Nela vemos a Dama apresentando ao Unicórnio um espelho onde ele se mira. A Dama vê o Unicórnio que se vê. Aprisionados pela armadilha desse jogo de olhares, vemos a imagem da Dama que vê um ser fantástico, o Unicórnio, que, duplicado, se contempla. Nosso olhar dirige-se a uma representação artística do olhar que, por sua vez, percorrendo a tecedura da arte, encaminha-se e nos encaminha à representação da figura imaginária que se desdobra ao se olhar no cristal do espelho. Nesse ziguezagueante itinerário do olhar, parte-se do olhar empírico, “natural”, e forçosamente se penetra no reino da representação artística que remete, afinal, aos jogos infindavelmente multiplicadores e es-pelhantes da imaginação. O olhar — espelho da alma? — como início da trajetória que conduz, através da mediação dos vários tipos de speculum, às construções imagéticas, aos múltiplos artefatos do imaginário, à imaginação especulante?
Dominados pelo sortilégio dessa troca de olhares, arrastados pela sedução do caminho indicado pela tapeçaria sobre a visão, atraídos pela luminosidade que emana do Unicórnio fantástico, deixamos todavia na sombra uma questão decisiva: quem, diante da tapeçaria, vê a mão do tapeceiro, a mão anônima que sonhou-tecendo esta cena magnífica e enigmática?
Bachelard vê e glorifica a mão sonhadora do artista que cria em solidão feliz. Embora não tenha escrito diretamente sobre as tapeçarias do Musée de Cluny, suas obras sobre arte e devaneio oferecem uma das possibilidades de desvelamento do segredo que une a Dama e o Unicórnio. O museu está localizado no meio do curto caminho que separa da Sorbonne o apartamento da rue
de la Montagne-Sainte-Geneviève, onde o filósofo camponês[7] morou, em seu “exílio” citadino. No caminho, quantas vezes terá entrado no Musée de Cluny e contemplado as tapeçarias da Dama e o Unicórnio? Ele, que legitima filosoficamente o direito ao devaneio e afirma que “no reino do
pensamento a imprudência é um método”,[8] nos incentiva a imaginá-lo diante da tapeçaria A visão. Na cumplicidade entre a Dama, o espelho e o Unicórnio, percebe os estratagemas e a encantação do imaginário oriundo do olhar, mas também reconhece na sábia trama do tecido os frutos materiais da mão imaginante. E, permitindo-se oscilar entre as veredas da imaginação, nesse nosso devaneio imprudente o filósofo está feliz: Bachelard sorri.
BACHELARD (1884-1962)
[…] L’étonnement d’être, disait Bachelard. La stupeur du “il y a”. Tout surgissement du monde l’éveille. Mais pourquoi davantage celui de l’art? Pourquoi y a-t-il plus d’ “il y a” dans la Sainte-Victoire peinte par Cézanne que dans la montagne qui s’écrase derrière Aix? Le langage met au monde. Il y a Bachelard.[9]
Jean Lescure
Numa das primeiras imagens que a filosofia faz de si mesma, ela se vê como pintura. No século V a.C. , Empédocles de Agrigento, no poema Sobre a Natureza, mostra que o caminho que leva à verdade deve ser o que parte das múltiplas experiências dos sentidos e as conjuga com proporção e medida. Certamente em contraposição ao primeiro caminho proposto pelo poema de Parmênides[10] — o de um logos monárquico, monológico, estritamente racional e significativamente apresentado no discurso de uma deusa
Empédocles, líder do movimento democrático em sua cidade, democratiza e humaniza os fundamentos do verdadeiro conhecimento. Para evitar a hybris, desmesura a loucura do homem que pretende escapar de sua moira — seu território, seu destino — e inutilmente tenta invadir a morada dos deuses, reino do absoluto e da imortalidade, é necessário, mostra o filósofo/poeta/político/médico, permanecer na sanidade e na santidade do humano, construindo a única verdade, relacional e mutável, que cabe aos mortais. Esta verdade não é feita do quase-silêncio e da unidade plena e definitiva do tautológico “o que é é” da deusa de Parmênides; é, ao contrário, a que desata a fala e é continuamente tecida pela unificação do múltiplo e do mutável na busca de um menor múltiplo comum, pela compreensão do vário e do disperso, num incessante artesanato gnosiológico regido pelo democrático princípio de isonomia. Por isso, antes de mostrar que o conhecimento deve ser constituído pela representação paritária dos diferentes depoimentos dos sentidos e da razão, como numa assembleia comandada pela isonomia e pela isegoria, Empédocles adverte a Pausânias, o interlocutor-discípulo indispensável à sustentação da dialogia democratizadora: “Irás aprender não mais do que pode alcançar a compreensão de um mortal” (Frag. 2). E, depois de pedir aos deuses que o ajudem para que de sua boca “escoe uma fonte pura”, suplica à Musa: “Envia às efêmeras criaturas apenas quanto lhes seja permitido ouvir” (Frag. 3).
Essa sábia modéstia, filha do senso helênico de hybris e que Nietzsche resgata,[11] confina o discurso da verdade nos limites intransponíveis do humano apenas humano. Mas não contradiz a ambição de se produzir uma obra de beleza, digna de ser apresentada em homenagem aos deuses. Pois a verdade resultante das múltiplas experiências sensíveis, conjugadas com proporção e medida, é também obra de arte, quadro votivo constituído por extraordinária riqueza de matizes e variedade de formas,
[…] assim como quando os pintores realçam com cores múltiplas os quadros sagrados — homens de saber profundo, hábeis em sua arte, cujas mãos escolhem os pigmentos multicores para uma harmoniosa mistura segundo proporções verdadeiras, e daí fazem surgir a imagem e o reflexo de todas as coisas, criando árvores, homens e mulheres, animais do bosque, pássaros e peixes que habitam na água, e deuses também cuja vida é longa, cheia de rendas. (Frag. 23)
Com Empédocles, pela primeira vez, o filósofo se reconhece um tipo de pintor, ele que também pretende construir um pensamento-pintura que seja “a imagem e o reflexo de todas as coisas”, uma representação inteligível do universo, feita pelo jogo harmonioso de seus elementos constitutivos: a água, o ar, a terra, o fogo. Sua sabedoria está justamente em fazer com que seu discurso, esse quadro votivo, embora permanecendo o jorro de uma “fonte pura”, assuma a pluralidade dos matizes das diferentes experiências dos sentidos, combinadas segundo a exigência racional de proporcionalidade, contenção e, equilíbrio. A sabedoria filosófica se apreende, assim, desde suas origens gregas, à imagem de outra sabedoria: a dos hábeis pintores de quadros sagrados, “homens de saber profundo”.
A associação entre filosofia e pintura manifesta as mais diversas formulações, atravessando o pensamento ocidental[12] até chegar a nossa época: a Bachelard, Merleau-Ponty ou Derrida. O motivo dessa frequente associação não está apenas no fato de a filosofia, enquanto representação, encontrar na pintura talvez a melhor metáfora de seu próprio trabalho e do alcance de seu projeto. O principal é que a pintura, vivendo a seu modo, enquanto linguagem, idêntico desafio de representar, expressar ou recriar o mundo, oferece à reflexão do filósofo o contraponto de uma alternativa do próprio estar no mundo e de responder a suas provocações.
Como mostra Merleau-Ponty, em L’oeil et l’esprit, ao contrário da ciência que “manipula as coisas e renuncia a habitá-las”, permanecendo, por isso, um pensamento de sobrevôo, pensamento do objeto em geral, a pintura tem ou busca outra ciência, ciência secreta, aquela que faz Van Gogh afirmar que quer ir “mais longe”. Essa ciência — “saber profundo” que já Empédocles reconhecia nos grandes pintores — é, porém, uma ciência do corpo. Esclarece Merleau-Ponty:
O pintor “emprega seu corpo”, diz Valéry. E, com efeito, não se vê como um espírito pudesse pintar. Emprestando seu corpo ao mundo é que o pintor transforma o mundo em pintura. Para compreender essas transubstanciações, há que se reencontrar o corpo operante e atual, aquele que não é um pedaço do espaço, um feixe de funções, mas um entrelaçado de visão e movimento.b[13]
O emprego do corpo de que fala Valéry na citação de Merleau-Ponty e o reencontro do corpo operante e atual têm, no pensamento de Gaston Bachelard, papel decisivo. E não dizem respeito apenas ao trabalho do pintor, antes constituem as fontes nutridoras de uma das duas modalidades da imaginação: aquela que no artista — pintor, escultor, gravador, poeta — encontra sua expressão adequada: a imaginação material e dinâmica.
Na introdução a L’eau et les rêves, Bachelard resume sua inovadora concepção de imaginação. Ao contrário da longa tradição intelectualista, que reconhece sobreviver em certo freudismo e em Sartre, e retomando pressupostos do romantismo alemão, vê na imaginação não uma faculdade de passiva reprodução de objetos, de fabricação ou manipulação de meras cópias ou duplos dos chamados objetos reais. Na linhagem intelectualista, a imagem é simulacro sem vida própria, sem significação autônoma, sem essencialidade; seu significado está fora dela e deve ser buscado, num indispensável trabalho de tradução, naquilo que ela reproduz ou repete com maior ou menor fidelidade. Mas que só revela sua significação clara sob a forma de conceito. Entre o real e o conceitual, cópia do primeiro e véspera ou casulo do segundo, a imagem é mera passagem, estação intermediária e provisória; no máximo, é trampolim entre o sensível e o inteligível — metáfora, alegoria — jamais ostentando autonomia tautegórica. Bachelard se rebela contra essa tradição que menospreza a imaginação e desvirtua a natureza da verdadeira imagem:
A imaginação não é, como sugere a etimologia, a faculdade de formar imagens da realidade; ela é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que cantam a realidade uma faculdade de sobre-humanidade.[14]
Esclarece:
A imagem percebida e a imagem criada são duas instâncias psíquicas muito diversas e seria necessária uma palavra especial pata designar a imagem imaginada. Tudo que é dito nos manuais sobre a imaginação reprodutora deve ser creditado à percepção e à memória. A imaginação criadora tem funções completamente diferentes da imaginação reprodutora. A ela pertence essa função do irreal que é psiquicamente tão útil quanto a função do real, frequentemente evocada pelos psicólogos para caracterizar a adaptação de um espírito à realidade etiquetada pot valores sociais. Essa função do, irreal reencontra valores de solidão.
É justamente em função da distinção entre imaginação reprodutora e imaginação criadora que Bachelard endereça algumas de suas mais duras críticas à psicanálise, particularmente quando aplicada à apreciação de obras de arte.[16]
A psicanálise se contenta em definir as imagens por seu simbolismo […]; esquece todo um domínio de pesquisas: o domínio mesmo da imaginação.
[…] Sob a imagem a psicanálise procura a realidade; esquece a pesquisa inversa: sobre a realidade buscar a positividade da imagem.
[…] Para o psicanalista, a fabulação é considerada como ocultando alguma coisa. É uma cobertura. É, portanto, uma função secundária.[17]
A ruptura de Bachelard com a tradição intelectualista, de índole cartesiana, não é marcada apenas pela distinção entre imaginação reprodutora e imaginação criadora. Essa ruptura sobretudo aparece na outra distinção, mais inovadora, entre imaginação formal e imaginação material. Embora reconhecendo ser impossível separá-las completamente, Bachelard distingue “uma imaginação que dá vida à causa formal e uma imaginação que dá vida à causa material”[18]. A primeira corresponde ao império da visão — “a menos sensual das sensações”[19] aquilo que ele chama de vício de ocularidade, característico da mais forte tradição científico-filosófica ocidental e que faz de todo conhecimento tido como legítimo, de algum modo, uma extensão da ótica. É o que se revela no próprio vocabulário básico da ciência e da filosofia: “ideia” (forma visível), “forma”, “teoria”, “evidência”, “perspectiva”, “ponto de vista”, “visão-de-mundo”, etc. Essa imaginação, plena e rigorosamente desenvolvida, conduz à geometrização e ao formalismo. A hegemonia da visão na produção do conhecimento está claramente expressa desde Aristóteles,[20] mas Bachelard mostra que ela fatalmente leva à consideração do mundo enquanto espetáculo, enquanto teatro, enquanto panorama. O sujeito do conhecimento é conduzido à posição contemplativa de espectador, enquanto o objeto do conhecimento tende a fundir-se em unidade homogênea e totalizadora: “É como panorama que o Mundo é totalidade e unidade, massa objetiva oferecida à contemplação”.[21] Dessa hegemonia do olhar surge a pretensão de razão unitária: “[…] Compreender sob um mesmo olhar é a maneira primitiva de compreender numa mesma razão”.[22]
O Bachelard “diurno” das obras sobre epistemologia, voltado para a clarificação dos conceitos científicos de nosso tempo e preocupado em extrair as consequências filosóficas das conquistas efetuadas pela teoria da relatividade, pela física quântica ou pelas geometrias não-euclidianas, reconhece: o novo espírito científico não é fruto de mera contemplação, pois busca o pormenor, não a visão panorâmica, revelando o complexo por dentro da aparente unidade. A nova concepção de fenômeno evidencia a intervenção do sujeito na configuração do objeto de conhecimento; mas não intervenção espiritual, subjetiva, idealista. Trata-se de intervenção racional mas por via tecnológica, que resgata e valoriza implicitamente a categoria de manualidade, efetuando-se enquanto atividade concreta de uma techné:
A física matemática corresponde a uma noumenologia muito diferente da fenomenografia onde pretende se aquartelar o empirismo científico. Essa noumenologia aclara uma fenome-notécnica, por meio da qual fenômenos novos são não simplesmente encontrados, mas inventados, construídos em todas as suas peças.[23]
Mas é sobretudo o Bachelard “noturno”, dedicado à exploração dos universos do devaneio e da arte, que apresenta os resultados, no campo do imaginário, do corpo a corpo do “corpo operante” com o corpo do mundo. É que a imaginação material provém do intenso comércio de nosso corpo com a corporeidade do mundo, constituída pela conjugação das raízes de Empédocles: a água, o ar, a terra, o fogo. Dessas fontes primaríssimas surge a tipologia quaternária da imaginação material: quatro tipos básicos de “temperamentos” artísticos ou filosóficos. E mostra ainda Bachelard: a imaginação material desenvolve-se primeiro, bem antes que as tramas do olhar e da fala construam o imaginário ocularista-formalizador. Essa a imaginação originária, da primeira infância, do infante:
Os primeiros interesses psíquicos que deixam traços inapagáveis em nossos sonhos são interesses orgânicos. A primeira convicção calorosa é um bem-estar corporal. Na carne, nos órgãos é que têm nascimento as imagens materiais primeiras. Essas primeiras imagens materiais são dinâmicas, ativas; estão ligadas a vontades simples, espantosamente grosseiras. A psicanálise suscitou revoltas ao falar da libido infantil. Compreender-se-ia talvez melhor a ação dessa libido se lhe fosse restituída a forma confusa e geral, se a relacionássemos a todas as funções orgânicas. A libido aparece então como solidária de todos os.desejos, de todas as necessidades. Seria considerada como uma dinâmica do apetite e encontraria saciedade em todas as impressões de bem-estar. Uma coisa, em todo caso, é certa — é que o devaneio na criança é um devaneio materialista. A criança é um materialista nato. Seus primeiros sonhos são sonhos de substâncias orgânicas.[24]
Bachelard, como Empédocles, sabe da complementaridade isonômica dos dois lados do humano: o diurno e o noturno.[25] Ele mesmo descreve a alternância, em seu trabalho, do claro e do obscuro: sobre sua “mesa de filósofo” que reconhece ser sua “mesa de existência”, obras contendo devaneios poéticos e obras científicas, construídas por “pensamentos severamente ordenados”, incessantemente se alternam diante do leitor insaciável, solitário mas feliz.[26]
Sua epistemologia está marcada pelo lema: “O conhecimento científico é sempre a reforma de uma ilusão”.[27] Bachelard sabe que não há verdades primeiras, apenas primeiros erros, e que a construção do novo espírito científico exige a superação de vários obstáculos epistemológicos. Destes, talvez o mais difícil de vencer — como Francis Bacon já assinalara em sua doutrina dos ídolos — é o que reside na trama da própria linguagem. É que ela abriga, com frequência, a imprecisão e as ciladas das imagens e das metáforas. Uma tal “poesia” espúria, inconsciente de si mesma e fora de lugar, compromete a tarefa do cientista: é a ganga a ser retirada, para deixar brilhar a claridade da explicação racional, o ouro da cientificidade. Daí a necessidade de uma psicanálise da razão e do discurso científico, objetivo de La formation de l’esprit scientifique, de 1938, onde Bachelard declara: “Uma ciência que aceita as imagens é vítima das metáforas. O espírito científico deve lutar incessantemente contra as imagens, contra as analogias, contra as metáforas”.[28] O grande perigo para o pensamento científico, percebe o Bache-lard diurno, é que as metáforas exercem fortíssima sedução: “Não se pode confinar as metáforas, tão facilmente quanto se pretende, apena no reino da expressão. Quer se queira ou não, as metáforas seduzem a razão”.[29]
Esse fascínio, na verdade, atua sobre o lado noturno do próprio Bachelard. E o que constitui a ganga impura a ser alijada do límpido universo dos conceitos científicos, território da imaginação formal, torna-se a matéria-prima que ele, definitivamente seduzido, põe-se a trabalhar, em obras dedicadas ao devaneio e ao imaginário poético. Também de 1938 é La psychanalyse du feu, que inicia a exploração da imaginação material,[30] alimentada pelas quatro raízes do universo, segundo Empédocles: “Acreditamos ser possível fixar, no reino da imaginação, uma lei dos quatro elementos, que classifica as diversas imaginações materiais segundo sejam vinculadas ao fogo, ao ar, à água ou à terra”.[31] Eis porque, para Bachelard, toda poética possui um componente de essência material
Na verdade, essas mesmas fontes alimentariam também o imaginário filosófico. É o que aparece claramente nas primeiras filosofias gregas, nelas, princípios formais estão sempre associados a um dos quatro elementos fundamentais:
Nesses sistemas filosóficos, o pensamento sábio está ligado a um devaneio material primitivo, a sabedoria tranquila e permanente está enraizada numa constância substancial. E se essas filosofias simples e poderosas conservam ainda fontes de convicção é porque, ao estudá-las, reencontramos forças imaginantes inteiramente naturais. Ocorre sempre assim: na ordem da filosofia, só se persuade sugerindo-se sonhos fundamentais, restituindo-se aos pensamentos suas avenidas de sonhos.[32]
Importante ressaltar: o que pode parecer típico apenas do pensamento filosófico arcaico é generalizado por Bachelard e adquire amplitude universal: por avenidas de devaneios sempre caminha a persuasão filosófica. Não é por isso que o devaneio substancialista, expulso do território da nova ciência, continua a ter abrigo no país da filosofia? Não é também por isso que, do ponto de vista do imaginário, é possível estabelecer afinidades entre poetas e filósofos, como entre Shelley e Nietzsche?[33] Claro, as fontes materiais nutrem a filosofia desde que ela — mas também não é um sonho: de evasão? — não se queira cientificizar, tornar-se pensamento de sobrevôo, como a ciência julgada por Merleau-Ponty. Enquanto sabedoria, dotada de fisionomia própria, hoje como na Antiguidade, a filosofia permanece “situada” e personalizada: obra de uma época, de uma cultura, mas também, sempre, obra de um indivíduo que “não é a soma de suas impressões genéricas”, antes “a soma de suas impressões particulares”.[34] Desse modo, se à ciência formalizante pode competir o esforço continuado de sobrevoar a realidade ou de olhá-la a distância, à filosofia e à arte parece reservado outro destino, outra tarefa: recuperar e incorporar a suas construções, cada qual a seu modo, as raízes dos mitos e dos devaneios infantis, dando voz à originária inserção do corpo do homem no corpo do mundo.
Porque considera que o filosofar jamais deixa de ser um trabalhar sobre experiências culturais e individuais primeiras, Bachelard frequentemente insere em seus textos discretas mas tocantes recordações pessoais,[35] imagens familiares. Ele se justifica: “Racionalista? Tentamos vir a ser, não somente no conjunto de nossa cultura, mas também no detalhe de nossos pensamentos, na ordem pormenorizada de nossas imagens familiares”.[36]
O racionalismo bachelardiano, que se quer militante e setorializado, irreverente e turbulento, pretende construir-se — a exemplo do surrealismo na arte — como no surracionalismo[37] e procura efetivar-se, dia e noite, paralelamente, na ordem dos conceitos e na ordem das imagens. Eis por que, de modo peculiaríssimo, o cotidiano — presente ou passado — irrompe no terreno filosófico e fornece matéria à reflexão: o cotidiano com suas lembranças, seus devaneios, seu sonhar acordado. Nesses momentos, é importante assinalar, a reflexão filosófica não cede lugar ao memorialismo literário: permanece reflexão filosófica, a visitar seus porões e alicerces. Por isso Bachelard não fala do espaço apenas diurnamente, enquanto categoria física e matemática, espaço neutro, impessoal; resgata, no nível do imaginário poético e filosófico, o espaço enquanto lugar: situado, singular, povoado por lembranças pessoais, sítio de experiências colorido por emoções datadas. Esse espaço, que se desdobra e singulariza em casa, concha, ninho, cofre, gaveta…,[38] é cenário da vida do corpo, morada de afetos, fonte depoiesis artística ou filosófica, fundamento da natureza enquanto paisagem. Ao contrário do mundo que o olhar distanciador e contemplativo reduz a vago panorama, a totalidade e a unidade, o espaço do mundo tocado de perto em sua concretude diversifica-se, decompõe-se, pela ação da mão que escolhe, arbitra, decide, cria, em pleno reino da imaginação material, que reconhece a resistência do mundo:
Quando é preciso agir e distinguir, atingir algum objeto em sua forma e em sua força, em sua individualidade e em sua hostilidade, meu devaneio se condensa em pensamentos separados; o universo se decompõe; meu olho, seduzido por minha mão, acomoda-se; sobre sua tensão se regula a tensão de todo o meu corpo, que marcha não mais em direção ao Mundo, mas em direção a uma coisa, uma única coisa, escolhida frequentemente por uma vontade arbitrária, no capricho de um instante.[39]
O mergulho na imaginação imaginante e criadora, em sua vertente material e dinâmica, traz à tona, com o corpo operante e atual, a valorização da mão. Em nome disso, a crítica a certa psicanálise se reforça e se complementa. A redução da imagem a símbolo, a “cobertura”, resultante do intelectualismo ocularista, tende a transformar as imagens de conteúdo material, aparentemente originárias de experiências do corpo a corpo com a natureza, em simples metáforas escamoteadoras de embates interpessoais, familiares, sociais, a exigir tradução. O camponês “exilado” em Paris percebe nesse afastamento da natureza um vício citadino, burguês:
A psicanálise, nascida em meio burguês, negligencia muito frequentemente o aspecto realista, o aspecto materialista da vontade humana. O trabalho sobre os objetos, contra a matéria, não permite que nos enganemos a respeito de nossas próprias forças.[40]
É que o mundo entendido não somente como espetáculo oferecido ao olhar revela-se basicamente como resistência à mão. A mão, inteiramente subjugada ao olho, omite-se no ócio:
A mão ociosa e acariciante, que percorre linhas bem feitas, que inspeciona um trabalho concluído, pode se encantar com uma geometria fácil. Ela conduz à filosofia do filósofo que vê o trabalhador trabalhar. No reino da estética, essa visualização do trabalho concluído conduz naturalmente à supremacia da imaginação formal. Ao contrário, a Mão trabalhadora e imperiosa aprende a dinamogenia essencial do real, ao trabalhar uma matéria que, ao mesmo tempo, resiste e cede como uma carne amante e rebelde.[41]
Bachelard insiste: a mão criadora, autônoma e por isso feliz, que sonha seus próprios sonhos e escapa à tirania da visão, enfrenta os desafios concretos do mundo concreto, levada pela vontade de poder, pelo poder da vontade. Expressa devaneios de força material, movida pelas duas grandes funções psíquicas: a vontade e a imaginação.[42]
Em Sartre, Bachelard descobre o mesmo desdobramento da tendência intelectualista e ocularista[43] em repúdio à materialidade e à manualidade, apesar de seus pressupostos materialistas e de seus vínculos com o marxismo. É que Bachelard lê a filosofia sartriana lendo as imagens de Sartre. E percebe, em La nausée, que a estranheza do mundo é formulada por Roquentin através da repugnância pelo pastoso, enquanto em L’être et le néant a ausência de comum medida entre o homem e as coisas, que o torna irremissivelmente um estrangeiro em qualquer situação, que lhe impede a aderência ao mundo, abre lugar para uma longa meditação sobre o viscoso. Por trás das reflexões sartrianas, Bachelard percebe a “mão ociosa” herdada da fenomenologia de Husserl, ápice de um longo empreendimento ótico-filosófico. De fato, não se formaliza o pastoso, não se geometriza o viscoso. Eles não são interlocutores do olhar, mas da mão:
Nossa luta contra o viscoso não pode ser descrita por colocações entre parênteses. Somente a vista pode pôr entre parênteses, cerrar pálpebras, deixar o interior para amanhã, ocupando-se primeiramente em inspecionar as circunvizinhanças.[44]
Já o artista da mão que sonha — o pintor, o escultor, o gravador — desconhece a repugnância pelo pastoso. Ao contrário de Roquentin, vê no pastoso a resistência do mundo que lhe oferece a oportunidade de criar, de impor à corporeidade.seus devaneios e sua vontade, a carne amante e rebelde pronta a acolher o embate amoroso da demiurgia:
Um escritor romântico, pintor nas horas vagas, acreditava fazer voto de realismo ao proclamar: “Para mim, o mundo exterior existe”. O gravador se compromete mais: para ele, a matéria existe. E a matéria existe imediatamente sob sua mão obrante. É pedra, ardósia, madeira, cobre, zinco… O próprio papel, com seu grão e sua fibra, provoca a mão sonhadora para uma rivalidade da delicadeza. A matéria é, assim, o primeiro adversário do poeta da mão. Possui todas as multiplicidades do mundo hostil, do mundo a dominar. O verdadeiro gravador começa sua obra num devaneio da vontade. É um trabalhador. Um artesão. Possui toda a glória do operário.[45]
Conceitualmente equipado para valorizar a mão e compreender o tipo de imaginação que lhe está relacionado, Bachelard restringe sua abordagem à mão feliz, à mão criadora que realiza a fenomenotécnica da arte. Se substitui aqui o dualismo sujeito/objeto pelo “dualismo energético” matéria/mão,[46] se fala da “cólera que anima o trabalhador”, está pensando na raiva que leva o escultor Eduardo Chillida a martelar o ferro[47] ou na “vontade digital” do gravador que usa o bisel do buril como a relha de um arado sobre uma planície de cobre.[48] Não vai diretamente ao plano social e político. A mão operante e trabalhadora que exalta é mão exemplar, a serviço de “forças felizes”[49] porque criadoras. Não é a mão operária que o marxismo mostra como mão infeliz, marcada pela negatividade da heteronomia e da alienação, despojada de seus próprios frutos. Bachelard tem consciência disso. Descreve a gloriosa mão artista, que se autodetermina e cria em solidão livre e feliz, impondo sua vontade ao corpo do mundo. Mas não esquece a mão escravizada. A última frase do último livro que publicou contém uma cobrança que soa como projeto irrealizado:
Mas ainda é tempo para mim de reencontrar o trabalhador que conheço bem e de fazê-lo entrar em minha gravura?[50]
No lado diurno de sua obra, Bachelard repete e desenvolve insistentemente a tese de seu amigo Roupnel: o tempo possui apenas uma realidade, a do instante. Opondo-se à duração contínua de Bergson com argumentos baseados na psicologia e na teoria da relatividade de Einstein, Bachelard afirma a descontinuidade essencial do tempo, que confere ao instante caráter dramático e o torna elemento temporal primordial:
O espírito, em sua obra de conhecimento, apresenta-se como uma fileira de instantes nitidamente separados. Ao escrever a história dessa obra é que o psicólogo, artificialmente, como todo historiador, aí coloca o liame da duração.[51]
O descontinuísmo e o instantaneísmo marcam também a concepção do Bachelard noturno sobre a imaginação poética. Ele percebe que “a poesia é uma metafísica instantânea” e sabe que “somente uma psicologia aprofundada do instante pode fornecer esquemas necessários à compreensão do drama poético essencial”.[52] Sabe também que “o instante é já a solidão”,[53] mas que essa solidão pode ser feliz, em atos instantâneos de criação, como nos artistas. Como em Claude Monet.
MONET (1840-1926)
Monet é apenas um olho, mas que olho
Cézanne
A pintura de Monet repercute fortemente no espírito de Bachelard. Ao artista que foi um dos maiores poetas da mão, dedica dois ensaios: “Les nymphéas ou les surprises d’une aube d’été” e “Le peintre sollicité par les éléments”, inseridos na obra póstuma Le droit de rêver. Mas também em L’eau et les rêves, que trata do imaginário sobre a água em sua expressão literária, Monet é focalizado e defendido da incompreensão manifestada por um crítico a propósito de suas Ninfeias?[54]
Pode parecer estranho que se filosofe diante de obras de um artista tão cioso de sua espontaneidade, a ponto de declarar: “Eu pinto como o pássaro canta”. E que está ciente de que “não se faz quadros com doutrinas”. Mas, na verdade, os postulados do Impressionismo, que Monet leva à plenitude, acarretam não apenas questões técnicas e opções estéticas, como reacendem questões filosóficas, fundamentais e permanentes.
Em carta a Paul Durand-Ruel, amigo e marchand, datada de janeiro de 1884, Monet descreve seu modo de pintar, ao mesmo tempo que aponta a fonte principal de sua arte: “Sempre trabalhei melhor na solidão e em função apenas de minhas impressões”.[55] Se pela solidão consegue despertar valores que, segundo Bachelard, são mobilizados pelo exercício da função do irreal, característica da imaginação criadora, por outro lado, pela fidelidade às suas próprias impressões, busca captar a realidade fugaz do presente: o fugidio instante que passa. E é por isso que, queira ou não, saiba ou não, ele e, de resto, toda a estética do Impressionismo defrontam-se com antigas e recorrentes questões filosóficas. Pois a “tortura contínua” de tentar seguir “a natureza sem poder alcançá-la” — como confessa em cartas a Gustave Geffroy — é tortura também para filósofos. Monet sabe que o gozo de seu sofrimento decorre do que obsessivamente procura: “Passei a trabalhar numa lentidão que me desespera, porém mais vou, mais vejo que é preciso trabalhar muito para chegar a alcançar o que procuro: a instantaneidade” (carta a Geffroy, de 7.10.1890)[56]. O instante efêmero, “elemento temporal primordial”, súbita morada do poético e da moralidade, segundo Bachelard — eis o que o pintor quer aprisionar com suas tintas. O Impressionismo, sobretudo em Monet, quer ser “essa notação rápida da impressão fugitiva, esse triunfo da sensação sobre a concepção racional — o ‘sinto logo existo’ de Gide em substituição ao ‘penso logo existo’ do cartesianismo clássico”.[57] Para isso, é necessário multiplicar as artimanhas da linguagem pictórica, para tentar deter na tela a passagem ininterrupta do tempo que se revela na incessante itinerância da luz e da sombra, nas marcas que os instantes sempre outros imprimem no corpo multicolorido da natureza: pegadas denunciadoras do fluxo universal, esse rio de águas sempre renovadas. O tema é heraclítico.
Mas se a linguagem verbal da filosofia debate-se em dificuldades ou beira a desistência do silêncio toda vez que tenta exprimir o tempo andarilho, a linguagem pictórica parece dispor de recursos ainda mais exíguos para enfrentar semelhante desafio. De qualquer modo, há no texto fluxo e temporalidade, que podem ser postos a serviço da expressão do tempo universal. O texto, feito de sequências, cesuras, ritmos, passagens, possui liquidez, escorrendo como água itinerante de significações. Por isso, o espaço — a folha de papel — não consegue aprisionar inteiramente a escrita, nem coagular a leitura; ambos vivem tempos próprios e vários, existem enquanto dinamismos, explodem em inúmeras direções. O texto mal pousa sobre o espaço: ele voa, adeja, por ali ele apenas passa. Ao contrário, na pintura, o compromisso da linguagem com seu suporte é intrínseco, a espacialidade é fundamentante: a pintura está ali, existe na tela. O olhar pode percorrê-la e, desse modo, imprimir-lhe certa animação, atribuir-lhe vetores; mas ela ali permanece, no espaço ela jaz e constrói sua poética. Por isso, é extremamente difícil, quase paradoxal, pintar o tempo. Sobretudo o tempo cotidiano, do dia-a-dia, do instante-a-instante, que se torna perceptível à visão sempre estilhaçado nos instantâneos dos intermináveis jogos da luz natural.
Diante do impasse, as soluções tentadas pelo realismo instantaneísta do Impressionismo são como estratagemas que se multiplicam e se conjugam. Antes de mais nada, é preciso pintar a partir da natureza, ao ar livre, como Boudin aconselha a Monet. Mas é indispensável preservar as impressões do instante surpreendido pelo olhar, utilizando-se pinceladas curtas, pequenas “vírgulas”, manchas descontínuas e multicores. O traço de contorno, que torna a forma precisa e sugere o volume, é abolido; o contraste violento entre claro-escuro é evitado, as sombras apresentando-se nuançadas, coloridas por reflexos. A nuança impera na linguagem impressionista, como na música de Debussy.
Empregando com mestria esses recursos, Monet pinta incansavelmente paisagens e paisagens. É também, sem dúvida, autor de magníficos retratos, como o de Madame Gaudibert e os de sua primeira mulher, Camille. Mas é mesmo a natureza que o fascina — e, nela, a luz e os reflexos da passagem do tempo. No meio da natureza prefere situar as personagens, como em Femmes au jardin. Poucas vezes, como neste quadro, a luz do sol penetrou tão fortemente na pintura, aclarando o branco dos vestidos num instante perenizado que sugere o que virá: aquele em que a mulher terá contornado a árvore. Em diversos quadros Monet parece dizer: a paisagem é bem mais que cenário de fundo para as peripécias humanas; é de onde os homens surgem, chão natal e raiz de onde emergem como florações passantes e perecíveis. Algumas vezes chega a indicar: a natureza é a personagem principal do drama da vida, nós, os coadjuvantes. E o que a mulher de azul de Glaieuls parece compreender, ela que deixa o primeiro plano para a exuberância das flores e ocupa modestamente um lugar secundário na cena. Mais: na poética que constrói no espaço pictórico, Monet, como Bachelard, mostra que a natureza enquanto paisagem oferece muitas moradas reais e imaginárias, pois é a casa original, o ninho, o abrigo, a concha, a fonte e o esconderijo de nossos devaneios de luta ou repouso.
Noutro alçapão concebido para tentar aprisionar o instante que voa, Monet produz séries, conjuntos de telas sobre o mesmo tema, às vezes produzidas simultaneamente, cada qual referente a um momento do dia e da luz. Esses momentos diversos da mesma paisagem são como uma sucessão de fotografias do mesmo modelo: modo de se captar a alteridade do mesmo que é sempre outro quando visto sob outra luz, a sempre outra luz de um sempre outro instante. Fixa-se, assim, o passageiro, pereniza-se o efêmero, resguardando-se o essencial da temporalidade: a acidentalidade fugaz.
A primeira das séries de Monet tem por tema a catedral de Rouen. São mais de quarenta telas, realizadas a partir de 1892. Com elas, seguir “a natureza sem poder alcançá-la”, como dissera na carta ao amigo, passa a ser para Monet a obsessão de segui-la detalhadamente, anotando a hora e o tipo de luminosidade reinante. Mas nesses quadros Bachelard vê mais do que a tentativa de captação das atualidades momentâneas do tempo. Vê também um tipo de alquimia artística, capaz de fundir diferentes ingredientes da imaginação material, numa mistura dos elementos de Empédocles que reproduz a alquimia universal:
Um dia, Claude Monet quis que a catedral fosse verdadeiramente aérea — aérea em sua substância, aérea no próprio coração de suas pedras. E a catedral tomou da bruma azulada toda a matéria azul que a própria bruma tomara do céu azul. O quadro de Monet está todo animado por essa transferência do azul, por essa alquimia do azul. Tal espécie de mobilização do azul mobiliza a basílica. Sinta-a, em suas duas torres, tremer com todos os seus tons de azuis no ar imenso; veja como responde, em suas mil nuanças de azul, a todos os movimentos da bruma. Ela possui asas, azuis de asa, ondulações de asas [Fig. 3]. […]
Num outro dia, outro sonho elementar se apodera da vontade de pintar. Claude Monet quer que a catedral se torne uma esponja de luz, que absorva em todas as suas fileiras de pedras e em todos os seus tornamentos o ocre de um sol poente. Então, nessa nova tela, a catedral é um astro doce, um astro ruivo, um ser adormecido no calor do dia. As torres brincavam mais alto no céu, quando recebiam o elemento aéreo. Ei-las agora mais perto da terra, mais terrestres, ardendo apenas um pouco, como fogo bem guardado nas pedras de uma lareira. [58]
Querendo pintar a luz do instante que passa, Monet não recusa desafios. E avança. Percebe que antes que sua tela seja o reflexo das andanças da luz, as superfícies das águas pintam, refletindo, a natureza que ele se tortura por alcançar. Pintar como a água pinta não é, afinal, o que pretende? E eis então Monet pintando a pintura das águas, reproduzindo obsessivamente os quadros líquidos da natureza. Escreve a um amigo: “Essas paisagens de água e de reflexos tornaram-se uma obsessão”. E, de fato, ele as produz inumeráveis e soberbas. Abre-se para Monet o infindável caminho da reflexão. O duplo que a água constrói é duplicado na tela do artista, criando enigmas de espelhamento, ecos visuais sem fim. Sobretudo quando a paisagem se reflete numa água tranquila sob a luz mortiça do amanhecer, o olhar capta e a mão logo reproduz imagens fantásticas que pedem decifração, que testam o intérprete. Por trás dos contornos brumosos não pode surgir, espelhada, a face do Unicórnio? O jogo das simetrias gera manchas esfingéticas que, traduzidas, traduzem — como no teste de Rorschach. Bachelard sabe que certas obras de arte poderiam ser utilizadas também na sondagem do inconsciente.[59] Quadros de Monet — como a série sobre as madrugadas no Sena — talvez permitam esse mergulho.
Em 1883 Monet descobre Giverny, perto de Vernon, a cerca de 70 quilômetros de Paris. Compra uma propriedade, pinta de cores suavíssimas a casa, cerca-a de um enorme e deslumbrante jardim. Ali, na aldeia, rodeado pela natureza que ama com olhar fiel, atento, insaciável, passará os últimos anos de sua vida. Pintor e jardineiro, cria agora paisagens reais, que depois reproduz em suas telas. Monet é cada vez menos apenas o olho: é cada vez mais poeta da mão, na pintura e no jardim.
A partir de 1903, depois de várias viagens a Londres — que retrata em quadros deslumbrantes —, fecha-se em seu paraíso de Giverny. Dali sai, porém, em 1908, para um encontro inevitável e decisivo: vai a Veneza. A cidade, que vive sobre espelhos e se contempla permanentemente nas águas, é tão o que Monet obsessivamente persegue — espelhamento e reflexos de cores e luzes — que a princípio o inibe. “É bela demais para ser pintada”, declara. Mas depois não resiste — e pinta rapidamente, às vezes simultaneamente, mais de trinta telas magníficas. Em Veneza, percebe-se, dá um passo adiante em sua busca: surgem quadros que dispensam a perspectiva, que suprimem as oblíquas,[60] como o Palais da Mula. A superfície da tela pode ser lida agora como pura verticalidade ou pura horizontalidade. Monet passa do pitoresco ao puro pictural, assinala Pierre Schneider. A tela é agora apenas superfície a ser pintada, água mansa, espelho a ser trabalhado em si mesmo, por si mesmo. Pintor, Monet passa a ser, mais que antes, pintor que pinta uma tela, no tempo próprio da pintura: “O tempo que passa, o mundo que muda, param, para Monet, em 1908. As telas de Veneza são um adeus às alegrias e aos dissabores do ‘relativo’ e do ‘acidental’, a tudo o que nunca mais será e não estará alhures — e que paga caro esse privilégio”.[61]
Monet está preparado para o desafio das ninfeias.
Em Giverny, para além do jardim francês que circunda a casa, Monet cria um jardim oriental. Em seu centro, alimentado por águas desviadas do Epte, o sereno lago dos nenúfares. Sobre o lado-espelho debruçam-se salgueiros, que acrescentam aos reflexos formados na superfície tranquila algumas imagens de verticalidade, a suscitar bachelar-dianos devaneios de profundeza.[62] Tudo está preparado para que o jogo dos reflexos conduza do olhar à reflexão. Pois a lâmina líquida junta água, céu, luz, nuvem, planta, numa alquimia que funde os elementos naturais, como na cosmogonia de Empédocles, regida por Philia e Neikos, Amor e Discórdia. A mesma alquimia que Bachelard encontra na pintura de Monet. No lago, como na tela, os contrários convivem e se harmonizam, o próprio fogo do céu desce à terra e permanece aceso na água. No lago, como na tela, eis o quadro votivo da sábia pintura que homenageia os deuses e que Empédocles aponta como modelo para a obra do filósofo. Na representação do mundo — no lago, na tela, na filosofia, o cumprimento do narcisismo universal, assinalado por Bachelard: “O cosmos, de alguma maneira, está tocado de narcisismo. O mundo quer se ver”.[63] E se vê por intermédio de todos os espelhos, naturais ou artefeitos: lago, pintura, pensamento. A enigmática e narcisista face do universo, este fantástico Unicórnio.
Influenciado pela arte japonesa, colecionador de gravuras japonesas que enfeitam as paredes de sua casa e onde o tema frequente é o espelho das águas, Monet caminha em direção à sabedoria do Oriente.[64] E, unindo sabedoria ocidental e sabedoria oriental, coloca sobre o lago pontes japonesas, motivo de uma de suas séries mais famosas. Convite ao ritual de passagem que é a auto-reflexão, uma das pontes, na primavera, vegetaliza-se, cobre-se de glicínias. É toda verde, conduzindo do verde ao verde, ligando natureza à natureza, mistério a mistério. Ao se passar por ela, vive-se uma metáfora da própria existência humana. E pode-se olhar para baixo, debruçar-se, como salgueiro pensante, e se ver a si mesmo sobre a água sereníssima do lago. O que se vê então é o reflexo do próprio rosto, entre as imagens das raízes do universo, no meio de nenúfares: auto-retrato sempre inacabado, como o pintado por Monet.
E sobre as águas, boiando, as ninfeias. Taças florais que em seu heliotropismo se abrem em oferendas à luz, metáforas vegetais da própria pintura — sobretudo do impressionismo de Monet —, mas metáforas também da vocação apolínea da filosofia, as ninfeias serão reproduzidas obsessivamente pelo pintor, no final de sua vida. Seduzida pela luz, no verão, em cada alvorecer, a flor da ninfeia emerge das profundezas escuras do lago, ovo noturno que lentamente desabrocha — para de novo se recolher sob a água quando a luz desaparece. Comenta Bachelard: “A cada aurora, após o bom sono de uma noite de verão, a flor da ninfeia, imensa sensitiva das águas, renasce com a luz, flor assim sempre jovem, filha imaculada da água e do sol”.[65] Por isso mesmo, acrescenta: “a ninfeia é a própria flor do impressionismo, […] é um instante do mundo”.
No culto pictórico das ninfeias, Monet parece descobrir, afinal, a fonte de sua tortura, o motivo de sua tortura de artista. O que busca tão obsessivamente na sucessão dos instantes não será a conquista do absolute?[66] Talvez por isso, a infindável série das ninfeias aponte para um horizonte infinito, que da paisagem, do natural, leva à dimensão do sagrado. Sobretudo as Grandes ninfeias do l’Orangerie, que Monet ofertou a seu admirador Clemenceau, contêm, pela ausência de margens ou limites nessa água primordial que reflete, chama, seduz, um gesto que aponta na direção do infinito: “As grandes ninfeias não são paisagens, mas ícones de um novo sagrado que escolheu se manifestar através das aparências da natureza”.[67]
Monet, eterno enamorado da natureza, olho atentíssimo a vigiar os matizes do mundo para transportá-los, poeta da mão, às telas prodigiosas, madrugava para presenciar o espetáculo nunca o mesmo do despertar da luz e das ninfeias. Sacerdote da arte, diariamente oficiava seu culto à natureza, à luz, ao tempo e à sacralidade da beleza. Criou quadros votivos, sábios quadros votivos, marcados por delicada forma de amor, de caridade. Sábio, Bachelard entendeu o sentido da sabedoria de Monet, essa ninfeia apaixonada pela luz:
Claude Monet compreende essa imensa caridade do belo, esse encorajamento dado pelo homem a tudo que tende ao belo, ele que durante toda a vida soube aumentar a beleza que caía sob seu olhar […]. Em todos os atos de sua vida, em todos os esforços de sua arte, Claude Monet foi um servidor e um guia das forças de beleza que conduzem o mundo.[68]
- M. Merleau-Ponty, A linguagem indireta e as vozes do silêncio, trad. de Pedro de Souza Moraes, vol. Merleau-Ponty, col. “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 1980, P. 147. ↑
- R. M. Rilke, Os cadernos de Malte Laurids Brigge, trad. de Lya Luft, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1979, p. 75. ↑
- Idem, ibidem, p. 76. ↑
- A. Erlande, La Dame à la Licorne, Musée de Cluny, Paris, Editions de la Réunion des Musées Na-tionaux, 1981. ↑
- É o caso de Etienne de Sadeleer: Chant d’amour de la Dame à la Lkorne, Paris, Librairie Grund, 1973. ↑
- A. Erlande, op. cit. Sobre a presença do unicórnio no imaginário oriental e ocidental, ver O Mito do Unicórnio, de Roger Caillois (Diógenes, n? 9, Editora Universidade de Brasília, 1985). Caillois mostra, inclusive, que a teologia cristã medieval chega a ver no unicórnio um símbolo de pureza e força, uma representação de Cristo (p. 111). ↑
- Bachelard nasceu em Bar-sur-Aube, em Champagne (1884) e somente se transferiu para Paris em 1940, convidado por Léon Brunschvicg para ministrar cursos na Sorbonne. ↑
- G. Bachelard, “Le Surrationalisme”, em L’engagement rationaliste, Paris, Presses Universitaires de France, 1972, p. 11. ↑
- J. Lescure, Un été avec Bachelard, Paris, Luneau Ascot Editeurs, 1983, p. 229. ↑
- O segundo caminho apontado pelo poema de Parmênides é o da doxa, dos mortais de duas cabeças, que estabelecem convenções provisórias a partir de’ suas múltiplas e diferentes experiências. ↑
- Em Humano, demasiado humano Nietzsche escreve: “[.. .] A teologia inteira está edificada sobre o falar-se do homem dos últimos quatro milênios como de um eterno, em direção ao qual todas as coisas do mundo desde seu início tenderiam naturalmente. Mas tudo veio a ser; não há fatos eternos: assim como não há verdades absolutas. Portanto, o filosofar histórico é necessário de agora em diante e, com ele, a virtude da modéstia”. Nietzsche — obras incompletas, trad. de Rubens Rodrigues Torres Filho, col. “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 2 ed., 1978, p. 92. ↑
- No caso de Platão, que marcará fortemente a tradição ocidental, torna-se necessário, por um lado, entender sua crítica à arte e, em particular à pintura ilusionista, sofística, “impressionista” de seu tempo, como mostra Pierre-Maxime Schuhl, Platon et l’art de son temps — arts plastiques, Paris, Presses Universitaires. de France, 1952. Mas, por outro lado, é imprescindível entender a presença da arte na construção da própria filosofia de Platão, que se quer também “música” –. sob a jurisdição das Musas —, canto, flauteio e teatro de ideias. A analogia com a pintura é imprescindível para elucidar a relação cópia/modelo, central no platonismo, como ressalta Henri Joly, Le renversement platonicien, Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1985. ↑
- M. Merleau-Ponty, L’oeil et l’esprit, Paris, Editions Gallimard, 1964, p. 16. ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, Paris, Librairie José Corti, 1942, p. 23. ↑
- G. Bachelard, La term et les rêveries de la volonté, Paris, Librairie José Corti, 1948, p. 3. ↑
- A relação de Bachelard com a psicanálise é delicada è altera-se ao longo de sua obra. A palavra “psicanálise” aparece no título de seu primeiro livro sobre a imaginação material (La psychanalyse du feu, 1938), mas ele a emprega em acepção extremamente heterodoxa e pessoal. A ruptura mais forte com certo freudismo que prevalece em seu contexto cultural é expressa por Bachelard na “Introdução” a A poética do espaço, de 1957 (trad. bras. de Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal, col. “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 2 ed. 1984). Sobre Bachelard e a psicanálise, particularmente: ensaios e debates em Bachelard — Colloque de Cerisy, Paris, Union Générale d’Editions, 1974. ↑
- G. Bachelard, La teffe et les rêveries de la volonté, p. 19. ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, p. 2. ↑
- Idem, ibidem, p. 31. ↑
- Aristóteles, La métaphysique, tomo 1, livro I, 980a trad. J. Tricot, Paris, Libraire Philosophique J. Vrin, 1948, p. 1-2. ↑
- G. Bachelard, “Le mon.de comme caprice et miniature”, em Etudes, Paris, Librairie Philosophi-que J. Vrin, 1970, p. 26. ↑
- Idem, ibidem, p. 28. ↑
- G. Bachelard, “Noumène et microphysique”, em Etudes, p. 18-19. ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, p. 12-13. ↑
- Empédocles de Agrigento deixou dois poemas: Sobre a Natureza, poema cosmogônico/ cosmológico, “científico”; e Purificações, poema “religioso”, que apresenta temas órfico-pitagóricos, como a metempsicose. ↑
- G. Bachelard, Laflamme d’une chandelle, Paris, Presses Universitaires de France, 1970, p. 111. ↑
- G. Bachelard, “Noumène et microphysique”, em Etudes, p. 14. ↑
- G. Bachelard, La formation de l’esprit scientifique, Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1967, Idem, ibidem, p. 78. ↑
- Idem, ibidem, p. 78. ↑
- Sobre a imaginação material e dinâmica, Bachelard escreve: La psychanalyse du feu (1938), Lau-tréamont (1940), L’eau et les rêves (1942), L’air et les songes (1943), La teffe et les rêveries de la volonté (1948), La term et les rêveries du repos (1948), La poétique de l’espace (1957), La poétique de la rêverie (1961), além de inúmeros ensaios reunidos no volume póstumo Le droit de rêver (1970). Inacabada permaneceu a nova obra sobre o fogo, editada por sua filha, Suzanne Bachelard: Fragments d’une poétique du feu (Paris, Presses Universitaires de France, 1988). ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, p. 4. ↑
- Idem, ibidem, p. 5. ↑
- Bachelard apresenta um verdadeiro díptico, juntando Shelley e Nietzsche, no capítulo “Nietzsche et le psychisme ascensionnel”, de L’air et les songes. Deleuze rejeita o temperamento ascensional atribuído por Bachelard a Nietzsche (A lógica do sentido, trad. de Luiz Roberto Salinas Fortes, São Paulo, Perspectiva, 1982, p. 132). ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, p. 10. ↑
- J. Lescure, op. cit., p. 87 e ss. ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, p. 10. ↑
- G. Bachelard, “Le surrationalisme”, em L’engagement rationaliste, p. 7 e ss. ↑
- G. Bachelard, La poétique de l’espace. ↑
- G. Bachelard, “Le monde comme caprice et Miniature”, em Etudes, p. 26. ↑
- G. Bachelard, La terre et les rêveries de la volonté, p. 19. ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, p. 19. ↑
- G. Bachelard, La terre et les rêveries de la volonté, p. 51. ↑
- A frase que abre L’imagination de Sartre é, significativamente: “Je regarde cette feuille blanche” (Paris, Presses Universitaires de France, 1956, p. 1). ↑
- G. Bachelard, La terre et les rêveries de la volonté, p. 116. ↑
- G. Bachelard, “Matière et main”, em Le droit de rêver (O direito de sonhar, trad. de José Américo Motta Pessanha, São Paulo, Difel, 1986) ↑
- G. Bachelard, La terre et les rêveries de la volonté, p. 25. ↑
- G. Bachelard, “O cosmos do ferro”, em O direito de sonhar, p. 45. ↑
- G. Bachelard, “O Tratado do Buril de Albert Flocon”, em O direito de sonhar, p. 75. ↑
- G. Bachelard, La terre et les rêveries de la volonté, p. 33. ↑
- G. Bachelard, La flamme d’une chandelle, p. 112. ↑
- G. Bachelard, L’intuition de l’instant, Paris, Editions Gonthier, 1a. ed., 1932, p. 19 ↑
- G. Bachelard, “O instante poético e o instante metafísico”,, em O direito de sonhar, p. 182 e 188. ↑
- G. Bachelard, L’intuition de l’instant, p. 13. ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, p. 40. ↑
- As citações das cartas de Monet provêm do livro: Tout l’oeuvre peint de Monet (1870 — 1889), Les Classiques de l’Art, Paris, Flammarion, 1981, p. 5-10. ↑
- G. Bachelard, “O instante poético e o instante metafísico”, em o direito de sonhar, p. 189 ↑
- M. Serulaz, L’Impressionisme, Paris, Presses Universitaires de France, 1961, p. 10. ↑
- G. Bachelard, “O pintor solicitado pelos elementos”, em O direito de sonhar, p. 28-9. ↑
- G. Bachelard, “A dinâmica da paisagem”, em O direito de sonhar, p. 58. ↑
- P. Schneider, “Prefácio” de Monet et Venire, de Philippe Piguet, Paris; Editions Herscher, 1986. ↑
- Idem, ibidem, p. 13. ↑
- G. Bachelard, L’eau et les rêves, p. 13 ↑
- Idem, ibidem, p. 42 ↑
- S. M. F. Machado, Presença da arte japonesa na obra de Monet, Rio de Janeiro, Arte Final, 1986 ↑
- G. Bachelard, “As ninfeias ou as surpresas de uma alvorada de verão”, em O direito de sonhar, p. 10. ↑
- D. Wildenstein, “Giverny ou la conquête de l’absolu”, em Monet à Giverny: au-delà de l’Im-pressiomirme, Nova York, The Metropolitan Museum of Art, 1978. ↑
- P. Schneider, op. cit., p. 13. ↑
- G. Bachelard, “As ninfeias ou as surpresas de uma alvorada de verão”, em O direito de sonhar, p. 7. ↑